O irmão, antes de falar mais alguma
coisa, passou a mão novamente pelo cabelo ralo, deu um leve sorriso e disse:
- Sabe de uma coisa? Não, você não
sabe. Zé Betão largou a boleia, dizendo que ia ficar rico. Com uma convicção!Só
você vendo! Isso já tem uns dez anos. Coitado. O coitado não ficou rico e,
ainda por cima, encontrou a morte. Quim, a família deve estar no maior sufoco.
Não sei como a mulher e os filhos se viraram nesse tempo todo. Deve estar todo
mundo na maior pindaíba!
- Ele não devia deixar a família
passar necessidade, não! Por certo, mano, mandava grana para eles! Como você
sempre disse que ele era um cara legal, não ia deixar a família em apuros! Elogios não faltavam! Cara legal estava ali,
dizia você!
- Sujeito pedra noventa! Amigo até
debaixo d’água! Só faltava ser meu irmão, pra ser igual a você! Porque amigo
igual a você, só Betão!
- Puxa mano, fico até emocionado. Você
também é o meu melhor amigo, e meu ídolo. Agora vamos deixar de rasgação de
seda! Me diz uma coisa: guardou o endereço? Aquela região lá é muito
complicada! Você esqueceu que a gente vai sair da estrada e encarar uns bons
quilômetros de chão? Já viu à furada que a gente vai entrar?
O irmão antes de responder alguma
coisa, fechou um pouco o cenho e falou criticando as suas palavras:
- Pô Quim! Você reclama de tudo! Isso
me deixa até triste! Não esqueça que isso é por uma boa causa!
- E se quebrar o caminhão?
- Vai quebrar nada! Você está é com má
vontade! Ih! Não fica pensando negativo não! Assim acaba dando tudo errado
mesmo!
Quim, com ar
debochado, rebate as acusações.
- Má vontade, eu? Pensando negativo,
eu? É? É mesmo? Mano, você nem conhece aquela região direito!
- Quem disse? Eu já estive lá! Foi só
uma vez, mas você sabe que tenho uma memória boa! Vou num lugar e não esqueço mais! Ainda mais
se o lugar estiver à mesma coisa! Vai ser mole! E... Sabe de uma coisa? Pisa
mais fundo, aí! Pé na tábua, Quim! E deixa de papo!
Não era normal Toni incentivar o
irmão a correr. Normalmente mandava-o tirar o pé do acelerador, mas naquele
momento agiu diferente. Quim que já gostava de correr esticou a marcha. Era
todo sorriso. Virou para o irmão e disse:
-Ué! O que deu em você? Se deixar
comigo, a gente voa!
Toni não respondeu
nada. Olhou de rabo de olho e deu um leve sorriso.Depois pousou a cabeça no
encosto e fechou os olhos por uns instantes. Mas segundos depois foi sacudido
por alguma coisa, que o empurrou para frente. Abriu os olhos assustados. E com
expressão de pavor, gritou com todas as forças que tinha:
- Quim, cuidado! Cuidado! Freia!
Freia! Tem uma menina no meio da estrada! Meu Deus!
O irmão não conseguiu parar de
estalo,mas foi diminuindo a velocidade do caminhão até finalmente pará-lo no
acostamento, passando pela menina, que nem sequer se mexeu. Assustado, abraçou
o volante, bateu levemente com a testa na parte superior do volante, depois
olhou para o irmão e disse:
- Meu Deus! Meu Deus! Essa foi por
pouco! Mano por que você me incentivou a correr? Puxa vida!
Toni, se sentindo culpado,
desculpou-se:
- Foi mal. Desculpe mano. Não sei o
que deu em mim.
Enquanto Toni falava, Quim olhava
pelo retrovisor. Viu direitinho à menina em pé no meio da estrada. Parecia que
não tinha saído do lugar. Virou-se e falou:
- Toni. Olha só. Coitadinha da
menina. Mano ela está paradinha. Parece uma estátua. Deve ter sido o susto.
Será que ela está em estado de choque?
Toni nada responde e desce. Mas para
extasiado, do lado da cabine, vendo os raios solares batendo em cima da menina
e aureolando todo o seu corpo. Ela não se movia, mas os cabelos se espalhavam
com o vento, parecendo soltos no ar. Ele estava visivelmente emocionado.
Naquele momento, o que estava sentindo, não tinha nada há ver com o quase
atropelamento. Voz embargada, fala para
o irmão:
- Quim! Quim! Ela parece um anjo!
Desce logo, mano! Desce logo! Olha só! Ela está paralisada!
- O que foi que ouve? Está tudo bem
com ela?
Nisso a menina se vira, dá um belo
sorriso e fala:
- Vocês podem me dar uma carona?
Parecia que não tinha acontecido
nada. Toni olha para o irmão, depois olha para a menina, balança a cabeça,
resmunga alguma coisa e fala:
- Carona? Mas,
carona pra onde? Menina, você deu um tremendo susto na gente! Ainda pede
carona?!
Ela, parecendo que flutuava, chega bem
perto deles e responde:
- Eu vou pra onde vocês vão.
- Oh! Oh! E por um acaso você sabe
pra onde a gente vai?
- Claro! Vão pra casa... Casa de Zé
Betão!
- Toni, isso está cheirando mal! Tá
muito estranho! Vamos deixar essa menina por aqui mesmo! Isso tá mais é pra
encrenca! Vai por mim! Vamos sambar fora! Como ela sabe que a gente vai para a
casa de Zé Betão?
- Calma aí Quim! Que encrenca o quê!
Vamos conversar primeiro. Vamos? Deixa comigo. Você está muito estressado. Qual
o seu nome, minha filha? Quantos anos você tem?
- Acho que ele está com medo de mim. –
falou a menina com um sorriso de deboche.
Quim olhou para ela com jeito de quem
vai explodir, mas ao cruzar seus olhos com os dela, um arrepio percorre todo o
seu corpo. Acabou falando brandamente:
- Eu... Eu com medo? Não. Claro que
não.
Ela sorriu novamente e respondeu a
indagação de Toni.
- Angélica. Meu nome é Angélica. E
tenho quatorze anos. Vocês não vão para São José da Boca do Rio?
Quim ainda se sentindo meio estranho,
se antecipa ao irmão e responde:
- Vamos sim! E como é que você sabe?
- Adivinhei! Adivinhei! Adivinhei
nada! Não é lá que mora o Zé? Eu não falei que vou pra casa dele? Então...
- Adivinhou? Não adivinhou?
Ele perguntou, mas se vira para o
irmão, colocando a mão no lado da boca, e fala baixinho:
- Toni, isso está me cheirando à
encrenca. Alguma coisa me diz pra gente sair dessa. Ela é estranha. Além de ser
uma criança. Como é que vamos explicar, ela na nossa companhia? Mano, ela só
tem quatorze anos! Somos dois adultos com uma criança! Isso é confusão, na
certa!
Continua semana que vem...
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