terça-feira, 31 de maio de 2016

A Menina do Rochedo - Parte Final

Continua...
Que lugar lindo. Que vista! Nesse momento, nem parece que passei tanto sufoco. Estranho como a gente esquece rápido, os maus momentos. Não é bem esquecer. Esquecer, esquecer, não se consegue jamais.  Acho que quando o medo vai embora, temos a sensação que superamos tudo. O prazer que estou sentindo agora afastou todo momento ruim. Oh! Que maravilha! Oh! Que... Que droga é aquilo? Parece a lancha daqueles bandidos! Como a alegria dura pouco!
      - Omar! Omar!
      - O que foi!
      - Olha lá pra baixo! Vê se você reconhece aquela lancha!
      - Cara! Parece a lancha daqueles bandidos! Meu irmão sobe rápido! Vamos sair fora daqui! A gente está correndo o risco de cair na boca do lobo!
    - Deixa comigo. Fica tranquilo. Vamos continuar a descer, mas vamos pousar bem mais a frente.
   - É arriscado. Não facilita.
   - Omar. Omar. Já estamos passando sobre a cabeça deles. Com certeza não nos viram.
   - Como você tem certeza?
   - Se não já tinham atirado na gente. Vamos pousar depois daquele pontal. Pousamos tranquilamente e depois a gente some no mundo.
   - Se eles nos virem?  Virão com tudo em cima da gente!
    - São uns filhos da puta! Se eu tivesse uma bomba aqui, acabava com todos eles! Não ia deixar barato não!
    - Hei! Equilibra essa droga aí! Assim a gente vai cair! O que é que você está fazendo?
    - Não estou fazendo nada! Omar! Estamos frito!
    - Cara! Dá o seu jeito! Equilibra essa droga!
    - Ela não está me obedecendo mais! E eu não sei o que fazer! Estamos descendo muito rápido! Acho que vamos cair! Vamos cair! Meu Deus!
               Estou debaixo d’água. Estou morrendo. Estou morrendo.
     - Hei! Quem são vocês? Quem é você? Onde eu estou?
     - Quem eu sou? Olha bem pra mim! O que é que você acha?
     - Eu... Não consigo pensar direito. Estava debaixo d’água. Eu me lembro que estava caindo dentro mar.
     - Dentro do mar? Que história é essa?
     - Vocês não me resgataram do mar? Eu caí de asa delta.
     - Hei cara! Você ficou chapadão mesmo! Anita, a dose foi muito forte! Asa delta? Só faltava essa!
     - Quem são vocês?
     - Eu sou o seu irmãozinho querido. E mais velho.
     - Que brincadeira é essa? Irmão? Eu não tenho irmão!
     - Nosso pai nunca falou da gente? Aquele safado deve ter dito que era solteiro. Minha mãe morreu e nunca desconfiou das safadezas dele. Safado! Safado! Safado! Estava sempre viajando. Dizia que era para negócios. E ela acreditava. Sempre negócios. Como era burra, meu Deus!
     - Não estou sabendo de nada! Nem sei o que estou fazendo aqui! E que papo é esse de nosso pai!
     - Deixa de ser cara de pau! Você é muito engraçado! Não sabe o que veio fazer aqui?
     - Essa mulher aí... Estou me lembrando dela. Lá do bar, não é? Bebi um copo de cerveja com ela.
     - É minha mulher. Anita, ele é seu cunhado! Ou era! Vamos ver se ele é esperto?
     - Não estou entendendo o que vocês querem comigo.
     - Irmãozinho. Você vai entender já, já. A sua saúde, só vai depender de você mesmo. Anita me passa aqueles documentos. Isso. Irmãozinho é só assinar estes papéis e vai ficar tudo tranquilo! Você vai pegar o seu carrinho e voltar para o Rio de Janeiro!
     - Que papéis são esses?
     - Não interessa! Assina e pronto! Aí fica tudo resolvido!
     - Eu não assino nada sem ver o que estou assinando. Simplesmente não vou assinar.
     - Patrãozinho! Deixa que eu faço ele assinar rapidinho!
     - Não Camilo. Sabe que não gosto de violência. Meu irmãozinho vai assinar por livre e espontânea vontade. Não é irmãozinho?
     - Não estou entendendo o que você quer comigo. A minha cabeça está uma confusão só. Eu não estou bem. Estou me sentindo meio atordoado. Vocês devem fazer parte da gang que estava querendo me matar.
- Que gang é essa? Você não está bem mesmo. Como eu poderia matar você? Você é meu irmão. Querendo ou não, você é meu irmão. Não consigo tirar a vida de alguém que tenha o meu sangue. Isso deve ser um desvio do meu caráter. E é sorte sua. Sou um cara sentimental.
    - Então você não vai me matar?
    - Irmãozinho, é claro que não. É tudo bem simples. Basta você assinar os documentos e acaba tudo por aqui. Eu vou pra fazenda e você volta para o Rio de Janeiro. Certo?
    - Mas que documentos são esses?
    - Está difícil, hein! Você não sabe mesmo? Não? Então... Você não se lembra o que veio fazer aqui na  Bahia?
  - Não. Não me lembro.
  -Não se recorda de nada, de nada? Nem do nosso pai?
  - Nosso pai? Eu me lembro do meu pai. Nem sabia que tinha irmão.
  - Você está de sacanagem comigo. Não é? Anita, a dose foi forte. Eu te falei pra pegar leve. Foi por isso que ele custou tanto a acordar. Pelo jeito, o irmãozinho nem sabe que papai morreu.
  - O seu pai morreu?
  - O nosso pai. Já faz tempo e você nem veio para o funeral. Filho desnaturado, você é!
  - Eu não sou filho desnaturado! Meu pai morreu mesmo?
  - Porra cara! Eu já disse! Nosso pai morreu!
  - Mas eu nem soube. Quanto tempo faz?
  - Dois meses. Você não sabia, mas veio buscar a herança, né?
  - Herança? Que herança? Eu nunca liguei pra herança! Eu nunca soube que o meu pai tivesse alguma coisa. Vivíamos sempre apertados de grana. Estávamos sempre duros.
  - Isso é história sua. Vou acabar ficando emocionado. Camilo. Coloca-o sentado naquela cadeira. Limpa bem a mesa, pra não sujar os documentos.
 - Deixa comigo, coroné!
 - Camilo! Já te disse pra não me chamar de coroné! Isso é coisa do passado! Isso é pro pessoal antigo!
 - Tá certo, patrão!
 - Teozinho. Acaba logo com isso. 
 - Calma Anita. Deixa eu conversar mais um pouquinho com ele. Você deve estar se perguntando o porquê d’eu estar tão paciente, com ele, não é?  Acho que é o meu lado sentimental. É isso. Eu não sabia que tinha um irmão. Fico até emocionado.  Viu irmãozinho, como estou sendo paciente com você? Vamos lá, Hermes! Não é esse o seu nome?
- É. E pelo jeito você está cansado de saber. Ela também está querendo me matar?
- Anita? Não! Ela não mata nem mosca! Pode ficar tranquilo. Eu acabei me esquecendo de me apresentar. Eu tenho certeza que você nunca mais vai me esquecer. José Teobaldo, esse é o meu nome. Mas todo mundo me conhece como Teozinho. Mas vamos deixar de papo! Vamos agora pra parte mais importante: assinar a papelada... Eu sabia que tinha um irmãozinho generoso. Um irmãozinho com total desprendimento dos bens terrenos. Viu Anita! Ele está desistindo da sua herança, em prol do seu querido irmão!
- Teozinho! O carioca é gente boa! Alivia!
- Não estou te entendendo!  Eu soube que você levantou as asas pra ele!
- Que levantei as asas o quê! Eu quase matei o cara! Isso sim! Eu só fiz o que você mandou!
- Eu vi patrão. Ela trabalhou direitinho. Fez tudo como o sinhô disse.
- Eu sei Camilo. Ela é fiel. Mas também, se não for, eu corto o pescoço dela!
- Ih! Teozinho! Quando você fala essas coisas, eu fico toda arrepiada! Cruz credo!
- Camilo, ela ficou com medo. Meu amor, depois a gente conversa. Vamos lá, irmãozinho. Sem mais papo. Está bem confortável?
- Quem fica confortável perto de um maluco?
- Cuidado com a língua! Assina logo isso aí!
- E se eu não assinar? Você não vai me matar, não é? Você disse que não tira a vida de quem tem o seu sangue!
- Se você não assinar? Claro que não vou te matar! Falei isso sim! Respirou aliviado, hein! De jeito nenhum vou te matar, mas... mas o Camilo faz o serviço. O seu sumiço vai ser excelente. Aí serei o único herdeiro. Fácil, fácil!
- Aí é que você se engana! Tem a minha mãe!
- A sua mãe? Camilo ele não sabe o que aconteceu.
- O que houve com a minha mãe?
- Coitada. Vazamento de gás. Isso... Não foi Camilo?
- Vocês mataram a minha mãe! Não acredito!
- Não! Não! Camilo ia até dar um susto nela, mas quando lá chegou, já tinha acontecido o acontecido! Foi acidente mesmo!
- Filhos da puta! Eu vou me vingar de vocês! Podem ter certeza disso! Eu vou atrás de vocês! Até no inferno eu vou!
- Irmãozinho, fica calmo. Eu sei que não sou santo. Isso eu não sou mesmo. Podia até dar um susto nela, mas tirar a vida dela não. Porque ela era a mãe do meu irmão. Mas o destino acabou conspirando ao meu favor. Acho que Deus se encarregou de fazer o serviço pra me beneficiar.
- Vocês não podiam fazer isso! Não acredito em acidente! Vocês mataram a minha mãe! Irmãozinho! Vou te perseguir para o resto da vida!
 - Agora você confirmou que é sangue do meu sangue! Gostei disso! Mas vou te dar um conselho: não perde o seu o tempo à toa! Você nunca vai chegar perto de mim! Meu pessoal vai cuidar de você! Hoje foi a primeira e última vez que você me viu. Sabe de uma coisa: eu podia dar ordem para acabarem com você. Mas agora eu vou topar esse desafio. Gostei da sua atitude. Irmãozinho. Se nós fossemos filhos da mesma mãe, íamos ser unha e carne. Vamos logo! Assina essa droga! Antes que eu mude de ideia!
- Não precisa apertar o meu pescoço, cara! Vou assinar essa droga! Não sou ambicioso mesmo!
- Agora você está mostrando também que é inteligente!
            Droga! Até que a menina podia chegar aqui!
- O que é que você está resmungando?
- Estou só assinando. Pronto! Faça bom proveito!
- E muito! Eu já era poderoso! Agora sou o mais poderoso daqui! Vamos pessoal! Deixa essa mala aí! Camilo, deixa a chave do carro. O tanque está cheio?
- Está sim, patrãozinho!
- Ótimo. Vamos embora. Até nunca mais, irmãozinho!
- Escuta só: vou me vingar de você. Me aguarde. Vou no seu calcanhar.
- Estou te esperando. Não demora muito, tá bom?
- Filho da mãe!
          Que droga! E a menina que não apareceu! Ela disse... Olha ela lá! Por que não veio pra me ajudar? Hei! Hei! Vem cá! Vem cá! Ela está chorando. Começou a falar alguma coisa, mas não consigo entender. Ih! Está sumindo! Virou fumaça!
- Irmãozinho! Eu vou acabar com você! Vou te procurar, até no inferno! Me aguarde! Me aguarde!

                                                                                    Fim                                 









segunda-feira, 23 de maio de 2016

A Menina do Rochedo - Parte 12

Continuando...
- Tá legal. Relaxa. Não tem nada de caldeirão, não. Vamos lá. Rui Barbosa resolveu fazer uma viagem para o Amazonas. Se não me engano, na época ele era Ministro, não sei do quê. Mas era Ministro. Era um cara viajado. Sabia que ele foi professor de inglês na Inglaterra?
      - Não tô sabendo nada disso.
      - Também não tenho certeza não, mas é o que eu soube por aí. Mesmo sendo um cara viajado, não conhecia o Amazonas. Queria ver de perto o Rio Amazonas e os seus afluentes. Queria se inteirar dos costumes da população ribeirinha. Se pudesse iria conhecer também, algumas tribos indígenas da região. De preferência as já pacificadas. Era pequeno, mas não era bobo. Não queria se arriscar a virar petisco de algum índio antropófago. E lá foi ele. Chegou em algum afluente do rio Amazonas. Queria ir para o outro lado. Mesmo sendo um afluente, não era nada pequeno.
     - Ele era pequeno? Mas ele podia encontrar uma índia antropófaga pequenininha. Não seria melhor?
     - Porra cara! Você está confundindo as coisas! Que diferença faz o cara ter um metro e meio ou dois metros? A tribo com esse tipo de costume, gosta de comer carne humana!  Você confundiu o comer! Não é o que você pensou! Posso continuar?
     - Eu sabia lá da altura dele! Nunca vi! E a índia... Já comeram tantas por aí!
     - Omar! Se liga! Com essas índias, não devia sair nem um beijinho sequer! Você podia perder a língua!  Você era melhor quando ficava calado! Continuando. Rui procurou algum morador ribeirinho e se informou da possibilidade de algum barqueiro prestar-lhes serviço. Esse senhor levou-o até um casebre próximo, onde o morador tinha uma pequena canoa. A mulher do barqueiro disse onde poderiam encontrá-lo. Lá foi Rui com o senhor. Não andaram muito e lá avistaram o barco ancorado. O barqueiro, um caboclo troncudo, de estatura mediana, foi apresentado a “águia de Haia”. Imediatamente ele se dirigiu ao barqueiro nestes termos:
     - Oh, da África! Quanto queres em remuneração pecuniária, para transportar-me deste polo, até aquele outro hemisfério?
        O caboclo assustado, sem nada entender, respondeu perguntando:
     - O quê sinhô, cimitério?
             Rui meio indignado partiu para a ofensa.
     - Oh bucéfalo! Como ousas menoscabar a minha alta prosopopeia! Dar-te-ei um soco no alto da sua sinagoga, transformando as suas massas cefálicas em simples substâncias oxidas cadavéricas!
          O caboclo, meio que estatelado, sem entender patavina do que ouvia, falou, com os olhos esbugalhados:
      - O sinhô não me leva a mar não! Mais isso tudo num cabe dentro da minha canoa, não! A gente vai prufundu!
      - Gostou Omar? Pensei que fosse rir um pouco.
      - Rir? Rir de quê? Que graça tem essa piada? Estou igual a esse caboclo aí da estória: não entendi nada! Como é que você pensou que eu fosse, na altura do campeonato, achar engraçada qualquer piada, ainda mais essa que não tem graça nenhuma?
      - Porra Omar! Estou tentando descontrair um pouco! Posso?
      - Descontrair? Porra cara! Estamos aqui parados no ar! A garota olhando pra gente! E a gente sem saber o que ela está pensando! De repente pode até estar maquinando uma forma de nos aniquilar! E você aí tentando fazer gracinha! Não percebeu ainda que estamos fritos? Se liga! Essa não é hora pra piada!
      - Vai se ferrar Omar! Você é uma caveira sem senso de humor! Caveirinha marrenta! Se aquela menina fosse fazer mal a gente, já tinha feito há muito tempo! Arquitetando o quê? Não precisa nem pensar, é só derrubar a gente!
      - E se ela for sádica! Já pensou nisso? Acho que ela só está dando um tempinho pra água ferver e depois jogar a gente dentro do caldeirão!
      - Que drama! Tem água fervendo coisa nenhuma! Que mente criativa a sua! Pior disso tudo, é que nem mente você tem mais! Sabe de uma coisa: não sei como você continua falando e pensando!
      - Não vem com essa não! Você sabe que essa pergunta é muito difícil de responder! Pode ser que eu nem esteja falando! Já se perguntou se eu não sou criação da sua cabeça? Eu estava lá deitadinho! Você chegou e começou a falar comigo! Eu nem tinha ainda dado conta que tinha passado dessa pra melhor! Você é um cara muito doido!
      - Vamos deixar isso pra lá? Você não consegue uma explicação pra você e eu não encontro explicação convincente pra mim! Então devemos ser dois malucos! Não acha?
             Ele não respondeu. Está completamente calado. Esse silêncio repentino me incomoda. Será que essa caveira não existe? Se não existe eu pirei. Será isso tudo uma grande fantasia? Mas como eu estaria fantasiando? Eu estava no bar, com uma cabocla linda! E depois? Isso é que está me deixando encucado. Já me belisquei e senti dor. Isso é um grande indício de lucidez. Ou não? Não me lembro de ter sonhado alguma vez e ter sentido dor. Acho que estou vivendo uma coisa real. Onde está a fantasia? E aquela menina? Se bem que subi aquele paredão vertical de granito, sem escada. É uma coisa a pensar. Pensando na menina e lá está ela fazendo sinal pra mim.
      - Omar! Omar!
      - O que foi?
      - A menina está sinalizando pra gente. Ih! A asa começou a se movimentar! Viu só? É ela realmente que comanda tudo!
      - Aí é que mora o perigo! Cara, e se ela resolver derrubar a asa? Está pensando nisso?
      - Não. Até que não. Isso não me preocupa. Se ela quisesse, já tinha acabado com a gente há muito tempo. Já te falei isso. Mas... De qualquer jeito temos que rezar! Temos que rezar! Por precaução! Só por precaução! Já estamos chegando. Começamos a descer na vertical. Já viu disso? Fica quieto aí. Não fala nada. Vamos ver o que ela quer com a gente.
      - Falar pra quê? E eu vou conseguir?
               Caramba. Estamos descendo bem devagar. Parece que vamos pousar pertinho dela. Paramos. Ainda estamos no ar.  Ela está sorrindo pra mim. Está vindo na nossa direção. Acho que vai segurar a asa. Segurou. E agora?
      - Você está tremendo? Por quê? Continua com medo? Eu comandei todo o movimento da asa delta, porque você deixou!
      - Como assim? Ela é que não respeitava os movimentos! Eu sei que nunca tinha voado... 
      - Falta determinação! Falta o que querer! Falta fé! E o seu medo atrapalha muito! Quando você resolve decidir por alguma coisa, ainda decide fora de hora! Aí entra a ambição. Ela fala mais alto. Ainda vem na garupa a vaidade.
      - Mas eu não sou vaidoso e nem ambicioso!
      - Tem certeza?
      - Claro! Absoluta!
      - Se é assim, está na hora de seguir o seu caminho. O comando da sua vida é todo seu. Mas pode ficar tranquilo que vou continuar dando uma ajudinha. Principalmente no que diz respeito à instabilidade da asa delta. Você vai chegar com segurança até a praia. Vai pousar com tranquilidade. Mas para isso acontecer, vai ter que manter o pensamento positivo, se não alguma coisa pode dar errada.
      - Como assim! Posso morrer?
      - Viu só! Já está com medo! Toma muito cuidado com as suas fantasias. Às vezes as suas criações fantasiosas podem levá-lo para o buraco.
      - Mas as nossas fantasias não nos ajudam a viver?
      - O sonho ajuda, mas a fantasia não. A esperança ajuda, mas a ambição não. Vai com Deus. Vai, mas acho que você devia desistir do que veio buscar. Nunca precisou do que veio atrás. O melhor pra você é abrir mão de tudo.
      - Não estou entendendo nada. Sonho, fantasia, esperança, ambição... O que isso quer dizer? Eu não vim buscar nada! Só vim curtir Porto Seguro! Eu sei que alguma coisa saiu errada! Eu estava naquele bar...
     - Isso eu já sei. Se precisar de mim é só me chamar.
    - Está legal! Vou falar com Omar e vamos embora.
     - Mais uma fantasia? Isso pode levá-lo a loucura.
     - Não! Omar é real! Ele está em cima da asa!
     - Está dando asas a sua imaginação? Desculpe a brincadeira. Voa. Vai. Voa. Mas não se esqueça do que falei.
     - Viu cara! Ela ignorou a minha presença!
     - Ela não te ignorou, ela não te viu. Mas pode ter certeza que sabia que você estava aqui comigo. Vamos embora?
    - Vamos nessa!
    - Omar, olha só! Estamos voando numa boa! Na maior tranquilidade! Lá vamos nós! Estamos saindo de cima dessas ilhotas! Olha que mar aberto! Que vista maravilhosa! Estava precisando ver uma coisa assim! Vamos para o lado da praia. Veja só! A asa obedeceu ao meu comando! Mas preciso ter certeza de que estou realmente comandando!
     - O que é que você vai fazer?
     - Pode ficar calmo. Não vou fazer nada demais. Vou apenas sair um pouquinho do litoral e ir para o alto mar. Tenho que saber se realmente ela vai me obedecer.
     - Cara, não se arrisca! E se der alguma coisa errada e você não conseguir voltar?
     - Deixa de pessimismo! Já cheguei à conclusão que nasci pra isso! Eu sou bom! Vamos lá! Viu? Obedeceu numa boa! Vamos passear um pouquinho. Agora é só prazer.
     - Acho que você está se arriscando. Olha só a distância que já estamos da praia. Estamos nos afastando muito rápido! Vamos voltar cara! 
     - Está se borrando todo! Não foi você mesmo que me mandou ir para alto mar? Controla esse medo! Está bem, vamos voltar. Viu! Obedeceu de novo!
     - Graças a Deus! Estamos voltando rápido! Vamos descer logo!

     - Fica frio! Não vai acontecer nada com a gente! Tudo bem. Vamos descer.
Continua semana que vem...

terça-feira, 17 de maio de 2016

A Menina do Rochedo - Parte 11

continuando...
     - Ela sumiu. Me largou lá no rochedo sozinho. Ih! Falando nisso, olha lá ela!  Falou no capeta, o diabo apareceu! Ainda está dando um tchauzinho pra gente! Filha da mãe!
      - Eu acho que ela faz parte do bando. Não sei por que eles não acabaram com você. Devem estar achando mais gostoso te ver se acabando sozinho, enfiando a cara numa ilhota dessas daí. Eles são sádicos, cara! São sádicos!” 
     - Não. Acho que ela me salvou. Não sei por que me abandonou depois. Mas tem hora que acho que ela é uma espécie de anjo. Você não viu como subi aquele rochedo? Cara parecia que tinha um caminho! Eu fui subindo! Subindo! Teve uma hora que fui olhar para trás, e não tinha mais caminho nenhum! Só pra frente! Quando cheguei lá em cima, eu estava simplesmente em cima de um bloco de granito gigante. Não tinha nem como descer. Não é estranho?
    -Estranho é uma caveira conversar com um mortal! Ih! Ih! Ih!
    - Ria! Pode rir! Pode rir! Mas só que tem uma coisa: você já morreu e eu ainda estou vivo. Ah! Ah! Quem rir por último rir melhor!
  - Deixa de babaquice! Olha pra frente! Porra! Olha pra frente! Você vai bater! Ufa! Quase! Acho que você está querendo virar caveira. Tá com inveja?
   - Vira essa boca pra lá. Pra quem nunca pilotou um troço desses, até que estou dando um show. No fundo você está gostando! Pode falar!
   - Gostando do quê? Até agora eu só levei susto. E você é um grande maluco. Isso sim. Meu irmão, vamos sair daqui? Você só fica rodando! Rodando! Rodando! Percebeu que já circulou esse rochedo uma porrada de vezes? E  quase se chocou com aquela ilhota lá, umas três vezes?
   - Não contei. Contar pra quê?  Você acha que não estou tentando? Não estou é conseguido! A história é outra! Parece que essa droga não quer sair daqui! Pensou que eu desviei daquela ilhota? Que nada! Foi ela que fez toda manobra sozinha!
   - Então as coisas estão piores do que eu imaginava! Ainda está tirando onda que sabe pilotar! E eu aqui preocupado! Quase em pânico! Pensei até em pular daqui!
  - Está maluco? Aonde já se viu, na altura do campeonato, você se suicidar!
  - Que suicidar o quê! Eu já estou pra lá de morto! Como pode um morto, depois de morto, se suicidar?
  - É mesmo. Viu só como você está me deixando maluco? Eu sempre acho que estou falando com uma pessoa de carne e osso. Mas que na realidade, é só osso mesmo.
  - Estou te deixando, uma ova! Você já é maluco! Não vem com essa de por a culpa em mim! Assume que você é doidão! Percebeu que você até agora só fez maluquice? E para de dizer que sou um monte de ossos! 
  - Tá nervoso. Vai ficando calmo. Sem stress. Têm momentos que não te entendendo. Você diz que sou medroso. Depois que sou maluco. Ô esperto! Me diz o que eu faço agora!
  - Vamos sair daqui logo! Vira essa porra para o alto mar e vamos embora! Senão eu pulo!
  - Tá maluco? Ô caveira doida!
         Não estou gostando desse silêncio. Engraçado. Por que será que ela não falou mais? Será que pulou? Se pulou, agora não tenho com quem dividir o meu medo. Ela me chamou de maluco, várias vezes. Será que sou mesmo? Se não sou, vou acabar ficando. Do jeito que as coisas se encaminham, vou acabar ficando doido mesmo. 
           Já estou cansado de ficar rodando em volta desse pedregulho. Às vezes quase se chocando com aquele outro. Troço estranho, aquela menina em pé em cima do rochedo. Deve ser ela que está comandando a asa delta. Só pode ser. E outra coisa estranha, é que não estou apavorado. Agora, que tenho que sair daqui, eu tenho! Como, ainda não sei! Será que já morri? De repente estou morto e ainda não dei conta. Como eu vim parar aqui? Só me lembro que estava no bar na beira da estrada. A caveira falou para eu ir para o mar aberto. Se for pra lá, vai ser um problema maior ainda. A chance de descer, sem me dar mal, vai ser mínima. Estou frito. Vou falar num português claro: estou fodido mesmo! Essa é que é a verdade! Mas se conseguisse sair daqui e seguir o litoral, as chances seriam bem maiores. Se caísse na água, num local mais raso, poderia me safar. Vou tentar mudar a direção. Essa bosta não responde! Vou tentar virar para o outro lado. Nada! Continuo voando ao bel prazer de alguém! Se essa droga baixasse um pouquinho, de repente eu conseguisse pular. Acho que até uns 3 metros da lâmina d’água, eu consiga me safar. Meu Deus vê se me ajuda! Olha lá a menina! É ela! Só pode ser! Meu Deus será que ela é mais forte do que o Senhor? Ela me fez subir no rochedo sem ter nenhum acesso normal. Ela criou uma escada imaginária. Parecia real. Eu acho que era. Senão como eu poderia subir? Foi uma coisa real, mas simplesmente irreal. Isso é maluquice. Mas só Deus pode fazer uma coisa dessas. Não, ele não faz, mas permite? Aquela menina... Não tenho certeza se ela apareceu para me ajudar ou me ferrar. Acho que em parte me ajudou. Ô Deus! Ô Deus! Há quantos anos eu venho questionando as suas verdades! Eu não consigo entender o porquê da gente ter que sofrer! Crianças morrendo por aí afora de fome, doenças... violência! O Senhor fica aí de cima de braços cruzados! Essas coisas têm que mudar!
      - Hei! Hei! Você está maluco mesmo! Falando até sozinho!
      - Ih! Você está vivo?
      - Claro que não, cara pálida! Já viu uma caveira morrer duas vezes? Você já está extrapolando a imaginação. Desde quando Deus vai mexer na obra Dele? Nunca! Ainda mais só pra te agradar. Bota uma coisa na sua cabeça: ninguém vai conseguir mudar Deus. Já que isso é uma coisa definitiva, então só tem uma solução!
      - Que solução?
      -  Você é que tem que mudar.
      - Grande solução! 
      - É a única solução. Você tem que ser uma pessoa melhor. Tem que deixar de ser um cara chato. Isso já é um bom começo, sabia?
      - Eu chato? E você um grande pentelho!
      - Na minha situação atual, nem isso eu tenho mais! Ah! Ah!
      - Até que tem hora que você é engraçadinho. Pra quem perdeu tudo e ainda ri, você é um caso aparte da criação.
      - Engraçadinho uma ova! Você acha que fiquei satisfeito, quando me mataram? Você ainda teve sorte! Já eu! O pior disso tudo, é que não sei por que me mataram. Eu não tive chance nenhuma. Simplesmente me apagaram. Agora estou aqui com um quase morto ou talvez futuro, quase breve, defunto.
      - Vira essa boca pra lá! Você veio aqui pra me ajudar ou me ferrar?
      - Desculpa. Eu não queria te deixar mal. Vou te ajudar. Também eu não quero morrer de novo.
      - O que é que você está olhando?
      - Lá vem o helicóptero de novo! Acho que agora é pra valer! Se ele atirar, vai ser uma merda! E... Lá vem chumbo! Ué! Como você conseguiu desviar da bala?
      - Mas eu não fiz nada. Nem vi o que vinha na nossa direção. Foi ela mesma. A asa delta desviou sozinha.
      - Vamos embora daqui. Já estou ficando enjoado. Ela não para de ir pra cima e pra baixo. Vou acabar vomitando. Agora é sério mesmo.
      - Só não pode vomitar em cima de mim. E caveira vomita? Desde quando? Sabe, com a garota no comando, está melhor. Acho se eu estivesse comandando, à gente já estava pra lá de morto! Esse “a gente”, quer dizer, eu. 
      - Você continua com piada fora de hora. Cara vê se faz alguma coisa! Olha só! Lá vem ele de novo atirando! Meu Deus, agora a gente vai se chocar com a água! O que é que você fez agora? Que manobra! Eles se estreparam! Se espatifaram naquelas pedras! Cara você é bom mesmo! Eu te devo essa! Já pensou se a gente tivesse batido ali, como é que iam colocar no lugar meus ossos? Eu acho que ia virar pó! Hei! Você está calado. Não vai falar nada?
     - Falar o quê? Agora é que consegui respirar! E eu acho que me sujei!
     - Calma! Respira fundo! A asa voltou ao normal!
     - A asa já, mas eu não! Porra cara eu me vi virando carne moída naquelas pedras! Acho que foi a pior sensação ruim que já senti na minha vida! Tenho que sair daqui de qualquer jeito! Vou acabar enfartando! Já estou no limite!
     - Mas agora vai ficar tudo bem. Olha só. A lancha dos bandidos  está indo embora. Essa é uma coisa boa. E até a menina sumiu. Quem sabe agora a gente consegue sair daqui. Tenta mudar a direção da asa! Vai que você consegue! Isso! Viu só! Você conseguiu!
     - Puxa vida! Agora realmente a gente vai fugir desse inferno!
     - Vamos para o alto mar. Depois nós voltamos para o litoral. Só pra gente se livrar daqueles caras.
     - Droga! Que droga! Estamos voltando!
     - Como pode isso?
     - Sei lá Omar! Sei lá! Essa droga voltou a ter vida própria! Estamos num beco sem saída! Essa é a verdade!
     - Calma. Vamos ver o que ela vai fazer. Ela está indo em direção daquela ilhota ali. Estamos contornando bem devagar. Ué, parou no ar! Cara se tivesse algum para quedas aqui, eu ia pular! Juro que ia! Isso aqui está uma loucura! Faz alguma coisa!
     - Fazer o quê? Fazer o quê? Já tentei tudo que podia! Ih! Voltou a se movimentar! Agora a gente sai daqui! Se Deus quiser, a gente sai daqui!
     - Hermes!
     - O que é?
     - Olha só quem está lá no rochedo olhando pra gente. E parece que estamos indo de encontro a ela.
     - Porra! Agora eu tenho certeza: é ela está comandando essa droga! Estamos  indo na sua direção!
     - Será que dessa vez vamos nos chocar com o rochedo?
     - Espero que não! Senão vai ser o nosso fim!
              O que quer dizer isso tudo que está acontecendo comigo? Isso não pode ser real. Claro que não é real. Aonde já se viu ter um amigo que é uma caveira! E essa menina que comanda uma asa delta no ar à distância? Faz com que ela pare, depois volte a se movimentar, atendendo a sua vontade. Não importa o vento, nada interfere no seu comando. Isso não pode estar acontecendo.
     - Hermes!
     - O que foi?
     - Você está falando sozinho de novo?
     - Não, só estou pensando alto.
     - Pensando alto?  Se liga cara! Já estamos perto do rochedo! O que é que a gente vai fazer?
     - E eu sei lá! Vamos esperar para ver o que vai acontecer! E pára de tremer, porque está fazendo um tremendo barulho!
     - Estou com medo! Não posso?
     - Eu gostaria de saber... Eu gostaria de entender, como uma caveira pode sentir medo. Você não tem mais nada do que temer!
     - Quem disse? Tem hora que nem percebo que perdi a carne. O dia que você for caveira, vai entender o que estou falando. Estou com medo mesmo. E muito, muito medo!
     - Eu nunca pensei que ser caveira fosse tão complicado. Você confunde a minha cabeça. Tem hora que acho que ela colocou você no meu caminho.
     - Está maluco? Pirou? Eu nunca tinha visto aquela menina na minha vida! Você deve ter esquecido que foi você quem me achou!
     - Tudo bem! Tudo bem! Não está mais aqui quem falou! Fica atento.  Estamos chegando ao rochedo. Olha lá a menina. Até que ela é bonita. Você não acha?
     - Claro. Eu... Eu também acho. E como acho! Se eu ainda tivesse carne...
     - Não ia acontecer nada! Ia estar se borrando todo!
     - Aí é que você se engana! Não ia marcar bobeira, como você marcou! Isso nunca!
     - Até parece! Se liga cara! Essa menina é dos diabos! Se tivesse se engraçado pra ela, antes de morrer, com certeza tinha virado caveira bem antes! 
     - Isso só pode ser piada!
     - Falando em piada, me veio à cabeça uma história que me contaram, quando ainda era adolescente. Não sei se foi real ou fantasia. E disseram que tinha se passado com Rui Barbosa.
     - Que fato é esse! É o Rui da história do Brasil? A águia de Haia?
     - É o próprio. Tá sabendo muito, hein moleque!
     - Por que motivo você quer me contar alguma coisa, a respeito do Rui, nessa hora de sufoco?
     - Sei lá! Veio à minha cabeça! De vez em quando, sem mais nem menos, fico me lembrando disso! E também é pra tentar relaxar!

    - Então conta. Percebeu que a asa parou? Então aproveita e conta. Não sabemos mesmo quanto tempo vamos ficar estacionado aqui! A menina está lá embaixo só olhando! Deve estar esperando a água ferver no caldeirão! Vai em frente! Conta logo!!
        Continua semana que vem...

quinta-feira, 12 de maio de 2016

A Menina do Rochedo - Parte 10

Continua...
     - Sei lá. Na verdade são inimigos casuais. Eu acho que não são verdadeiramente meus inimigos. Os caras nem me conhecem. Agora... Me diz aí! Por que os caras estão querendo me pegar?
     - Quer uma resposta. Vai lá: não sei. Eu nem sei por que me mataram. Engraçado. Já que estou morto, deveria saber. Você não acha?
     - Não sei. Não estou morto.
     - Mas está quase. Olha só. Você já deu uma porção de volta em torno do rochedo. Daqui a pouco você bate. Sai logo fora daqui. Xii! Lá vem o helicóptero! Embica essa droga e vamos fugir! Mas cuidado pra não bater numa dessas ilhotas! Se bater em algum lugar, vou desmontar todo! E você, meu caro amigo, morre! Eu já estou do outro lado mesmo! O chato vai ser montar o meu esqueleto! Acerta essa droga. Olha só! Essa porra está rodando! Vamos cair!
     - Que droga! Quer parar de falar? Nunca pilotei uma coisa dessas! Tenho que me concentrar! Por favor, tira essa cara da minha frente. Assim eu vou achar que já morri. Fica em pé aí em cima e chama a atenção dos caras. De repente eles se assustam e deixam a gente em paz.
     - Tá legal! Achei isso uma boa ideia!
     - Mas tira essa cara aí da minha frente! Porra! Omar!
                     E agora? Como eu vou sair dessa? E a menina do rochedo? Ela sumiu. Agora que estava acreditando que realmente queria me ajudar, a sacana evapora. E essa da caveira? Só pode ser minha imaginação. Vou fazer um teste.
     - Omar!
     - Me chamou?
     - Pode tirar a cara daí. Está tudo bem. Era só pra saber se você continuava aí em cima.
     - Estou firme e forte. O helicóptero passou direto. Vou acenar para eles. Cara! Vira para esquerda! A gente vai se chocar com aquela ilhota! Vira logo cara! Assim a gente vai se ferrar!
     - Como é que a gente vira essa droga?
     - E eu sei lá? Faz qualquer coisa ai, senão a gente vai se espatifar naquelas pedras! Ou melhor: você é que vai se estrepar! Eu já fui para o brejo mesmo!  O mais chato é que vão ter que juntar os meus ossinhos! E a pedra está se aproximando! Cara! Ela está pertinho!
     - Fica frio que a gente vai se safar!
     - Não quero nem ver!
     - Consegui! Consegui! Puxa! Essa foi por pouco! E agora o que é que eu faço?
     - Continua assim! E vamos em frente!
                    Até que essa maluquice está gostosa. E o medo de altura, pra onde foi? Mas o meu coração está querendo sair pela boca de qualquer jeito! Puxa! 
      - Ô cara! Você já deu uma porção de voltas nessa ilha! Porra cara! Estou ficando embrulhado! Acho que vou vomitar!
     - Hei! Qual é? Você se esqueceu que é uma caveira? Omar, eu nunca vi caveira vomitar!
     - Sou uma caveira diferente. Cara! Eu tenho sentimentos! Eu me apeguei a você! Acha  que foi fácil eu me erguer e falar? Você meu deu forças para me levantar e me apresentar do jeito que estou! Só consegui isso pelo apoio que você me deu! “Nunca em tempo algum nesse país” uma caveira se levantou do túmulo e saiu para ajudar o seu irmão! É isso que eu te considero: um irmão! Pronto falei!
     - Belo discurso. Me comoveu.  E eu pensei que tivesse criado você. Um simples e complicado fruto da minha imaginação.  E você existe. Aí é que está o problema. Você existe.
     - Por favor. Presta atenção. Você é o piloto. Porra cara! Daqui a pouco a gente vai se chocar com uma dessas ilhotas! Tira a gente daqui! Tira a gente daqui! Pelo amor de Deus! Você já deu uma porção de voltas em torno dessas ilhas! Olha só! Os caras estão lá embaixo esperando a gente cair! A gente vai se ferrar!
    - Deixa comigo. Já estou pegando o jeito da coisa. Quem tinha que estar preocupado em cair, seria eu. Se a gente cair, você não vai morrer de novo. Então relaxa. Mas antes tira essa cara feia da minha frente. Isso. Vamos que estou ficando fera!
    - Meus Deus! Cara, se eu não tivesse morrido, com certeza já estaria todo cagado! Você é muito maluco! Acho que se estivesse vivo, jamais seria seu amigo! Você é um cara cheio de medos, mas em compensação faz coisas que uma pessoa normal jamais faria!
    - Você é cagão demais. Nunca vi uma caveira com tanto medo. Agora eu só quero saber como pousar essa droga. Não me deixa nervoso. Preciso de muita calma.
    - Você não sabe? Agora é que lascou! Quer uma opinião?
    - Vamos lá. Pode dizer. Sou todo ouvido. 
    - Eu acho que podemos nos machucar menos...
    - Machucar? Não quero nem pensar nisso! Eu já estava até mais calmo! Mas agora, estou  tremendo de tanto nervoso!  Fala logo!
    - Tá bom. Não precisa se agitar. Calminha. Tem solução pra tudo. E nós temos uma saída. 
    - Fala logo, cara! Agora estou ficando mais nervoso ainda!
   - Calma. Calminha. É o seguinte: pousa essa droga dentro d’água. 
    - Brilhante. Sabe que altura nós estamos? Não sabe? Então... Acho que estamos há mais de 100 metros da água. E eu não sei como baixar essa droga. Sabe o que pode acontecer? Dar uma porrada na lâmina d’água e a gente se espatifar todo. Só isso. 
    - Você é trágico. Olha como fazem as aves para pousar. É simples. Está vendo aquelas gaivotas? De repente você consegue aprender.
    - Novamente brilhante! Trágico, eu? É simples voar! A sua visão das coisas... Mas você não enxerga nada! Eu duvido se você via um palmo à frente do seu nariz! Isso, na época que tinha os dois olhos!  Meu filho! Se eu soubesse fazer o que as aves fazem, eu não seria homem! Imagina a cena: eu batendo asas e alçando voo! Estou mais é para avestruz, meu caro! Você já viu como àquelas gaivotas mergulham para pegar peixes? De repente... Xii! Acho que a gente vai é se da mal! Essa é que é a verdade!
   - Você é pessimista! Isso sim! E ainda me ofende! Para quem já me ofendeu várias vezes, mais uma não vai fazer a menor diferença, não é?  Pode ofender. 
    -Olha só quem está falando! Ainda está se sentindo ofendido? Qual é!  
    - Cara você fez o meu ouvido de pinico! Além de me comparar com político, mau médico... e mais uma porção de coisa ruim! Me ofendeu, sim!
    - Nada disso. Eu não comparei você com ninguém. Muito menos ofendê-lo.  Eu só desabafei um pouco.
    - Porra cara! Um pouco? Você alugou a minha orelha...
     - Ih! Ih! Que orelha? Já esqueceu que você é um monte de ossos? 
     - Não precisa me lembrar disso! Isso é sacanagem sua! Porra cara. Além de falar mal de mim, você ainda zoneou a minha cara.                                                                                                                            - Espera aí! Espera aí! Eu só tentei te embelezar!  Imaginou conversar com alguém sem olhos, orelhas, nariz e boca? É complicado! Eu tinha que fazer alguma coisa, para manter um diálogo com alguém que tinha partido dessa pra melhor!
     - Você quer dizer monólogo. Você falava e respondia. Cara eu acho que você é um tremendo maluco.
     - Acho também. Depois de tanto você me chamar. Agora, já estou até convencido. Difícil vai ser, quando eu sair daqui, explicar que tenho um amigo que é uma caveira. Você não acha?
   - Porra cara, você já falou isso. Deixa de me lembrar, de que já morri. Se você continuar pilotando mal essa droga, vai acabar sendo mais uma caveira. Aí quem vai tirar um sarro, serei eu. Se liga! Se não a gente vai bater naquela ilha! Quem avisa amigo é!
  - Vou nada! Estou pegando o jeito!
  - Pegando jeito nada! Você nem consegue pegar uma linha reta!
  - Estou tentando. Fica frio.
  - Fica frio? Se ficar mais frio, eu congelo! E tem mais: estou ficando enjoado!
  - Enjoado como? Nem estomago você tem mais.
  - Ih! É mesmo! Deve ser psicológico! Mas eu estou enjoado. Se eu não tenho mais estomago, devo estar enjoado de você. Você é um porre!
  - Eu sou um porre? Antes eu era seu amigo! Agora sou um porre? Muito engraçado você!
  - Cara equilibra essa droga, por favor. Vou acabar caindo. Já estou pendurado.
  - Bota essas pernas lá pra cima! Esses ossos estão atrapalhando a minha visão! Assim nós vamos bater! E a culpa vai ser sua!
  - Que saco! Você é muito ruim! E eu é que sou o culpado? Nunca vi, na minha vida, um cara pilotar tão mal uma asa delta! Acho melhor você apontar essa droga lá pra frente! Pelo menos, se cairmos, vai ser num local que só tem água! Aqui tá difícil! Parece que só tem pedra!
      - Lá pra frente, cara pálida, é alto mar! Aí mesmo é que a gente vai se ferrar! Deve ter tubarão, com o bocão aberto, esperando a gente! Vamos ser almoço pra algum branco, martelo, ou qualquer outro.  Temos que arranjar um jeito de pousar na areia. Isso seria o ideal. Mas bem longe daqui. Lá em baixo, nem pensar!

      - Realmente, se descermos aqui perto, eles nos pegam.  Pelo menos nisso concordamos. Aqui, tanto faz, na areia, na água ou terra firme, vamos ser presa fácil.  Mas na verdade, vão pegar só você. A mim, não vão ter mais nada pra pegar. O único ferrado vai ser você. Mas temos uma saída. Você não disse que uma menina te ajudou? Então, pede socorro a ela!
                   Continua semana que vem...

sexta-feira, 6 de maio de 2016

A Menina do Rochedo - Parte 9

Continua...
                     Não vou ficar nervoso. Não quero mais ouvir essa voz. Vou me desligar desse merda. Mesmo me criticando, a garota seria de grande ajuda. Mas não tem problema, me safarei dessa enrascada. Acredito que, mais ou menos, há dois metros à frente, estarei salvo. Pelo menos temporariamente. Onde estou à caveira não me vê. Isso já dá pra respirar um pouco. Estou chegando. Graças a Deus. Olha só que beleza! Aqui tem uma área boa! Pelo menos, comparando com quase nada, um metro quadrado é um sítio! Cheguei. Que alívio. Parece que estou chegando ao paraíso. Não acredito no que estou vendo! Uma asa delta? Isso mesmo? É. Só pode ser. Uma asa delta. Quem diria! Está ali a minha salvação. Que beleza, meu Deus! Mas tem um probleminha: nunca voei de asa delta. Tenho um medo danado de altura. O que é isso?  Estou ouvindo um chocalhar de ossos. Ossos? Meu Deus! É a caveira! Ela está ali pertinho! E não tem uma cara de bons amigos! Agora estou frito! Ela parou e está olhando nos meus olhos! Será que ela cansou? Vou pra asa delta. Quem disse que não sei voar? Já estou voando! Deixa me preparar. Mas não tenho tempo para me preparar. Como é que fica? Acho que é só me amarrar e me jogar, né? Porra! É o barulhinho de novo! A caveira está andando! Que merda! Rápido! Rápido! Vou pular! Lá vou eu! Porra! A caveira conseguiu se agarrar na ponta da asa! E agora?  Ela está escalando... E já está em cima da asa! E eu que não sei pilotar essa droga! Vamos cair! Meu Deus! Acho que estou ficando maluco! Pra que lado eu vou? Estou rodando! Essa porra vai cair! Ih! Estabilizou! Agora pra onde eu viro? Meu Deus ela botou a cara aqui na minha frente! Vou fechar os olhos!
      - Hei cara! Está com medo de mim? Eu só vim aqui te agradecer. Você me deu um nome. Lembra? Eu sou Omar!
                       Será que estou sonhando? Vou abrir os olhos. 
      - Hermes, fala comigo. Lá embaixo eu não consegui, mas agora estou mais tranquilo.
                       Ela me chamou pelo nome. Vou tomar coragem e abrir os olhos.
      - Omar é você? É você mesmo?
      - Claro! Não me reconheceu não?
      - Você está diferente. Está igual quando eu te vi pela primeira vez. Perdeu o rosto que te dei. Já estava acostumado com a sua cara nova. Pra onde você foi?  Sumiu de repente. 
      - Fui para o fundo do mar. A onda me arrastou, que nem percebi. Mas eu vi que você estava precisando de alguém, aí me candidatei. 
      - Desce daí.
      -Só dá pra ficar aqui em cima. Ficar junto de você, vai ser difícil. Eu sou levezinho. Pode deixar que  vou ficar tal qual uma estátua: paradinho, paradinho.  Mudando de assunto: cara, você não tem nenhum amigo que possa te ajudar?
      - Você fica preocupado em saber quem é seu amigo? Eu não me preocupo com isso. O inimigo, é que precisamos conhecer. O amigo sempre aparece quando a gente precisa. Viu só! Você apareceu!
     - Mas como é que eu vou te ajudar? Aquela turma é da pesada. O cara que estava conversando com você, foi o que me apagou. Parece gente boa. Não parece? Foi o mesmo lance seu. Parei no posto de gasolina da estrada. Quando dei por mim, estava deitado na areia da praia. Só que acordei rápido e parti pra dentro dos caras... Aí me dei mal. Estou aqui magrinho.
     - Verdade? E você não sabe por que eles nos pegaram?
     - Sei nada. O meu carro nem veio pra cá. Eu não entendi qual é o lance deles. Será que a gente vai descobrir? Como é que você subiu esse rochedo?
     - Foi uma menina.
     - Menina? Que menina?
     - Você não viu, não?
     - Nem lá embaixo, nem aqui em cima. Cara o rochedo não tem escada! Você escalou todinho, numa boa! Os caras devem ter ficado impressionados! Você é um exímio alpinista!
     - Que alpinista que nada! Tenho um medo danado de altura! Me cago todo! Foi a tal menina que te falei.  Se não fosse ela, eu estava frito.
     - Estranho. Muito estranho.
     - O que é que é estranho? Estranho é você subindo a pedreira! Uma caveira... Isso não pode! Eu devo estar sonhando! Omar... Qual é o seu nome? Omar é que não é!
     - Agora é Omar! Caveira perde a identidade! Vamos deixar Omar, mesmo!
     - É claro que caveira tem identidade! Ninguém perde a identidade, mesmo depois que morre! Espera aí. Eu de novo batendo papo com uma caveira. Se eu contar isso pra alguém, com certeza vão me taxar de maluco.
     - Fica assim não. Você me criou. Me deu um nome. Agora eu sou seu eterno devedor. Sou seu amigo. Falando em amigo, você tem algum de carne e osso?
     - Devo ter. Acho que tenho. Mas isso não importa. O que importa mesmo é saber quem é  inimigo.
      - Por quê? Eu nunca tive amigos. Se tivesse pelo menos um, eu ia querer saber.
      - Pra que? O amigo não vai te fazer mal. Não hora que você precisar, ele aparece. O inimigo é que é a complicação. Se aparecer é pra te ferrar. Se você conhecer, vigia e não deixa que chegue perto.
     - Eu fui o único que apareceu pra te ajudar. Sou ou não sou seu amigo?
     - É. Mas aqui, nem amigo e nem inimigo vão me achar.

     - Quem são aqueles lá embaixo?
Continua semana que vem...