Amélia levantou-se e foi em direção à porta, mas antes pegou uma toalha
que a madre lhe ofertava. Já sabia para o que era. Enrolou a mão e saiu da
sala. No corredor, pensou que fosse desmaiar, a dor era profunda. Sabia que as
amigas, mais uma vez, iriam perguntar sobre a mão enrolada. E mais uma vez ia
dizer que a queimou no fogão.
Depois desse incidente, que já fazia três meses, Amélia passeava pelo
jardim. A saudade que sentia da menina era muita. Tinha quase certeza que veria
Helô, mas tinha que ter cuidado. Aproximar-se, nunca. Somente à distância. Queria vê-la só por
alguns minutos para matar a saudade. Enquanto não via a menina, ficou
recordando do que tinha acontecido há três meses. A lembrança daquele dia
causou um grande mal estar. Aquele episódio do passado, não tão distante,
parecia que estava acontecendo naquele momento. Até a dor na mão ela sentiu.
Sabia que tinha que ter muito mais cuidado. Não podia colocar a vida de Helô em
risco e, se um dia fosse liberada para se aproximar da menina, teria que manter
silêncio. Sabia que alguém escutava as suas conversas, só não sabia quem.
Enquanto pensava, viu que Helô estava chegando na outra alameda com a irmã
Gertrudes. Procurou esconder-se atrás de um arbusto para não ser notada pelas
duas, mas de repente um calafrio percorrer todo o seu corpo, um mal estar
apossou-se dela. Teve a sensação que alguém a estava vigiando. O bom senso
mandou que se retirasse e assim ela obedeceu, mas antes, discretamente, mandou
um beijo para Helô, mesmo ela não vendo.
A
irmã Gestrudes ficou observando Helô. Tinha certeza que alguma coisa a estava
incomodando, além da saudade da irmã Amélia. Naqueles dez anos de convívio
nunca tinha visto a menina daquele jeito. Estava muito ansiosa. Apresentava
também um ar de preocupação e parecia que queria dizer alguma coisa, mas tinha
medo de falar. Olhou-a nos olhos, mexeu na sua trança como se estivesse
arrumando-a, pegou na sua mão e falou calmamente:
-
Meu anjo, estás me deixando preocupada. Se a madre me perguntar o porquê da tua
tristeza, o que é que eu vou responder pra ela, guria?
Helô deu um sorriso e um beijo na
bochecha rosada da irmã e disse:
-
Diz pra ela que eu não estou triste!
-
Como não estás triste? Eu só vejo tristeza nesse rostinho de anjo! Se não é
isso, então o que é? Não tens nada pra me dizer?
-
Irmã, triste é claro que estou. Eu sinto falta da mãezinha, mas já estou
ficando até acostumada com os sumiços dela. Nem sei mais quantas vezes já aconteceu
isso! Já perdi até a conta, sabe? Mas há outra coisa também. Estou com medo e
muito assustada.
-
Assustada com o quê?
-
Irmã, eu não sei bem o que é. Eu vou falar, mas não vai achar que estou ficando
maluca não! Está bem?
A
irmã Gertrudes olhou-a já com o riso querendo fugir, puxou-a pelas duas tranças
e disse:
- Minha querida, é claro que não vou achar! Desde quando a minha menina
vai ficar maluca? De jeito nenhum isto vai acontecer! Mas agora me conta! Estou
muito curiosa!
-
Irmã, sabe que eu gosto muito de brincar lá no pomar e eu fui um pouco mais
além, mas não é bem isso. Isso não é importante. Lembra-se daquele dia que a
irmã me pegou correndo pelo corredor, logo de manhãzinha? Então... sabe o que
aconteceu? Não sabe. Vou falar: eu ouvi alguém falando no meu ouvido.
-
Como assim? Tu estás ouvindo vozes? Que imaginação, Helô!
- Eu não estou inventando, irmã! Ouvi
mesmo! E mais de uma vez!
A
irmã Gertrudes pegou novamente as mãos da menina, olhou mais uma vez dentro dos
seus olhos e falou pausadamente:
-
Helô, meu anjo, deve ter sido o som do vento nas folhagens! Já aconteceu isto
comigo também. Já ouviste o som do vento balançando o cipreste?
-
Já, irmã, parece fantasma. Quando venta muito, eu fico com medo. Eu sei que é o
vento, mas fico com medo assim mesmo. As crianças todas ficam com um medo
danado!
-
Então! Deve ter sido o vento no cipreste!
- Só
que não estava ventando, irmã! E o cipreste fica lá longe! Eu ouvi dentro do
quarto! E depois do lado de fora!
A
irmã ficou fazendo caras e bocas e nada falou. Parece que tentava achar alguma
coisa para dizer, mas nada vinha que pudesse esclarecer o que tinha acontecido
com a menina. Estava tentando achar uma saída. De repente lembrou-se que
realmente no dia não ventava. O que falar? Não sabia mesmo. Alisou o cabelo da
menina e, finalmente, arriscou alguma coisa:
-
Helô, minha linda, acho melhor te calares a respeito disso. É prudente te
manteres longe desse pensamento. Ninguém deve saber sobre este fato. Acho... pode
ter sido o teu anjo da guarda! Isso! O teu anjo da guarda!
-
E ele fala com a gente?
-
Pode falar. Acho que pode. Mas é melhor não falares pra ninguém. É um segredo
só nosso.
-
Mais um...
-
Mais um o quê?
-
Nada irmã. É...nada de mais. Sabe Alécia? Nós temos a mesma idade e vamos sair
daqui juntas. Estamos pensando em ser cantoras. Esse é o segredo. Agora não é
mais, não é?
-
Sermos, foi isto que quiseste dizer, mas, tudo bem. Não escutei nada, nada. Disse
alguma coisa, guria?
.......................Continua semana que vem!