segunda-feira, 29 de maio de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 10

Continuando...
A tentativa de fuga não surte efeito. Realmente, logo no início da subida, o carro dos bandidos, quase encosta na traseira.  Minutos depois, já estava lado a lado com a cabine. Tonhão, com uma arma em punho, ameaça Toni, forçando-o a parar. Entretanto Toni continuava com o caminhão em movimento. Não dava para saber se era por nervosismo que não parava ou se por achar que iriam conseguir se safar. Mas o caminhão nessa altura, já estava bem mais devagar. Quim vendo que o irmão não parava, gritou para ele:
         - Para logo Toni! Não tem mais jeito! Não temos mais saída! Para senão acabam atirando na gente! E tem a menina... Cadê ela, Toni?
        - Sei lá! Deve ter pulado pela janela!
        - Mas como? Só se passasse por cima de mim!
        - E deve ter passado! Você estava com tanto medo, que fechou os olhos! Ela deve tá aí atrás do banco!
           Nisso Toni olha para o carro dos bandidos, quando é chamado por Tonhão:
          - Aí cara, vai encostando! Vai encostando! Não vacila não, se não meto chumbo! Anda logo! Vai saindo da estrada! Rápido! Rápido!
         - Tá legal, cara! Tá legal! Mas não atira, não! A gente tá desarmado! Só tem eu, Quim e a menina! Não atirem pelo amor de Deus!

            Toni vai dialogando com Tonhão, mas vai levando a carreta para o acostamento. O bandido desce do carro e continua apontando a arma para ele, até que pare completamente.  Nisso Quim coloca a cabeça pela janela de Toni e fala suplicante com o bandido:
         - Pô cara! Pelo amor de Deus! Sem tiros! Nós não temos nada de valioso, não! Vocês devem ter confundido a nossa carreta com outra!
         - Sem papo, cara! Sem papo! O que nós queremos tá aí dentro! Agora, entrem naquela estradinha de chão! Vamos andando devagar! Qualquer vacilo, sabe o que vai acontecer!
            A carreta vai bem devagar até descer e pegar o chão vermelho. O carro dos bandidos vai lado a lado. Depois de entrarem mais de duzentos metros, o carro passa à frente do caminhão e para. Tonhão desce e manda que saiam da estrada e entrem por dentro do mato seco. Andam alguns metros e são obrigados a parar, devido a um pedregulho que obstruía o caminho. Como a vegetação seca estava dando para encobrir a carreta, Tonhão manda que eles desçam. Depois que descem o bandido fala para o comparsa:
         - Aí Tião, amarra os dois naquela árvore! Qualquer coisinha mete chumbo!
         - Tá falado! Deixa comigo! I aí! Andando! Senta ali! Senta ali! Um discosta pro outro! Isso aí! Agora, cadê a criança?
            Toni tenta olhar para o irmão, esperando que ele falasse alguma coisa, mas como Quim nada fala, ele tenta responder:
          -Sabe... Ela tá ali dentro. Acho que está. Ela estava na boleia.
          - Tonhão, vê se tem uma criança aí!
          - Aqui, tem não! Tem criança nenhuma, Tião!
          - Pô cara! Aonde tá essa criança?
 - Calma, companheiro! Calma! Toni falou a verdade! Ela estava ali sim! É uma menina... Uma menina que a gente deu carona. Quando vocês pararam a carreta, ela sumiu. Juro por Deus. Ela deve ter se escondido em algum canto. Deve tá lá na cabine. Acho que ficou com medo. É só uma criança.
        - Tião, amarra bem os babacas e vamos ver logo a nossa carga! Deixa a criança pra lá! Depois a gente cuida dela! Vem logo!
       - Tonhão, não é melhor acabar logo com a raça deles?  
       -Ainda não. Ainda não. Por enquanto a gente precisa deles. Não sei pra quê. Mas alguma coisa me diz pra gente esperar. Temos muito tempo pela frente. O lugar aqui é deserto. Podemos fazer o serviço tranquilamente. Vamos logo! Apertou bem o nó? Depois a gente dá um jeito nos caras!
         Quim quando ouve o bandido dizer que vai dar um jeito nos dois, fica completamente pálido e começa a suar frio. Tenta falar alguma coisa para o irmão, mas o que consegue éalguma coisa ininteligível. Toni então pergunta o que é, mas como Quim não responde, ele então prefere não insistir. Estava também assustado, pois tinha ouvido a mesma coisa.
O silêncio toma conta daquele lugar deserto. Nem da BR vem algum som. Os dois estão tensos. Ficam observando os bandidos, que já estavam conversando meio que pé de orelha, mas o bate papo não chega até eles. Quim, mesmo com medo, se dirige aos dois:
         - Pô cara! Leva o caminhão e pronto! Podem ficar com tudo!Mas não mata a gente não!  Temos mulher e filhos pequenos!
- Aí, vai calando a boca, tá legal? Se der mais um pio, eu meto bala nos dois! Acho que apertei pouco essa corda! Vou conferir!
        - Oh, cara! Vai devagar! Tá machucando! Isso tá muito apertado!
        - Vou devagar nada! Olha aí! O Tonhão é um cara bonzinho! É coração mole! Se fosse só decisão minha, já tinha acabado com vocês! Falei?
          Tião, depois de apertar bem as cordas, deixa os dois e vai ao encontro de Tonhão, que já está na traseira da carreta, com a chave do cadeado da porta na mão. O amigo apanha a chave e tenta abrir. Mas encontra alguma dificuldade. O outro então reclama:
          - Tião, abre logo essa droga! Tá alisando a maçaneta?
          - Calma cara! O troço tá é duro! Parece que está emperrado! Olha só! Todo enferrujado! Mas eu vou conseguir!
          - Anda logo! Já estou ficando nervoso! Se não está conseguindo, me dá!
          - Calma. Eu vou dar meu jeito. Pô, consegui! Viu só?  Não disse?
             Tonhão dá um tapa no ombro do amigo e fala:
          - Aí Tião, tá tudo a nosso favor! Tá lá dentro o... Tá lá dentro! Sobe e puxa logo! Traz pra cá! Traz logo! Vamos ficar rico, meu irmão! Olha lá o nosso tesouro! Pega lá!
          Tião entra na carroceria. Nisso Quim, que estava acompanhando os movimentos dos bandidos, fala para o irmão:
          - Não te disse Toni! Olha onde está a menina! Bem que eu te falei que ela era isca! Filha da mãe! Tá com os caras, pra ferrar a gente!
         - Puxa! E achei que ela era boazinha! Pra mim, parecia um anjo!
         - Um anjo? Tá mais é pra capeta! Ih! Vem ela pra cá! Será que é ela que vai acabar com a gente? Uma criança, meu Deus! Não acredito!
        - Quim, vamos rezar! E rezar muito, meu irmão!
          A menina vai se chagando, com um sorriso nos lábios. Dá uma volta em torno da árvore e fala:
         - Ih! Olha só! Vocês estão brancos! Nossa mãe, isso tudo é medo?
            Quim engole em seco e responde:
         - O que é que você acha?
         - Puxa menina, não mata a gente não! Olha só o estado de Quim!
         - Que matar o quê! Eu vou é desamarrar vocês! Mas terão que continuar sentados, com as mãos para trás, como se estivessem amarrados, tá legal? E vê se não se borram tá?
        - Aí Toni! Se borrar! Se borrar, o quê! A gente morre, mas não perde a dignidade! Não é mano?
       - Quim, qual é? A gente se borra sim! Não sou herói! E você também não é!
       - Tá legal, Toni. Você tem razão. Mas se demorar mais um pouquinho, eu não respondo por mim. A minha dignidade...
       - Que dignidade? Você vai é correndo pru banheiro, cuidar da sua dignidade fedorenta!Isso se der tempo! Senão, se borra todo aqui mesmo!
        - Não me esculacha, Toni! Mas já esculachou né? Agora mano, encosta o ouvido aqui perto da minha boca. Como já estamos solto. É. Meio solto, não é?Vou falar uma coisa no pé do seu ouvido:não estou entendendo nada, nada o lance dessa menina. Mas já que ela desamarrou a gente, tá legal.Comoeu só quero é sair daqui, tá certo. Mas continuo sem entender o que essa menina está pretendendo com a gente.
      - Vocês vão sair daqui, mas só vão levantar quando eu mandar, tá bom? Eu escuto tudo!
         A menina termina de falar, da às costas para os dois, não espera a resposta e volta para junto dos bandidos. Dá distância e fica observando o movimento deles. Ouve quando Tião reclama do amigo:
     - Pô, cara! Só fica daí olhando! Sobe aqui! Esse troço tá pesado pra danar!
     - Reclama não! Tô subindo! Deixa que pego aqui! Pô! Que peso! Parece que está cheio de chumbo!
    - Tonhão, vira essa boca pra lá! Isso aqui tem que tá cheinho de ouro!

                   Continua semana que vem...

segunda-feira, 22 de maio de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 9

Continuando...
      - Mas vocês são muito medrosos! Eu estou aqui! Podem ficar tranquilos!Eles não vão atirar em vocês, não! Vamos continuar nessa velocidade? Vamos?
      - Toni, o que é que tem aí atrás, pra eles estarem tão secos na gente? Está na hora de falar! Você e essa menina, aí!
      - Quim, tem nada, não! Eu sei e você também sabe que não tem nada, que valha a pena ser roubada! A não ser que eles queiram o caminhão!
     - O caminhão não! A gente briga, mas não entrega! A carga, até abro mão! Mas o nosso caminhãozinho, de jeito nenhum!
     - A carga não!
     - Ué, você entrega o caminhão? Não estou entendendo, Toni! O que é que você está escondendo de mim? Abre o bico! Abre o bico, Toni!
     - Nada não, Quim! Escondendo nada! Você é que é cismado mesmo! Fica aí criando coisa que não existe! Desencuca, tá legal? Temos é que ficar bem longe deles!
      - Desencuca? Tá cismado? Estou cismado coisa nenhuma! Aí tem alguma coisa e eu vou descobrir!
- Que cara desconfiado! Você não muda mesmo!
      - Ih! Toni!
      - O que foi que houve?
      - Essa menina tá muito estranha! Olha só! Está caladona! E parece que nem está aqui! Eu hein! Oh! Me arrepiei todo!
          Nisso Toni olha para o irmão, tentando ver o braço arrepiado, mas os seus olhos batem no retrovisor lateral, avistando o carro dos bandidos, que se aproximavam rapidamente. Demonstrando nervosismo, fala para o irmão:
          - Quim! Os caras já estão no nosso calcanhar! A coisa vai ficar preta pra gente! O que é que vamos fazer?
         - Pega sua arma!
         - Que arma? Você sabe que tenho o maior medo de arma de fogo!
         - Então... Então, pé na tábua! Pé na tábua, Toni! Aproveita essa reta e estica! Acho que já é um sinal de sorte! Nessa reta a gente vai conseguir pegar uma boa dianteira! Vamos nessa, Toni! Oh. Se tiver algum posto de gasolina aí pela frente, a gente para. Pode ser que tenha também um posto da Polícia rodoviária. Vê se voa Toni! Vê se voa!
            Toni tenso pisa mais fundo ainda. Não olha para o irmão e nem fala nada. Da sua testa começam a brotar gotículas de suor. De vez em quando, olha pelos retrovisores laterais tentando avistar o carro dos bandidos. A menina olha para Quim e depois cutuca Toni, e fala:
         - Ih, nem adianta! Não tem posto de gasolina e nem Polícia Rodoviária! Por aqui não tem nada! Só estrada!
           Quim, que estava com os olhos pregados no retrovisor, passa a mão pelos cabelos e olha de lado para a menina. Depois de um breve silêncio, interroga:
         - Ei menina! Como é que você sabe disso? Fala com tanta certeza!
         - Eu conheço essa região toda, esqueceu? Mas vocês podem ficar tranquilos, quando chegar a hora certa, eu digo como vamos sair dessa encrenca! Toni pode descontrair, eles não vão pegar vocês, não!
         - Olha só, Toni! Uma criança querendo ensinar a gente! Mostra a ela! Mostra! Se livra desses caras! Vamos lá, Toni! Pé na tábua!
         Toni deixa aflorar um leve sorriso e, depois de muita tensão, fala eufórico:
         - É isso aí, mano! Agora eles vão ver só! Deixa comigo! Vou pisar fundo! Se segurem!
           Toni, misturando medo e euforia, acelera o máximo. A carreta parecia, na reta, que ia decolar. E realmente consegue pegar uma boa dianteira, até o carro desaparecer do retrovisor. Quim ri e elogia o irmão:
       - Ih! O cara é fera mesmo! Agora senti firmeza! O mano velho provou agora que não é roda presa!
          Os dois dão boasgargalhas e deixam transparecer que já estão mais calmos. A menina olha para um e depois para o outro e deixa escapar um leve sorriso. Quim vê quando Angélica sorrir e comenta com o irmão:
         - Aí Toni! A garota sorriu! Viu? Nem tudo está perdido!
         - Foi mesmo? Ela sorriu? Perdi essa!
Arisadariarecomeça eenvolve toda a cabine.Depoisse espalha pelo meio da estrada, até se perder por dentro do mato seco. Mas de repente o silêncio se abraça a boleia.E somente o som do motor se espalhava pelo asfalto. Toni e Quim aparentavam tranquilidade. Parecia que o perigo já era coisa do passado. Quim se espreguiça e olha para o retrovisor externo. Olha e imediatamente fecha o cenho. Volta a olhar, parecendo que não acreditava no que estava vendo. A tensão toma conta dele, fazendo-o gritar desesperado:
          - Toni! Toni! Estamos fritos! Os caras estão na nossa cola! Como é que a gente vai se livrar dessa? Meu Deus! Agora estou com medo, mesmo! O que vai ser da gente, Toni?
            Antes que o irmão dissesse alguma coisa, a menina, tentando acalmá-los, fala docemente:
          - Calma! Calma! Não precisam ficar nervosos! Não existe problema, que eu não possa resolver! Vai ficar tudo bem! Vocês vão ver só! Deixa tudo por minha conta!
         Mesmo com as palavras otimistas de Angélica, Toni ficou tenso. Ele olhava pelo retrovisor, suspirava e assoprava. Estava com os nervos a flor da pele. Segurava o volante com tanta força, que parecia que estava esganando alguém. Não demorou muito e despejou o que estava na sua alma:
        - Quim, estou com um medo danado! Acho que nunca passamos por um sufoco desses! Uma vez quase perdemos a carreta, mas o estresse nem se compara a esse! Agora, a coisa está de assustar! Vou tentar correr mais! Não sei como! Mas vou tentar!
        - Faz isso, Toni! E que Deus nos ajude! Eu queria ver aonde não tem problema, que essa menina diz! Se tivesse problema, hein? Ih, Toni! Olha lá! Tá chegando uma subida! A coisa agora é que acabou de complicar! Droga! Por que é que você não tem uma arma?

        - Que arma? Você sabe que tenho um medo danado de arma!
               Continua semana que vem...

segunda-feira, 15 de maio de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 8

Continuando...
              Toni, sem saber como, num repente, pega no volante e vira para a esquerda. Quim grita com ele:
          - O que é isso, Toni? Ficou maluco? Ei...
          Mas não conseguiu nem terminar o que pretendia falar, pois num piscar de olhos o caminhão foi tirando tinta da carreta, que estava tombada na pista. Os dois, entre assustados e surpresos, gritam:
          - Meu Deus! Meu Deus, essa foi por um triz!
            Toni, tremendo mais do que vara verde e com os olhos esbugalhados, fala para o irmão:
          - Nossa mãe! Meu Jesus! O que foi isso, Quim?
          - Toni! Toni! O que você fez foi maluquice! Mas se você não tivesse feito, acho que agora a gente estaria frito! Mortinho da silva!
          - Mas mano, eu nem sei direito o que eu fiz. Nem sei se fui eu mesmo. Juro por Deus!
          - Mas... Masfoi muito bom, mesmo! Ah! Ah! Ah! Olha só: estamos vivinhos!
           O caminhão já tinha passado completamente pela carreta. Quim volta com ele para o lado direito da pista, anda mais alguns metros e vai parando lentamente, no acostamento. O riso que aparentemente era de alegria, na verdade era de puro nervosismo. Dai para o choro, foi um pulo. O irmão apenas olhava para ele, sem nada falar. Estava também engasgado. A emoção foi muita. Até a menina esperou que ele se acalmasse, antes de comentar alguma coisa. Quando percebeu que a calma já estava próxima, disse:
         - Bom motorista, hein! Mas se tivesse me escutado, não passariam por esse susto!
            Quim não falou nada, mas olhou para a menina e fuzilou-a com um olhar de poucos amigos. Entretanto ela deu um sorriso leve e continuou dizendo:
          - Não disse que ia ajudar vocês nessa viagem? Está aí, mais uma vez eu tirei vocês de uma enrascada! Eu falei e repito: podem confiar em mim. Viu como conheço essa estrada? Viajei muito com meu pai! Conheço tudo por aqui! Sei onde está o perigo!
         - É! Viu Toni? Ela sabe tudo! Tem olho de raiosx! Como é que você viu que tinha uma carreta tombada, depois de uma curva?
        - Intuição. Só isso. Intuição apenas.
        - É Quim. Esquisito, né? Intuição? Eu nunca vi intuição assim, não! Vai lá menina, explica isso aí pra gente! Vamos lá! Pode começar a explicar! Isso está parecendo ilusionismo! Você é chegada à mágica?
        - É isso aí, Toni! Vai explicando menina! Ou melhor: vai se explicando!
        - Não tem nada, não! Explicar o quê? Vocês estão impressionados à toa! Vamos é embora! É o melhor que a gente faz! Já perdemos muito tempo aqui parados! Pé na tábua, Quim!
        - Toni, já que ela não quer se explicar, vamos continuar parados.
        - Pra quê?
        - Preciso ir ao banheiro! Depois de tantas emoções e de muitos mistérios, o bicho começou a pegar! As tripas já estão dando nó!
        - Mas que banheiro? Só tem esse matagal aí pelo acostamento! Vai logo senão você vai sujar tudo por aqui! Não vai dar tempo, até a gente encontrar algum posto aí pela frente, não! Nessa estrada deserta, só mesmo indo no mato! Vai logo!
           Quim desce correndo e se embrenha pelo mato. A vegetação seca e alta acabou por escondê-lo completamente.  Nem precisou ir muito longe, o seu banheiro improvisado estava ali mesmo, a poucos metros do acostamento.   
            O tempo para quem está de fora parece longo, mas para quem está numa situação de aperto, desse jeito, o tempo não anda. E Toni já estava achando que o irmão demorava muito. Impaciente, gritou:
          - Quim! Quim! Você está demorando muito! Vê se acaba logo! Não podemos perder esse tempo todo, não!
          - Ué! Estou com muita dor de barriga! Parece que as tripas estão dando nó, mesmo! Sai por cima e por baixo! A coisa tá preta!
             A menina acaba rindo e faz com que Toni brinque com o irmão.
          - Diz que ele borrou a calça.
          - Sabe de uma coisa, Quim?
          - Não! O que é?
          - Essa demora é porque você borrou a calça!
          - Que borrei a calça coisa nenhuma! Fica de sacanagem aí não! O negócio é sério! Quando eu penso que já acabou, as cólicas voltam! A coisa tá preta, Toni! Não tá fácil, não!
          - Pô Quim, você está ai há mais de meia hora! Anda logo, mano!
          - Eu quero! Eu quero! Mas tá difícil! Aguenta mais um pouco!
            Nisso a menina dá uma leve cotovelada em Toni e, quando ele olha, ela fala:
         - Avisa a ele que temos que ir embora. Os problemas estão chegando. Temos que andar rápido. Eu não posso fazer tudo sozinha, não! Tenho que ter ajuda dos dois! Senão a gente não vai conseguir chegar a lugar nenhum!
        - Quim, vem logo!
        - Calma! Calma! Já estou chegando! Nossa mãe! Como suei frio! Nunca tive uma dor de barriga assim, tão braba! E vomitei também! Era por cima e por baixo! Foi àquela comida de carregação, daquela espelunca! Êta comidinha ruim! Mas agora estou melhorando! Vamos andar! Vamos andar!
          Toni olha para o irmão, vê o estado lastimável dele e fala:
         - Xi! Quim! Você está mais amarelo do que aquela tangerina que eu comprei! Você não está em condições de dirigir, não! Deixa comigo! Nossa! A sua cara não tá nada, nada boa! Também quer traçar tudo que aparece na frente! Gororoba ruim pra danar! Vamos andando. Vou tirar a diferença.
          - Tá bom, mano! Tá bom! Pisa fundo! Vamos nessa! Mas deixa ver se consigo um jeitinho pra acomodar o... Pra sentar melhor. Não tá fácil, não. Ufa! Pode ir. Pode ir.
- Ok, Quim. Juro que não zombarei da sua desgraça. Mas que o negócio aí deve tá brabo, isso deve!  E aí menina, menina, tá caladinha. O que foi que houve?
          - Desculpe informa-los: os caras já estão bem pertinho. Perdemos muito tempo. Quim, essa sua caganeira veio na hora errada.
         - Agora a culpa é minha? Essas coisas a gente não sabe quando vai acontecer! É assim: pega a gente de surpresa!
- É isso mesmo, menina.Piriri é fogo. Não avisa nunca.Foi só um pequeno atraso. Nós já despistamos os caras. Fica tranquila. A gente tira a diferença.
          - Despistamos? É melhor andar mais! Tem que correr muito mesmo, se quiser escapar deles!
         - Deixa comigo! Eu sou o terror das estradas! Vou tirar o caminhão do chão!
         - Aí menina, Toni é o maior roda presa que eu conheço! Tirar o carro do chão?
        - Se segura aí! Você vai ver só Quim! Vou apertar o acelerador, menina!
        - Acho que não vai adiantar muito. Eles estão bem perto.
        - Já estou pisando fundo! Também andar mais do que isso, é muito arriscado! Acho que estamos andando bem! Não vejo ninguém seguindo a gente, menina! Ih! Não via! Quim tem um carro lá atrás! Será que são eles? Nossa mãe! Vou encostar o acelerador no fundo!

       - Toni, puxa o máximo que o caminhão aguentar! Acelera! Acelera mais! Vamos fugir daqui! Esses bandidos devem estar armados até os dentes!Estão vindo com tudo pra cima da gente! E se atirarem? Estou muito novo pra morrer!
             Continua semana que vem...

segunda-feira, 8 de maio de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 7

Continuando...
Com o olhar dos dois em cima, a menina faz uma careta e depois fala:
          - Estão olhando o quê? Vamos olhar para a estrada? Tem muito chão ainda pela frente! Muita estrada pra rodar! Eu não falei que ia resolver o problema? Então...
          - Toni, eu nunca vi tanta gente brigando! Estranho é que a porrada comia solto e só a gente ficou de fora. Engraçado é que a confusão começou por minha causa. Viu que os dois também brigaram? Toni olha aqui: estou todo arrepiado. De repente. Estranho. Muito estranho. Menina, como é que você conseguiu arrumar àquela confusão toda?
          - Eu não falei que ia tirar vocês dali? Falei e cumpri. E tem mais... Pé na tábua, Quim!
          - Não precisa nem falar! Aí Toni: vou voar!
          - Voa, mas voa baixo! Menina sabe de uma coisa? Eu olho pra você e acho que já te vi em algum lugar!
              Angélica dá um sorriso enigmático e fala:
           - Quem sabe? Quem sabe?
           - Eu hein! Você parece que é de outro mundo!
           - De repente eu sou! Quem sabe não sou um fantasma! Ah! Ah!
           - Ei, menina! Não fala isso, nem de brincadeira! Não me assusta, não! Como você pode ser um fantasma, se eu pego em você? Fantasma é de fumaça!
               Quim dá uma risada e sacaneia o irmão:
           - Ih! Toni!Acho que você está com medo! Tá sim! Cuidado para não se borrar! Ah! Ah! Ah!
           - Medo nada! Só estava fingindo que estava com medo!  Vamos andar mais, vamos? Quer que eu dirija? Você está muito lento! Tá parecendo uma tartaruga!
           - Lento? Toni, você me chamou de tartaruga? Você vai ver só!
           - Êpa! Êpa! É pra correr um pouco mais! Não é pra voar, não! Você não ficou bêbado com um copo de cerveja, ficou? Se ficou, então passa a direção pra mim!
           - Bêbado uma ova! Você me manda empurrar o pé!Depois me manda aliviar! Mas eu tenho que pisar mais um pouco, maninho!
           - Deixa de bobeira! Que pisar o quê!
           - Parecem duas crianças. Toni, não só pode como deve correr mais um pouco, sim. Quim deve andar mais. Os caras já estão se aproximando.
           - Eles devem perder a nossa pista. Estamos com uma dianteira boa. Quim já está andando bem.
           - Acho que não. Tem que andar mais. Os bandidos estão mais perto.
           - Toni, eu gostaria de saber o porquê de tanta certeza que essa menina tem! Menina, nós já pegamos uma dianteira pra lá de boa! Tá esquecendo que deixamos todo mundo brigando? Até os caras estavam saindo no braço!
           - Escuta uma coisa: estão pensando que eles vão desistir só por causa de uma briguinha boba? Podem tirar o cavalinho da chuva! Aquela confusão toda que arrumei, foi só para atrasá-los um pouco! Vão nos achar de qualquer jeito! Eles estão atrás de vocês, desde quê vocês saíram de lá! E não vão desistir fácil, não!
           - Toni, essa menina sabe o que os caras querem com a gente! Você sabe, não é menina? Toni, a sua protegida está enrolada com eles! Por mim a gente deixa ela por aqui mesmo!
           - O que é que você está dizendo? Que protegida, o quê!  Eu nem conhecia ela antes! Mas pra que deixar ela aqui? Ah, sei lá! Já não sei mais nada! Na minha cabeça é uma confusão só! Tem hora que penso igual a você! Mas agora, acho que ela tem que continuar com a gente! E não me pergunte o porquê disso!
           - Mas Toni, ela é esquisita. E deve tá envolvido com aqueles bandidos.
           - Quim. Eu sei que ela faz umas coisas estranhas. Mas ela armou aquela confusão toda e nós conseguimos sair sem ninguém perceber. Livrou a cara da gente, não foi?
          O irmão não respondeu nada, mas deu um muxoxo e, simultaneamente, balançou a cabeça em sinal de discordância. Durante alguns minutos a cabine ficou em silêncio. Do lado de fora, um vento morno penteava a vegetação ressecada, que margeava a estrada.  Bois e cavalos disputavam um pasto ralo e quase sem verde. A região estava carente de chuva. De vez em quando, o vento levantava uma nuvem de poeira avermelhada, embaçando o horizonte.  Toni olhava aquela paisagem e falou alguma coisa que ninguém ouviu, mas o irmão indagou:
          - O que é que você está resmungando aí?
          - Nada de mais. Estava falando comigo mesmo. Estou olhando ali pra fora e estou vendo que a chuva não cai por aqui, há muito tempo. Aí me lembrei de uma viagem que fiz com nosso pai. Passamos por um lugarejo, que parecia o fim do mundo. Nunca tinha visto um lugar tão seco. Tão seco e tão pobre. Miséria pura. Parece que não chovia por lá, há mais de três anos.
           - Não me lembro de você ter comentado.
           - Você era pequeno. E continua...
           - Até parece que você é muito maior que eu! Puxamos aos nossos pais: duas tampinhas! Ah! Ah!
           - Assim você fica melhor, Quim. Ri pra desopilar o fígado.
           - Aí Toni! Tá falando difícil! O quê que é isso?
           - Escutei por aí! Bonito, não é? Desopilar!
           - Vocês estão rindo, mas Quim está andando devagar. Tem que acelerar. Pode andar um pouco mais, sem se preocupar com a patrulha rodoviária. Por aqui não tem. Mas se quiserem que os bandidos peguem vocês, aí não vou poder fazer nada!
           - Aí menina! Já estou a quase cem!
           - Bota cento e vinte! Temos que distanciar deles! Já estão chegando! Eles não estão de brincadeira, não! Estão chegando, quase voando, pra roubar vocês! E isso é pra lá de certo! Querem tirar uma coisa de vocês! Só que não vou dizer o que é! Mais tarde eu digo! Agora, não!
           - Toni, viu como ela sabe? Não disse? Isso não está cheirando nada, nada bem! Pode escrever aí: vamos dar com os burros n’água! Ela é comparsa desses caras!
           - Você está imaginando coisa que não é verdade. Eu só quero ajudar vocês. E vou provar mais uma vez as minhas boas intenções. Quer ver como vou ajudar? Acho melhor, aproveitando que não vem nenhum carro de lá, você ir pela contra mão.
           - Tá maluca? Olha a curva ali pertinho? Como é que eu vou pra contra mão?

           - Se não fizer isso, vamos bater! Não tem saída! Logo ali, na frente, tem uma carreta tombada! E a única saída, é pela contra mão! Se não fizer agora, não vai dar tempo!
           Continua semana que vem...

terça-feira, 2 de maio de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 6

Continuando...
        
      Antes que Quim questionasse o irmão, a menina interrompe-o, dizendo:
          - Esquece! Esquece essa carta! Quim, eles não querem nada de carta! Que carta o quê!
         - Se não é a carta, então o que é? Você sabe! Toni, essa menina tá com os caras! Menina, diz o que é! Vamos! Não fala, viu? Olha aqui: não entrego o nosso caminhão de jeito nenhum, tá sabendo? Vamos, tira a máscara! Vai lá, fica com os caras! Tá pensando que vai ser mole pra vocês? Vai não! Vai não!
        - Calma Quim. Eu até acho que é o caminhão que eles querem. Acho mesmo.  Só temos coisa de pouco valor. A carga não vale o risco. Só temos massa de tomate e uma porção de coisas velhas, como diz você. Mas eu não acredito que a menina esteja envolvida com esses bandidos. É o que me parece: dois bandidos.
          - É claro que não estou. Eles não querem nada disso. Eu sei... Tá legal, depois eu conto! Depois eu conto, está bom?
         - Não disse Toni? Viu? Essa menina é isca!
         - Que isca o quê! Eu só quero mesmo é chegar à minha casa! E eu já podia ter chegado há muito tempo! Mas,prefiro ir com vocês. Sabe que gostei dos dois? E vou ajuda-los a se livrarem desses caras.
         - Qual dois? A gente ou eles?
         - Quim, você é cismado pra caramba! Desconfia de tudo e de todos, é ou não é? Enquanto você fica aí duvidando da minha inocência, vamos perdendo tempo. Você fala muito. Vou resolver o mais rápido possível, a nossa partida. Esperem aqui. Vou dar um jeito.
            Quim olha para o irmão, torce a boca, resmunga alguma coisa, faz uma careta para a menina, que já ia saindo, e fala entre dentes:
          - Essa menina me estressa, Toni! Eu preciso tomar uma cervejinha pra relaxar!  Você pega o volante?
         - Pode deixar. Vou assumir a direção. Vai. Bebe a sua cervejinha com calma. Vê se com uma só, você relaxa. Oh! Sem exagero!          
            Enquanto os dois conversam, uma mulher gorda entra no restaurante e fica próximo de Quim. Nisso a menina aproveita a distração dos dois e aperta o traseiro dela. A mulher se vira rapidamente e começa a discutir com Quim.
         - Oh! Cara! Que negócio é esse! Vai passar a mão na mãe, seu safado!
           Quim, meio desconcertado, tenta se justificar:
         - Minha senhora, eu acho que a senhora está enganada!  Juro que não passei a mão na senhora, não!
        - E senhora, é o cacete! Passou a mão sim! Apertou o meu traseiro! Vai passar a mão na bunda da sua mãe, seu tarado!
       - Peraí! Peraí! A senhora está ofendendo a minha mãe! E eu não fiz coisa alguma com a senhora! Estou eu e o meu irmão aqui conversando, tranquilamente! Nem vi a senhora chegar!
      - Foi isso mesmo, minha senhora. Ele...
        A mulher nem deixa Toni terminar de falar.
      - E você não se mete aonde não foi chamado, ô baixinho! E tem mais: essa carne aqui, já tem dono! Não é pro bico de vocês não! Se o meu homem estivesse aqui, já tinha partido a cara dos dois!
      Enquanto a mulher, tentando aparecer, se vira para os demais fregueses, falando coisas ininteligíveis e gesticulando espalhafatosamente, Quim bate no seu ombro e, quando ela se vira, fala:
         - Minha senhora! Minha senhora! Pra princípio de papo, eu detesto bucho!
          Aí o tempo fechou. A mulher dá um empurrão em Quim, jogando-o em cima de uma mesa. Aí outras pessoas, que nem sabiam do que se tratava, entram também na confusão. Enquanto isso a menina já está na mesa de Tião e Tonhão que apreciavam a confusão, sorridentes. Ela então aproveita a distração deles, pega um copo de cerveja e derrama em cima de Tião, que imediatamente explode com o comparsa:
          - Ô cara! Quequié isso? Tá me estranhando?
             O outro demonstrando surpresa, sem entender o que estava acontecendo, pergunta:
          - O que foi que houve meu irmão?
          - E você ainda pergunta? Porra cara! Você me deu um tremendo banho de cerveja! Olha só o meu estado! Tá de sacanagem comigo?
              Tião irritado, pega o seu copo de cerveja e joga na cara do amigo. E a confusão já estava generalizada. Nesse instante voavam cascos de cervejas, pratos, comida... O caos estava instaurado. A menina rapidamente se aproxima de Toni e Quim, tira-os do meio da confusão, leva-os para um canto e fala:
          - Tá na hora da gente sair. Vamos. Vamos aproveitar a guerra e sambar fora.  Anda rápido, Quim! Vai pegar o copo pra quê? Deixa isso aí!
          Sem perguntar nada, os irmãos acompanham a menina e saem do restaurante, sem ninguém perceber. Rapidamente entram no caminhão e pegam a BR. A estrada estava limpa. Quim aproveita e pisa fundo. Preocupado, ele olha constantemente pelo retrovisor lateral, para ver se estavam sendo seguidos. Quando se certificou que não tinha carro nenhum no encalço deles, fala para o irmão:
          - Viu só Toni? Que mulher maluca! Aonde já se viu se eu ia passar a mão num bagulho igual aquele! Nem se eu estivesse em perigo! Mano, vou te dizer uma coisa: se você um dia me encontrar atracado com uma mulher feia, pode desapartar que é briga! Igual a de hoje! Ah! Ah!
          - Até parece que é verdade! Você é o maior limpa trilho que eu conheço! Caiu na rede é peixe! Não é Quim?
          - É... Mas deixa de papo furado! Agora conta pra mim: até que você gostou da gordinha! Foi você quem passou a mão nela, não foi?
          - Que passei a mão, nada! Você me conhece! Acha mesmo que eu ia fazer uma coisa dessas? Para com isso!
          - Se não foi você, quem foi? Ih! Toni, eu acho que sei quem foi! Olha a carinha de sonsa da menina! Olha só a cara dela!

          - Foi mesmo? Que garota da pá virada!
                     Continua semana que vem...