segunda-feira, 29 de maio de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 10

Continuando...
A tentativa de fuga não surte efeito. Realmente, logo no início da subida, o carro dos bandidos, quase encosta na traseira.  Minutos depois, já estava lado a lado com a cabine. Tonhão, com uma arma em punho, ameaça Toni, forçando-o a parar. Entretanto Toni continuava com o caminhão em movimento. Não dava para saber se era por nervosismo que não parava ou se por achar que iriam conseguir se safar. Mas o caminhão nessa altura, já estava bem mais devagar. Quim vendo que o irmão não parava, gritou para ele:
         - Para logo Toni! Não tem mais jeito! Não temos mais saída! Para senão acabam atirando na gente! E tem a menina... Cadê ela, Toni?
        - Sei lá! Deve ter pulado pela janela!
        - Mas como? Só se passasse por cima de mim!
        - E deve ter passado! Você estava com tanto medo, que fechou os olhos! Ela deve tá aí atrás do banco!
           Nisso Toni olha para o carro dos bandidos, quando é chamado por Tonhão:
          - Aí cara, vai encostando! Vai encostando! Não vacila não, se não meto chumbo! Anda logo! Vai saindo da estrada! Rápido! Rápido!
         - Tá legal, cara! Tá legal! Mas não atira, não! A gente tá desarmado! Só tem eu, Quim e a menina! Não atirem pelo amor de Deus!

            Toni vai dialogando com Tonhão, mas vai levando a carreta para o acostamento. O bandido desce do carro e continua apontando a arma para ele, até que pare completamente.  Nisso Quim coloca a cabeça pela janela de Toni e fala suplicante com o bandido:
         - Pô cara! Pelo amor de Deus! Sem tiros! Nós não temos nada de valioso, não! Vocês devem ter confundido a nossa carreta com outra!
         - Sem papo, cara! Sem papo! O que nós queremos tá aí dentro! Agora, entrem naquela estradinha de chão! Vamos andando devagar! Qualquer vacilo, sabe o que vai acontecer!
            A carreta vai bem devagar até descer e pegar o chão vermelho. O carro dos bandidos vai lado a lado. Depois de entrarem mais de duzentos metros, o carro passa à frente do caminhão e para. Tonhão desce e manda que saiam da estrada e entrem por dentro do mato seco. Andam alguns metros e são obrigados a parar, devido a um pedregulho que obstruía o caminho. Como a vegetação seca estava dando para encobrir a carreta, Tonhão manda que eles desçam. Depois que descem o bandido fala para o comparsa:
         - Aí Tião, amarra os dois naquela árvore! Qualquer coisinha mete chumbo!
         - Tá falado! Deixa comigo! I aí! Andando! Senta ali! Senta ali! Um discosta pro outro! Isso aí! Agora, cadê a criança?
            Toni tenta olhar para o irmão, esperando que ele falasse alguma coisa, mas como Quim nada fala, ele tenta responder:
          -Sabe... Ela tá ali dentro. Acho que está. Ela estava na boleia.
          - Tonhão, vê se tem uma criança aí!
          - Aqui, tem não! Tem criança nenhuma, Tião!
          - Pô cara! Aonde tá essa criança?
 - Calma, companheiro! Calma! Toni falou a verdade! Ela estava ali sim! É uma menina... Uma menina que a gente deu carona. Quando vocês pararam a carreta, ela sumiu. Juro por Deus. Ela deve ter se escondido em algum canto. Deve tá lá na cabine. Acho que ficou com medo. É só uma criança.
        - Tião, amarra bem os babacas e vamos ver logo a nossa carga! Deixa a criança pra lá! Depois a gente cuida dela! Vem logo!
       - Tonhão, não é melhor acabar logo com a raça deles?  
       -Ainda não. Ainda não. Por enquanto a gente precisa deles. Não sei pra quê. Mas alguma coisa me diz pra gente esperar. Temos muito tempo pela frente. O lugar aqui é deserto. Podemos fazer o serviço tranquilamente. Vamos logo! Apertou bem o nó? Depois a gente dá um jeito nos caras!
         Quim quando ouve o bandido dizer que vai dar um jeito nos dois, fica completamente pálido e começa a suar frio. Tenta falar alguma coisa para o irmão, mas o que consegue éalguma coisa ininteligível. Toni então pergunta o que é, mas como Quim não responde, ele então prefere não insistir. Estava também assustado, pois tinha ouvido a mesma coisa.
O silêncio toma conta daquele lugar deserto. Nem da BR vem algum som. Os dois estão tensos. Ficam observando os bandidos, que já estavam conversando meio que pé de orelha, mas o bate papo não chega até eles. Quim, mesmo com medo, se dirige aos dois:
         - Pô cara! Leva o caminhão e pronto! Podem ficar com tudo!Mas não mata a gente não!  Temos mulher e filhos pequenos!
- Aí, vai calando a boca, tá legal? Se der mais um pio, eu meto bala nos dois! Acho que apertei pouco essa corda! Vou conferir!
        - Oh, cara! Vai devagar! Tá machucando! Isso tá muito apertado!
        - Vou devagar nada! Olha aí! O Tonhão é um cara bonzinho! É coração mole! Se fosse só decisão minha, já tinha acabado com vocês! Falei?
          Tião, depois de apertar bem as cordas, deixa os dois e vai ao encontro de Tonhão, que já está na traseira da carreta, com a chave do cadeado da porta na mão. O amigo apanha a chave e tenta abrir. Mas encontra alguma dificuldade. O outro então reclama:
          - Tião, abre logo essa droga! Tá alisando a maçaneta?
          - Calma cara! O troço tá é duro! Parece que está emperrado! Olha só! Todo enferrujado! Mas eu vou conseguir!
          - Anda logo! Já estou ficando nervoso! Se não está conseguindo, me dá!
          - Calma. Eu vou dar meu jeito. Pô, consegui! Viu só?  Não disse?
             Tonhão dá um tapa no ombro do amigo e fala:
          - Aí Tião, tá tudo a nosso favor! Tá lá dentro o... Tá lá dentro! Sobe e puxa logo! Traz pra cá! Traz logo! Vamos ficar rico, meu irmão! Olha lá o nosso tesouro! Pega lá!
          Tião entra na carroceria. Nisso Quim, que estava acompanhando os movimentos dos bandidos, fala para o irmão:
          - Não te disse Toni! Olha onde está a menina! Bem que eu te falei que ela era isca! Filha da mãe! Tá com os caras, pra ferrar a gente!
         - Puxa! E achei que ela era boazinha! Pra mim, parecia um anjo!
         - Um anjo? Tá mais é pra capeta! Ih! Vem ela pra cá! Será que é ela que vai acabar com a gente? Uma criança, meu Deus! Não acredito!
        - Quim, vamos rezar! E rezar muito, meu irmão!
          A menina vai se chagando, com um sorriso nos lábios. Dá uma volta em torno da árvore e fala:
         - Ih! Olha só! Vocês estão brancos! Nossa mãe, isso tudo é medo?
            Quim engole em seco e responde:
         - O que é que você acha?
         - Puxa menina, não mata a gente não! Olha só o estado de Quim!
         - Que matar o quê! Eu vou é desamarrar vocês! Mas terão que continuar sentados, com as mãos para trás, como se estivessem amarrados, tá legal? E vê se não se borram tá?
        - Aí Toni! Se borrar! Se borrar, o quê! A gente morre, mas não perde a dignidade! Não é mano?
       - Quim, qual é? A gente se borra sim! Não sou herói! E você também não é!
       - Tá legal, Toni. Você tem razão. Mas se demorar mais um pouquinho, eu não respondo por mim. A minha dignidade...
       - Que dignidade? Você vai é correndo pru banheiro, cuidar da sua dignidade fedorenta!Isso se der tempo! Senão, se borra todo aqui mesmo!
        - Não me esculacha, Toni! Mas já esculachou né? Agora mano, encosta o ouvido aqui perto da minha boca. Como já estamos solto. É. Meio solto, não é?Vou falar uma coisa no pé do seu ouvido:não estou entendendo nada, nada o lance dessa menina. Mas já que ela desamarrou a gente, tá legal.Comoeu só quero é sair daqui, tá certo. Mas continuo sem entender o que essa menina está pretendendo com a gente.
      - Vocês vão sair daqui, mas só vão levantar quando eu mandar, tá bom? Eu escuto tudo!
         A menina termina de falar, da às costas para os dois, não espera a resposta e volta para junto dos bandidos. Dá distância e fica observando o movimento deles. Ouve quando Tião reclama do amigo:
     - Pô, cara! Só fica daí olhando! Sobe aqui! Esse troço tá pesado pra danar!
     - Reclama não! Tô subindo! Deixa que pego aqui! Pô! Que peso! Parece que está cheio de chumbo!
    - Tonhão, vira essa boca pra lá! Isso aqui tem que tá cheinho de ouro!

                   Continua semana que vem...

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