segunda-feira, 3 de abril de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 2

Continuando...
          O irmão, antes de falar mais alguma coisa, passou a mão novamente pelo cabelo ralo, deu um leve sorriso e disse:
          - Sabe de uma coisa? Não, você não sabe. Zé Betão largou a boleia, dizendo que ia ficar rico. Com uma convicção!Só você vendo! Isso já tem uns dez anos. Coitado. O coitado não ficou rico e, ainda por cima, encontrou a morte. Quim, a família deve estar no maior sufoco. Não sei como a mulher e os filhos se viraram nesse tempo todo. Deve estar todo mundo na maior pindaíba!
          - Ele não devia deixar a família passar necessidade, não! Por certo, mano, mandava grana para eles! Como você sempre disse que ele era um cara legal, não ia deixar a família em apuros!  Elogios não faltavam! Cara legal estava ali, dizia você!
         - Sujeito pedra noventa! Amigo até debaixo d’água! Só faltava ser meu irmão, pra ser igual a você! Porque amigo igual a você, só Betão!
         - Puxa mano, fico até emocionado. Você também é o meu melhor amigo, e meu ídolo. Agora vamos deixar de rasgação de seda! Me diz uma coisa: guardou o endereço? Aquela região lá é muito complicada! Você esqueceu que a gente vai sair da estrada e encarar uns bons quilômetros de chão? Já viu à furada que a gente vai entrar?
          O irmão antes de responder alguma coisa, fechou um pouco o cenho e falou criticando as suas palavras:
         - Pô Quim! Você reclama de tudo! Isso me deixa até triste! Não esqueça que isso é por uma boa causa!
        - E se quebrar o caminhão?
        - Vai quebrar nada! Você está é com má vontade! Ih! Não fica pensando negativo não! Assim acaba dando tudo errado mesmo!
Quim, com ar debochado, rebate as acusações.
        - Má vontade, eu? Pensando negativo, eu? É? É mesmo? Mano, você nem conhece aquela região direito!
        - Quem disse? Eu já estive lá! Foi só uma vez, mas você sabe que tenho uma memória boa!  Vou num lugar e não esqueço mais! Ainda mais se o lugar estiver à mesma coisa! Vai ser mole! E... Sabe de uma coisa? Pisa mais fundo, aí! Pé na tábua, Quim! E deixa de papo!
           Não era normal Toni incentivar o irmão a correr. Normalmente mandava-o tirar o pé do acelerador, mas naquele momento agiu diferente. Quim que já gostava de correr esticou a marcha. Era todo sorriso. Virou para o irmão e disse:
         -Ué! O que deu em você? Se deixar comigo, a gente voa!
Toni não respondeu nada. Olhou de rabo de olho e deu um leve sorriso.Depois pousou a cabeça no encosto e fechou os olhos por uns instantes. Mas segundos depois foi sacudido por alguma coisa, que o empurrou para frente. Abriu os olhos assustados. E com expressão de pavor, gritou com todas as forças que tinha:
          - Quim, cuidado! Cuidado! Freia! Freia! Tem uma menina no meio da estrada! Meu Deus!
          O irmão não conseguiu parar de estalo,mas foi diminuindo a velocidade do caminhão até finalmente pará-lo no acostamento, passando pela menina, que nem sequer se mexeu. Assustado, abraçou o volante, bateu levemente com a testa na parte superior do volante, depois olhou para o irmão e disse:
          - Meu Deus! Meu Deus! Essa foi por pouco! Mano por que você me incentivou a correr? Puxa vida!
         Toni, se sentindo culpado, desculpou-se:
          - Foi mal. Desculpe mano. Não sei o que deu em mim.
          Enquanto Toni falava, Quim olhava pelo retrovisor. Viu direitinho à menina em pé no meio da estrada. Parecia que não tinha saído do lugar. Virou-se e falou:
           - Toni. Olha só. Coitadinha da menina. Mano ela está paradinha. Parece uma estátua. Deve ter sido o susto. Será que ela está em estado de choque?
          Toni nada responde e desce. Mas para extasiado, do lado da cabine, vendo os raios solares batendo em cima da menina e aureolando todo o seu corpo. Ela não se movia, mas os cabelos se espalhavam com o vento, parecendo soltos no ar. Ele estava visivelmente emocionado. Naquele momento, o que estava sentindo, não tinha nada há ver com o quase atropelamento.  Voz embargada, fala para o irmão:
          - Quim! Quim! Ela parece um anjo! Desce logo, mano! Desce logo! Olha só! Ela está paralisada!
         - O que foi que ouve? Está tudo bem com ela?
          Nisso a menina se vira, dá um belo sorriso e fala:
          - Vocês podem me dar uma carona?
          Parecia que não tinha acontecido nada. Toni olha para o irmão, depois olha para a menina, balança a cabeça, resmunga alguma coisa e fala:
- Carona? Mas, carona pra onde? Menina, você deu um tremendo susto na gente! Ainda pede carona?!
         Ela, parecendo que flutuava, chega bem perto deles e responde:
          - Eu vou pra onde vocês vão.
          - Oh! Oh! E por um acaso você sabe pra onde a gente vai?
          - Claro! Vão pra casa... Casa de Zé Betão!
          - Toni, isso está cheirando mal! Tá muito estranho! Vamos deixar essa menina por aqui mesmo! Isso tá mais é pra encrenca! Vai por mim! Vamos sambar fora! Como ela sabe que a gente vai para a casa de Zé Betão?
         - Calma aí Quim! Que encrenca o quê! Vamos conversar primeiro. Vamos? Deixa comigo. Você está muito estressado. Qual o seu nome, minha filha? Quantos anos você tem?
         - Acho que ele está com medo de mim. – falou a menina com um sorriso de deboche.
        Quim olhou para ela com jeito de quem vai explodir, mas ao cruzar seus olhos com os dela, um arrepio percorre todo o seu corpo. Acabou falando brandamente:
        - Eu... Eu com medo? Não. Claro que não.
        Ela sorriu novamente e respondeu a indagação de Toni.
         - Angélica. Meu nome é Angélica. E tenho quatorze anos. Vocês não vão para São José da Boca do Rio?
        Quim ainda se sentindo meio estranho, se antecipa ao irmão e responde:
         - Vamos sim! E como é que você sabe?
         - Adivinhei! Adivinhei! Adivinhei nada! Não é lá que mora o Zé? Eu não falei que vou pra casa dele? Então...
         - Adivinhou? Não adivinhou?
         Ele perguntou, mas se vira para o irmão, colocando a mão no lado da boca, e fala baixinho:

         - Toni, isso está me cheirando à encrenca. Alguma coisa me diz pra gente sair dessa. Ela é estranha. Além de ser uma criança. Como é que vamos explicar, ela na nossa companhia? Mano, ela só tem quatorze anos! Somos dois adultos com uma criança! Isso é confusão, na certa!
                       Continua semana que vem...

Nenhum comentário:

Postar um comentário