terça-feira, 28 de agosto de 2018

Saudosismo - Parte 1



SAUDOSISMO
José Timotheo

           Recentemente “folheava” meu celular. Tenho que fazer isso diariamente, mas esqueço. Sabemos que uma quantidade grande de mensagens não presta. Fatos, fatos são poucos.  As Fake News entopem o tel e nos fazem de trouxa. São um peso dentro do nosso aparelhinho e fruto da nossa invigilância.  Ele não é o culpado. Tínhamos que arranjar um jeito de ele, sozinho, vomitar o que não presta. Seria um imenso serviço à humanidade.
          Fico refletindo sobre como as pessoas perdem tempo em pensar, arquitetar besteiras e maldades. O tempo é precioso, é finito, não é pra se desperdiçar. Mas o que fazer, se essas pessoas só tem isso para dar? Só nos resta ficar atento e ir descartando tudo de ruim. Mas custo tanto a fazer esse serviço chato, que quando vou olhar, vem o susto: ele está cheio novamente de mentiras e notícias que podem até ser verdadeiras, mas que não levam a lugar nenhum.  É um saco.
         Alguma mensagem chegou ao meu whatsApp. Ameacei olhar o celular, mas resisti e deixei-o descansando no bolso. Olhei pela janela do meu apartamento e vi que o mar estava sereno e o sol me convidava para uma caminhada. Desci e fui passear pelo calçadão da praia de Icaraí, em Niterói. O único compromisso que tinha, era olhar o mar e toda a paisagem que o cerca. Tinha certeza que só portava um documento, além do celular, claro! – uma xerox – para mostrar, se necessário, que eu era alguém com nome e sobre nome. De repente parei próximo a dois saudosistas, com mais idade do que eu. Pareciam moradores antigos do bairro. Apontavam numa direção e falavam sobre um trampolim. Apurei a minha audição e finquei minha orelha quase entre os dois. O papo me interessava. Era minha a saudade também. Um mais exaltado afirmava que era naquela direção. Apontando para algum lugar na baia. Concordei com ele. Era lá, com certeza. A imagem apareceu clara na minha cabeça. O outro demonstrou que estava na dúvida, mas concordou. Depois apontou para um ponto no calçadão e comentou que ali fora uma escada, cujos degraus mergulhavam na areia. Lembrei-me também na hora. E, diga-se de passagem, em vários pontos tinha uma escada dessas, que davam um charme especial à praia. Não me recordo qual foi o prefeito que fez o estrago de retirá-las.
           Fiquei parado esperando para ver se o papo continuava. Mas emudeceram, resmungaram alguma coisa e saíram andando. Eu continuei olhando na direção do trampolim. Naquele momento ele estava lá. Eu o via claramente. Mas sei que é muito difícil para quem nunca o viu, imaginar o quanto era bonito aquele projeto arquitetônico, brotando de dentro d’água. Era sem dúvida um belo ponto turístico. Há quem duvide até que ele existiu. Mas isso não é novidade: o homem pousou na lua há tanto tempo e muita gente diz que é tudo coisa de cinema. Já estamos quase pisando em solo marciano e acham que é tudo balela. Mas voltando ao trampolim, esse eu vi. Vi e achava muito bonito. Confesso que nunca tive coragem de entrar no mar e nadar até onde ele estava cravado, subir, se jogar no espaço e sumir dentro d’água. Essa aventura cheia de adrenalina, preferi entregar à coragem de alguns amigos. Éramos todos da faixa dos quinze anos.
          Os menos corajosos - mas com mais coragem do que eu - se arriscavam em mergulhar do primeiro estágio, que ficava há alguns centímetros da lâmina d’água. Não sei a altura que tinha entre as plataformas. De longe, as inferiores, não pareciam muito separadas. Entretanto a última, a mais alta, parecia um arranha céu. A pessoa quando lá chegava, parecia uma formiga. Por isso concluí que realmente era alta pra cacete. Mas mesmo assim, de vez em quando surgiam alguns que queriam aparecer, dizendo que deveriam colocar uma plataforma acima dessa. Babaca sempre tem por aí. O que fazer?
                     Continua na semana que vem...

quinta-feira, 23 de agosto de 2018

TE ENCHER DE OLHOS

Mais um vídeo acaba de ser publicado lá no Youtube. Te Encher de Olhos, de minha autoria, na voz de minha parceira e amiga Martha Taruma, com Produção, arranjo, violão, viola e etc, do querido Rodrigo Fernandes Garcia. Essa é mais uma das músicas do CD Refiz Estradas, gravado em 2010, no Estúdio Luperan, em São Pedro da Serra.

terça-feira, 21 de agosto de 2018

Pensamento de Poeta - Cobrança



Cobrança

José Timotheo

Cobras do mundo
Uma vida mansa
Mas não te esqueças
Que tens que trabalhar
Cobras do mundo
Uma mesa farta
Mas não te esqueças
Que tens que plantar
Cobras do mundo
Uma vida justa
Mas não te esqueças
Que menos tens de errar
Cobras do mundo
Que lhe dêem amor
Mas não te esqueças
Que primeiro tens que se amar
Cobras do mundo
Todos os acertos
Mas não te esqueças
Que tens que acertar
Cobras do mundo
O seu paraíso
Mas não te esqueças
Que não tens que infernizar
Não te esqueças
Não te esqueças
Que és o primeiro
A se consertar



terça-feira, 14 de agosto de 2018

Pensamento de Poeta - Mea-Culpa (Mas não é só minha)



MEA - CULPA
(MAS NÃO É SÓ MINHA)
- José Timotheo -
Pássaro
Passageiro
Já não arrisca o seu canto
Mesmo um canto triste
Voa sem asa
Voando no chão
Come grão amargo
Bebe água que a chuva ainda não trouxe
E espera em vão por um rio limpo
O canário perde a cor
O beija flor, procura a sorte
Voa, voa e descansa na morte
Sem ter encontrado a sua flor
Um tico-tico não está nem lá nem cá
O seu fubá mofou
Da garganta não sai mais um tiutiutiuzeuzeu
Não perdeu a crista, mas não tem mais topete
Canta sanhaço! Canta sabiá
Mas a mata está em silêncio
Mais uma queimada surgiu
Árvores e mais árvores tombaram
E eu tombei junto
Mas fechei os olhos e me calei


domingo, 12 de agosto de 2018

Homenagem ao meu Pai - Meu Velho E Eu


MEU VELHO E EU
- José Timotheo -

Sentado num banco tosco meu velho mirava o horizonte
Um vento de outono mexia nos seus cabelos grisalhos
Deixando-os desgrenhados como ao acordar
Vez ou outra brigava com uma mosca impertinente
Que tentava roubar uma gota da sua cerveja
Já meio quente por causa do esquecimento
Mas alguma canção que furava o tempo
Escorregava pelos seus dedos e tamborinava na perna
E depois saía voando pelos seus lábios enrugados
Fazendo dueto com um sorriso
Que estava guardado na saudade
Na sua memória um imã girava sem pressa
Atraindo velhas recordações
Mas tão novas quanto as vividas em antanho
O meu velho não deixava uma lembrança
Escapar do seu bate papo
Podia ser repetida quantas vezes ela fosse
Mas vinha sempre enriquecida de novidade
Hoje ele não senta mais no banco tosco
E eu não ouço mais o seu assobio
Nem as suas histórias ainda recheadas de sonhos
Mas que podem ser as minhas, sem dúvida
Hoje sento no mesmo banco tosco
Onde um vento, mas que não é de outono
Desliza pelo meu rosto e penteia meu cabelo também grisalho
E onde já começo a catalogar as minhas histórias
Me preparando para quando o outono se aproximar
E ali sentado, desfiar as minhas saudades para as filhas e netos

terça-feira, 7 de agosto de 2018

Sem Inspiração - Parte Final

Continuando...

Falou numa cachaça quarentona, logo a minha boca se encheu d’água. Mas uma bruta interrogação cravou na minha cabeça. – Esse cara só liga pra me aporrinhar! O que deu nele para me convidar, cheio de satisfação no convite, depois de anos enchendo o meu saco?
         Saí cauteloso. Vou segredar que quase voltei. Bateu uma dúvida danada. Por insistência da minha curiosidade, fui até ao apartamento do vizinho. Fui de escada. Mas parava de degrau em degrau; de tanto pensar, tive a sensação de que estava dissecando o meu cérebro. O pior é que não encontrava rastro que me levasse a esse convite. Quando me dei conta, já estava na porta dele. Tive vontade de voltar. - Vai que o cara está armando uma arapuca pra mim – pensei, com o dedo quase apertando a campainha. Fiz menção de voltar no mesmo instante, mas antes que fizesse qualquer movimento, a porta se abriu num repente. Apareceu uma figura sorridente, com uma garrafa na mão, mandando-me entrar. Escancarou a porta e se afastou bem, deixando o caminho livre para que eu entrasse. Não tive escolha. Mas primeiro olhei para a outra mão, para ver se não tinha uma faca, ou um porrete, ou até um revolver. Sei lá! Vai que o cara estava cheio de reclamar e quisesse me eliminar! Ninguém sabe o que vai na cabeça da outra pessoa!
          Falei meio que entre dentes. Foi tão baixo, que ele me perguntou se eu estava com algum problema. Acenei que não e me sentei na cadeira que ele me apontava. Na mesa já tinha um cálice. Ele foi até um armário e pegou outro. Antes de abrir a garrafa, mostrou-me. Vi o nome, mas acabei não decorando. Cuidadosamente abriu a garrafa e disse:
         - Sinta só o cheirinho dela! Essa cana é de primeira!
         Cheirei, mas me abstive de qualquer comentário. Apenas balancei a cabeça, concordando. Ele então sorriu. Em seguida encheu o meu cálice e depois o dele. Mas antes de beber, esticou a sua mão e disse um sonoro obrigado. Eu apertei a sua, sem saber o motivo do agradecimento. Aí finalmente eu falei:
         - Meu irmão, não estou entendendo o agrado. O que foi que eu fiz?
          Ele sorriu, bebeu a cachaça numa golada só e disse:
         - Ué! Se você não tivesse passado o nome do técnico do ar refrigerado para a minha mulher, eu ia estar ferrado nesse verão! Você foi o máximo!
         Depois do que ele falou, finalmente consegui esboçar um sorriso. Fiquei aliviado realmente. Uma pequena gentileza operou um milagre. Estava satisfeito e com sede. Peguei o cálice, cheirei a bebida e esvaziei numa golada só. Percebi que ele também estava satisfeito. Tanto que encheu novamente o meu cálice e depois o dele. Em seguida levantou-o e propôs um brinde. Aceitei e brindamos. Depois do terceiro gole já estava rindo com descontração. A conversa rolou com leveza. Mas quando percebi que começávamos a tropeçar nas letras, me despedi e voltei para casa.
           Como encarar o lápis e o papel novamente?  Fiquei me perguntando no trajeto. Entrei em casa e fui direto para a mesa do escritório. Peguei a caneta e coloquei-a com a ponta virada na direção do papel. Tive que me concentrar para fazer uma mira. A sensação naquele momento era de que o papel estava balançando. Ele não parava para que eu escrevesse alguma coisa. Realmente a sua cooperação era zero. - Não tem santo que me faça chegar até a tal folha? – perguntei irritado. Mas o que fazer? Então comecei a pedir a todos os santos, pelo menos os que eu me lembrava, que me ajudassem. Tinha que produzir alguma coisa. O meu dia não podia passar em branco. Acho que depois de tanta reza, a folha de papel resolveu encostar-se à ponta da caneta. Ou o contrário? Até agora não consegui saber. Entretanto alguma coisa aconteceu: risquei o papel. Isso me animou. – A inspiração está chegando! – pensei.
           Senti uma cutucada nas costelas. Abri os olhos e lá estava a minha mulher me perguntando se eu não iria para a cama. Falei alguma coisa entre dentes, tipo o rabugento, que ninguém sabe o que é. Olhei para o papel e ele estava todo riscado. Depois dei uma olhadela para ela, sorri um sorriso sem expressão e me levantei. Ela sem falar mais nada, me deixou e foi dormir. Peguei o papel e encarei todos aqueles riscos. Procurei alguma coisa no meio deles, que não sabia o que era, uma procura só por procurar, e meio decepcionado amassei-o e joguei-o  no lixo. – Amanhã é outro dia. – pensei.  E fui deitar sem saber a hora. Mas antes, olhei para uma cadeira que tinha acabado de tropeçar, fiquei com raiva e bati com ela no chão com toda a força que tinha naquele momento. A raiva era grande, a ponto de bater também com a porta. A minha mulher já estava ferrada no sono, e por sorte minha ela não acordou.  Não demorou muito e o interfone tocou. Abri a porta, olhei na direção da cozinha e dei uma banana pra ele. Fechei a porta, mas dessa vez sem batê-la. Sorri e me joguei na cama.

quinta-feira, 2 de agosto de 2018

Sem Inspiração - Parte 1



SEM INSPIRAÇÃO

- José Timotheo -

          Meus pensamentos foram escorregando até chegar à minha caneta. Não sei bem o que eu queria escrever. Muitos pensamentos juntos não dão muito certo. Levantei a caneta e interrompi. Era muita coisa querendo sair de uma vez só. É estranho quando uma ideia se agarra a outras, atrapalhando a criação. Você acaba dando um nó na cabeça. Às vezes até tenta-se botar esses pensamentos em ordem, mas vem alguma coisa, que parece um vírus, e faz uma limpeza na sua cabeça. Você olha para dentro e percebe que ficou tudo branco. E nem consegue um pedacinho de inspiração, que por ventura tenha ficado em algum canto, para jogar no papel.  A limpeza é total.  
          Peguei a caneta novamente e coloquei o bico em cima da folha. Quem sabe os pensamentos se ordenassem. Mas foi pior. Antes tinha até um emaranhado de ideias. Agora nem cheiro de qualquer inspiração que se amontoara, havia pouco tempo, eu achei mais. Inspiração tem cheiro? Não sei. Mas como sou chato, continuei com a caneta descansando no papel. Tenho alguns amigos que me criticam por escrever em folhas de papel. Ficam indignados por eu não usar o computador direto. Eu digo que tem hora que até uso a máquina de primeira. Mas em outras ocasiões escrevo tudo no papel mesmo. Depois vou para o computador e aí sim, arrumo as ideias com calma. Isso quando elas não se atropelam. Mas o que fazer quando não se tem inspiração?
         Enquanto tentava localizar na lembrança algum tema que havia pousado na cachola, o interfone tocou. Aí mesmo é que o vazio se encheu de confiança. Já era dono da minha criação. Então não tive outra opção a não ser ir atender o interfone. Mal eu peguei o aparelho, uma voz invadiu o meu ouvido. Reconheci na hora quem era. Sabia que já vinha aborrecimento. Enchi logo a boca de desaforos para empurrar pelo fone. Mas qual não foi a minha surpresa: dessa vez não veio reclamação. No lugar veio um convite. De saída fiquei boquiaberto pelo tom calmo da voz. Porque era quase todo o dia reclamando que estavam arrastando uma cadeira, batendo com algum objeto no chão, a máquina de lavar ligada num horário impróprio e assim vai uma lista grande de insatisfações do vizinho. Fiquei com uma pulga atrás da orelha. Por que será esse convite? O que tem por trás? Pensei, pensei e não consegui saber. O meu silêncio acabou incomodando-o. Ele então falou:
         - Ué, não está me ouvindo não? Vou repetir: desce para tomar uma cachaça comigo! Vamos abrir uma garrafa, que tem mais de quarenta anos. Vem logo!
Continua semana que vem...