terça-feira, 25 de maio de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 27

 


Continuando...

          Mesmo o rio tendo recuado, deixou as suas marcas pela vegetação. Mas o quadro agora era mais alentador. Já que se via, próximo à queda, algumas pedras à amostra. André se encorajou, não podia se deixar contaminar pelo desanimo de Bordélo, e foi a procura de algum lugar que tivesse um acesso fácil para se chegar o mais próximo possível da cachoeira. Enquanto caminhava pela vegetação, seguido pelos amigos, encontrou uma mochila enroscada num arbusto. Luiz, que o seguia mais próximo, olhou e identificou como sendo de Karen. Logo o otimismo voltou e contagiou o quarteto. Luiz abraçou a mochila e beijou-a com carinho.

          Com o achado, a ideia inicial de André tomou outro rumo. Num consenso decidiram por ser espalharem, onde cada um tomaria uma direção.  Bordélo preferiu ficar margeando o rio, enquanto os outros três entravam pela mata, em pontos diferentes, tentando seguir o rastro deixado pela água. E assim foi feito.

          Bordélo olhava os amigos se afastarem, com um olhar tristonho. Depois que eles sumiram, virou-se e cravou os seus olhos nas águas raivosas do rio. De repente, num ímpeto, achou que deveria descer logo até ao lago formado pela cachoeira. Começou então a procurar um lugar para descer, mas acabou ficando só na vontade, pois os seus olhos mergulhados nas águas, teve a visão de Karen deitada no fundo do rio, morta. A cena parecia real e com isso começou a gritar desesperadamente. Os amigos, que ainda não estavam longe, voltaram em disparada. O primeiro a chegar foi Luiz e logo atrás, saindo do mato, André, seguido de perto por Luiza. Os três encontraram-no em cima de uma pedra apontando para a cachoeira. A sua cara não era das melhores. Depois colocou as duas mãos na cabeça e com um olhar de tristeza profunda, disse:

         - Estão vendo esse mundo d’água? Quem pode sobreviver caindo aqui? Ela só pode ter sido jogada aqui dentro!  O que é que a gente vai fazer?  Luiz! O que vamos fazer? Não tive nem coragem de descer! Eu vi! Eu vi! Ela está no fundo do rio!

         Luiz se aproximou do amigo, abraçou-o e disse calmamente:

       - Calma mano. Tenhamos fé. Acho que ela não caiu aqui. Pode estar dentro daquela mata. Achamos a sua mochila. Estava dentro da vegetação, lembra? André a encontrou. Vamos continuar na busca.

        - Mas eu vi! Ela está lá!

        - Bordélo, foi impressão sua. Vamos continuar procurando Karen. Ela está viva. Bota isso na sua cabeça.

         Bordélo olhou para o amigo, com os olhos marejados de lágrimas, e disse:

        - Não vamos nos iludir, amigo. Aqui é o final da linha.

        Luiz negou veementemente qualquer possibilidade de desistência, dizendo:

          - Está maluco? Nem pensar! Vamos continuar. Desistir jamais. Não posso nem pensar que a perdemos. Vamos em frente, amigo. Não podemos esmorecer. Ela deve estar dentro da mata. E é pra lá que nós vamos.

          Luiza olhou para André e, mesmo em meio àquela tristeza, deu um leve sorriso. Depois comentou baixinho no seu ouvido:

        - Percebeu uma coisa?

        - O quê?

        - Luiz não falou enrolado. Esquisito, não?

        - Muito! Mas por que ele falava enrolado com a gente?

        - Sei lá! Deixa pra lá! Vamos procurar Karen que é o melhor que a gente faz.

..............Continua semana que vem!

 

terça-feira, 18 de maio de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 26

 


Continuando...

         Esperar pela manhã foi um consenso. Cada um seguiu para a sua barraca. Mas antes, André e Luiza, passaram para ver o amigo Luiz, que estava na barraca de Bordélo. Ele dormia profundamente. Luiza suspeitou de que estivesse com febre, mas sua suspeita não se confirmou. Ele só dormia.

         André não conseguiu pregar olhos. Brigou com o sono por muito tempo. Então, com o corpo moído, resolveu sair da barraca. Pegou sua cadeira de praia e armou em frente a porta.  Dali viu que Luiza ainda estava com o lampião aceso. Com certeza ela também não tinha conseguido dormir. Ele então foi até a entrada da barraca e chamou-a. Imediatamente Luiza mandou-o entrar. Ele entrou e sentou-se ao seu lado, e nada falou. Apenas arriou a cabeça e pregou os seus olhos no chão. A princípio Luiza também mergulhou no silêncio.  Mas isso foi deixando-a nervosa até que, não aguentando mais, cutucou-o e interrogou-o:

          - O que houve André? Você está com uma cara de... Sei lá! Olhou pra mim com uma cara estranha e depois enterrou-a no chão. É essa cara aí que você acabou de me olhar!     

          Ele deu um sorriso chocho e disse:

          - Deve ser cara de paisagem? Nem sei direito o que é isso. Mas eu estou pensando. Já pensei tanto, que nem consegui dormir. Karen não sai da minha cabeça. Temos que traçar alguma estratégia para procura-la.

           - Alguma estratégia... Também acho. Vamos pensar.

            Conversaram, conversaram, mas não conseguiram chegar à conclusão alguma. Entretanto, no meio dessa conversação, uma coisa ficou evidente: os dois queriam, pelo menos, que o dia raiasse o mais rápido possível. Era só clarear e, de qualquer jeito, sairiam logo à procura da amiga desaparecida. Isso, com estratégia ou não.

           Para a alegria geral, o sol chegou abrasador. Nem parecia que o dia anterior tivera aquele dilúvio.  O rio tinha recuado consideravelmente. Muitas pedras que tinham sido engolidas, começaram a se levantar. Agora a esperança poderia dar um alento ao quarteto, mesmo com o rio tendo o seu volume de água ainda acima do normal.

            Os três saltaram para o lado de fora, logo que o sol apareceu. Parecia que tinham marcado hora. Luiz aparentando franca recuperação, saiu logo depois de Bordélo, indo se juntar ao trio. Demonstrando que estava bem de saúde, saiu na frente propondo aos amigos iniciarem as buscas imediatamente. Mas o bom senso de André falou mais alto. Não podiam sair sem se alimentarem. Não comiam nada há bastante tempo.  Serenados os ânimos, se alimentaram o suficiente e depois traçaram a rota que iriam seguir para a procura. Pegaram todos os apetrechos que pudessem precisar.

           A cachoeira estreitara, quase voltando ao normal, mas a correnteza continuava forte. Rio acima, algumas nuvens teimavam em permanecer pesadas. Tudo levava a crer que ainda chovia por aquelas bandas. Talvez já não caísse temporal, mas uma chuva leve permanecia. A água já não vinha tão vermelha quanto antes e nem arrastando árvores como no dia anterior, entretanto algumas tábuas, destroços de algum barraco, deslizavam em direção à cachoeira.

          Os quatro, depois do desjejum, foram a procura de Karen. Em pé, próximo de onde encontraram Luiz, miravam em silêncio aquela quantidade imensa de água, que formava um lago na base da cachoeira. Um ar de desânimo ficou estampado em cada fisionomia. Deviam estar pensando o pior, mas ninguém arriscou qualquer comentário. A tristeza se aliou ao desalento, naquela primeira tentativa de encontrar a amiga. Bordélo, talvez para desatar o nó que estava na garganta, gritou por ela. Gritou várias vezes. Mas só o eco dava algum sinal de vida. 

..............Continua semana que vem!

 

terça-feira, 11 de maio de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 25

 


Continuando...

          O som da cachoeira era ensurdecedor. Pela distância que os separava, mesmo se quisessem, não podiam se ouvir. Bordélo sinalizou para os dois e apontou na direção da cachoeira. Logo já estavam os três juntos olhando para aquela queda d’água monstruosa, sem querer acreditar que a amiga pudesse ter sido engolida por aquele mundo d’água. A tristeza abatera-os. Lágrimas desciam dos olhos de cada um, em abundância. Parecia que estavam com os pés enterrados no chão e a esperança arrastada pela água.

           André como sempre fora otimista, balançou a cabeça não aceitando o que estavam pensando. Isso não era do seu feitio, entregar os pontos sem antes lutar. Enxugou os olhos e tentou tirar os amigos daquele abatimento.

          - Ei gente. Vamos trazer a esperança para o nosso lado. Não podemos desistir de jeito nenhum. Nós não achamos Luiz naquela moita de capim? Então, de repente Karen não foi jogada na cachoeira. Vamos procurar. Vamos gente! A esperança já está batendo aqui no meu coração! Ela pode estar em qualquer lugar por aqui!

         Os dois tentaram abrir um sorriso, puxados pelo otimismo do amigo, e concordaram com ele. Voltaram a vasculhar cada cantinho ali em cima, dentro da mata, até onde a água avançou. Depois de mais de uma hora procurando, voltaram para o mesmo lugar, onde estiveram olhando a cachoeira. Agora não tinham mais o que fazer ali em cima; teriam que descer, só que não sabiam como. Como procurar um caminho dentro da noite? Lá pra baixo era um mundo d’água. Para eles, principalmente Bordélo que conhecia aquela região muito bem, a cachoeira quase dobrara de tamanho. Engolira uma grande área de terra de ambas as margens. Então o bom senso dizia que agora, seria loucura qualquer tentativa de descida.  

            A escuridão era o inimigo número um. Ela constrangia qualquer tentativa da esperança. Era um breu só. A escuridão só era aliviada por alguns pontos de luz que passeavam pelo ar. Eram vagalumes que bordavam a mata, fazendo pequenos buracos na noite. Às vezes se arriscavam a atravessar o rio, parecendo barquinhos luminosos suspensos no ar.

          Naquele momento a chuva já tinha ido embora dali. Mas a correnteza continuava assustadora. Parecia que gritava de ódio. Eles tinham que tentar se afastar um pouco daquele medo. Se quisessem realmente partir para a busca, teriam que encarar aquele desafio. Com todas as dificuldades que se apresentavam parecia que os três entregariam as próprias vidas para tentar resgatar uma vida, que talvez já não existisse mais. Karen talvez já estivesse a quilômetros de distancia dali. O seu corpo moído de bater de pedra em pedra talvez nunca mais fosse encontrado. Só mesmo a esperança para trazê-la à vida.

          Enquanto olhavam aquela quantidade fantástica de água se jogando a mais de dez metros de altura, Luiza gritou pela amiga. O seu grito ecoou até se perder rio abaixo. E gritou novamente, mas nada de resposta. Os três então gritaram juntos. Gritaram, gritaram e gritaram em vão. Nenhuma resposta chegou. Com todo aquele barulho da cachoeira, seria impossível escutar-se o chamado de alguém. Os três calaram desanimados. Mas André sugeriu que esperassem o dia amanhecer. Com a manhã não só o dia ficaria claro, mas as ideias também. Com a noite a dor parece que dói mais. E parece que não vai acabar nunca.

....................Continua semana que vem!

 

terça-feira, 4 de maio de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 24

 


Continuando...

         Ele olhou para os amigos, passou as mãos nos olhos, já que estavam cobertos de sangue, e justificou o seu ato:

         - Amigos eu não conseguia ficar sossegado. Tinha que procurar por Karen. E o único lugar que pensei em começar a procurar foi aqui. Só que, nem sei explicar, tropecei, acho, e bati com o rosto e a cabeça em alguma pedra. Depois não sei o que aconteceu. Mas não se preocupem comigo, eu estou bem. É só lavar o rosto, que volto a ficar bem. A cabeça parece que está com um caroço. Só dói um pouco. Não é nada demais.

           Realmente a princípio parecia que não era nada demais, entretanto ao ser colocado de pé, sentiu-se zonzo e quase caiu. Só não foi ao chão porque André estava atento e segurou-o. Bordélo percebeu que o amigo precisava de cuidados. Como ele já estava seguro por André, sugeriu que o levassem novamente para a sua barraca.

           Luiz foi acomodado na barraca de Bordélo, aos cuidados de Luiza, enquanto André foi buscar sua maleta de primeiros socorros. Quando voltou já o encontrou ressonando, com a cabeça no colo dela. Mas quando começou a limpar os ferimentos do seu rosto, ele acordou. André pediu para que ele não se mexesse e que não precisava se preocupar porque os ferimentos não eram profundos. Ele deu um leve sorriso e fechou os olhos.

           Bordélo assistia tudo com um ar de preocupação, que não era pelos ferimentos, mas sim pela tonteira que ele tivera. Então comentou com o amigo:

           - Você não acha preocupante essa tonteira que ele teve?

           - Meu amigo, isso que ele sentiu, deve ter sido em consequência da pancada que levou na cabeça. Vamos observar mais um pouco, mas penso que não precisamos nos preocupar. No momento ele só precisa é de um bom descanso.   

          - Está bem. Agora, André, temos que tratar do sumiço de Karen.

          - Está certo. Mas vamos conversar lá fora.

          Luiz rapidamente pegou no sono. Os três então, André, Luiza e Bordélo foram para o lado de fora. Estavam preocupadíssimos com o sumiço de Karen. Mas não sabiam por onde começar a procura-la. Depois de muita conversa, chegaram a um consenso: mesmo naquela escuridão, não cruzariam os braços de jeito nenhum. Então cada um pegou a sua lanterna para iniciar a procura da amiga. Partiram de onde estiveram montadas as barracas de Luiz e Karen.

           - Quem não tivesse visto as barracas aqui montadas, poderia dizer, com certeza, que nunca houve barraca nesse lugar, comentou Luiza despretensiosamente.

             Eles olhavam para o chão sem acreditar no que poderia ter acontecido à Karen. Naquele momento a água já tinha recuado mais de metro. Dava para ver o solo completamente liso, sem nenhum vestígio.  A enxurrada varrera tudo. Bordélo, com a cara desolada, sugeriu que começassem por onde encontraram Luiz. Os dois concordaram prontamente. Ele então seguiu na frente, já que a sua lanterna era mais potente. Os dois vieram logo atrás, mas cada um mantendo um afastamento em torno de um metro. Cada um, com a sua lanterna, procurava iluminar cada pontinho da mata, onde a água passara.

........Continua na semana que vem!