Que lugar lindo. Que vista! Nesse momento, nem parece que passei tanto
sufoco. Estranho como a gente esquece rápido, os maus momentos. Não é bem
esquecer. Esquecer, esquecer, não se consegue jamais. Acho que quando o
medo vai embora, temos a sensação que superamos tudo. O prazer que estou
sentindo agora afastou todo momento ruim. Oh! Que maravilha! Oh! Que... Que
droga é aquilo? Parece a lancha daqueles bandidos! Como a alegria dura pouco!
- Omar! Omar!
- O que foi!
- Olha lá pra baixo! Vê se você reconhece aquela
lancha!
- Cara! Parece a lancha daqueles bandidos! Meu irmão
sobe rápido! Vamos sair fora daqui! A gente está correndo o risco de cair na
boca do lobo!
- Deixa comigo. Fica tranquilo. Vamos continuar a descer,
mas vamos pousar bem mais a frente.
- É arriscado. Não facilita.
- Omar. Omar. Já estamos passando sobre a cabeça deles. Com
certeza não nos viram.
- Como você tem certeza?
- Se não já tinham atirado na gente. Vamos pousar depois
daquele pontal. Pousamos tranquilamente e depois a gente some no mundo.
- Se eles nos virem? Virão com tudo em cima da gente!
- São uns filhos da puta! Se eu tivesse uma bomba aqui,
acabava com todos eles! Não ia deixar barato não!
- Hei! Equilibra essa droga aí! Assim a gente vai cair! O
que é que você está fazendo?
- Não estou fazendo nada! Omar! Estamos frito!
- Cara! Dá o seu jeito! Equilibra essa droga!
- Ela não está me obedecendo mais! E eu não sei o que
fazer! Estamos descendo muito rápido! Acho que vamos cair! Vamos cair! Meu
Deus!
Estou debaixo
d’água. Estou morrendo. Estou morrendo.
- Hei! Quem são vocês? Quem é você? Onde eu estou?
- Quem eu sou? Olha bem pra mim! O que é que você
acha?
- Eu... Não consigo pensar direito. Estava debaixo
d’água. Eu me lembro que estava caindo dentro mar.
- Dentro do mar? Que história é essa?
- Vocês não me resgataram do mar? Eu caí de asa
delta.
- Hei cara! Você ficou chapadão mesmo! Anita, a dose
foi muito forte! Asa delta? Só faltava essa!
- Quem são vocês?
- Eu sou o seu irmãozinho querido. E mais velho.
- Que brincadeira é essa? Irmão? Eu não tenho irmão!
- Nosso pai nunca falou da gente? Aquele safado deve
ter dito que era solteiro. Minha mãe morreu e nunca desconfiou das safadezas
dele. Safado! Safado! Safado! Estava sempre viajando. Dizia que era para
negócios. E ela acreditava. Sempre negócios. Como era burra, meu Deus!
- Não estou sabendo de nada! Nem sei o que estou
fazendo aqui! E que papo é esse de nosso pai!
- Deixa de ser cara de pau! Você é muito engraçado!
Não sabe o que veio fazer aqui?
- Essa mulher aí... Estou me lembrando dela. Lá do
bar, não é? Bebi um copo de cerveja com ela.
- É minha mulher. Anita, ele é seu cunhado! Ou era!
Vamos ver se ele é esperto?
- Não estou entendendo o que vocês querem comigo.
- Irmãozinho. Você vai entender já, já. A sua saúde,
só vai depender de você mesmo. Anita me passa aqueles documentos. Isso.
Irmãozinho é só assinar estes papéis e vai ficar tudo tranquilo! Você vai pegar
o seu carrinho e voltar para o Rio de Janeiro!
- Que papéis são esses?
- Não interessa! Assina e pronto! Aí fica tudo
resolvido!
- Eu não assino nada sem ver o que estou assinando.
Simplesmente não vou assinar.
- Patrãozinho! Deixa que eu faço ele assinar
rapidinho!
- Não Camilo. Sabe que não gosto de violência. Meu
irmãozinho vai assinar por livre e espontânea vontade. Não é irmãozinho?
- Não estou entendendo o que você quer comigo. A
minha cabeça está uma confusão só. Eu não estou bem. Estou me sentindo meio
atordoado. Vocês devem fazer parte da gang que estava querendo me matar.
- Que gang é essa? Você não está bem mesmo. Como eu poderia matar você?
Você é meu irmão. Querendo ou não, você é meu irmão. Não consigo tirar a vida
de alguém que tenha o meu sangue. Isso deve ser um desvio do meu caráter. E é
sorte sua. Sou um cara sentimental.
- Então você não vai me matar?
- Irmãozinho, é claro que não. É tudo bem simples. Basta
você assinar os documentos e acaba tudo por aqui. Eu vou pra fazenda e você
volta para o Rio de Janeiro. Certo?
- Mas que documentos são esses?
- Está difícil, hein! Você não sabe mesmo? Não? Então...
Você não se lembra o que veio fazer aqui na Bahia?
- Não. Não me lembro.
-Não se recorda de nada, de nada? Nem do nosso pai?
- Nosso pai? Eu me lembro do meu pai. Nem sabia que tinha irmão.
- Você está de sacanagem comigo. Não é? Anita, a dose foi forte.
Eu te falei pra pegar leve. Foi por isso que ele custou tanto a acordar. Pelo
jeito, o irmãozinho nem sabe que papai morreu.
- O seu pai morreu?
- O nosso pai. Já faz tempo e você nem veio para o funeral. Filho
desnaturado, você é!
- Eu não sou filho desnaturado! Meu pai morreu mesmo?
- Porra cara! Eu já disse! Nosso pai morreu!
- Mas eu nem soube. Quanto tempo faz?
- Dois meses. Você não sabia, mas veio buscar a herança, né?
- Herança? Que herança? Eu nunca liguei pra herança! Eu nunca
soube que o meu pai tivesse alguma coisa. Vivíamos sempre apertados de grana.
Estávamos sempre duros.
- Isso é história sua. Vou acabar ficando emocionado. Camilo.
Coloca-o sentado naquela cadeira. Limpa bem a mesa, pra não sujar os
documentos.
- Deixa comigo, coroné!
- Camilo! Já te disse pra não me chamar de coroné! Isso é coisa do
passado! Isso é pro pessoal antigo!
- Tá certo, patrão!
- Teozinho. Acaba logo com isso.
- Calma Anita. Deixa eu conversar mais um pouquinho com ele. Você
deve estar se perguntando o porquê d’eu estar tão paciente, com ele, não
é? Acho que é o meu lado sentimental. É isso. Eu não sabia que tinha um
irmão. Fico até emocionado. Viu irmãozinho, como estou sendo paciente com
você? Vamos lá, Hermes! Não é esse o seu nome?
- É. E pelo jeito você está cansado de saber. Ela também está querendo
me matar?
- Anita? Não! Ela não mata nem mosca! Pode ficar tranquilo. Eu acabei me
esquecendo de me apresentar. Eu tenho certeza que você nunca mais vai me
esquecer. José Teobaldo, esse é o meu nome. Mas todo mundo me conhece como
Teozinho. Mas vamos deixar de papo! Vamos agora pra parte mais importante:
assinar a papelada... Eu sabia que tinha um irmãozinho generoso. Um irmãozinho
com total desprendimento dos bens terrenos. Viu Anita! Ele está desistindo da
sua herança, em prol do seu querido irmão!
- Teozinho! O carioca é gente boa! Alivia!
- Não estou te entendendo! Eu soube que você levantou as asas pra
ele!
- Que levantei as asas o quê! Eu quase matei o cara! Isso sim! Eu só fiz
o que você mandou!
- Eu vi patrão. Ela trabalhou direitinho. Fez tudo como o sinhô disse.
- Eu sei Camilo. Ela é fiel. Mas também, se não for, eu corto o pescoço
dela!
- Ih! Teozinho! Quando você fala essas coisas, eu fico toda arrepiada!
Cruz credo!
- Camilo, ela ficou com medo. Meu amor, depois a gente conversa. Vamos
lá, irmãozinho. Sem mais papo. Está bem confortável?
- Quem fica confortável perto de um maluco?
- Cuidado com a língua! Assina logo isso aí!
- E se eu não assinar? Você não vai me matar, não é? Você disse que não
tira a vida de quem tem o seu sangue!
- Se você não assinar? Claro que não vou te matar! Falei isso sim!
Respirou aliviado, hein! De jeito nenhum vou te matar, mas... mas o Camilo faz
o serviço. O seu sumiço vai ser excelente. Aí serei o único herdeiro. Fácil,
fácil!
- Aí é que você se engana! Tem a minha mãe!
- A sua mãe? Camilo ele não sabe o que aconteceu.
- O que houve com a minha mãe?
- Coitada. Vazamento de gás. Isso... Não foi Camilo?
- Vocês mataram a minha mãe! Não acredito!
- Não! Não! Camilo ia até dar um susto nela, mas quando lá chegou, já
tinha acontecido o acontecido! Foi acidente mesmo!
- Filhos da puta! Eu vou me vingar de vocês! Podem ter certeza disso! Eu
vou atrás de vocês! Até no inferno eu vou!
- Irmãozinho, fica calmo. Eu sei que não sou santo. Isso eu não sou
mesmo. Podia até dar um susto nela, mas tirar a vida dela não. Porque ela era a
mãe do meu irmão. Mas o destino acabou conspirando ao meu favor. Acho que Deus
se encarregou de fazer o serviço pra me beneficiar.
- Vocês não podiam fazer isso! Não acredito em acidente! Vocês mataram a
minha mãe! Irmãozinho! Vou te perseguir para o resto da vida!
- Agora você confirmou que é sangue do meu sangue! Gostei disso!
Mas vou te dar um conselho: não perde o seu o tempo à toa! Você nunca vai
chegar perto de mim! Meu pessoal vai cuidar de você! Hoje foi a primeira e
última vez que você me viu. Sabe de uma coisa: eu podia dar ordem para acabarem
com você. Mas agora eu vou topar esse desafio. Gostei da sua atitude.
Irmãozinho. Se nós fossemos filhos da mesma mãe, íamos ser unha e carne. Vamos
logo! Assina essa droga! Antes que eu mude de ideia!
- Não precisa apertar o meu pescoço, cara! Vou assinar essa droga! Não
sou ambicioso mesmo!
- Agora você está mostrando também que é inteligente!
Droga! Até que a menina podia
chegar aqui!
- O que é que você está resmungando?
- Estou só assinando. Pronto! Faça bom proveito!
- E muito! Eu já era poderoso! Agora sou o mais poderoso daqui! Vamos
pessoal! Deixa essa mala aí! Camilo, deixa a chave do carro. O tanque está
cheio?
- Está sim, patrãozinho!
- Ótimo. Vamos embora. Até nunca mais, irmãozinho!
- Escuta só: vou me vingar de você. Me aguarde. Vou no seu calcanhar.
- Estou te esperando. Não demora muito, tá bom?
- Filho da mãe!
Que droga! E a menina que não
apareceu! Ela disse... Olha ela lá! Por que não veio pra me ajudar? Hei! Hei!
Vem cá! Vem cá! Ela está chorando. Começou a falar alguma coisa, mas não
consigo entender. Ih! Está sumindo! Virou fumaça!
- Irmãozinho! Eu vou acabar com você! Vou te procurar, até no inferno!
Me aguarde! Me aguarde!
Fim