segunda-feira, 24 de abril de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 5

Continuando...
         Os dois enchem os pratos e se acomodam numa mesa no fundo do restaurante. Não demora muito e a menina aparece na porta. Toni acena para ela. A menina vai ao encontro dos dois e senta-se na cadeira encostada na parede, de frente para porta. Antes que falassem alguma coisa, ela vai dizendo:
          - Continuem comendo, enquanto eu falo. Não falei que vocês estavam sendo seguidos? Então, os caras já chegaram. Pararam o carro, do lado do caminhão.
  Os dois ameaçam se levantar, mas a menina intervém dizendo:
          - Calma. Podem continuar o almoço. Eles não vão mexer em nada. Aqui neste posto, ninguém comete delito. Se fizerem besteira aqui, se dão mal. Vão esperar vocês saírem e tentar atacar em algum lugar deserto. Mas não se preocupem, ficarei de vigia.
          - Viu Toni! Falou difícil! Como é que é? Comete delito!
          - É! Mas é esquisita! Uma garota com essa idade, falando assim! 
          - Vocês é que não estudaram. E são vocês, os esquisitos.
             Ela fala, se levanta e sai, deixando os dois sozinhos. Num piscar de olhos, ela some. Não demorou muito e dois caras, mal encarados, entram no bar. Pararam na porta e olharam todo o recinto. O mais baixo, de óculos escuros, cutucou o outro e apontou para uma mesa que estava do lado direito da porta.  Sentaram-se. Ele falou quase sussurrando, perto do ouvido do amigo:
- Tião, os caras são aqueles lá na mesa detrás. O mais baixinho, eu vi quando pegou a mercadoria. Me disseram, com certeza, que o presunto tá recheado.
          - Vamos pegar eles em algum lugar deserto. Aqui a gente não pode fazer nada. Lá fora a gente pega eles, sem testemunha, limpa a carreta e depois dá cabo dos dois. É isso, Tonhão?
         - É isso aí. Vai ser um trabalho mole. Mas tô com vontade de pegar logo, logo eles aqui mesmo.
        - Mas não dá Tonhão! Não dá! Os caras daqui não brincam em serviço: sujou aqui, aqui você fica! Os caras são brabeira! Já ouvi muito falar desse lugar! Num sei o que rola por aqui! A gente não pode pagar pra vê! É ou não é?
       - Tá certo Tião. A pressa às vezes atrapalha. A gente já esperou até aqui, a gente espera mais um pouco.
          De repente a menina volta. Senta na cadeira e fala para os dois:
        - Continuem comendo. Acabem com calma. Quando eu falar, não olhem. Depois pedem até sobremesa. Mas não levantem a cabeça enquanto eu estiver falando.
       - Mas não olhar... Ficar com a cabeça enterrada dentro do prato? Toni,não estou gostando nada, nada disso!
       - Fique tranquilo! Não precisa sujar a cara de feijão, não! Você é bobo!
       - Aí Toni, ainda me chama de bobo! Essa menina é abusada mesmo!
       - Calma Quim. Eu já vi dois caras, muito estranhos. Peguei eles olhando pra gente.
       - Aonde? Aonde?
       - Não olha. Eu vou dar um jeito pra gente sair daqui. Já sabem que vão perseguir vocês. Aconteça o que acontecer não se preocupem. Tudo vai dar certo. Vocês vão ver só. A garçonete vai trazer a sobremesa.
      - Mas eu não pedi ainda! Você pediu Toni?
      - Mas eu pedi. Não foi ele não. Comam tranquilos, enquanto eu resolvo a situação. Só que vai ser com muito barulho.
      - Que barulho? Não estou gostando nada, nada disso, Toni! Acho melhor a gente chamar a polícia! Se os caras estiverem a fim de assaltar a gente, se vê logo! Eles vão sair fora!
      A menina olha para Quim, balança a cabeça, com sinal de negação e fala:
      - Não! Não! De jeito nenhum! Não vai adiantar! Eles não fizeram nada! Aí vai complicar vocês! Vai por mim! Eu sei o que estou falando!
     - Que complicar o quê menina! A polícia chega e pronto!
     - Toni manda seu irmão falar baixo, senão vão achar que ele é maluco!
    - Maluco é o escambau!
- Quim. Sinceramente não estou entendo nada do que está acontecendo. Mas eu sinto que a gente tem que escutar a garota. Não foi você mesmo que pediu pra deixar ela na boleia? Tá uma confusão só, na minha cabeça. Se eles estão querendo ou não assaltar a gente, eu não sei. Mas alguma coisa estranha tem! Que tem, tem! Os caras não tiram os olhos de cima da gente! Mas a menina tá certa! Não podemos chamar a polícia! Vamos seguir o que ela diz! Vamos?
    - Tá legal! Tá legal! Mas por vias das dúvidas, acho melhor a gente se mandar!
    - Não. Ainda não. Não está na hora. O melhor mesmo é esperar. Enquanto esperam, aproveitem e se alimentem bem. Comam bastante, porque não vão ter outra chance. Acho melhor vocês levarem alguma coisa pra viagem. Até chegarmos lá, não tem mais lugar nenhum pra se parar. Apesar da dificuldade que vamos passar, vamos chegar. Vou esperar terminarem de comer. Tudo bem? Depois vão ver só!
        Mais uma vez a menina some. Ficam os dois sem saber para onde ela tinha ido. Quim olha para o irmão e fala:
        - Toni, não estou gostando e nem entendendo nada do que está acontecendo!
       -Nem eu! Nem eu, Quim!
       - Sabe mano: na dúvida vamos levar duas quentinhas. Vai que a menina esteja certa, né?
       - Quim! Você só pensa em comida!
       - Só em comida não! Em comida sim. Eu tô pensando na Mariá.
       - Já vem você com besteira! Só pensa em sacanagem!
       - Só isso não! Agora falando sério. Toni aqueles dois lá... Disfarça. Que coisa estranha. Gostaria de saber o que eles querem roubar da gente. Além do carregamento de massa de tomate, só tem mesmo àquelas coisas velhas. Será que é o caminhão? A gente nem pagou ele todo! Sabe de uma coisa: podemos decidir logo essa parada por aqui mesmo! Ou na porrada! Ou chamando a polícia! O que é que você acha?
        - Não sei. E se os caras estiverem armados? Acho que a menina está certa. Se a gente sair no braço, eles atiram. Se envolver a polícia, não vai adiantar. Os caras não fizeram nada. Essa é a verdade.
          Quim mostrando impaciência contesta.
        - Escuta só! Escuta só! Vão dar tiro nada! Eles não são malucos! Damos só um susto neles! Ou então, chamamos a polícia! Se estiverem com intenção mesmo de assaltar a gente, vão se mandar! É só a polícia chegar e já assusta! Vamos lá provocar?
      - Sei não! Quim é melhor a gente ir ficando por aqui. Vamos ficando, ficando... De repente se cansam e vão embora.
     - Nada disso, Toni! Nada disso! Seu irmão tem até um pouquinho de razão. Podemos até ficar mais um tempinho, mas temos que ir embora! Temos que ir mesmo!
 - Ih! Quim a menina tem razão! Realmente não podemos demorar muito, não. Já ia me esquecendo...
- Esquecendo o quê?
 - Ah! Nada! Nada não!
 - Toni! Toni! Eu te conheço! O que é que você está me escondendo? Estou ficando com uma pulga atrás da orelha! Você está me escondendo alguma coisa! Diz logo! Desembucha!
  - Nada não. Quim você está é cismado. Só temos é que ir mesmo. Nós é que vamos dar a notícia da morte do Zé, esqueceu? Estou até com uma carta que o falecido endereçou para a família.
       Quim arregala os olhos e fala:
     - Ué! Ué! O cara sabia que ia morrer? Então ele foi assassinado?
     - Acho que não. O atestado de óbito diz que não. Me parece que já estava doente.
    - Toni, abre logo essa carta aí! Vamos ver o que diz! De repente a gente descobre alguma coisa! Quem sabe os caras estão atrás dela! Às vezes fala de algum tesouro que Zé Betão escondeu!

      - Que mente criativa! Que tesouro o quê! Se fosse tesouro, a cidade toda ia saber! Pensa bem: se o interesse daqueles dois fosse à carta, você não acha que eles viriam falar com a gente? E eu não vou abrir carta nenhuma! Violar uma correspondência alheia, não é legal! Aonde já se viu Quim!
                 Continua semana que vem...

segunda-feira, 17 de abril de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 4

Continuando...
         - É isso mesmo, menina. Pra que parar agora? Acho que nem tem posto tão perto assim!
         A menina antes de falar alguma coisa olha na cara de um e depois na cara do outro e rir. Balança a cabeça e fala:
         - Escuta só uma coisa: se ficarem por aqui mais tempo, os caras vão chegar e vão tirar o caminhão de vocês. Tem que acelerar. Senão vocês vão ficar chupando o dedo. E tem mais: vocês precisam comer. O caminho é longo. Depois desse posto, não tem mais nenhum. E lá vai ser bom para conhecerem de quem tem que fugir. Vocês não estavam querendo parar?
        - Menina, pra princípio de conversa, nós não devemos nada a ninguém. Logo, não precisamos fugir. Não é Toni?
       - Claro! Ué! Como é que você sabia que íamos parar?
       - Eu sabia! E fugir? Vão ter que fugir! Não estão transportando carga?
       - É claro que estamos! É disso que a gente vive: transportar cargas! Mas a carga que estamos carregando hoje, não é valiosa. Por que alguém iria se interessar por coisas velhas?
       - Toni, sabe de uma coisa? A gente tá dando muito papo pra essa menina, sabe? Não estou gostando nada, nada disso! Essa menina táparecendo que é isca! Vamos deixar ela por aqui mesmo! É o melhor a se fazer! Vai por mim!
          De repente a menina olha pra Quim, faz uma expressão séria e diz:
         - Quim, olha dentro dos meus olhos. Não precisa ficar com medo. Apenas olha.
          - Olhar... Olhar pra quê?
          Quim pergunta, mas o seus olhos são atraídos pelos olhos da menina. Depois olha para o irmão e fala:
          - Mano, pensando melhor... Acho sinceramente que não devemos deixar a menina por aqui, não. E se vem algum bandido e faz mal a ela? E a minha consciência depois, como é que vai ficar?
          - Ué! O que foi que deu em você? Sempre foi contra que ela ficasse com a gente! E agora de repente muda de opinião! Muito esquisito isso, Quim! Muito esquisito!
           - Ah! Mudei de opinião! E daí? Não sei de nada! De repente gostei dela! Qual o problema?
           Antes que Toni respondesse alguma coisa, a menina se antecipou e disse:
           - Vou dizer uma coisa pra vocês: estão encrencados! O caminho de vocês está muito perigoso. Mas estou aqui para livrá-los. Vocês tem que acreditar em mim! Vou afastar qualquer encrenca que aparecer! Vão ver só!
          - Estamos encrencados? Quim, tá tudo muito esquisito!
         - Esquisito tá um negócio que estou matutando aqui. Fala pra mim. Como você sabia que Zé Betão tinha morrido? E como você sabia que era naquela cidade que ele estava morto?
        - Mano, pior que eu não sabia. Não sabia que ele morava ali e muito menos que tinha morrido!
        - Ué! Toni, quem te falou?
        - Ninguém! Eu sonhei! Eu sonhei Quim!
        - Sonhou? Sonhou como?
        - Eu sonhei. Sonhando! Não sabe como é sonhar? Então! Me apareceu uma menina, dizendo para eu ir naquela cidade. Disse que Zé Betão precisava de mim. Achei estranho.  Sabe que sonhei o mesmo sonho, três vezes? Foram três dias seguidos. Por coincidência a gente estava pertinho. E como estava pertinho, resolvi conferir. Mal eu cheguei lá, veio um cara ao meu encontro. Parecia que já estava me esperando. Coisa esquisita. Aí me perguntou se eu era Toni, amigo de Betão. Olha só! Só em pensar, fico todo arrepiado!
          Quim estica o braço e mostra-o para o irmão e diz:
         - Olha só! Eu também já estou todo arrepiado! Que coisa estranha, mano! Por que você não me chamou pra ir junto? Estou aqui encucado com isso!
          - Ah! Não te chamei... Sei lá, Quim! Nem lembrei! Também você estava lá enroscado com aquela morena! Não ia nem me escutar!
         - Não vem com essa não! Toni era só esperar eu resolver a questão com Martinha e depois à gente ia junto!
         - Ah! O nome dela é Martinha? Viu!E eu nem sabia! Essas confusões suas, não quero nem chegar perto!
  - Que confusões? Mano, você é muito certinho! Só tem a Marialda! É bom às vezes um pouquinho de agitação na vida! A sua é muito parada! Mas deixa essas coisas pra lá! Foi até bom eu não ter ido. Isso tudo tá parecendo que tem coisa de outro mundo. Tem fantasma, eu tô fora!
           Nisso Angélica, que estava de espectadora, dá um sorriso e fala:
          - Meu Deus! Dois burros velhos com medo de alma de outro mundo! Que coisa feia!
           Ela dá umas boas risadas, enquanto os dois ficam em silêncio. Pouco tempo depois, avistam um posto de gasolina. Quim bate no volante e fala:
          - Olha lá Toni! Não é que a menina estava certa! Uma placa indicando que tem um posto próximo! Depois dessa, me deu até um pouquinho de fome! Vamos parar?
         - Tá legal, Quim. Mas... Essa menina está me deixando encucado. Como é que você sabia desse posto? Isso tá esquisito! Engraçado, tem hora que olho pra você e parece que já te vi!
         - É? Quem sabe? Eu não falei que conhecia essa região? Eu disse e estou provando! Agora, entra na segunda rua depois da placa. Fica logo no início. Só conhece quem está acostumado.
         - Nunca tinha visto um posto de gasolina, fora da estrada principal. Conhece algum Quim?
         - Não. Lugar deserto assim, nunca. Só quando vai chegando próximo de alguma cidade. É... Mas tá bom também! Vamos lá!
         - Deixa de entusiasmo! Nada de cerveja, Quim! Tá legal? Vamos comer alguma coisa e pé na estrada!
         - Tá bom mano. Tá bom. Sabe que não facilito quando estou na direção. Só tomo minha geladinha, quando vamos passar a noite. É ou não é?
         - Eu sei! Eu sei! Só falei por falar! Sei que você é responsável. Quim encosta ali perto daquele caminhão cegonha. Espaço bom. Será que a gente precisa de combustível?
         - Não. Talvez só pra completar. O tanque tá quase cheio.
           Quim, depois de responder ao irmão, olha para a menina, que já estava quieta há algum tempo, bate no seu ombro e convida-a a descer.
        - Vamos menina? Vamos comer alguma coisa? Você deve estar com fome também. Venha, desce. Estou pensando aqui no pernil assado! Tá escrito ali naquela tabuleta! Vamos lá?
- Estou com fome não. Acompanha o seu irmão. Ele que não estava com fome, já está lá dentro. Vai. Depois eu vou. Vou ao banheiro primeiro.
         Quim desce e vê o irmão acenando para ele. Quando vira para falar com a menina, ela já tinha sumido. E fala, consigo mesmo:
          - Puxa! Estava apertada mesmo! Deve ter ido correndo!
            Mal ele entra no restaurante, Toni reclama:
          - Puxa Quim! Que demora! Escuta só: nada de se engraçar comninguém! Já dei uma olhada por aí e vi que tem umas meninas interessantes! Então você sabe: nada de dá trela pra elas!
         - Larga do meu pé! Você hoje tá esquisito pra caramba! Pô nunca te vi tão chato assim!
          - Chato eu?
          - Chato sim, Toni! Muito chato!
          - Eu te conheço Quim! Eu te conheço! Não vem com papo não! Não vamos demorar, tá legal? Você tinha que ter andado com papai, aí sim você ia andar na linha!
          - Ih! O cara tá nervoso! Tá falando grosso! Pô, Toni! Nunca te vi com tanta pressa! Parece que está fugindo de alguém! Você não acreditou na história da menina, acreditou?
          -Que acreditei o quê! Só temos que acelerar pra entregarmos as nossas cargas! Só isso! Tem nada demais não! Você só tá cismado!
          - Então só estou cismado? Muito engraçado você! Oh! Que tem troço esquisito aí tem!
         - Que esquisito o quê! É melhor a gente comer logo! Vamos escolher alguma coisa aí e picar a mula, o mais rápido possível!
         - Que pressa, hein!
         - Quim, e a menina?

         - Ela disse que não estava com fome, mas ia dar uma chegada aqui. Foi no banheiro primeiro.
                         Continua semana que vem...

segunda-feira, 10 de abril de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 3

Continuando...
A menina se aproxima mais um pouco e, imitando Quim, coloca a mão num dos lados da boca e fala:
        - Não tem problema nenhum. Sabe por quê? Ninguém vai me ver. Eu sei me esconder... E tem mais uma coisa: eu posso ajudá-los a chegar ao destino. Conheço a região, como a palma da minha mão. Não tem erro, não!
        - Achar o endereço não é problema. Isso vai ser fácil. Toni sabe o caminho direitinho. Não é mano? Então é melhor você ficar por aqui mesmo. Não, eu vou fazer uma coisa por você: vou passar um rádio pra polícia vir te pegar e entrega-la a seus pais. Isso é o certo. Não é mano?
       - Só eu sei o caminho. Ele não sabe nada.
       - Como ele não sabe nada?
          Toni responde meio envergonhado, por ter mentido para o irmão. Passa a mão pela cabeça, puxa a ponta da orelha, dá um pigarro e diz:
       - É... Sabe...  É, Quim. Sabe de uma coisa? – dá uma pausa. Depois continua:
      - Estranho Quim! Como é que ela sabe que eu nunca estive nesse lugar? Mas como já fomos a muitos lugares sem conhecer e... A gente sempre achou todos os lugares, não foi? Então, eu pensei que esse fosse ser mais um, só!
         Quim demonstrando aborrecimento, falou:
        - Pô! Por que é que você disse que já tinha ido lá?
        - Ah! Você sabe! Quim, você reclama de tudo! Ia querer dar pra trás! Eu te conheço! Ainda ia vir com aquele velho papo: - É de graça! E a gente ainda vai se meter numa biboca?
      Antes que Quim falasse mais alguma coisa, a menina se adianta e fala:
       - Não precisam discutir. Eu só quero ajudar. Eu vim só pra ajudar vocês.
       - Ajudar em quê? Acho que você apareceu só pra complicar tudo. – disse Quim.
       - Vou provar que só estou aqui realmente para ajudar.
       - Ajudar! Ajudar como?
       - Vou começar agora mesmo. Pra começar, entra no caminhão e embica ele nessa estrada ali. Tem que ser rápido, por que vem uma jamanta aí, em alta velocidade e vai bater no caminhão de vocês.
           Toni olha pra o irmão e fala:
      - Ih! Quim! A metade do caminhão está no meio da estrada! Vai que a menina tem razão! Vamos tirar logo ele daqui!
         Quim dá um muxoxo. E mesmo contrariado, entra no caminhão, e tira-o do asfalto. Mal ele entra na estrada de chão, uma jamanta aparece do nada, vindo pela contra mão, e passa por onde eles estavam. Toni, que estava dentro de uma moita de capim e sem saber como tinha ido parar ali, colocou a mão na cabeça e exclamou:
        - Meu Deus! Virgem Santa!
        E gritou para o irmão:
        - Viu essa? Viu essa Quim? Foi por pouco! Meu Deus!
        Depois olhou para a menina, que estava de pé, no acostamento e falou:
        - Olha só! Menina olha só! Estou todo arrepiado! Como é que você sabia da carreta? Você é adivinha? Ah! Só pode ser!
         Toni nem conseguiu ouvir a resposta dela, se é que tenha falado alguma coisa, ela simplesmente já estava na boleia do caminhão, do lado de Quim, que nem tinha percebido a sua presença.
         Como a menina tinha sumido da sua frente num piscar de olhos, Toni ficou encucado. Não sabia como ela tinha desaparecido. Ao entrar na cabine do caminhão, levou o maior susto, quando viu a menina já sentada perto de Quim. Disse, sem saber direito o que falar:
       - Ué! Ué! Mano, você permitiu que ela subisse?
       Quim olhou para o irmão e também se assustou com a presença da menina.
       - Ué! Digo eu! Eu nem vi quando ela subiu! Eu não deixei nada! Isso é coisa sua! Só sua! Você é que tem um coração maior do que o peito! Nem me perguntou se eu concordava, não é?
         Toni, que ainda não tinha se sentado no banco da cabine, antes de falar alguma coisa, se acomodou primeiro, fechou a porta e falou:
          - Mas Quim... É que... Na verdade, eu nem tive tempo de falar alguma coisa. De repente ela já estava aqui em cima. Ela sumiu assim da minha frente. Foi só eu piscar os olhos e ela já não estava mais lá embaixo. Verdade, mano!
         Meio a contra gosto aceitou a justificativa do irmão.
         - Tá legal! Tá legal, Toni! Acredito! Ela é estranha mesmo!
         - Também acho. E aqui menina, no primeiro posto de gasolina que aparecer, você vai descer. Ou se primeiro surgir um posto policial, a gente entrega você para os policiais.
         - Vocês são ingratos. Acabei de ajuda-los e já estão querendo me descartar. Eu disse que ia ajudar e ajudei, não foi? Então, pra mostrar que não estou mentindo, vou dar uma ajudinha de novo. Vai ser a segunda em pouco tempo. Está na hora da gente sair daqui. Sabe por quê? Vou responder: tem um carro preto seguindo vocês.
        - Como é que é? – perguntou Quim.
        - Estão seguindo o caminhão, desde onde vocês saíram. E agora já estão nos calcanhares dos dois. Vêm com tudo pra assaltar vocês, com certeza! Mas como eu estou aqui, vou dificultar as coisas pra eles! Isso – claro! - se quiserem a minha ajuda! Falei?
         Quim olha para o irmão e com desdém, fala:
          - Olha aí, Toni! Mais essa! Um fedelho desses, querendo tirar onda.
   - Não estão acreditando, não é? São dois caras da pesada! Quem avisa amigo é! Querem o caminhão e vão acabar conseguindo! Se quiserem a minha ajuda, estou com vocês!
           - Olha só Toni: vou ajudar vocês! Aonde já se viu uma coisa dessas? Um fedelho! Só acredito vendo!  Oh! Acho melhor você descer, tá legal?
           A menina sem dar muita importância para o que Quim falava, alertou-os:
          - Acho melhor irmos andando! Temos muita estrada pela frente! É melhor começar a acelerar! Os caras estão bem perto! Já estão chegando!
Tá pensando que é brincadeira minha?
           Toni olha para o irmão e, entre risos, fala:
         - Aí Quim, eu acho que a menina tá querendo te assustar! Vamos embora mesmo, porque você tá com a cara que tá mesmo assustado! Um carro perseguindo a gente! Muito engraçado, menina! Uns caras querem assaltar a gente? Muito engraçado isso!
          - É melhor acreditar! Vocês tem que andar rápido! Para no primeiro posto de gasolina. Em quinze minutos, chegamos lá. Esse posto quase não é conhecido. Fica um pouco afastado da estrada. Vamos rápido.
          - Que posto? Não deve ter posto tão perto! Aí Toni, ela tá mandando! Aonde já se viu uma coisa dessas! Como é que papai falava, mesmo?
         - “O gajo é poderoso!” Só rindo mesmo, Mano!
         - Podem rir. Depois vão chorar. Não estão confiando em mim.

         - Toni, pra que a gente vai parar em algum posto agora? Fala pra ela, fala! Já abastecemos! Estamos andando! Viu?
                    Continua semana que vem...

segunda-feira, 3 de abril de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 2

Continuando...
          O irmão, antes de falar mais alguma coisa, passou a mão novamente pelo cabelo ralo, deu um leve sorriso e disse:
          - Sabe de uma coisa? Não, você não sabe. Zé Betão largou a boleia, dizendo que ia ficar rico. Com uma convicção!Só você vendo! Isso já tem uns dez anos. Coitado. O coitado não ficou rico e, ainda por cima, encontrou a morte. Quim, a família deve estar no maior sufoco. Não sei como a mulher e os filhos se viraram nesse tempo todo. Deve estar todo mundo na maior pindaíba!
          - Ele não devia deixar a família passar necessidade, não! Por certo, mano, mandava grana para eles! Como você sempre disse que ele era um cara legal, não ia deixar a família em apuros!  Elogios não faltavam! Cara legal estava ali, dizia você!
         - Sujeito pedra noventa! Amigo até debaixo d’água! Só faltava ser meu irmão, pra ser igual a você! Porque amigo igual a você, só Betão!
         - Puxa mano, fico até emocionado. Você também é o meu melhor amigo, e meu ídolo. Agora vamos deixar de rasgação de seda! Me diz uma coisa: guardou o endereço? Aquela região lá é muito complicada! Você esqueceu que a gente vai sair da estrada e encarar uns bons quilômetros de chão? Já viu à furada que a gente vai entrar?
          O irmão antes de responder alguma coisa, fechou um pouco o cenho e falou criticando as suas palavras:
         - Pô Quim! Você reclama de tudo! Isso me deixa até triste! Não esqueça que isso é por uma boa causa!
        - E se quebrar o caminhão?
        - Vai quebrar nada! Você está é com má vontade! Ih! Não fica pensando negativo não! Assim acaba dando tudo errado mesmo!
Quim, com ar debochado, rebate as acusações.
        - Má vontade, eu? Pensando negativo, eu? É? É mesmo? Mano, você nem conhece aquela região direito!
        - Quem disse? Eu já estive lá! Foi só uma vez, mas você sabe que tenho uma memória boa!  Vou num lugar e não esqueço mais! Ainda mais se o lugar estiver à mesma coisa! Vai ser mole! E... Sabe de uma coisa? Pisa mais fundo, aí! Pé na tábua, Quim! E deixa de papo!
           Não era normal Toni incentivar o irmão a correr. Normalmente mandava-o tirar o pé do acelerador, mas naquele momento agiu diferente. Quim que já gostava de correr esticou a marcha. Era todo sorriso. Virou para o irmão e disse:
         -Ué! O que deu em você? Se deixar comigo, a gente voa!
Toni não respondeu nada. Olhou de rabo de olho e deu um leve sorriso.Depois pousou a cabeça no encosto e fechou os olhos por uns instantes. Mas segundos depois foi sacudido por alguma coisa, que o empurrou para frente. Abriu os olhos assustados. E com expressão de pavor, gritou com todas as forças que tinha:
          - Quim, cuidado! Cuidado! Freia! Freia! Tem uma menina no meio da estrada! Meu Deus!
          O irmão não conseguiu parar de estalo,mas foi diminuindo a velocidade do caminhão até finalmente pará-lo no acostamento, passando pela menina, que nem sequer se mexeu. Assustado, abraçou o volante, bateu levemente com a testa na parte superior do volante, depois olhou para o irmão e disse:
          - Meu Deus! Meu Deus! Essa foi por pouco! Mano por que você me incentivou a correr? Puxa vida!
         Toni, se sentindo culpado, desculpou-se:
          - Foi mal. Desculpe mano. Não sei o que deu em mim.
          Enquanto Toni falava, Quim olhava pelo retrovisor. Viu direitinho à menina em pé no meio da estrada. Parecia que não tinha saído do lugar. Virou-se e falou:
           - Toni. Olha só. Coitadinha da menina. Mano ela está paradinha. Parece uma estátua. Deve ter sido o susto. Será que ela está em estado de choque?
          Toni nada responde e desce. Mas para extasiado, do lado da cabine, vendo os raios solares batendo em cima da menina e aureolando todo o seu corpo. Ela não se movia, mas os cabelos se espalhavam com o vento, parecendo soltos no ar. Ele estava visivelmente emocionado. Naquele momento, o que estava sentindo, não tinha nada há ver com o quase atropelamento.  Voz embargada, fala para o irmão:
          - Quim! Quim! Ela parece um anjo! Desce logo, mano! Desce logo! Olha só! Ela está paralisada!
         - O que foi que ouve? Está tudo bem com ela?
          Nisso a menina se vira, dá um belo sorriso e fala:
          - Vocês podem me dar uma carona?
          Parecia que não tinha acontecido nada. Toni olha para o irmão, depois olha para a menina, balança a cabeça, resmunga alguma coisa e fala:
- Carona? Mas, carona pra onde? Menina, você deu um tremendo susto na gente! Ainda pede carona?!
         Ela, parecendo que flutuava, chega bem perto deles e responde:
          - Eu vou pra onde vocês vão.
          - Oh! Oh! E por um acaso você sabe pra onde a gente vai?
          - Claro! Vão pra casa... Casa de Zé Betão!
          - Toni, isso está cheirando mal! Tá muito estranho! Vamos deixar essa menina por aqui mesmo! Isso tá mais é pra encrenca! Vai por mim! Vamos sambar fora! Como ela sabe que a gente vai para a casa de Zé Betão?
         - Calma aí Quim! Que encrenca o quê! Vamos conversar primeiro. Vamos? Deixa comigo. Você está muito estressado. Qual o seu nome, minha filha? Quantos anos você tem?
         - Acho que ele está com medo de mim. – falou a menina com um sorriso de deboche.
        Quim olhou para ela com jeito de quem vai explodir, mas ao cruzar seus olhos com os dela, um arrepio percorre todo o seu corpo. Acabou falando brandamente:
        - Eu... Eu com medo? Não. Claro que não.
        Ela sorriu novamente e respondeu a indagação de Toni.
         - Angélica. Meu nome é Angélica. E tenho quatorze anos. Vocês não vão para São José da Boca do Rio?
        Quim ainda se sentindo meio estranho, se antecipa ao irmão e responde:
         - Vamos sim! E como é que você sabe?
         - Adivinhei! Adivinhei! Adivinhei nada! Não é lá que mora o Zé? Eu não falei que vou pra casa dele? Então...
         - Adivinhou? Não adivinhou?
         Ele perguntou, mas se vira para o irmão, colocando a mão no lado da boca, e fala baixinho:

         - Toni, isso está me cheirando à encrenca. Alguma coisa me diz pra gente sair dessa. Ela é estranha. Além de ser uma criança. Como é que vamos explicar, ela na nossa companhia? Mano, ela só tem quatorze anos! Somos dois adultos com uma criança! Isso é confusão, na certa!
                       Continua semana que vem...