terça-feira, 30 de agosto de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 16

 


Continuando...

            Fiquei escondido até que a tarde fosse embora. Não ouvi mais nenhum barulho na estrada, então podia sair com segurança. Mas se passasse alguém e me visse com a pasta? Essa pergunta invadiu a minha cabeça como um flash. Não podia facilitar mesmo. Pensei, pensei até que me veio uma ideia: aquele capim podia me ajudar a esconder a pasta. Peguei o meu canivete, companheiro inseparável, e comecei a cortar o capim. Depois de cortar uma boa quantidade, arranjei um cipó que descia de uma árvore próxima e fiz um amarrado. Depois coloquei a pasta dentro e amarrei mais um pouco abaixo. Demonstrando tranquilidade saí do mato e me dirigi para a casa. Quando lá cheguei já estava noite. Só um ponto de luz que vinha da minha humilde casa, parecendo um vaga-lume riscando o breu, era a única claridade que me servia de guia na estrada escura e poeirenta. Por precaução, antes de entrar, arranjei um esconderijo para a minha bolsa. Entrei e a minha mãe já demonstrava preocupação. Dei uma desculpa e fui lavar as mãos e o rosto. Ela já estava com a mesa posta. Isso era um hábito que ela não desprezava. Podia não ter nada para se comer, mas a mesa tinha que estar arrumada. Mas naquela noite era diferente. Os pratos tinham a sobra do peixe do almoço. Aquilo cheirava a fartura. Para completar o lauto jantar, peguei o pacote de biscoitos, que estava quase cheio, e entreguei a minha mãe. Aquela, depois de muito tempo, era a nossa sobremesa. Comemos com prazer. Depois a minha mãe perguntou como consegui o biscoito. Disse que uma pessoa tinha me dado. Indagou também sobre o trabalho. Menti dizendo que no dia seguinte talvez eu conseguisse uma colocação. Não era coisa fixa, mas daria para arranjar pelo menos a comida. Nunca mais me esqueço do seu sorriso. A felicidade estava ali. Eu menti e ela ficou feliz. Meu Deus será que isso vai dar para abrandar a minha pena?

          O dia seguinte amanheceu exuberante. Fui até ao meu esconderijo, abri a bolsa e saquei uns trocados. Peguei um pouquinho para não levantar suspeitas.

              A cidade, como de costume, estava vazia. Fui até ao posto de gasolina e mais uma vez pedi um emprego. A resposta foi à mesma: não. Insisti com o frentista se, por um acaso, não sabia de algum lugar que estivesse precisando de alguém. Ele olhou na minha cara, botou a mão na frente da boca e do nariz, e deu um não sonoro. Entristecido, andei até o mercado e procurei comprar alguma coisa para levar para casa. Não querendo levantar suspeitas, comprei o mínimo. Eu já tinha na cabeça o que faria na volta: pescar. Dessa vez tinha trazido linha e anzol.

             Comprei arroz, macarrão e um pedaço de toucinho. Gastei pouco. A precaução em primeiro lugar. Até pensar no destino que daria àquela bolsa, eu ia tirando algum dinheirinho só para manter a família alimentada.

             Do lado de fora do mercado escutei uma conversa de um casal de idosos. O senhor dizia:

             - Viu minha velha. Os princípios vindos de berço são fundamentais para a formação de uma pessoa. Se a família passa os valores morais corretos, os filhos serão corretos. Mas eu fiquei com pena do fim trágico do menino. Uma criança. Disseram-me que tinha quinze anos, mais ou menos. Ninguém soube dizer de onde ele era, muito menos filho de quem. Alguém comentou que ele não deve ser da região. Uma coisa estranha é que escondeu a bolsa, antes de ser pego por Walter. Ele disse que já estava na rua e lembrou-se da bolsa. Voltou e encontrou o garoto remexendo no escritório. Gritou e o garoto virou-se, parecia que tinha uma arma na mão, aí Walter atirou sem pestanejar. O tiro foi certeiro, não dando chance nenhuma do menino se defender. Segundo Walter, ele ainda colocou a mão no ferimento, virou-se e tombou sem vida, caindo de bruços de frente para a janela aberta que seria a sua fuga.

  .............Continua Semana que vem!

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