terça-feira, 24 de novembro de 2020

Nos Escaninhos do Coração - Parte 1

 


NOS ESCANINHOS DO CORAÇÃO    

- José Timotheo -

 

          Não passava das treze horas, mas o véu da noite começava a cobrir toda a floresta e a montanha - vou chamá-la de Ita-ita e o seu pico mais alto de Escabroso, que era um referencial para os montanhistas que não tinham medo da morte, principalmente os amadores – e que os nossos aventureiros Luiza e André, irresponsavelmente, escolheram para passar os piores dias das suas vidas ou até talvez, o último.

         Pingos grossos anunciavam o que de pior poderia vir pela frente. O serviço de meteorologia previu temporal, com rajadas de ventos beirando os 80 km/h, mas Luiza e seu companheiro André, como nunca levaram muito a sério as previsões meteorológicas, não deram a mínima importância para mais essa previsão. Era sempre a mesma análise, normalmente feita pela destemida Luiza: - Pode até chover, mas nada que possa atrapalhar a nossa aventura.            

           Da mata fechada até aquele imenso rochedo, era um descampado. Um chão pedregoso desprovido de qualquer vegetação cobria uma faixa de terra de aproximadamente trezentos metros de comprimento por dez metros de largura. Entretanto onde começava a mata, havia árvores com mais de trinta metros de altura. André e Luiza estavam aproximadamente no meio da base da montanha. Ela fazia uma análise rápida para mais aquele desafio. Esticou o olhar e foi subindo até onde os seus olhos puderam chegar. Depois cravou, por alguns segundos, os olhos no chão. Em seguida dirigiu-os para André, deixando escapar um sorriso morno. O amigo, como já a conhecia, havia mais de uma década, sabia que ela começava a se transformar. Parecia calma, mas o coração já estava a galope. Para André ela não conseguia esconder a tensão que carregava antes de qualquer aventura. Tentava ocultar o medo, porém era ele que vinha rebocando o prazer. Prazer esse que fazia com que jamais recuasse, frente a situações de imenso risco. Ia convicta do perigo, mas, como a adrenalina falava mais alto, se jogava de corpo e alma em qualquer empreitada desse porte.  A verdade é que estava sempre pagando pra ver. E André sempre a acompanhava para qualquer lugar sem dar o contra, mesmo sabendo que naquele dia, seria uma aventura para lá de arriscada. Mas como nunca contestou, não seria dessa vez que teceria algum comentário contrário às decisões dela. Sempre foi assim: quanto mais adrenalina melhor. E o que ela decidisse, era lei. Ele estava com Luiza para o que desse e viesse, sempre. Sorriu, fingindo que não estava dando importância para o que diziam as previsões. Entretanto o que temia, começava a acontecer. Mas lá estava ele sempre disposto, a dar a própria vida para tirá-la de qualquer enrascada se algo de grave acontecesse. Porém, dessa vez alguma coisa, além do tempo ruim, o estava incomodando. Não sabia o quê. Teve a sensação de que alguém falava na sua orelha. Era uma voz firme e clara que não deixava dúvida: - “Não vá. Por conta do livre arbítrio às vezes, paga-se um preço alto”. Mas lá estava ele, mais uma vez seguindo Luiza e desconsiderando esse aviso, que podia ser real. Talvez até fruto da sua própria mente, entretanto era um alerta que ele devia dar ouvido. As previsões meteorológicas são muito precisas, e não se deve virar às costas para elas.

            André olhava para Luiza, que já iniciava a sua aventura. Sorriu e deixou claro que não levou em consideração a intuição que tivera, pois já iniciava, um pouco mais afastado, a sua escalada solitária. Era uma dupla, mas cada um fazia o seu caminho separadamente. 

            A chuva que se apresentava arrasadora, de repente foi diminuindo até quase parar, ficando apenas uma garoa. André mirou a companheira e sorriu. Com os olhos soltando faíscas, ela sorriu de volta e depois apontou para o céu. Ele então dirigiu o seu olhar para o alto e observou que nuvens carregadas se movimentavam ao sabor do vento, parecendo que dançavam uma dança onde os pares nunca se encontravam. Os dois apreciavam aquela movimentação inconstante das nuvens, meio que extasiados, até que uma nesga do sol se espalhou pelo costão molhado, refletindo sua luz, em pinceladas mágicas, sobre as copas das árvores próximas. Essas imagens injetaram mais adrenalina em Luiza, deixando-a com o rosto iluminado, com um sorriso tão lindo que André nunca havia presenciado. Mergulhada na emoção gritou para o amigo:

          - Aí André! Olha só que maravilha! A natureza está conspirando a nosso favor! Ela diz que a gente não pode parar! Vamos subir!

-----------------Continua semana que vem!

 

terça-feira, 17 de novembro de 2020

Pensamento de Poeta - Ambição

 


Ambição

- José Timotheo -

Vou subir

Esta é a minha meta

Mas a cada tentativa

Percebo que me sinto pesado

Arrasto corpo e alma numa direção

Que me empurra ladeira abaixo

Então pouso meu egoísmo

Num aeroporto desnudo

Olho uma infinidade de degraus

Me aventuro a pisá-los um a um

A cada degrau que desço

Percebo que um pouco eu subo

Mas invigilante

Volto ao homem que não deixei de ser

Perco o ritmo e nada mais enxergo

Quero apenas que me vejam

Eu sou, eu quero, eu tenho

Na minha meta

A minha seta

Tem um único alvo

Mas não tão alvo assim

O tempo passa

A meta e a seta

Se distanciam

Eu sei que

É preciso descer

Para subir

Mas é tão difícil

terça-feira, 10 de novembro de 2020

Pensamento de Poeta - Evolução

 


Evolução

- José Timotheo -

 

Molhava meus pés

Na beira da praia

Comecei a contar as ondas

Que chegavam

Perdi as que iam embora

De repente me perguntei

O que elas tiravam dos meus pés

Ou o que botavam neles

Observei então que não recuavam

Simplesmente

Parecia que o fundo do mar

Engolia uma a uma, todas as ondas

E depois regurgitava

Com toda a força que cabe num vômito

Não quis ficar ali plantado

Analisando aquele vai e vem

Aquela repetição já trazia

Parte do lodo deixado pelo homem

Fui em frente

Avistei a poucos metros

Outras ondas

Mas com as cristas brilhantes

Ao primeiro toque nos meus pés

Senti que eles eram realmente lavados

Entretanto percebi

Que isso não era o mais importante

Na minha quase cegueira

O que elas realmente queriam

Eram as marcas deixadas por mim

Para apagar parte do passado

Já resgatado

E outras marcas

Ficariam por conta do futuro