A tentativa de fuga
não surte efeito. Realmente, logo no início da subida, o carro dos bandidos,
quase encosta na traseira. Minutos
depois, já estava lado a lado com a cabine. Tonhão, com uma arma em punho,
ameaça Toni, forçando-o a parar. Entretanto Toni continuava com o caminhão em movimento. Não dava
para saber se era por nervosismo que não parava ou se por achar que iriam
conseguir se safar. Mas o caminhão nessa altura, já estava bem mais devagar.
Quim vendo que o irmão não parava, gritou para ele:
- Para logo Toni! Não tem mais jeito!
Não temos mais saída! Para senão acabam atirando na gente! E tem a menina...
Cadê ela, Toni?
- Sei lá! Deve ter pulado pela janela!
- Mas como? Só se passasse por cima de
mim!
- E deve ter passado! Você estava com
tanto medo, que fechou os olhos! Ela deve tá aí atrás do banco!
Nisso Toni olha para o carro dos bandidos,
quando é chamado por Tonhão:
- Aí cara, vai encostando! Vai
encostando! Não vacila não, se não meto chumbo! Anda logo! Vai saindo da
estrada! Rápido! Rápido!
- Tá legal, cara! Tá legal! Mas não
atira, não! A gente tá desarmado! Só tem eu, Quim e a menina! Não atirem pelo
amor de Deus!
Toni vai dialogando com Tonhão, mas
vai levando a carreta para o acostamento. O bandido desce do carro e continua
apontando a arma para ele, até que pare completamente. Nisso Quim coloca a cabeça pela janela de
Toni e fala suplicante com o bandido:
- Pô cara! Pelo amor de Deus! Sem
tiros! Nós não temos nada de valioso, não! Vocês devem ter confundido a nossa
carreta com outra!
- Sem papo, cara! Sem papo! O que nós
queremos tá aí dentro! Agora, entrem naquela estradinha de chão! Vamos andando
devagar! Qualquer vacilo, sabe o que vai acontecer!
A carreta vai bem devagar até
descer e pegar o chão vermelho. O carro dos bandidos vai lado a lado. Depois de
entrarem mais de duzentos metros, o carro passa à frente do caminhão e para.
Tonhão desce e manda que saiam da estrada e entrem por dentro do mato seco.
Andam alguns metros e são obrigados a parar, devido a um pedregulho que
obstruía o caminho. Como a vegetação seca estava dando para encobrir a carreta,
Tonhão manda que eles desçam. Depois que descem o bandido fala para o comparsa:
- Aí Tião, amarra os dois naquela
árvore! Qualquer coisinha mete chumbo!
- Tá falado! Deixa comigo! I aí!
Andando! Senta ali! Senta ali! Um discosta pro outro! Isso aí! Agora, cadê a
criança?
Toni tenta olhar para o irmão,
esperando que ele falasse alguma coisa, mas como Quim nada fala, ele tenta
responder:
-Sabe... Ela tá ali dentro. Acho que
está. Ela estava na boleia.
- Tonhão, vê se tem uma criança aí!
- Aqui, tem não! Tem criança nenhuma,
Tião!
- Pô cara! Aonde tá essa criança?
- Calma, companheiro! Calma! Toni falou a
verdade! Ela estava ali sim! É uma menina... Uma menina que a gente deu carona.
Quando vocês pararam a carreta, ela sumiu. Juro por Deus. Ela deve ter se
escondido em algum canto. Deve tá lá na cabine. Acho que ficou com medo. É só
uma criança.
- Tião, amarra bem os babacas e vamos
ver logo a nossa carga! Deixa a criança pra lá! Depois a gente cuida dela! Vem
logo!
- Tonhão, não é melhor acabar logo com a
raça deles?
-Ainda não. Ainda não. Por enquanto a
gente precisa deles. Não sei pra quê. Mas alguma coisa me diz pra gente esperar.
Temos muito tempo pela frente. O lugar aqui é deserto. Podemos fazer o serviço
tranquilamente. Vamos logo! Apertou bem o nó? Depois a gente dá um jeito nos
caras!
Quim quando ouve o bandido dizer que
vai dar um jeito nos dois, fica completamente pálido e começa a suar frio.
Tenta falar alguma coisa para o irmão, mas o que consegue éalguma coisa
ininteligível. Toni então pergunta o que é, mas como Quim não responde, ele
então prefere não insistir. Estava também assustado, pois tinha ouvido a mesma
coisa.
O silêncio toma
conta daquele lugar deserto. Nem da BR vem algum som. Os dois estão tensos.
Ficam observando os bandidos, que já estavam conversando meio que pé de orelha,
mas o bate papo não chega até eles. Quim, mesmo com medo, se dirige aos dois:
- Pô cara! Leva o caminhão e pronto!
Podem ficar com tudo!Mas não mata a gente não!
Temos mulher e filhos pequenos!
- Aí, vai calando a
boca, tá legal? Se der mais um pio, eu meto bala nos dois! Acho que apertei
pouco essa corda! Vou conferir!
- Oh, cara! Vai devagar! Tá machucando!
Isso tá muito apertado!
- Vou devagar nada! Olha aí! O Tonhão é
um cara bonzinho! É coração mole! Se fosse só decisão minha, já tinha acabado
com vocês! Falei?
Tião, depois de apertar bem as
cordas, deixa os dois e vai ao encontro de Tonhão, que já está na traseira da
carreta, com a chave do cadeado da porta na mão. O amigo apanha a chave e tenta
abrir. Mas encontra alguma dificuldade. O outro então reclama:
- Tião, abre logo essa droga! Tá
alisando a maçaneta?
- Calma cara! O troço tá é duro!
Parece que está emperrado! Olha só! Todo enferrujado! Mas eu vou conseguir!
- Anda logo! Já estou ficando
nervoso! Se não está conseguindo, me dá!
- Calma. Eu vou dar meu jeito. Pô,
consegui! Viu só? Não disse?
Tonhão dá um tapa no ombro do
amigo e fala:
- Aí Tião, tá tudo a nosso favor! Tá
lá dentro o... Tá lá dentro! Sobe e puxa logo! Traz pra cá! Traz logo! Vamos
ficar rico, meu irmão! Olha lá o nosso tesouro! Pega lá!
Tião entra na carroceria. Nisso Quim,
que estava acompanhando os movimentos dos bandidos, fala para o irmão:
- Não te disse Toni! Olha onde está a
menina! Bem que eu te falei que ela era isca! Filha da mãe! Tá com os caras,
pra ferrar a gente!
- Puxa! E achei que ela era boazinha!
Pra mim, parecia um anjo!
- Um anjo? Tá mais é pra capeta! Ih!
Vem ela pra cá! Será que é ela que vai acabar com a gente? Uma criança, meu
Deus! Não acredito!
- Quim, vamos rezar! E rezar muito, meu
irmão!
A menina vai se chagando, com um
sorriso nos lábios. Dá uma volta em torno da árvore e fala:
- Ih! Olha só! Vocês estão brancos!
Nossa mãe, isso tudo é medo?
Quim engole em seco e responde:
- O que é que você acha?
- Puxa menina, não mata a gente não!
Olha só o estado de Quim!
- Que matar o quê! Eu vou é desamarrar
vocês! Mas terão que continuar sentados, com as mãos para trás, como se
estivessem amarrados, tá legal? E vê se não se borram tá?
- Aí Toni! Se borrar! Se borrar, o quê!
A gente morre, mas não perde a dignidade! Não é mano?
- Quim, qual é? A gente se borra sim!
Não sou herói! E você também não é!
- Tá legal, Toni. Você tem razão. Mas se
demorar mais um pouquinho, eu não respondo por mim. A minha dignidade...
- Que dignidade? Você vai é correndo pru
banheiro, cuidar da sua dignidade fedorenta!Isso se der tempo! Senão, se borra
todo aqui mesmo!
- Não me esculacha, Toni! Mas já
esculachou né? Agora mano, encosta o ouvido aqui perto da minha boca. Como já
estamos solto. É. Meio solto, não é?Vou falar uma coisa no pé do seu ouvido:não
estou entendendo nada, nada o lance dessa menina. Mas já que ela desamarrou a
gente, tá legal.Comoeu só quero é sair daqui, tá certo. Mas continuo sem
entender o que essa menina está pretendendo com a gente.
- Vocês vão sair daqui, mas só vão
levantar quando eu mandar, tá bom? Eu escuto tudo!
A menina termina de falar, da às
costas para os dois, não espera a resposta e volta para junto dos bandidos. Dá
distância e fica observando o movimento deles. Ouve quando Tião reclama do
amigo:
- Pô, cara! Só fica daí olhando! Sobe
aqui! Esse troço tá pesado pra danar!
- Reclama não! Tô subindo! Deixa que pego
aqui! Pô! Que peso! Parece que está cheio de chumbo!
- Tonhão, vira essa boca pra lá! Isso aqui
tem que tá cheinho de ouro!
Continua semana que vem...