terça-feira, 29 de janeiro de 2019

A História de Helô - Parte 17

Continua...


Helô foi em direção da primeira maca. De repente parou em frente de uma porta e ameaçou tocar na maçaneta, mas a voz mais uma vez se fez ouvir:
          - Não toque nessa maçaneta! Ainda não está na hora de atravessar essa porta. Temos muito tempo para entrarmos aí. Paciência, Helô.
          Helô, ao ouvir a voz, sentiu que alguém ou alguma coisa tinha barrado a sua mão de chegar até a maçaneta, mas não sentiu medo. Virou-se e foi em direção à mesa. Mal saiu de frente da porta, ouviu vozes que vinham do outro lado. Não conseguiu dar mais nenhum passo. Parecia que os pés estavam colados no chão. Sentiu vontade de correr, mas não conseguiu sair do lugar. Aí a voz foi em seu socorro.
          - Calma, Helô! Ninguém vai entrar aqui agora. Não fale nada e apague a vela. Isso. Agora venha comigo.
          Helô quis atender ao comando da voz, mas não conseguiu se mexer.  Aí falou baixinho:
          - Irmã! Não estou conseguindo me mexer e nem estou enxergando nada!
          De repente a sala se iluminou toda. Parecia que o astro rei tinha entrado no recinto. Aí Helô caiu de joelhos, quando viu que aquele sol se transformava numa mulher vestida com um hábito de freira. A entidade olhou para a menina e disse:
          - Levante-se, Helô. Vamos. Outro dia voltaremos.
          Helô com os olhos arregalados e as mãos postas exclama:
          - A senhora é uma santa?
         - Não, Helô! Não sou santa! Falta muito para isso, minha menina. Depois conversamos mais. Estou contente porque você conseguiu ver-me. A partir desse momento, em outras ocasiões, ficarei visível para você. A barreira foi rompida. Agora vai ficar mais fácil, mas temos que sair daqui rápido. A porta está prestes a ser aberta. Feche os olhos.
          Helô fez o que a entidade mandou. Quando abriu os olhos, já estava do lado de fora da gruta. Olhou em volta e viu a madre que sorria para ela. Sorriu de volta e perguntou:
         - Como foi isso, irmã? Puxa! Parece que a senhora é uma lâmpada acesa!
        - Puxa, Helô! Estou parecendo uma lâmpada? Pode rir. Escuta uma coisa: não fale com ninguém do que você viu, do que você viu lá dentro e de ter-me visto, mas também, se você falar, ninguém vai acreditar mesmo!
         - Pode deixar, irmã, não vou dizer nada. Se eu falar, vão achar que estou ficando maluca. Então não vou falar mesmo!
          - É isso mesmo, minha filha! Isso tudo é segredo nosso! Só nosso! E agora vai ficar mais fácil o nosso trabalho. Você conseguiu ver-me e isso não é pra qualquer um, só pessoas especiais.
          Helô não sabia como tinha chegado até ali. Sentiu que alguma coisa levantou-a e depois teve a sensação que alguém a colocava novamente no chão. Quando os seus pés tocaram o solo, abriu os olhos. Aí já estava fora da gruta e, logo em seguida, brincava com as amiguinhas, que nem perceberam a sua chegada e muito menos a sua ausência. Isso tudo era uma tremenda loucura, muita coisa para a sua cabeça. Não podia nem dividir isso com outra pessoa. Podiam achar que estava ficando maluca. Pensou até em falar com a irmã Amélia e com a irmã Gertrudes, mas acabou desistindo. Desistiu porque a Madre Maria de Lourdes inspirou-a a se calar.
          A visão não saía do seu pensamento. Tinha a sensação que já tinha visto aquela santa em algum lugar. Estava tão envolvida naquelas lembranças que não demonstrou nenhum interesse pelas brincadeiras e, sem que elas percebessem, foi-se afastando. Já no corredor, próximo ao alojamento, encontrou a irmã Gertrudes que, com o seu sorriso escancarado e os braços abertos, enlaçou-a num abraço apertado e fraterno. Helô correspondeu ao abraço, deu um beijo na bochecha rosada da irmã e disse:
          - Irmã! Sabe que eu amo muito, muito a senhora? E a irmã Amélia também! Vocês são as minhas duas mães! Amo muito vocês duas!
          Deu uma pausa porque os olhos se encheram de lágrimas. Rapidamente enxugou-os para a irmã não perceber. Depois voltou a falar.
         - Irmã, me responde uma coisa. Por que a Madre afasta a mãezinha de mim?
          A irmã Gertrudes esticou um sorriso murcho e vasculhou a mente à procura de alguma justificativa que pudesse satisfazer a menina. Depois de algum tempo, finalmente colocou um brilho no sorriso e disse:
          - Não é isso. É impressão sua, minha menina. A irmã Amélia é muito solicitada pela Madre porque ela é uma pessoa muito competente.
É isso. É só por isso.
          - É isso mesmo?
          - É claro! Só isso! Falando nela, olha lá ela acenando pra você!
          Helô deixou a irmã Gertrudes e foi correndo ao encontro da irmã Amélia. Rapidamente já estavam abraçadas como mãe e filha. Amélia cobriu a menina de muitos beijos. Em seguida levou-a para se sentar num banco e depois a colocou em seu colo e fez muitas cócegas nela. Helô adorava quando a irmã Amélia fazia isso com ela e, por sua vez, a irmã ficava felicíssima ao vê-la gargalhar. Esse era um momento raro, mas de total felicidade para as duas. 
......................Continua semana que vem!

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

RODA PONTEIRO - JOSE TIMOTHEO & MARTHA TARUMA



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A História de Helô - Parte 16

Continuando...

Para as crianças aquela visita, já que não era normal aparecer tanta gente de uma só vez, parecia um evento festivo. Para onde a comitiva ia, lá estavam as crianças. A Madre Superiora Joana de Maria tentou espantá-las, mas o Bispo permitiu que elas os acompanhassem. A princípio a Madre se sentiu contrariada, entretanto concluiu que poderia ser melhor para ela, tanto que mandou as crianças se aproximarem mais, ficando mais próximas do grupo.  Nesse momento, mais uma vez, a voz falou na orelha de Helô:
          - Minha filha, saia com cuidado do meio do grupo e vá até à gruta.
            Helô ouviu claramente a voz e tentou obedecer-lhe o mais rápido possível. Então, enquanto o grupo se movimentava, foi retardando os seus movimentos até ficar no final do grupo. Foi fácil sair, já que todos estavam focados no movimento do Bispo Giordano e da sua comitiva. Saiu pela lateral que dava acesso ao pomar. Em poucos minutos já tinha pegado os fósforos e as velas que tinha escondido previamente no caminho. Rapidamente chegou à entrada da gruta. A luz natural do dia dava pra ver bem toda a entrada. Cautelosamente foi entrando. A voz ainda não tinha falado  nada, mas não sentia medo e continuou a penetrar na gruta. Só foi acender a vela no momento que a luz natural se extinguiu.
          A visão daquelas placas com os nomes dos mortos causou-lhe um pequeno desconforto. Arrepiou-se toda e o coração bateu descompassado. Naquele instante teve vontade de voltar, mas a voz veio em seu socorro, sussurrando no seu ouvido:
              - Calma, Helô. Estou aqui do seu lado. Estou com você. Coragem, minha menina, vá em frente. Aqui ninguém vai fazer mal a você. O mal está lá no casarão, de espreita, aqui não. Agora vamos abrir aquela porta.
          - Por que a senhora não abre? – perguntou baixinho Helô.
          - Eu não posso. Eu passo por ela mas não posso abrí-la. Não tenha medo. Fique firme no que você encontrar. Não esqueça que estou do seu lado. Vamos, abra a porta.
          Helô foi clareando a parede até chegar à rosa vermelha em alto relevo. O corpo todo tremeu ao encostar a mão. Antes de girar a rosa, olhou para o lado como quisesse ver a dona da voz. Sentiu-se sozinha. Vacilou mais uma vez, retirando a mão. Rapidamente a voz ecoou:
          - Minha filha, não desista. Vamos em frente. Estou com você.
          Ela era uma criança, mas de muita coragem. Muitos adultos já teriam fugido, mas Helô tinha nascido com uma coragem e um entendimento do mundo fora do comum. Desde muito pequena já se mostrava destemida. Enquanto as outras crianças se escondiam por medo do bicho papão, ela saía para procurá-lo. Entretanto, por mais corajosa que a pessoa seja sempre tem algo que a assusta, e Helô tinha uma coisa de que tinha um grande medo: a madre. Mas também até o bicho ruim devia ter medo dela! Ela parou, mas não recuou.
         A menina ficou um tempo olhando para a rosa. Esfregou as mãos e em seguida encostou as pontas dos dedos. Parecia que estava testando a temperatura da rosa. De repente segurou com firmeza e foi girando-a. Lentamente a porta foi se abrindo. Um cheiro forte foi saindo do interior escuro. Aquele odor incomodou-a um pouco. Não soube identificar que cheiro era aquele, mas que era desagradável isso era. De repente se arrepiou toda. Aquele fedor fez com que se lembrasse de gente morta. Pensou mais uma vez em recuar. Naquele momento a porta ainda não estava totalmente aberta. Tentou dar um passo atrás, mas teve a sensação que alguma coisa barrava o seu movimento,  mas assim mesmo forçou recuar. A voz rapidamente ecoou no seu ouvido:
         - Não, Helô. Estou com você. Vai em frente. Esqueça o mau cheiro. Ele vai sumir. E tem mais: o que você vai ver é necessário que veja. Minha menina, você é a única pessoa que vai poder resolver essa questão. Eu sei que não vai ser hoje, mas tem muita coisa ainda por vir. Tem que ser aos poucos, passo a passo, mas na hora certa a cortina será aberta.
          Helô não sabia o que dizer. Olhava em volta para ver se via de onde vinha aquela voz. Pensou:
          - Será que estou sonhando? Como eu ouço essa voz?
          - Você não está sonhando, minha filha. Na hora certa, além de me ouvir, você vai me ver. Não tenha medo.
         - Está bem. Vou mostrar que não tenho medo. – disse e levantou a vela tentando iluminar o buraco negro que surgia à sua frente.
           A menina não saberia definir o que tomou conta dela. Era uma força que tinha se apoderado do seu corpo, fazendo brotar uma coragem que jamais tinha sentido, tanto que, antes mesmo da porta se abrir totalmente, levantou a vela e foi adentrando a sala mal cheirosa. A escuridão então perdeu o que tinha de indefinido e, de repente, pareceu que de uma simples chama nascia um sol. Ela já estava no meio de um cômodo bem amplo, onde conseguia ver tudo que estava espalhado ao seu redor. Mesmo com toda a coragem que tinha demonstrado, sentiu um arrepio de mau agouro, mas não recuou. Seus olhos continuaram a investigar o ambiente. Algumas macas, em número de três, que na verdade eram utilizadas para exames ginecológicos, estavam enfileiradas pelo lado direito. Por baixo de cada uma tinha um saco grande, preto, bem volumoso, amarrado na boca. Do lado esquerdo, duas mesas pequenas com duas cadeiras cada uma e, em cima delas, algumas caixas pequenas retangulares de aço. No fundo da sala destacava-se uma caixa d’água de cinco mil litros. Helô olhava aquilo tudo, mas não conseguia entender nada. Depois foi caminhando em direção à caixa d’água. Ao aproximar-se sentiu um cheiro que não conseguiu identificar. Parou. Mas resolveu chegar até a caixa. Aí o cheiro aumentou de intensidade. Sentiu-se bem incomodada com aquele odor. Apertou o nariz e meteu a mão na tampa da caixa e fez menção de levantá-la, mas a voz se fez ouvir novamente:
          - Não, Helô! Não! Minha filha, não precisa retirar essa tampa. O que tem aí dentro é um ácido, um produto altamente tóxico. Esse líquido desintegra quase tudo que seja mergulhado nele. Coisas horríveis são feitas com isso. Não precisa olhar. Mas agora é preciso que tenha coragem, é preciso que veja o que tem dentro daqueles sacos pretos. Não esqueça que estou do seu lado. Coragem minha menina.
.................Continua semana que vem!

terça-feira, 15 de janeiro de 2019

A História de Helô - Parte 15

Continuando...


Todas aquelas joias, inclusive o anel, ela nunca teve coragem de levar para algum ourives avaliar. Tinha muito medo de ser roubada, então mantinha todas as joias trancadas a sete chaves. Mas pelo menos uma vez no mês, abria o seu esconderijo e ficava se deleitando com toda aquela fortuna. Ninguém sabia da existência do seu tesouro. A única que sabia tinha morrido. Era a irmã Maria José.
          A madre, no dia da descoberta das joias, observou que a sua escudeira ao encarar o anel deitou um olhar de pura cobiça. Isso a deixou com uma pulga atrás da orelha. Não falou nada. Apenas recolheu a joia e guardou-a. Saiu do aposento e trancou-o. No terceiro dia após esse acontecimento, a irmã Maria José, como era conhecida, sumiu misteriosamente. Pela manhã a madre saiu dos seus aposentos e perguntou a algumas irmãs por Maria José, mas ninguém soube dizer. Após o almoço fez a mesma coisa, mas ninguém soube dar qualquer informação a respeito da irmã. No dia seguinte a madre apareceu com uma carta, dizendo que tinha achado debaixo do seu travesseiro. O conteúdo dizia que ela tinha ido até a sua cidade natal  visitar uma irmã de sangue, que estava muito adoentada. No final deixava lembranças para todos do convento e agradecia à madre por tudo que tinha feito por ela nessa vida. Assinou, mas depois deixou uma observação que dizia que não sabia por quanto tempo teria que ficar afastada do convívio de todos.  Em um dos trechos da carta, disse que preferiu sair à francesa, sem se despedir, pois nunca gostou de despedidas. Isso iria fazê-la chorar e ficar muito triste. E pedia desculpas à madre por ter agido assim.
         Esse sumiço se esvaiu no tempo. Em poucos meses ninguém se lembrava  mais dela e a madre já tinha outra em seu lugar, que nunca soube do seu tesouro, entretanto tinha acesso a esse quarto e a outros também secretos descobertos pela madre posteriormente.
          O Bispo demonstrou ter ficado satisfeito com o modo pelo qual foi recepcionado. Até se emocionou com a apresentação do coral das crianças, deixando escapulir uma lágrima que não passou despercebida pela madre, que intimamente sorriu de satisfação.
         O Bispo há muito tinha se despido da juventude. A viagem causou algum desgaste. Mesmo sorridente, era bem visível o seu abatimento e nem conseguiu disfarçar o seu cansaço. A madre percebendo o seu estado convidou-o a uns momentos de descanso, prontamente recebido pelo Bispo. A madre e algumas freiras acompanharam o Bispo e a sua comitiva para as acomodações que já estavam arrumadas. O representante da igreja da capital foi acomodado nos aposentos da madre, já a comitiva, em número de seis, foi dividida em dois outros aposentos.
        O Bispo, depois de algumas horas de descanso, levantou-se revigorado. O almoço já se aproximava. A madre foi pessoalmente convidá-lo para o repasto. Ele sorriu e agradeceu o convite, pois a fome já havia se apresentado. A sua pança bem destacada dava para ver que um dos pecados capitais o acompanhava. Levou alguns anos em uma briga constante contra a gula. Outros pecados já tinham sido domados, mas esse continuava ferozmente a desafiá-lo. Tinha feito até promessa para alguns dos seus assessores que, antes de ir ao encontro de Deus, venceria esse vilão.  Mas acabou acalmando o seu espírito e convidou-o a se harmonizar com o pecado, partindo da premissa que teria uma vida longa. Jurava de pés juntos que teria ainda uns vinte bons anos de vida pela frente, logo deveria viver pacificamente com quem que lhe dava tanto prazer. E, conversando com Deus, pediu para que Ele não fechasse a sua porta, só por causa desse pecadinho. Pediu e esperou. Já que Deus não se manifestou, concluiu que Ele concordou. Daí pra frente a gula fez parte do seu sermão.
          O almoço transcorreu em total harmonia. Não havia registro no convento de um buffet tão farto envolvendo visitantes, as freiras e as órfãs. A fartura só rolava no dia a dia para a madre, suas asseclas, o padre Arcanjo e o senhor misterioso, quando visitavam o convento. Era uma alimentação sempre especial, que não alcançava as freiras e as crianças.
          As meninas, como todas as irmãs, já estavam cientes, se perguntadas, da resposta: todos os dias o almoço e o jantar eram sempre servidos com muita fatura. Elas sabiam que, se alguém contrariasse a orientação da madre, o castigo seria severo. E ela tinha certeza que não iriam contra as suas ordens, pois em algum momento alguém já provara do seu mau humor e ninguém iria querer pagar pra ver. Uma coisa muito impressionante era que nem as crianças pequenas se arriscavam em falar alguma coisa. Esse poder dela fugia a qualquer compreensão. O normal seria alguém escorregar, mas isso não acontecia nunca. O medo era muito mais forte e foi muito bem implantado por ela. Em casos de suspeitas, mesmo não sendo comprovado o deslize, a punição vinha assim mesmo. Houve relatos em que a punição foi tão severa que a pessoa fugiu. Esse ambiente de terror já se arrastava por alguns anos. Até sumiços misteriosos eram comentados à boca miúda.
           Após o almoço, o Bispo, que saiu do refeitório remando, com uma expressão de satisfação, foi convidado pela madre para circular pela propriedade. Não recuou do convite, mas estava na cara que preferia ir para o quarto e tirar a sua sesta. Ela percebeu, porém fingiu que não entendeu, e levou-o até o jardim principal, que embelezava a frente do convento. Descansaram por mais de quarenta minutos, apreciando as várias espécies de flores cultivadas com carinho pelas irmãs. O sossego foi interrompido por dois padres da sua comitiva, o padre Paolo e o padre Cosme que vieram chamá-lo para dar início à vistoria nos prédios. Em seguida chegou o Dr. Adalberto, um médico pediatra também da comitiva, informando que já tinha feito uma avaliação na saúde das crianças, constatando apenas alguns casos de dermatites de contato, mas que, segundo a irmã Laura, já estavam todas elas medicadas. Foram atendidas pelo Dr. Wolfe, médico que assistia gratuitamente as crianças órfãs. 
..................Continua semana que vem!