terça-feira, 30 de julho de 2019

A História de Helô - Parte 43



Continuando...

Em seguida a Madre começou a falar sobre o amor. Helô ouvia atenta. Ela falou do amor de pais, irmãos, amigos e amor de homem e mulher, amor este que Helô desconhecia completamente. Depois dessa conversa, a Madre, antes de sumir, falou:
         - Minha filha, se você precisar voltar aqui é só entrar em sintonia. Acho que você vai querer voltar.
          - Será que vou precisar? Tenho quase certeza que me lembro de tudo, mas quem sabe, né?
          Depois da última conversa com a Madre, Helô entrou de cabeça na feitura do relatório. Estava concentradíssima. A sua memória era fantástica. Tudo era registrado nos mínimos detalhes. Faltava pouco para concluí-lo. Os cuidados eram muitos para não ser surpreendida por qualquer pessoa. Não podia botar tudo a perder. Mesmo não a vendo, sabia que a Madre fazia uma barreira para protegê-la. Apesar do policiamento mais liberado, mas que não tinha acabado de todo, ela fazia de tudo para não levantar suspeitas e, assim, ela foi carregando o dia como se fosse uma joia rara.
         Todos os dias, pela manhã, a irmã Amélia estava liberada para encontrar-se com Helô. Vinha amparada por uma irmã, que a deixava no banco do jardim. A sua saúde continuava muito ruim, ela definhava a olhos vistos. Helô estava muito preocupada com o seu quadro. Algumas vezes pediu socorro a Madre Maria de Lourdes e a sua consulta vinha sempre com a mesma resposta:
          - Paciência, minha filha, no momento não se pode fazer nada, mas vamos dar tempo ao tempo. A melhora virá. Deus não dá um peso maior do que podemos carregar. Não vai demorar muito e ela vai ficar boa disso tudo. Ela está suportando toda provação com muita dignidade. Pede a Deus pela sua saúde.
          Depois dessas conversas, Helô ficava mais otimista, conseguia até deixar escapar alguns sorrisos.
         A festa já se aproximava. Helô já tinha concluído o relatório, um trabalho muito minucioso. Não esqueceu um detalhe sequer. Podia-se entrar pelo escritório da Madre Joana ou pela gruta. Colocou até uma observação, onde se lia: alguns policiais podem entrar pelo escritório e outros pela gruta, para evitar alguma fuga. 
         Nesse período em que terminava o seu relatório, Helô ainda voltou na gruta mais duas vezes. Foi ver se a sua memória não tinha lhe pregado alguma peça, mas sorriu ao constatar que tinha uma memória fotográfica. A Madre que estava sempre junto dela sorriu satisfeita também.
          Na última vez que foi até ao arquivo da sala secreta, por sugestão da Madre, abriu os armários e foi logo na letra H. Encontrou rapidamente a pasta que tinha o seu nome. Ansiosa e surpresa com o achado abriu-a, quase a rasgando, mas a decepção veio em seguida: estava vazia. Olhou para a Madre e pediu socorro:
          - Por favor, Madre, explica isso! Pensei que fosse descobrir a minha origem! E agora?
         - Calma, minha filha, os papéis devem estar em outra pasta. Sabe, Helô, Deus escreve certo por linhas tortas.
          - O que a senhora quer dizer com isso?
          - Às vezes acontecem coisas que a gente não quer, no entanto acontecem para nos proteger. Talvez não seja esse o momento ainda de você saber a sua história.
          Helô não ficou satisfeita com o argumento da Madre. Continuou a vasculhar pasta por pasta. Não achou a sua ficha, entretanto fez algumas descobertas interessantes sobre outras internas. Uma das fichas, da sua amiga Alécia, deixou-a de queixo caído. Lia linha por linha e não queria acreditar no que estava descobrindo. Boquiaberta, falou para a Madre:
          - Meu Deus! Alécia é filha da irmã Jussara! É verdade, Madre?
          - É isso mesmo, minha filha. Você não leu? Então é verdade. O arquivo lá da frente é mentiroso, mas esse daqui é verdadeiro.
          - Meu Deus, Madre! Tenho que continuar procurando pelas fichas de mais amigas! De repente eu as encontro e com certeza vão esclarecer as suas vidas! Quem sabe eu também ache a minha ficha?  
          A Madre procurou não interromper o entusiasmo de Helô. Com a sua calma habitual, esperou que a sua adrenalina baixasse. Do jeito que ela estava elétrica, não a ouviria. Aos poucos foi serenando, aí sim a entidade lhe falou:
          - Minha filha, escute-me um pouco. Acalme-se e preste atenção! O momento ainda não é esse. Depois você vai ter todo o tempo do mundo para investigar. Vai poder, com calma, olhar pasta por pasta, mas agora é preciso parar por aqui e, por favor, não fale nada com a sua amiga Alécia, está bem? Ninguém pode ficar sabendo de nada por enquanto. O trabalho não pode ser interrompido. Falta pouco tempo para que tudo fique esclarecido. Você tem que ficar focada até o desfecho da festa, mas, mesmo assim, terá que continuar esperando pela investigação da polícia. Está bem?
          - Desculpe, Madre, fiquei ansiosa, mas agora está tudo bem. Vou esperar com paciência. Nós já vamos embora?
         - Vamos sim. O nosso tempo aqui acabou.
         - Madre, tem só uma coisinha. Eu sei que peço à beça, mas vê se a senhora pode fazer mais alguma coisa pela irmã Amélia.
         - Já estamos fazendo. Por incrível que pareça, a Madre Joana tem dispensado total atenção para com Amélia. Minha filha, ela não é de todo má.
          - Puxa, Madre! Não é má? Desde que me entendo por gente, ela só faz maldade!
          - É, Helô, mas as pessoas podem mudar. Eu sei que o que ela fez e que continua fazendo, vai ter que pagar. Primeiro pelo tribunal dos homens, depois, por Deus e também com a sua consciência, que às vezes é o pior. 
.............Continua semana que vem!

terça-feira, 23 de julho de 2019

A História de Helô - Parte 42



...Continuando

As duas foram saindo e deixaram a irmã com o seu choro, mas a Madre ainda mandou um jato de luz na sua direção. No entanto pouco adiantou essa tentativa de ajuda, pois esses jatos luminosos se desfizeram antes de alcançá-la.
          Helô já tinha entrado na sala dos arquivos e a porta já tinha se fechado atrás de si. Ela olhou e ficou impressionada com o trabalho feito naquela passagem secreta. Nem parecia que existia qualquer porta por ali. A Madre passou por ela e parou em frente de uma parede. Helô acompanhou-a e ficou esperando que ela dissesse alguma coisa, mas para a sua surpresa a Madre atravessou essa parede e, mal piscou os olhos, já estava de volta. Ao chegar pediu para Helô fazer o mesmo procedimento que havia feito antes, nas máscaras. Ela fez e abriu-se um vão na sua frente. Ela entrou em mais um cômodo. No entanto aquele já era seu conhecido, pelo menos duas vezes estivera ali. Era a sala de arquivos que continham os históricos de cada irmã e órfã, desde a sua fundação. Não entendeu porque foi até ali. A Madre então captando a sua dúvida, falou:
          - Helô, olhe para trás.
          Quando se vira, se assusta ao não ver porta alguma. Ficou apreensiva. O medo rondou-lhe a mente. A entidade então olhou fixamente dentro dos seus olhos. Instantaneamente Helô se acalmou. Sabedora de que ela já estava controlada, disse:
          - Não tem motivo para você ficar apreensiva. Medo é coisa do passado, não é? Fique tranquila. Era preciso que viesse até aqui. Tinha que saber dessa passagem secreta para o outro cômodo.
         - Mas se aparecer alguém aqui? Estou preocupada, Madre!
         - Não vai aparecer ninguém. Estão todos ocupados com a festa e a nossa equipe está a postos para afastar qualquer um que se aproximar. Não se preocupe. Agora já podemos voltar pelo mesmo caminho. Olha lá a escultura.
         - Parece com as outras.
         - Isso. Então sabe como fazer.
         Helô foi abrindo porta por porta. Enquanto passava pelos cômodos foi vendo algumas entidades da equipe da Madre Maria de Lourdes. Umas até acenaram para ela. Olhou para a Madre, já mostrando que estava emocionada. A Madre passou a mão na sua cabeça, espalhando bastante luz, e sorriu docemente.
          O caminho de volta foi rápido. Já estava saindo da gruta, quando foi recebida por um sabiá laranjeira  que cantava numa árvore próxima. Sentiu claramente que a ave cantava para ela. Ficou mais uma vez emocionada. Olhou para falar com a Madre, mas ela já não estava mais do seu lado, flutuava a alguns metros à frente. Ela então fixou o seu olhar nela e se perguntou:
          - Será, meu Deus, que estou sonhando? Estou vendo mesmo essas pessoas que já morreram?
        A entidade captou o seu pensamento e num flash postou-se ao seu lado. Em seguida passou a mão na sua cabeça e disse:
          - E você duvida? Mas por um lado você tem razão. Realmente tudo parece um sonho. Muita gente que morre, ao chegar do outro lado, acha que está sonhando e assim fica por muitos e muitos anos. Às vezes, só cessa essa sensação quando já está próximo de voltar e, já falei, pode voltar sem saber que tinha morrido. Faz a regressão e toma outro corpo emprestado. Fica assim num vai e vem sem entender o que se passou nesses períodos, até que um dia acorda. Aí as coisas ficam mais fáceis.
          - É, Madre? É assim mesmo?
          - É, minha filha. No meu caso, quando acordei, nessa última vez, abri os olhos e já sabia que tinha feito a passagem. Acordei ainda precisando de cuidados. Fui para o hospital, fui tratada e fiquei bem. Mas só que eu queria encontrar Deus. E qual não foi a minha decepção: não encontrei Deus nenhum, nem Jesus, nem Maria, mãe de Jesus, e nem santa nenhuma, mas, graças a Deus, encontrei a minha mãezinha e isso já foi uma grande benção. Sabe que na maioria das vezes não tem ninguém te esperando? Quero dizer, ninguém da sua família aqui da Terra, mas sempre tem uma mão para te ajudar. Sabe que não sei até hoje por onde anda meu pai? Nem a minha mãe soube me dizer, mas um dia vamos nos encontrar, isso quando Deus permitir.
          - Que história, Madre!
          - Encontrei também algumas irmãs, amigas da época que estava encarnada. Helô, está pensando que é fácil morrer? Não é não! Como também não é fácil viver! A vida e a morte só ficam fáceis quando vamos nos tornando pessoas melhores. Se você seguir os ensinamentos de Jesus Cristo, aí sim, você vê o céu.
          - Puxa, irmã, já estou preocupada! Já pensou? Eu não saber que morri? Não quero nem pensar nisso!
          - Não se preocupe com isso! Quando acontecer, estarei do seu lado! E eu lhe aviso quando chegar perto, está bem?
         - Tá. Tá nada! Não quero morrer não! Deixa isso pra lá!
         - Calma! Isso vai demorar muito ainda. Precisava ver a sua cara! Meu Deus! Parece até que nunca morreu!
         - Mas eu não me lembro. Se eu morri, não sei.
         - Como não morreu? Eu sei que todos nós esquecemos esse fato, mas quando a gente morre de novo, conseguimos, às vezes, nos lembrar de outras vezes que estivemos aqui. Dependendo da evolução da pessoa, é dado esse presente. É quando conseguimos entender porque nos damos mal com algumas pessoas e com outras nos damos bem. Muitas vezes achamos que o irmão de caminhada nos persegue, só vive nos fazendo mal gratuito. Quando nós temos acesso a outras vidas, constatamos que a culpa é única e exclusiva nossa.
          - Que coisa! É verdade isso mesmo que a senhora está falando?
          - E você acha que sou mentirosa?
          - Não é isso! É só modo de falar.
          - Está bem, Helô. Agora vamos voltar ao trabalho. Isso, no momento, é o que importa. Com o tempo vamos conversar bastante sobre isso tudo.
          - Está bem! Isso é muito interessante. Dá pra pensar... Madre, a senhora falou pra gente voltar ao trabalho, nós vamos voltar lá pra dentro?
          - Não, já fizemos tudo que tínhamos que fazer. Essa parte já está terminada. Agora vamos para outra etapa. Gostaria de saber se você tem tudo guardado dentro da sua cabeça, desde o início. Os segredos das portas, tudo que acontece em cada cômodo, tudo, tudo.
          - Sim, Madre, tenho tudo guardado na minha cabeça. Eu me lembro de cada pedacinho, desde a entrada da gruta até o último compartimento.
         - Muito bem! Agora eu gostaria que você colocasse isso tudo num papel. Escreva tudo, sem esquecer nenhum detalhe. Faça até a planta de todas as salas, a disposição dos móveis... Ainda se lembra?
          - Sim, me lembro até das baratas que vi.
          - Helô! Helô! Não precisa chegar a tanto! Você está ficando engraçadinha! Recordando: como se abre as portas, as disposições dos móveis, a quantidade de cômodos, para que são utilizados e tudo que você lembrar.
         - Vou me lembrar de tudo, pode ficar tranquila, mas pra que tudo isso?
         - Nessa festa, Helô, é que teremos a chance disso tudo acabar. Você vai conhecer uma pessoa, um convidado, que vai dar um basta a toda essa maldade. Maldade que tomou conta desse convento há muito tempo.
          Esse convidado, na verdade, ainda não é convidado, mas vai passar a ser.
         - Não entendi.
         - A pessoa convidada não vai poder vir e o substituto também não virá. Em cima da hora vai desistir. Aí é que entra esse, que é pessoa do bem. Você vai gostar muito dele e ele de você.
          - Gostar de mim?
          - Sim.
......................Continua semana que vem!