terça-feira, 27 de dezembro de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 33

 


Continuando...

        Depois de um dia exaustivo, carregado de medo e morte, os soldados americanos, parecendo que tiveram apenas um dia exaustivo de trabalho, foram os primeiros a abraçar rapidamente o sono reparador. No lado oposto, apenas cochilando, estava Rachid. Mohammed, ainda aceso, a poucos centímetros afastado do amigo, olhava os três soldados, como se o dia tivesse transcorrido na maior normalidade, dormindo como crianças, e não conseguia entender aquele tipo de comportamento.

          – Onde já se viu, depois de horas carregando a dúvida, se iam sobreviver ou não, e ninguém não tem nada para falar?  Não entendo esses gringos não. Olha só! Já tem até gente roncando! – pensava Mohammed, escondidinho no seu lugar predileto.

           De onde ele estava, mesmo não querendo, os seus olhos não se desgrudavam da escada. À noite o esperava no último degrau que o afastava do fundo daquele buraco. E era só levantar a tampa, que os sepultavam vivos, e deixar que o céu viesse até ele. Mohammed, nunca falou para ninguém, achava que o que ele sentia de felicidade, o céu também sentia. Sempre imaginava que vinha outros seres compartilhar com ele o infinito: ele olhava e tinha certeza que lá de “cima” alguém o olhava também. Queria subir, mesmo tendo um pé atrás com aquele lugar, mas tinha certeza que o sargento o vigiava, mesmo parecendo que dormia, e o impediria de realizar o melhor prazer da sua vida.

           Mohammed fechou os olhos para tentar descansar um pouco, mas não conseguiu se desligar do que tinha acontecido durante aquele dia. Parecia que aquilo tudo estava acontecendo novamente, então abriu os olhos o máximo que pode para apagar aquelas imagens, que pareciam vivas dentro da sua cabeça. E para se certificar de que eles ficariam abertos mesmo, com dois dedos puxou as pálpebras para cima. Mas acabou ficando assim por pouco tempo, porque se sentiu ridículo. Um garoto que já tinha passado por situações dificílimas, não podia ficar impressionado com aquele episódio. Acabou até rindo de si mesmo.

          O sargento, fingindo que dormia, não tirava os olhos de Mohammed, mas o sono quase o pegava. Para não cochilar, acabou ficando de pé. Andou pelo pequeno cômodo, passando os olhos sobre os dois soldados que ressonavam, parecendo que dormiam com os anjos. Nem parecia que tinham tido um dia de cão. Aproximou-se também do menino Rachid, verificando se também dormia, e depois parou ao lado de Mohammed. O menino, com a aproximação de Téo, fechou os olhos e fingiu que dormia. Téo sorriu e chutou de leve a sua perna, pois sabia que ele não estava dormindo, só esperando o momento certo, um cochilo seu, para fugir.

         O menino abriu um dos olhos e ficou olhando o sargento. Arranjou um bocejo e se espreguiçou. A sua encenação foi tão fraca que não convenceu a Téo. Ele mesmo percebeu que foi um fracasso. Então abriu o outro olho e disse:

         - O que foi sargento? Estou querendo dormir. – deu um ar de riso -  O senhor também deveria fazer o mesmo. Está tão cansado quanto eu, não é mesmo?

        - Claro que estou cansado! Muito cansado! Mas...Você é esperto, garoto! Só está esperando eu piscar, para fugir! Pode ficar certo que vou dormir sim, mas só depois que Peter cobrir o meu turno!

        - Mas eu não vou fugir, sargento. Pode confiar em mim. Ainda mais que ainda não estou louco. Aqui nesse lado da cidade, sair à noite é estar cometendo suicídio. Em cada canto tem uma cobra para dar o bote. Para sairmos daqui, somente depois que o sol conseguir escalar as montanhas lá no fundo do horizonte.   

...........Continua semana que vem!

 

quarta-feira, 21 de dezembro de 2022

Pensamento de Poeta - Feliz Natal e um Esplêndido 2023

  


FELIZ NATAL E UM ESPLÊNDIDO 2023

- José Timotheo -

 

            Esse ano foi de lascar! Mas conseguimos chegar até aqui. Isso, fazendo uma pequena análise, nos leva a crer que podemos enfrentar as adversidades e vencê-las, quaisquer que sejam. Basta que não ponhamos dúvidas na nossa capacidade de ultrapassar os obstáculos que a vida nos impõe, e que enterramos o medo em cada buraco do caminho. É fácil? Claro que não, entretanto, não podemos desprezar a capacidade que temos de esperançar cada passo nas estradas da vida. Sonhar em cada momento de vigília. Acordado, é a melhor forma de enfrentarmos os grilos que nos azucrinam o sono. 

             O próximo ano é uma incógnita. Mas sempre foi assim. Só temos é que apostar e tentar nos afastar, sem dar ouvidos aos pessimistas de plantão. A nossa esperança tem que estar isenta de limalhas dessas pessoas que poluem o nosso juízo diariamente. À elas pode-se apresentar um céu limpo, com um azul imaculado, que encontrarão alguma nuvem negra manchando o firmamento. O céu delas, está sempre sujo.   O sonho, - meu Deus! -  vão dizer que é coisa de gente que não tem o que fazer. Mas eles têm que saber, que continuamos esperançosos e sonhadores. O nosso Natal, querendo ou não, vai ter Papai Noel e presentes. Quem não puder presentear com algo material, dê um abraço. Quem não gosta de um abraço recheado de amor? Uma blusa, uma camisa... Isso tudo o tempo corrói. O abraço fica tatuado na alma, de quem recebeu e de quem deu.

             Vamos seguir otimistas e apostar num Natal, com a presença de Jesus, o Homenageado, e num ano vindouro, sendo o melhor deles todos. Paz e amor, sempre. E “saúde para dar e vender.” O que mais importa?

          Eu e Martha Taruma (minha amiga, responsável por esse blog, a quem sou eternamente grato, pois se não fosse ela, ele não existiria) desejamos um Natal bem iluminado e um Ano Novo, esplêndido. Que as bênçãos de Deus sejam uma constante no caminho de todos os amigos que nos acompanham há vários anos.

Bjs

terça-feira, 20 de dezembro de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 32

 


.Continuando...

         O amigo foi em seu socorro - prendendo o riso – e subiu com ele, ajudado por Murt que já tinha estendido a sua mão para ajudá-lo.

         Já do lado de fora, Mohammed e Murt amparavam o amigo que não parava de vomitar. Botou pra fora tudo o que tinha comido e o que ainda ia comer, segundo comentário de Murt.

         Depois da melhora de Rachid, Murt apresentou outra solução:

         - Eu tenho outra proposta.

         - E o que é, Murt? Não é outra proposta nojenta, não é? – perguntou Rachid, com uma cara que era só nojo.

         - Nada de nojento. Um dia escutei uma conversa da minha mãe com uma tia, onde ela explicava como era fácil pegar o rato. Ela disse que colocou num pratinho uma porção de fubá, misturado com cimento. Do lado, colocou uma vasilha de água. Aí os ratos iam pra comida e depois bebiam água. Com isso os bichos foram sumindo.

           - Eles não devem ter gostado da comida! Hahaha

           - Está brincando, Mohammed. Eu fiquei triste quando soube o que acontecia com eles. Os coitados quando comiam o fubá com cimento e depois bebiam água, morriam porque a comida endurecia na barriga deles. Aí eles morriam. Coitados, né?

           - Murt, você ficou com pena? Depois de dizer que você comia ratos, sentiu pena dos bichos? Não entendi.

           - Mohammed, comer porque se está com fome, é uma coisa. Mas só em pensar no sofrimento que o bicho passou, com aquela massa secando dentro do estômago, dá um mal-estar danado. Fiquei pensando naquilo secando dentro do meu estômago. Pensa só! Ah eu comia sim! Mas quando já estava sozinho pelo meio da rua, com os amigos que tinham também perdido a família! A fome era tanta, que eu nem me lembrava do que escutei. 

            - Ninguém merece sofrer, não é? Deve ser uma dor insuportável! Nem a gente e nem os ratos.

           A noite já tinha chegado e como todos os dias, praticamente, vinha com um céu que se debruçava sobre cidade. A sensação era que as estrelas iam se desprender e uma a uma, cair sobre Cabul. Mohammed gostava de ficar observando a abóboda celeste todas as noites, principalmente do esconderijo principal. Lá, não tinha dúvida, era o lugar mais seguro de Cabul. Ali, só iam pela manhã, pois a noite a segurança era duvidosa.  Somente em último caso, arriscavam usá-lo depois que o sol caía atrás das montanhas. Na escuridão, tinham a sensação que alguém se escondia nos escombros, que tomava conta da rua, à espreita. Mesmo assim achou que seria mais conveniente, o que pedia o momento, trazer os soldados para aquele segundo esconderijo.  O primeiro, continuaria em segredo absoluto.

            Mohammed sentia-se sufocado ali. A sensação era de estar enterrado com aquelas pessoas que ele mal conhecia. Só a presença a Rachid aliviava um pouco aquele mal-estar. Um amigo, amigo do peito, somente Rachid. Amigo, irmão de infortúnio, companheiro de esperança e de luta pela sobrevivência. Murt tinha aparecido tempos depois e era meio arredio, estava junto, mas gostava de ficar sempre isolado. Não que não participasse de todos os movimentos do grupo, isso não. Sempre estava presente nas garimpagens que os amigos realizavam. Entretanto gostava muito de sair sozinho pelas noites e raramente não trazia arma ou alimento para o grupo. Àquelas saídas noturnas, solitárias, incomodava muito a ele, mas como sempre Murt trazia alguma coisa, contribuindo efetivamente ao grupo, nunca o interpelou. Entretanto tinha sempre uma pulga atrás da orelha, em relação a esse amigo. Na realidade ele o considerava, no íntimo, apenas como um colega de infortúnio.

         Devia passar das vinte horas. Cada um refugiou-se em um canto, abraçado aos seus pensamentos. O silêncio era quase total, apenas cortado, de vez em quando, por algum suspiro ou respirações ruidosas, de quem já começava a mergulhar no sono. 

......Continua Semana que Vem!!

 

terça-feira, 13 de dezembro de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 31

 


 Continuando...

            Aquele esconderijo, que chamavam de segundo, fora descoberto por um acaso, como fora o primeiro. Garimpavam como sempre faziam. Rachid encontrou uma peça de alumínio, mas só que estava debaixo de um pedaço de parede. Tentou sozinho erguê-la, só que não conseguiu. Então pediu a ajuda do amigo Mohammed, que prontamente atendeu-o. Ergueram então a parede e, para surpresa deles, encontraram uma tampa feita em madeira, que desconheciam, presa por um cadeado. Conseguiram abri-lo sem muita dificuldade. Então levantaram a tampa cuidadosamente, pois não sabiam o que poderiam encontrar. Mas surgiu apenas um buraco completamente mergulhado na escuridão. Ficaram mirando sem saber o que fazer. Mohammed então abriu a sua mochila e retirou um pequeno lampião, acendeu-o e entregou-o a Rachid, que imediatamente enfiou-o no buraco. Instantaneamente surgiu à frente uma escada feita também com a mesma madeira da tampa, que devia valer uma fortuna. Rachid então se afastou da entrada e indicou a escada para Mohammed, que normalmente era o mais corajoso do grupo, para que descesse. Ele então, sem questionar, pegou o lampião e foi descendo os degraus, seguido do amigo. Lá embaixo era assustador. Com tanta coisa velha e quebrada, parecia que ali tinha havido um confronto entre os talibãs e as forças da OTAN. Ele se sentiu debaixo do próprio escombro. Mas como ele era uma pessoa que não desistia de nada, falou para o amigo:

           - Rachid, vamos ter muito trabalho pela frente, mas vamos limpar isso tudo e expulsar os antigos moradores daqui.

           - Quem está morando aí, Mohammed?

           - Você quer saber mesmo?

           - Claro amigo.

           - Amigo Rachid, é um bando de ratos. Desce mais um pouco para você vê-los passeando aqui embaixo. Eles são os donos da casa.

          - Eu vi e não gostei. Como é que a gente vai se livrar deles?

          - Vamos botar fogo. Ou arranjar um gato e botar ele aqui dentro.

          - Um gato? Coitado, Mohammed! Ele vai ser morto, pelas ratazanas, logo que entrar! Têm que ser uma porção! Vamos arranjar alguns, mas se encontrarmos, porque do jeito que a fome se espalha, come-se todos que são encontrados. Estou brincando. Quem vai comer rato?

          - Então vamos botar fogo.

          - Mas pode chamar a atenção. A segunda opção é a melhor, mesmo que a gente demore um pouco mais. Nós já temos o nosso esconderijo. Aqui só vai ser para mais uma opção.

          Outro amigo, de nome Murt, interviu na conversa. Algum tempo observava Mohammed e Rachid discorrer sobre a solução adequada para eliminar os ratos. Ele estava indócil até que não aquentando falou:

          - Puxa! Vocês estão aí, falando, falando e não chegam a nenhum lugar! Só que a solução é muito simples!

          - E qual é solução, Murt? – perguntou Mohammed.

          - Vocês não passaram o que eu passei. Então não sabem como resolver um probleminha de nada. É só...

          - Probleminha de nada? – interrompeu Rachid.

          - Vou continuar... É uma coisa fácil de resolver. Sabe como? Vou responder: a gente come todos eles.

         - Que nojeira, Murt! Mohammed você não acha isso um nojo só?

         - Eu acho. Mas...

         - Mas o quê?

         - Eu já vi gente...

         - Fala aí, Murt. Que é nojento é. Diz pra ele como se resolve.

         - Tá bom. Mas não vai vomitar, hein Rachid!

         - E eu vomito à toa?

         - Então tá. É simples: a gente pega eles, tira as tripas, faz uma fogueira e assa todos eles.

         - Alá! Isso é nojento e eu... – engoliu em seco – vou vomitar. Estou passando mal, Mohammed. 

.............Continua Semana que vem!!

terça-feira, 6 de dezembro de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 30

 


Continuando...

            O sargento Téo explicou-lhe tintim por tintim o porquê de ele estar ali. Falou da febre alta, ocasionada pela infecção no ombro, e que isso impediu que o levassem para a base, devido à distância dali até lá ser muito longa. Tudo isso por um único motivo: não terem um antitérmico para baixar a febre.

            - Mas sargento – interrompeu-o o soldado – na mochila de Apache não tinha o medicamento?

            - Ele deveria estar lá, John, só que não o encontramos. Deve ter caído.  Então, com a sua febre já ter passado dos quarenta, o socorro tinha que ser rápido. Foi aí que entrou o menino Mohammed: ele ofereceu, com o acordo do seu amigo, o esconderijo deles e o medicamento. Além disso, estávamos correndo risco de vida.

           - Mas como assim? Risco de vida?

           - Sim. Você não sabe nada do que aconteceu, porque você passou a maior parte do tempo delirando. Nós acabamos com o ninho dos bandidos. Matamos até um chefe – esse é que foi o problema – com a ajuda de Mohammed. Se não fosse ele, talvez não estivéssemos aqui agora.

           - Vocês então mataram um chefe dos terroristas? Puxa! E eu nem participei desse evento! Já pensou?  Eu matando um chefe! Ia ter história para contar! Mas o senhor falou que foi um problema. Que problema?

         - É isso. Essa foi mais uma causa de virmos para cá. Eles já devem saber o que aconteceu, então vão vir com tudo para cima da gente. Com certeza avisaram que éramos apenas quatro. Era um chefe da milícia.

         - Milícia? Sargento, mas como conseguimos sair de lá?

         - Temos que agradecer a Mohammed e ao amigo dele, Rachid. Ele principalmente, porque jogou duas bombas de gás lacrimogênio e nos deu chance de sair da linha de fogo inimiga.

         - Sargento, ninguém avisou à nossa base? Eles tinham rádio e nós também.

         - Só que o nosso rádio foi atingido, ficando completamente inutilizado. Não cabia nenhum conserto. Por isso estamos ao Deus dará.

           O soldado grandalhão, com a mão que não doía, coçou a cabeça num gesto claro de que estava pensativo. Procurava naquele vazio da cabeça, algum pedacinho de lembrança.  Mas a única lembrança, que ainda estava viva, era o instante que foi alvejado no ombro. Deve ter sido a dor aguda que sentiu e que ficou registrada. De resto, não se lembrava de mais nada.

          Olhava tudo sem se dar conta em que buraco tinham lhe metido.  Mas já que estava com os amigos, estava bom. E o mais importante é que fora medicado e que naquele momento estava se sentindo bem. Bom, ele sabia que ainda não estava fora de perigo, entretanto confiava na sua força. Sempre teve uma saúde de ferro e não seria aquela bala, mesmo ainda cravada no ombro, que iria derrubá-lo. Já tomara o antitérmico e o antibiótico. Acreditava que eles o manteriam vivo até chegar à base e lá extrair o projétil.  

           Ali era um local que não tinha o mínimo de conforto, mas Mohammed e seus amigos trouxeram alguns utensílios que, pelo menos, fez com que aquele buraco se transformasse num local – no mínimo – habitável.  Era o único lugar que ficara intacto, pois os bombardeios quase transformaram em pó toda a construção. Milagrosamente umas poucas paredes resistiram às bombas e permaneceram em pé.

  ...........Continua Semana que vem!!