sábado, 31 de dezembro de 2016

ANO NOVO - O VELHO TEMPO

ANO NOVO  -  O VELHO  TEMPO  
                                                               
 José Timotheo

        Ontem, hoje...
         Eu coçando a cabeça e olhando para o ontem, para o hoje e para o amanhã... e pensando... pensando...
         Não sei se foi sempre assim. Não me lembro se faço isso antes ou depois de uma taça de vinho, de um copo de cerveja ou de um questionamento econômico. Sei que se eu ganho dez reais, não posso gastar onze. Mas continuo sem entender... Eu sei que para contador dois mais dois, pode ser quatro ou vinte e dois. Já deu pra ver que gerou dúvida. Mas só estava pensando no ano novo: 2017!!! Mas que já está parecendo ano velho: todo mundo querendo vê-lo pelas costas. Será que devemos tremer? Quem não deve não Temer! É ou não é? Estou pensando também, que o ano novo tem que ser pra frente. Ré, não! É o senado!  E a câmara dos deputados? Deputa... É mesmo! Por isso fazem o que querem! Ali rola uma tremenda orgia! Não é à toa o que o nome sugere! Agora: o que temos a ver com isso? Eles têm é que comer uns aos outros - isso sim!  Chega de câmara, voltemos para o senado! O senador... A dor de Sena, tudo bem. Sentimos e continuamos a sentir. Mas não é mais dor. É uma saudade doída. Quando começa uma corrida e, logo na saída, nos lembramos dele. E vem logo no pensamento: se fosse o Sena, essa corrida estava no papo. Parece que estamos vendo ele preparado para a largada, na poli. A gente continua, inconscientemente (ou não), torcendo pela sua vitória. É uma pena que ele se foi. Acelerou e ultrapassou a velocidade da luz. Agora... Agora temos que conviver com uma dor pior, que acelera, acelera... E por essa dor, não conseguimos nem torcer: é o senador da república. Atualmente essa é a dor mais insuportável. Não, não é bem assim. Ela faz parte de um conjunto de dores. Ah! Acabei de me lembrar de mais uma: tem o supremo! Então... Prefiro não me aprofundar. Escolho um de frango. Agora, tem saída para a entrada no ano? Caraca! Viramos um bando – mais de 250 milhões de almas – de frouxos? Todo mundo bota na gente! E nada? Feliz ano novo. Ou ânus?

quarta-feira, 28 de dezembro de 2016

Assombração - Parte 8

Continuando...
          - Sabe Doutor, quando o senhor vir uma pessoa, vai nos perdoar e dar razão ao nosso comportamento, quando da sua chegada. Acho que todos nós tínhamos a certeza, que Assombração tinha apenas trocado de roupa.
         Dr. Antou interrompeu bruscamente as escusas do Dr. Justus, interrogando-o:
          - Mas por que assombração?
          Dr. Justus, calmamente, foi tentando colocar o colega a par do mistério que envolvia o rapaz.
          - Todos nós só o conhecemos por esse apelido. É um mistério, a sua origem. Ninguém sabe quem ele é. Ele não sabe de onde veio e desconhece completamente o nome dos pais. 
          - Mas ninguém investigou? - perguntou o Dr. Anton.
          - Não sei. Acho que não.
          - Ninguém foi à delegacia? Não procuraram na lista de pessoas desaparecidas?
          - Acho que ninguém, realmente, se interessou. Apenas perguntaram quem ele era. Mas ficou só por aí. Como o rapaz tem boa apresentação, não se mistura com os mendigos, nem com pessoas suspeitas e nunca foi visto usando álcool ou drogas, preferiram fazer vista grossa. O rapaz não estava incomodando ninguém, logo era melhor deixá-lo do jeito que estava. Tem uma coisa interessante. Uma não, tem mais do que uma. Você não vai acreditar. Ele, sendo um morador de rua, é uma pessoa asseada. Alguém na cidade deixa-o usar o seu banheiro.  E tem outra: mora nas árvores do passeio público. Ele agora é parte do folclore do lugar. Uma pessoa educadíssima e da paz.
          Dr. Anton ouvia atentamente o relato. Preferiu não interrompê-lo. A enfermeira, por outro lado, aproveitou a pausa do Dr. Justus, que propositadamente tinha parado para sentir o efeito que as suas palavras estavam causando, e ofereceu mais uma rodada de café, que foi prontamente aceita pelos dois.  Enquanto a enfermeira foi pegá-lo, Dr. Anton acabou fazendo um aparte:
           - Doutor eu estou intrigado com isso. Não estou nem acreditando que... Há quanto tempo ele apareceu por aqui? Tem certeza que realmente ele se parece comigo?
             Antes de responder, o Dr. Justus abriu uma gaveta, retirou um envelope e depois falou:
            - Se vocês se parecem? Meu Deus! É impressionante a semelhança de vocês! Mesmo ele trajando roupas doadas pela igreja local, é uma pessoa muito elegante. Está sempre limpo, de barba feita e cabelos cortados. Soube que se alimenta muito bem. Leva uma vida regrada. Os exames que fizemos com ele, mostraram ser ele uma pessoa de uma saúde invejável. Ele me impressiona muito. Você perguntou sobre o tempo que circula pela redondeza. Então, pelo que nos foi informado, deve estar por aqui, há mais ou menos cinco anos. 
              O médico interrompeu o seu relato, achando que o colega fosse falar alguma coisa, aproveitou e abriu o envelope. Mas não foi o que aconteceu de imediato.  O Dr. Anton a princípio abortou algum comentário, entretanto, depois de mostrar uma expressão enigmática, deixando aflorar um leve sorriso, perguntou:
          - O senhor disse cinco anos?
          - Sim. Pode ser mais ou menos isso. Não tenho muita certeza. Mas o mais importante está aqui na minha mão. Esse papel é o resultado de um exame de sangue.  Exame que fizemos com ele.
          - Para que foi o exame?
          O Dr. Justus abriu outra gaveta da sua mesa, retirou um cigarro e uma caixa de fósforos. Botou o cigarro na boca, acendeu um fósforo e ficou algum tempo com o cigarro preso no canto esquerdo da boca, mas sem acendê-lo. Depois, tirou o cigarro, apagou o fósforo com um assopro, jogou-o na lixeira, e colocou o cigarro de volta na boca. Deu uma tragada profunda e deixou escapar um leve sorriso de prazer. Em seguida botou a caixa de volta, juntamente com o cigarro, na gaveta. Já estava completando seis anos, quando acendeu um cigarro pela última vez. Olhou para o cigarro e observou que já estava na hora de trocar por outro, pois já estava ficando murcho. Só esse hábito ainda não tinha largado. E era como um amuleto, para momentos em que se sentia meio sem saber o que fazer. - Era só para situações emergenciais. – dizia.  Parecia que esse ritual, fazia com que tudo se clareasse e a solução se apresentasse pronta, depois da fumaça imaginária.  O ato de devolver o cigarro e a caixa de fósforos para a gaveta significava - isso a enfermeira deduziu, mas nunca disse isso para o Dr. - que ele já estava começando a encontrar a solução para o problema. Elga, já acostumada ao ritual, não deu importância para o fato. Já o Dr. Anton arregalou os olhos, logo que o colega pegou o cigarro, e falou, com uma entonação, misto de surpresa e reprovação:
          - Não acredito! O senhor vai fumar aqui?
            O Dr. Justus deixou aflorar um sorriso amistoso, não se importando com o tom ríspido que o Dr. Anton falou, e respondeu descontraído:
          - Oh! Não, meu amigo! Já parei há muito tempo! Vou segredar: isso é só um ritual. Finjo que vou fumar, só em situações que me sinto com dificuldade de resolver. Outro segredo: ainda tenho muita vontade de fumar. Porém luto bravamente, todos os dias, contra esse vício cruel. E vou lutar sempre, mas com ele por perto. Não consigo me distanciar. Sei que continuo um viciado em tabaco, mesmo sem usá-lo. O que fazer! Mas pode escrever aí: nunca mais voltarei a usá-lo aceso.
              O Dr. Anton já mais descontraído, sem o tom de reprimenda, falou:
          - Muito bem. Mas não se arrisque tanto. O vício tem suas manhas, suas armadilhas... Cuidado. Mas... – fez uma pausa – e os exames?
          - Então... – Dr. Justus interrompeu o que ia falar por alguns segundos, mas depois continuou – Então... Eu te olho e fico impressionado da sua semelhança com... Mas vamos em frente: o rapaz soube que uma criança estava precisando de um transplante de medula. Na realidade pensou que ela precisasse apenas de sangue. Veio e se ofereceu como doador. Mas já chegou aqui dizendo que iria salvar a menina. Que coração tem esse menino! Fizemos o exame de sangue e deu lá: compatível.
          - A +? - perguntou o Dr. Anton, interrompendo o Dr. Justus.
          - É sim. Como sabe?
          - É o mesmo sangue meu e do meu irmão. Somos A+.
        - Interessante. Dr. precisava ver a alegria dele. Então marcamos outro dia e fizemos todos os exames necessários. Amanhã teremos o resultado definitivo. Se der positivo, não sei como vou colocar o nome do doador. Assombração, é muito esquisito. Amigo, ele não tem nome.
          O Dr. Anton olhou para o médico, já com os olhos cheios d’água, e disse:
          - O senhor não percebeu. Mas ele tem nome e sobrenome. Ele é meu irmão. Não tenho dúvida. Ainda não vi, mas tenho certeza. Pensávamos que estivesse morto. Mas graças a Deus, ele está vivo!
          - Mas... Será mesmo? Pela semelhança, realmente pode ser. Há quanto tempo ele foi dado como morto? – perguntou Dr. Justus.
         - Precisamente há quatro anos e oito meses. – respondeu.
         - Mas como foi isso?

         - Nosso pai adorava pescar. O domingo era sagrado. Nunca falhou um. Podia fazer chuva ou sol e ele estava no cais. Mas era uma pessoa extremamente supersticiosa e não levava mais de uma pessoa da família com ele.  Nunca saímos juntos: eu, ele, minha mãe e meu irmão. Minha mãe nunca foi mesmo. Ele não a levava de jeito nenhum. Tinha medo que pudesse acontecer algum acidente e os dois perecerem. Dizia que não queria dar chance ao azar. A pescaria era ele e eu, ou ele e o meu irmão. Nunca fomos juntos. Adorávamos esses passeios. Meu velho era um bom pescador e nos ensinou tudo que sabia. Acabamos gostando. Ficávamos ansiosos para chegar o domingo. Era dia santo. Mas teve um domingo fatídico. E esse domingo era o meu. Mas nós trocamos. E...
        Continua semana que vem...(ano - rs.rs.rs)

terça-feira, 20 de dezembro de 2016

Assombração - Parte 7

Continuando...
          Nisso já tinha parado vários funcionários no hall de entrada do hospital. O médico observou um movimento atrás de si e percebeu que as pessoas faziam comentários entre dentes, olhando na sua direção. Virou a cabeça e mirou um por um, fazendo com que as pessoas se dispersassem. Depois retornou para a posição que estava anteriormente, deu um sorriso amarelo para a recepcionista e indagou:
          - O que é isso? Que está acontecendo alguma coisa, está! Por que essas pessoas estavam de cochicho atrás de mim? Preciso de uma explicação!
           Angélica não respondeu, mas saiu detrás do balcão e pediu para que o médico a acompanhasse. Levou-o até o consultório do Dr. Justus, médico responsável pelo setor de pediatria. Esse, quando o viu, fez um ar de espanto, mas comentou sorrindo:
          - Menino! Aonde você arranjou essa roupa alinhada? Está parecendo outra pessoa! Assombração! Você está elegante!
          O Dr. Anton olhou o Dr. Justus e falou com azedume:
           - O que é que está havendo aqui? Que brincadeira é essa? Estão querendo fazer troça com a minha cara? Agora é o senhor que me chama de assombração! É muita brincadeira para o meu primeiro dia! É um trote?
          A princípio um silêncio constrangedor se instalou no recinto. Só os olhos tentavam dizer alguma coisa. O Dr. Justus parecia que estava entalado. A recepcionista tentava disfarçar, mas acabou saindo de fininho, deixando os dois sozinhos. Nisso a enfermeira Elga que ia chegando, quase se choca com ela. E ao entrar no consultório, levou o maior susto. Ficou  parada olhando para o Dr. Anton, que não se conteve e falou bruscamente:
          - A senhora também? Acha que sou outra pessoa, não é? Eu mereço uma explicação! O que é isso? Meu primeiro dia... e começando mal!
           O Dr. Justus custou a sair do estado que se encontrava. Pigarreou e passou a mão na testa, deu um sorriso sem graça para a enfermeira, mas finalmente convidou o colega para se sentar. Ofereceu a sua cadeira, com o intuito de, de alguma forma, acalmar o Dr. Anton, que recusou, mas sentou-se numa outra cadeira, que normalmente é destinada aos pacientes ou visitantes. Já a enfermeira Elga, ainda espantada com a semelhança do Dr. Anton com Assombração, acomodou-se numa cadeira do outro lado da sala, sem, no entanto, desgrudar os olhos dos médicos. O mal estar estava instalado. O Dr. Justus, que ainda continuava em pé, depois de alguns minutos sem saber o que fazer, optou por sentar-se, mas sentou-se de lado na cadeira. Estava realmente se sentindo muito embaraçado. Era uma situação que nunca tinha passado. Algo constrangedor. Cruzou as pernas e fingiu amarrar o cadarço do sapato. Em seguida girou na cadeira e ficou de frente para o Dr. Anton.  Olhou para o colega, que estava de cabeça baixa e repentinamente esticou o braço e se apresentou:
          - Meu nome é Justus. Sou médico oncologista.
            Dr. Anton levantou a cabeça e encontrou o braço esticado do colega. Em sinal de educação, mesmo estando chateado, apertou-lhe a mão com vigor, e também se apresentou:
          - Prazer. Anton. Sou também oncologista.  Trabalhei na capital, no setor de pediatria. 
            Antes de falar alguma coisa a mais, o Dr. Justus engoliu em seco e falou timidamente:
          - Então... É... Então é o senhor que veio substituir o Dr. Carlos Antunes?
             Dessa vez ele respondeu prontamente:
          - Sim. Mas com a recepção que tive, acho que não vou ser aceito. Tenho quase certeza. Um conceituado hospital, que é esse, não contrataria uma alma de outro mundo, não é?
          A enfermeira Elga não conseguiu conter-se e soltou uma estridente gargalhada, que deve ter sido ouvida por todo o hospital. O Dr. Justus tentou ao máximo prender o riso, já estava ficando corado, mas acabou entrando no clima da enfermeira e desandou a rir. Dr. Anton, a princípio fez uma cara de desagrado, entretanto, vendo que os dois não paravam de rir, foi aos poucos se descontraindo e acabou aderindo ao riso frouxo, mas procurou ser mais comedido. Aquilo serviu para que os três pudessem finalmente conversar amigavelmente.

         O ambiente foi aos poucos ficando mais leve. A enfermeira Elga levantou-se, já conseguindo controlar a explosão de riso, respirou fundo, mas não conseguiu afastar completamente o sorriso, que teimava em ficar nos seus carnudos lábios. Ajeitou o uniforme e gentilmente ofereceu café para os médicos. Eles aceitaram e ela foi pegá-lo na cafeteira elétrica, num espaço improvisado em cozinha, escondido atrás de um biombo. Depois de servidos, é que finalmente a conversa pode rolar descontraída. Com a curiosidade estampada nas faces, o Dr. Anton quis logo saber o porquê de se dirigirem a ele naqueles termos. Dr. Justus se desculpou e procurou esclarecer o mal entendido.
       Continua semana (ano) que vem...rs.rs.rs.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

Feliz Natal e um 2017 Próspero


FELIZ NATAL E UM 2017 PRÓSPERO    


            Tenho que manter otimista o meu otimismo. Tem momentos que, mesmo torcendo para que tudo dê certo, a certeza não se apresenta esperançosa. Mas coloquei dentro da minha cachola que vou lutar até onde houver um ponto de luz, e tentar vislumbra-lo como um farol. Cheguei à conclusão de que não podemos engrossar a fila dos abandonados da alegria. Temos que erguer as nossas árvores de natal nos quintais da vida e acendê-las de sóis. A luz tem que ofuscar a escuridão. O bem tem que se fazer o ídolo máximo. Temos que nos orgulhar do bem. O mal, já era. Vamos aproveitar e “trocar de bem”, com quem trocamos equívocos. Quem não sentiu um bem estar depois de alguma boa ação? Bem me quer, mal... ninguém merece.
Boas festas para todos.
                                               José Timotheo

terça-feira, 13 de dezembro de 2016

Assombração - Parte 6

Continuando...

        O doutor ficou por algum tempo sem responder. Falar o quê? Ninguém poderia ter um nome assim. A enfermeira já tinha até comentado sobre o apelido, mas mesmo assim estava surpreso. Tirou a mão de cima do ombro de Assombração, puxou uma cadeira e sentou-se de frente para ele. Ficaram os dois conversando por alguns minutos. O doutor perguntou tudo que podia para tentar desvendar, ou encontrar alguma pista que o levasse à sua identificação, mas nada conseguiu. Ele repetiu tudo que já havia falado para enfermeira. Ou seja: muito pouco. Simplesmente disse mais uma vez, que abriu os olhos ao amanhecer e estava ali no bairro.  O seu aparecimento na região sempre foi um mistério. Nem o Seu Juca e nem Dona Verona, as únicas pessoas mais próximas, conseguiram descobrir de onde ele tinha vindo. Entretanto nunca foram até a uma delegacia investigar de verdade. Só tentaram mesmo conversando com Assombração. Aí se passaram quase cinco anos.   
           O Dr. Justus se levantou, deu um sorriso meio sem graça e disse:
          - Venha comigo, rapaz.
           Assombração devolveu o sorriso e acompanhou-o. A enfermeira tentou falar alguma coisa, mas o doutor desconversou e pediu para que ela o acompanhasse também. Dentro do consultório do Dr. Justus, acertaram que iam coletar o sangue de Assombração, apenas constando esse apelido. Depois veriam o que fazer. E assim foi feito. O exame foi marcado para o dia seguinte. Assombração chegou na hora marcada, confirmando que era uma pessoa pontual. Rapidamente o Dr. Justus já estava com o resultado na mão, que confirmava a compatibilidade com o sangue da menina. Tinha o mesmo tipo sanguíneo: A +. Mas ele sabia que isso não era tudo, já que alguns familiares tinham o sangue compatível, entretanto, não confirmavam a compatibilidade tecidual, que é determinada por um conjunto de genes, localizado no cromossomo 6. Tinha que fazer o exame de histocompatibilidade. Só com a análise das células do doador e do receptor é que se poderia determinar a compatibilidade.
          Assombração quando soube que tinha o mesmo tipo sanguíneo da menina, falou emocionado para a enfermeira:
          - Não disse! Meu sangue serve para a menina do nº 18! Ela vai ficar boa! Vai mesmo!
          Elga sorriu, mas preferiu não jogar água fria na sua felicidade. Com cuidado tentou explicar que teriam que ser realizados outros exames. E que só depois é que poderia ser confirmada a sua compatibilidade. Assim mesmo ele saiu do hospital explodindo de tanto contentamento. Foi mostrar a sua alegria para o Seu Juca e Dona Verona, que acabaram embarcando na sua euforia. Acharam até que estava tudo resolvido. Mas antes de se retirar, Assombração comentou que teria que voltar ao hospital para fazer mais alguns testes, porém deixou claro que o seu coração dizia que estava tudo certo, independente desses exames. A sua certeza era tanta, que os dois amigos entraram de corpo e alma no seu clima. Dali para frente o pensamento positivo já tinha tomado conta de ambos.  Assombração deixou-os curtindo aquele momento de paz e saiu para escolher qual árvore ia ser o seu lar naquela noite, pois a tarde já estava quase se despedindo. Procurou andar rápido para tentar chegar antes que os pássaros se recolhessem. Não queria causar nenhum incômodo aos moradores de direito. Chegava e ficava em silêncio até adormecer. De manhãzinha, despertava com a passarada.
           O sol chegou sem modéstia. Veio e cobriu com a sua luz a cidade. O hospital já estava no seu corre-corre costumeiro: um entra e sai frenético, de funcionários chegando para o setor burocrático; outros, do corpo médico, para iniciarem o plantão de 12 horas e mais alguns médicos, enfermeiros e auxiliares de enfermagem, deixando o plantão noturno, de luta e dedicação. A recepcionista Angélica já estava sentada na sua cadeira, distribuindo um bom dia para quem chegava e para quem saía, sem deixar, entretanto, o seu sorriso costumeiro, descolar dos lábios.  De repente ao olhar na direção da porta de entrada do hospital, emoldurou um sorriso de surpresa, que fora até notado pela amiga da recepção. Só descongelou-o quando uma pessoa chegou até o balcão. Nesse momento teceu um comentário:
          - Quê qui é isso? Não estou acreditando no que estou vendo! É você mesmo? Vestido assim, tá parecendo outra pessoa! Irado! Assombração, quem te arrumou assim? 
           O rapaz olhava para a recepcionista, com o rosto corado,  aparentando surpresa com o comentário e custou a respondê-la. Mas falou baixinho:
          - Senhorita. Não entendi bem essa intimidade comigo.  Assombração? O que é isso? A senhorita me conhece?
         - Claro! Claro! E quem não te conhece? Aqui no bairro não tem uma pessoa que não te conheça!
        - Desculpe, mas eu não moro na redondeza. Moro na capital.
          A recepcionista não falou de pronto, antes deixou que um sorriso descontraído viesse aos lábios. Olhou-o bem nos olhos e perguntou:
         - Não mora? Como não mora! Eu só não sei em que árvore você está habitando hoje!  Só isso!
         - Não estou entendendo nada. O que é que está acontecendo aqui? Senhorita, cheguei ontem de Vitória, onde moro desde que nasci. Estou chegando para ocupar o meu posto de trabalho, na ala de pediatria.
            Antes de falar alguma coisa, a recepcionista arregalou o par de olhos para o rapaz. Num misto de surpresa e incredulidade, falou, gaguejando:
           - Nã... nã... não! É o que estou pensado? Então o senhor... É... O senhor é médico! Médico mesmo? Não! Não pode mesmo! Não pode ser!

          - Sim. Doutor Anton. Vim ocupar a vaga do Dr. Carlos Antunes. A senhorita deve estar me confundindo com outra pessoa.
             Semana que vem continua...

segunda-feira, 5 de dezembro de 2016

Assombração - Parte 5

Continuando...
            Assombração a princípio, antes de responder, olhou para o teto da sala, coçou a cabeça, dirigiu o seu olhar novamente para a enfermeira, aparentemente sem vê-la, e deixou escapar um leve sorriso.  Parecia que procurava alguma coisa dentro da sua cabeça que elucidasse essas perguntas.  Sorriu de novo, agora para ela, e disse: - Seu Juca acha que eu tenho vinte e cinco anos. Eu nem sei se eu nasci! Não me lembro de nada!
          - Se preocupe não! Isso é normal! Ninguém se lembra do dia em que nasceu! O senhor tem aí algum documento?
          - Documento... Que documento?
         - Pode ser a certidão de nascimento. Carteira de identidade. Carteira de trabalho. Qualquer coisa que identifique você.
         - Mas eu não tenho nada. Eu só tenho esse nome.
           Elga não sabia o que falar para aquele rapaz de sorriso limpo. Mas sabia que ali na sua frente, tinha alguém de coração puro. Alguém que a violência, o rancor, a tristeza, o ódio e... nada, nenhum sentimento ruim  havia feito ninho naquela alma clara. Começou a ensaiar, na sua cabeça, alguma coisa que não o melindrasse. Pensou uma porção de coisas. Pensou, mas não tinha muito o quê pensar, essa era a realidade. Acabou voltando para o que tinha começado a conversa.
          - Rapaz, todos nós temos pelo menos um documento para sermos identificados. A certidão de nascimento é um deles. Ali diz tudo a nosso respeito. Tem o dia e a hora do nosso nascimento. Tem os nomes dos nossos pais. E você... não tem nada, nada que o identifique. Infelizmente sem sabermos a sua identidade, você não vai poder ser doador.
           Elga parou de falar e ficou esperando alguma reação de Assombração. Mas ele olhava para ela e não conseguia falar nada. Os seus olhos começaram a se encher de lágrimas e começou a escorrer pelo rosto. Ela estava emocionada também. Nem conseguiu interromper aquele momento. Baixou a cabeça e esperou que ele dissesse alguma coisa.  O tempo se abraçou ao silêncio doído. As lágrimas corriam dos rostos dos dois.  Elga não encontrou coragem para quebrar o silêncio. Mas Assombração acabou conseguindo forças e, depois de enxugar os olhos com as costas da mão, disse:
          - Senhora. Senhora. Tenho que salvar a menina. Alguma coisa me diz que eu vou ajudá-la a ficar boa. É só o meu sangue. Só isso. Ninguém precisa saber quem deu. Eu sei que não sou ninguém, mas tenho o sangue que vai curá-la. Bota o nome de qualquer pessoa. Sangue não tem nome.
         Elga não sabia como fazer qualquer ponderação. Passou as costas das mãos sobre olhos para enxugá-los. Não se lembrava de já ter visto alguma pessoa com tanta pureza de coração. Cada palavra que ele dizia, vinha como uma música suave e bela. - Como podia um ser tão simples, transpirar tanta grandeza! - pensava. Elga não estava conseguindo dizer que existia uma burocracia a ser cumprida. O doador tinha que existir no papel, não só fisicamente. Mais uma vez, uma cortina de silêncio envolveu os dois. A enfermeira estava penalizada. Assombração estava com a cabeça baixa, e de vez em quando tentava enxugar mais alguma lágrima que insistia em cair. O tempo também devia estar penalizado com aquela situação e resolveu parar. Mas o coração parece que é atemporal, e se lixou para que o tempo pensava. Deitou suas emoções pela pequena sala enquanto seu coração batia tudo que tinha direito. As palavras se intimidaram e ficaram congeladas na boca da enfermeira. Porém ela sabia que tinha que fazer alguma coisa, mas sem força, baixou também a sua cabeça. Mas a mão do destino sempre vem em socorro e, em momentos dificílimos alguma coisa acontece. Lá está a salvação. Um som arranhado invadiu a sala. A porta ao lado de Elga se abria lentamente. Assombração levantou a cabeça, mostrando um rosto banhado de lágrimas. Elga girou a cabeça, com a cara não menos congestionada, e esperou aparecer alguém. Um bom dia, salvador, ecoou pela sala. Era o Dr. Justus que adentrava o recinto, com o seu sorriso costumeiro. Fechou a porta atrás de si e se dirigiu a enfermeira. Conversaram durante alguns minutos. O que falaram, Assombração não ouviu ou não quis ouvir. Era mais provável a segunda opção. Tendo em vista que não era do seu feitio se meter em conversa alheia.  Alguma coisa no seu íntimo, dizia que isso era falta de educação.
          O Doutor estava aparentando preocupação. Enquanto a enfermeira falava ele passava uma das mãos pelos cabelos e, de vez em quando dirigia um olhar para o rapaz, que se mantinha novamente com a cabeça baixa. Mas quando Elga parou de falar, o doutor girou nos calcanhares e começou a caminhar pela pequena sala. Ia e vinha. Carregava no semblante o peso de interrogações que necessitavam de respostas. Estava perdido em reflexões. De vez em quando ele olhava para Assombração, mas não conseguia encontrar o que falar. E assim ficou cismando por minutos. De repente parou de frente para um quadro, de autor desconhecido, que estava pendurado na parede próximo à porta, que dava para o corredor. Olhava para a pintura, mas sem, na realidade, nada ver. Ficou ali plantado, sem se mexer. O que se passava dentro da sua cabeça, ninguém sabia. Aqueles minutos duraram uma eternidade. De repente buliu no quadro, colocando-o em outra posição. Não satisfeito, voltou para a posição inicial. Em seguida foi em direção à porta do seu consultório. Abriu-a, mas não entrou. Dava para perceber que a sua cabeça fervilhava de indecisões. Pensou em ir sentar-se em frente de Assombração. Mas ficou apenas observando-o. De repente caminhou até ele, colocou uma das mãos no seu ombro e disse:
          - Meu rapaz... – deu uma pausa, esperando que Assombração olhasse para ele. Quando isso aconteceu, sentiu um arrepio que percorreu todo o seu corpo. Foi uma sensação boa. Não foi daqueles arrepios que às vezes temos e que nos deixam incomodados. Esse não. Foi diferente. Estava com a alma leve. Nunca tinha recebido um olhar com tanta bondade. Por um momento retirou a mão do ombro do rapaz, passou a mão nos cabelos e se despiu do olhar sério. Voltou a colocar uma das mãos em cima do ombro de Assombração, deu um leve sorriso e voltou a falar:
          - Meu rapaz... Qual é mesmo o seu nome?
            Assombração, agora mais calmo, mesmo sem saber o porquê daquela súbita tranquilidade, sorriu e falou:

          - Assombração. Assombração, senhor.
       Continua semana que vem...