quarta-feira, 27 de janeiro de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 10

 


Continuando...

          André analisou o local e concluiu que tentar descer, sem ter um ponto para amarrar uma corda, seria um suicídio. O terreno ali era praticamente todo forrado de cascalhos soltos. Mesmo sendo o único lugar com alguma vegetação, isso não era sinônimo de segurança. Entretanto um detalhe que podia contar a favor era uma árvore encravada na beira do precipício, que poderia dar a sustentação necessária para aguentar o seu peso e o de Luiza.

               Mas para chegar até essa árvore, mesmo estando perto, não seria uma empreitada fácil, tendo em vista que a encosta era muito íngreme. Procurou então, com um olhar ansioso, na parte acima da trilha, em um morro quase sem nenhuma vegetação também, algum ponto que pudesse prender a corda, para então descer até a árvore debruçada na beira do penhasco. Mas antes de escalar o morro, gritou para Luiza, que só foi respondê-lo na terceira chamada. 

               André com cuidado foi escalando esse morro até chegar numa pequena árvore que, a princípio, não lhe inspirou muita confiança. Como não identificou o tipo de árvore, não pode avaliar a sua resistência.  Ao tocá-la a dúvida continuou, porque ao analisar a espessura do seu tronco, viu que não passava de dez centímetros de diâmetro. Realmente não sabia se aquela pequena árvore sustentaria o peso do seu corpo, mesmo levando em consideração ter ela nascido dentro de uma fenda da pedra. Não é qualquer árvore que consegue uma façanha dessas - pensou logo- fraca ela não é. Então juntou isso, à esperança.

               Ele, mesmo não tendo muito tempo, analisou mais um pouco a situação e constatou que estava entrando numa empreitada de alto risco. Mas sabia, de antemão, que essa árvore era a única salvação. E era somente ela. Então não pensou mais, passou uma ponta da corda em volta dela, depois em volta da sua cintura e também pela virilha. Em seguida segurou a outra ponta da corda e passou em volta da cintura também, e foi soltando o seu corpo vagarosamente. Ele não perdia a árvore de vista, observava atentamente para ver se ela estava resistindo ao peso do seu corpo. Se envergasse um pouco, desistiria na hora.

          Com alguns metros de descida ficou surpreso, pois o pequeno arvoredo nem se mexeu. Deu uma respirada de alívio e continuou descendo, agora, com mais confiança, mas sem abandonar a cautela. Chegou à trilha, deu uma parada rápida, e vistoriou a corda que estava presa à cintura. Olhou para a árvore da beira do despenhadeiro e achou que seria fácil chegar até ela. E realmente foi. Num pulo chegou lá. Chegando, abraçou-se ao tronco e recolheu a corda. Depois fez o mesmo procedimento que tinha feito anteriormente e foi descendo acompanhado de todos os santos que ele pode chamar. Dali até onde estava Luiza, não conseguia mensurar a distância. Só avistava, entre as montanhas, um buraco sem fim.

               Ele nem quis calcular o quanto já tinha descido, pois isso era, naquele momento, sem importância. Queria apenas se preocupar com Luiza, e era nisso, somente nisso, que ia focar. Foi descendo, descendo sem olhar para cima, apenas procurando algum lugar, para baixo, onde pudesse firmar os pés. Só que não via nada, porque o capim descia pela encosta cobrindo-a completamente.

               Depois de descer um bom pedaço, gritou por Luiza. O seu grito se perdeu pelo vale e o de Luiza não veio. Então gritou novamente, mas com mais potência.  Aí sim a voz dela, uma voz abafada, chegou até os seus ouvidos, e veio como um bálsamo.  Ele teve a impressão que ela vinha de longe. Então procurou descer com um pouco mais de velocidade. Mas isso causou a sensação de que estava despencando. Parou instantaneamente. Depois do susto deu uma respirada e voltou a descer novamente. Só que agora mais devagar. Mas como o coração ainda não havia voltado a bater normalmente, resolveu então parar um pouco, até que tudo voltasse ao normal.

................Continua semana que vem!

 

terça-feira, 19 de janeiro de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 9

 


Continuando...

               Luiza achou que tinha ouvido alguém chamá-la. Levantou a cabeça e ficou atenta esperando que houvesse outro chamado. Mas não conseguiu ouvir mais nada. Pensou que a mãe estivesse ali para socorrê-la. Parecendo desiludida, balançou a cabeça de um lado para o outro e de novo lágrimas desceram pela sua face. Depois falou baixinho:

               - Mãe, por que você foi embora?

               Ela fez a pergunta e, imediatamente, veio à sua mente a figura da mãe, no momento em que lhe beijava o rosto, caminhava até a esquina, se virava e acenava. Essa foi a última vez que vira a mãe. Nessa época contava apenas cinco anos de idade. Mais tarde soubera que a mãe fora sequestrada, tendo havido apenas um pedido de resgate, seguido de um silêncio e nenhum contato a mais. Desapareceu sem deixar rastro. A polícia vasculhou o bairro, a cidade e praticamente todo o estado e nada de encontrá-la. É um mistério que perdura há mais de quinze anos. Tempos depois, Luiza ouviu o seu pai falando para um irmão, que a sua mãe poderia ter abandonado a casa e forjado o próprio sequestro. Essa conversa de vez em quando martelava a sua cabeça.

               Para cada canto que Luiza ia com André, carregava sempre uma esperançazinha à tira colo, Idealizando um encontro com a sua mãe. Já tinha andado praticamente por todo o Estado do Rio e por mais alguns outros estados, mas no final de cada aventura estava presente a decepção. Mas desistir, nunca. Esse era o seu slogan.

               Enquanto tentava encontrar alguma posição mais confortável, as aventuras já vividas com André iam passando na sua cabeça como um filme, uma a uma. De repente fez uma expressão de tristeza e dor profundas, quando se lembrou especialmente de uma das viagens, em que tombou numa ribanceira.   

               NA TOCA DA ONÇA  

               Os gritos de Luiza pedindo ajuda vinham carregados de desespero e dor.

               - André! André! Me salve! – o chamado de socorro vinha do fundo do abismo. Era um som abafado. E ela já estava quase sem voz de tanto gritar pelo amigo, sem, no entanto, receber resposta do seu apelo. André, no momento da sua queda, estava a mais de metro a sua frente e nem percebeu quando aconteceu o acidente. Ele só escutou o barulho, mas quando olhou para trás, Luiza já tinha sumido. Em frações de segundos ela já tinha sido engolida pelo abismo.

              André, quando se virou e não viu mais Luiza, ficou desesperado e começou a gritar como um louco.  O seu grito, chamando por ela, se espalhou pela cadeia de montanhas, até sumir no vale profundo. Depois de algum tempo, a sua voz começou a falhar. O seu grito já não passava mais da garganta. Parecia sufocado. Pensava na possibilidade dela ter morrido. Nisso as lágrimas começaram a descer aos borbotões.

               Depois de chorar muito, dando vazão a sua dor, conseguiu se equilibrar um pouco. Enxugou os olhos, colocou a mochila no chão, sentou em cima, e começou a pensar no que fazer, com os cotovelos apoiados nos joelhos e as mãos no queixo. Em meio a vários pensamentos surgiu à hipótese de Luiza não ter morrido. Quase sorriu com essa possibilidade. –“Mas qual seria o primeiro passo a dar?” – falou baixinho para o seu coração.  Então sabia de antemão que o descontrole só iria atrapalhá-lo. Procurou então fazer uma respiração cadenciada para tentar se acalmar. Os poucos segundos em que se manteve sereno, foi o bastante para ouvir o pedido de socorro da amiga. O som chegou até ele, como se viesse do fundo da Terra. A esperança brilhou nos seus olhos. Rapidamente pegou a corda que trazia pendurada no ombro e procurou um local que pudesse prendê-la. Viu a marca na vegetação deixada pela queda de Luiza. Ali era o único trecho que tinha algumas gramíneas, que iam até a beira do precipício, onde formavam uma grande touceira de capim. 

..................Continua semana que vem!

 

terça-feira, 12 de janeiro de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 8

 


Continuando...

               A testa sangrava bastante, banhando todo o seu rosto. Com isso a sua visão ficou bem prejudicada, pois o sangue escorria e enchia a cavidade ocular. E isso piorava mais a sua desorientação.

              A pancada na cabeça causou-lhe alguns lapsos de memória, não sabendo, em alguns momentos, onde estava e nem como havia chegado ali. Mas em momento algum esqueceu de Luiza, e isso era um sinal de que poderia voltar ao normal em curto espaço de tempo.

          Luiza também fora muito maltratada. Devido às inúmeras pancadas que dera contra a rocha, o rosto e a cabeça ficaram muito machucados, e encontrava-se também muito atordoada.

           O rosto, na verdade, ficou bem desfigurado. A beleza, se ainda restava alguma, estava afogada pelo sangue que brotava abundante e que naquela altura ensopava toda a sua roupa. Ainda se via um risco vermelho descendo pela pedra, até se perder no meio da água. Do canto da boca escorria uma pasta viscosa, mistura de sangue com alimentos, devido ao vômito causado pelo sangue que engolira. O enjoo não acabara, em intervalos de tempo ainda tinha ânsia de vômito.

           O chamado do amigo, ela nem registrou. Como estava atordoada, não conseguia se situar onde estava e muito menos saber o que estava fazendo ali pendurada naquela montanha. O seu quadro era muito parecido com o de André.  Só não tinha quebrado nenhum membro. Mas devido as pancadas na cabeça, seu estado mental não era muito bom.

          De vez em quando torcia o rosto, devido a dor que sentia. E essas caretas eram repetidas muitas e muitas vezes.

           A chuva continuava a cair sem dar trégua, e a água que batia no seu rosto causava uma ardência quase insuportável. Tentou gritar, mas só saiu gemido. Então virou-se para o lado, procurando se livrar dos grossos pingos de chuva que espetavam seu rosto feito agulha, e com isso conseguiu aliviar um pouco a sua dor.

           Enxergava pessimamente. Com dificuldade conseguiu passar uma das mãos nos olhos, tentando limpá-los. Era chuva e sangue atrapalhando a sua visão.  Pensou estar ficando cega e deu um grito de desespero. Mas o grito fora engolido pelo assobio do vento.

               Luiza tentou gritar novamente, mas o som não saiu. Então encostou a testa na parede e chorou um pouco. Depois procurou olhar em volta, para descobrir que lugar era aquele em que estava. A princípio não atinou o porquê de estar ali pendurada numa corda, naquele paredão. E, já com a visão melhor, não entendeu o que tinha acontecido com todas aquelas árvores derrubadas na base da montanha. Era tudo uma confusão só. E a única coisa que pensou em fazer naquele momento foi colocar as duas mãos no paredão e afastar o seu corpo que estava colado. Ficou assim por algum tempo, enquanto tentava concatenar as ideias. Depois girou o corpo e colocou as suas costas de encontro ao rochedo. Naquela posição foi ficando sem saber o que fazer. Olhava aquilo tudo destruído, mas sem entender o que causara toda aquela devastação.  De repente lágrimas começaram a rolar pelo seu rosto com tanta intensidade, que pingos grossos iam marcando de vermelho o paredão onde caía. Naquela altura, o choro já tinha lavado quase todo o seu rosto, que fora tingido de sangue, mas ainda se via algumas marcas na face, como se fossem pequenos riachos. 

               De repente Luiza começou a esfregar uma das mãos no rosto, já bem castigado, com muita violência. Depois, com as duas mãos, o cobriu, curvando um pouco para à frente a cabeça, e ficou em silêncio. Voltou a chorar, instantes depois. Soluçando, balbuciou:

               - Mãe, mãe, eu não sei onde estou. Vem me ajudar. Preciso de você. Não me abandone de novo.

               Parou de falar e mergulhou no silêncio, mas com a cabeça ainda jogada para frente. Nesse momento o vento já tinha sossegado um pouco, depois de tê-la maltratado o quanto quis. Mas o importante é que tinha dado uma trégua e era isso o que ela precisava para tentar recuperar as forças e principalmente pôr em ordem os pensamentos.

....................Continua semana que vem!