terça-feira, 28 de julho de 2015

FESTA DE SÃO JOÃO - Parte 2

Continuando...

                No dia seguinte o sol veio bater à janela do rapazinho, mas já entrava sem pedir licença. Mundinho acordou sorridente. Ia falar com pai logo pela manhã. Aproveitaria à hora do café. Único horário que conseguia falar com ele. E já sabia de cor e salteado que se demorasse muito não ia conseguir encontrá-lo. O pai saia cedo para o campo para fazer sua vistoria diária. Sabia que ele não confiava muito no capataz. Na verdade, não confiava em ninguém. Então ia ele mesmo conferir como iam os trabalhos nas suas terras. Não perdoava quem não estivesse em seu posto. E tinha de estar com as ferramentas de trabalho nas mãos e trabalhando a terra. Se não o tempo fechava. Tinha que encontrar todo mundo na lida. O contrário, a coisa ficava preta. E ficava mesmo. Quando ele aparecia em cima do seu cavalo alazão, tremia até o pé de açaí. – Vem o patrão aí! - dizia um. E a correria era geral. O bicho era brabo mesmo. Mundinho ouvia falar sobre isso, mas não tinha certeza se realmente ele era assim. Mesmo o pai tratando-o com grosseria, achava que era por falta de instrução. Seu avô foi uma pessoa rude e não deu nenhuma educação para o seu pai. Mas com toda ignorância do seu Justino, ele ainda colocou o filho para estudar. Queria que Mundinho fosse doutor. E o garoto correspondia nos estudos.

                 - Vem seu pai aí, patrãozinho! – falou Das Dores, quase segredando. O garoto se ajeitou no banco e esperou o pai, para tomarem o café juntos. Justino chegou e achou estranho. Raramente via o filho de pé àquelas horas. – Bença pai! – disse Mundinho com a cabeça um pouco baixa, num misto de medo e respeito. Para variar Justino não respondeu. Mas perguntou. – Deu furmiga na sua cama, moleque? – Mundinho respondeu baixinho: – Não senhor. Eu queria conversar com o senhor. – Desembucha logo que tô com pressa! – disse Justino com rudeza. Nisso Das Dores, que já havia colocado o café para o patrão, pediu licença e se afastou para deixar os dois sozinhos. Mundinho respirou fundo e foi logo ao assunto: – Pai eu e Das Graças estamos namorando... - fez uma pausa e aguardou para sentir se o terreno estava firme para continuar a prosa. O pai olhou pra ele e falou: – E daí? Isso todo mundo já sabe! Tô gostando, porque tô vendo que você não é frorzinha! Já tava preucupado! Vá se divertindo! Vá se divertindo! Só num deixa a cabrita embuchá! - Mundinho ficou mudo e completamente vermelho de vergonha. Não sabia como continuar a conversa. As palavras não passavam da garganta. Mas tinha que ir em frente. O momento era aquele e não podia retroceder. Respirou fundo, procurou olhar o pai na cara, se entendeu com a coragem e foi em frente: – Pai eu e Das Graças... Sabe... À gente se ama. Se ama de verdade, pai. Eu queria pedir ao Senhor permissão pra eu me casar com ela. - Justino olhou para o filho, deu um sorriso de escárnio e falou: - Ôce tá brincando! Si diverti com a cabrita, ôce podi! Ôce podi e tem direito! Aqui dentro das nossa terra a gente manda e dismanda! E todo mundo tem de obedecer! A gente pega a muié qui quisé! As casada a gente inté respeita! Quais sorteiras, essas a gente qué, a gente toma! Mais casá, nunca!  
                  O filho ficou olhando assustado para o pai. A princípio nem conseguiu falar. Na verdade nem sabia o que falar. Convivia com o pai, mas não o conhecia. Enquanto ele tentava se restabelecer do susto, Justino continuou a falar:
                  - Mais uma coisa é certa: casá com impregada nossa, nunca! Quando fô pra casá, vai sê cum muié rica qui nem nois! E eu vô arranjá! I não si fala mais nissu! Tamus conversado?
                 Mundinho tentou argumentar, entretanto Justino virou às costas, pegou o chicote em cima da mesa, saiu porta afora, montou o seu cavalo e partiu em disparada. O menino voltou para o seu quarto e chorou um bocado de tempo. Mais tarde procurou pela namorada. Não a encontrou no lugar de costume: debaixo de um pé de jabuticaba, atrás do casarão. Voltou para a cozinha e perguntou à Das Dores onde estava Das Graças.  Ela respondeu que a filha estava no quarto, muito triste. Tinha ouvido tudo que o pai dele havia falado. Mundinho disse que iria conversar novamente com o pai e depois com Das Graças.  Das Dores balançou a cabeça e falou:
                - Meu filho! Eu já tinha falada com a minha menina que o namoro de ocês era pirigoso! Ela não mi escuitô! E deu nissu! Seu pai num vai nunquinha permiti o amor de ôces !  É meió ocês esquecer issu tudu! Deixa Das Graça no cantinho dela! Dispois ocê cunversa com ela! 

                                  Continua semana que vem...

segunda-feira, 27 de julho de 2015

Pensamento de Poeta - TV Acéfala

   
TV Acéfala
- José Timotheo - 
 
                                
Ligo a tv
Ela sangra
As suas veias
Rompem a cada notícia
Ela não tem coração
Raramente sorrir
Esporadicamente sonha
E a esperança, não tem força
Pra mostrar a sua cara
Minha tv
Não tem cabeça
Mas pensa e repensa, durante dias
A mesma dor
Ainda estamos vivos
Mas quase sem vida
Minha tv sangra
Mas não morre

quarta-feira, 22 de julho de 2015

FESTA DE SÃO JOÃO - Parte 1

E começaremos hoje a publicar mais uma história...

FESTA DE SÃO JOÃO
                                      - José Timotheo -
              Bela Vista: cidadezinha do interior, encravada na base de uma serra. Lá onde o sertão se arrasta para o norte. E a seca, naquele pedacinho do nordeste, fica muito distante. Lugar de clima bom. Água em abundância. Terra boa. Lá o que se planta dá. E onde se vê um bom gado leiteiro se fartar com um bom pasto. E fartura, lá tem de sobra. Infelizmente para poucos. Essa é a verdade. Lá o trabalhador se arrasta sol a sol ano inteiro. Produz riqueza. Mas não se enrica. O boi, as vacas, os cabritos e cabras comem mais do que ele. Mas vai levando a vida assim mesmo. Não é como Deus quer, com certeza. Isso é coisa do homem. Entretanto, apesar das adversidades, consegue levar a vida em cantoria. Uma roda de viola aqui. Outra ali. Acompanhada com uma pinga de rolha. Essa não pode faltar! Mas isso, depois da lida é claro! E assim, vai se levando a vida.

             Como quase toda cidade do interior nordestino, são comandadas por uma ou duas grandes famílias. E essa cidadezinha não podia ser diferente. Lá morava Mundinho: rapazinho de família abastada. E Das Graças: menina moça, filha da cozinheira da família de Mundinho. Os dois beiravam os quinze anos. O amor explodiu num olhar. O namorico começou sem eles perceberem. Quando deram conta, já estavam no primeiro beijo. O grude foi imediato. Onde um estava lá se achava o outro. E os dias iam passando e o amor crescia igual à massa de bolo: parecia que tinha fermento. Das Graças, menina recatada, não era daquele tipo fácil. Bem orientada pela mãe, Das Dores. Mulher trabalhadeira. Pessoa de bom caráter. De moral elevada. Viúva fazia tempo. Mas nunca, depois da passagem do marido, se interessou por outro homem.  Dedicava-se integralmente a filha. Mesmo muito humilde, de pouca instrução conseguiu passar para ela bons ensinamentos. Menina prendada estava ali! A mãe se orgulhava disso. Dizia: - Quem casasse com a sua menina, estava casando com a felicidade.  E Mundinho viu e sentiu isso em Das Graças. Menino bom, também estava ali. Mesmo sendo filho de Coroné rico e prepotente, era menino respeitador. Perdeu a mãe muito cedo. Mas o pouco tempo que esteve sob os seus cuidados, conseguiu absorver a retidão do seu caráter. Mas depois ficou sob os cuidados da má educação do pai. Entretanto essa má influência ele conseguiu não assimilar. Até aquela idade conseguiu ter o coração bom. Mas ele sabia que naquelas bandas, quem tinha mais, achava que podia tudo. E esse tudo era como se fosse sua propriedade. Mas ele já era, nos seus quinze anos, peça rara na região. E, graças a Deus, não tinha a mesma índole do pai, que não respeitava nada e ninguém. O seu filho por ter um jeito fino, educado, tratava bem todos empregados da fazenda, era maltratado por ele. O tempo foi passando e os dois iam conseguindo manter o namoro as escondidas. Só que já estava ficando difícil se alimentarem somente de beijos. O corpo pedia mais. O desejo já explodia até nos sonhos. Das Graças tinha medo. Mas tinha desejo. E Mundinho com o grande amor que sentia por ela, sabia que não deveria magoá-la. Ele queria fazer as coisas certas. Pensou e só achou uma solução: casar. Naquela altura já havia passado um ano. Tinha os dezesseis completos. Mas com essa idade, para casar, tinha que ter autorização do pai. Sabia que ia ser difícil. Mas não tinha outra saída, ia falar com ele. Achou estranho seu pai e a mãe da namorada não perceberem que eles namoravam. Há um ano o namoro deles era às escondidas, mas com certeza algum empregado já devia ter visto os dois aos beijos. E, com mais certeza ainda, já devia ter caído nas orelhas do pai dele e da mãe dela. Mundinho conversou com Das Graças e pediu a mão dela em casamento. Foi um chororô só! A menina não tinha onde guardar tanto contentamento! Perdeu até as contas de tanto beijo que deu no futuro marido. Já se achava quase casada. Ele custou a continuar a conversa. Mas conseguiu adiantar que ia falar com pai dele e depois falar com a mãe dela para pedir sua mão em casamento. Tudo combinado. A alegria dos dois explodia nos olhos, com tanto brilho, que parecia fogos de artifício. 
                                 ...Continua semana que vem...

terça-feira, 14 de julho de 2015

UM GÊNIO QUE ENCONTROU O PARAÍSO NO ESGOTO - Parte Final

A viagem de volta transcorreu num silêncio total. Os quatros pescadores não paravam de olhar aquela quantidade imensa de peixes e continuavam sem acreditar no que aconteceu. Chegaram e atracaram a embarcação. Tinha alguns pescadores conversando, mas não perceberam a chegada do barco. Viraram as costas e foram embora para as suas casas. João colocou a mão no ombro de Marins e agradeceu pelo que ele tinha feito em seu favor. Marins tocou a mão de João e sorriu dizendo que não tinha feito nada. Que ele sim é que tinha que agradecer. O mestre acompanhou João pisar no cais, mas quando virou para falar com os amigos e voltou, João já tinha sumido. Foi para o cais e tentou achar o garoto, mas João já não podia mais ser visto. Pedro já tinha encoberto João completamente. Marins ficou parado olhando sem entender nada. Resolveu voltar para o barco. Mas quando pisou no convés ficou surpreso, ao ver que não tinha mais peixe nenhum. Gritou para um dos amigos:
- Tinho! Cadê os peixes que nós pegamos?
- Que peixe? Nós hoje não conseguimos nem pro café!
- Eu pensei que... O que foi que eu pensei? Acho que foi essa pescaria merda de hoje que está me deixando meio confuso. Foi uma droga, né Dede?
- João, João, o seu café vai esfriar.
- Oi tia, acho que cochilei.
João olhou em volta e observou que a cantina estava vazia. Consultou o relógio e viu que tinha perdido as aulas. Pegou o café, mas não bebeu. Colocou-o novamente em cima da mesa. Coçou a cabeça algumas vezes. Não estava entendendo o que estava acontecendo. Estava com gosto de café na boca, mas a xícara estava completamente cheia. Pensou com seus botões:
- Tem alguma coisa estranha acontecendo. Ainda estou com gosto de café na boca. Parece que acabei de beber nesse minuto, mas a xícara está cheia. Será que pedi outra? Não pode ser. A tia Élia disse que o café estava esfriando. Mas ele está bem quente. Posso ter bebido na sala do professor.
Nisso, o professor Vander entra na cantina e se aproxima de João, como sempre fazia: ficava em pé, em frente de João e esperava o tempo que fosse, até que ele falasse alguma coisa. Dessa vez João não demorou a falar.
- Oi professor, tudo bem?
- Tudo bem. E com você?
- Mais ou menos. Professor, eu não tomei uma xícara de café com o senhor e seus amigos?
- Café? Amigos? Não estou entendendo. Como você não apareceu na minha sala, eu vim aqui ver o que tinha acontecido.
-Eu não fui? O senhor queria conversar comigo sobre o meu estudo?
- Então, é sobre isso que eu vou aproveitar para falar. Eu analisei o seu trabalho e cheguei à conclusão de que ele está incompleto.
- O senhor acabou de falar que estava me esperando na sua sala... Então eu estive lá antes?
- Não é bem assim. Vá até a minha sala que eu explico. João, o seu estudo é o que já existe. Vá lá. Estou te esperando.
O professor saiu e João ficou olhando-o intrigado se retirar sem muita pressa, até sumir, ao passar pelas caixas de refrigerantes. Nesse pequeno percurso, João cruzou com os olhos de Pedro, que estava atrás do balcão. João ia falar alguma coisa, mas a voz de Pedro ecoou dentro da sua cabeça:
- O que você criou, não vai cair nas mãos do mal. Guarde a sua criação para um futuro onde a energia atômica será usada somente para fins pacíficos.
Quando João acabou de escutar o que Pedro dizia, olhou para o amigo, que piscou um olho para ele. João fechou os olhos e respirou fundo. Quando abriu novamente, Pedro já não estava mais lá. Rapidamente foi até o balcão e perguntou à dona da cantina pelo amigo. Mas ela respondeu que não tinha visto ninguém ali, a não ser o professor Vander.
O livro vermelho ainda estava sobre a mesa. João olhou-o por alguns segundos até pegá-lo. Ficou com ele fechado em suas mãos até que resolveu abri-lo. E abriu na primeira página. De cara o nome do autor saltou aos seus olhos. Em letras negras estava escrito: Karl Marx. Aquilo causou-lhe um grande mal estar. Respirou fundo. Depois soltou o ar bem devagar. Repetiu isso algumas vezes.  Levantou-se e colocou o livro no canto da mesa. Se arrependeu imediatamente e pegou-o de volta. Abriu novamente, mas na página seguinte. Lá estava escrito:-“ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS.”

                                               FIM         

terça-feira, 7 de julho de 2015

UM GÊNIO QUE ENCONTROU O PARAÍSO NO ESGOTO - Parte 16

Continuando...
Enquanto o barco se dirigia para as proximidades da ilhota de formação rochosa, Pedro sorriu para João, que também sorriu aliviado. Como a embarcação não passou muito próximo das pedras, João gritou o nome de Jorge e ele, mesmo sem distinguir quem estava chamando, bateu com a mão. Os pescadores do barco ficaram satisfeitos e gritaram também pelo nome do amigo. Depois aceleraram a embarcação e foram se afastando até perderem de vista a ilhota. Pedro sabia que os pescadores iriam para outro lugar. Iam para um pesqueiro mais distante. Lugar certo para uma pescaria farta. Eles só tinham parado próximo ao forte, sem perceber, sugestionados por ele, pois alí era o pior lugar para um profissional de pesca parar. Os outros barcos não devem ter entendido nada, nada. Perderam um tempo enorme e ficaram sem pegar um pescado sequer. Logo, tinham que mudar de lugar o mais rápido possível. Pedro sabia que eles não iriam levar logo João para terra firme. Com certeza iriam ficar com ele até que pescassem o suficiente para o dia. Então resolveu intervir, pois o amigo tinha que sair dali o mais rápido possível. Sugeriu então para João:
- João, presta atenção. Fala para os pescadores irem para aquela enseada. Eles vão dizer que ali é muito ruim. Pescar ali é perder tempo e dinheiro. Mas você insiste dizendo que ali passando apenas uma vez a rede, eles vão encher o barco de peixe. Diz que Jorge não seguiu o seu conselho e até a hora que você esteve com ele, não tinha pescado nem um baiacu. Vamos.
- Senhor. Senhor. Pelo o que eu percebi, ainda não pegaram nenhum peixe sequer. Certo?
   Um dos pescadores, que parecia ser o mais velho e o líder, respondeu:
- É. Até agora nada de peixe. Não sei por que nós paramos em frente ao forte. Ali é o pior lugar para se pescar.
- Mas me salvaram. Foi Deus que botou vocês ali.
- É. Mas nós vamos pescar tudo que precisamos. Mesmo que gente tenha que ficar até a noite. E você vai ter que ficar com a gente. Você não está com pressa, está?
- Não. Claro que não. Mas posso dar uma sugestão?
- Que sugestão?
- É o seguinte: um amigo me deu uma dica de onde poderíamos pescar em abundância. Disse que a corrente marinha ia trazer para próximo daqui muitos cardumes. Eu dei a dica para Jorge, mas ele ignorou. Ele vem sempre com aquele papo de que sente o cheiro do peixe. Que sabe sempre para onde o cardume vai encostar. Sabe o que aconteceu? Até eu sair de lá, não tínhamos pegado nada!
- E essa dica? Os peixes vão para onde?
- Jorge vai acabar indo para o lugar que eu falei. Mas nós podemos chegar lá primeiro. Mesmo que ele chegue, não vai ter problema, a quantidade de peixe vai dar para encher todos os barcos que lá chegarem. Eu vou dar a dica, porque estou grato por terem me salvado. Com essa água fria, com certeza, eu ia acabar morrendo.
- E a dica?
- Fica tranqüilo que vai ser fácil. Essa vai ser a pescaria mais fácil que vocês já fizeram. Estão vendo aquela enseada ?
- Ali? É nossa velha conhecida! Só não é pior do que onde nós pegamos você. Aquilo lá não existe. Mas ali também é muito fraco de peixe. Quando aparece alguma coisa, é um baiacu.
- Aí é que o senhor se engana! Ali, hoje, é o melhor pesqueiro de toda região. Vocês já viram os outros barcos tirarem algum peixe da água? Deixa que eu mesmo respondo: não!
Os tripulantes da pequena embarcação ficaram conversando durante um bom tempo. Nesse meio tempo João aproveitou para falar com Pedro. E falou quase sussurrando:
- Pedro, isso vai dar certo?
- Claro! Vai por mim! Hoje eles vão se fartar como nunca. Só vão pegar pescado de qualidade. Aproveita e fala para eles jogarem a rede que eles têm no barco. Não precisa sair arrastando não. Pode deixar o barco parado.
João esperou que eles terminassem de confabular. O líder, que João descobriu se chamar Marins, falou:
- Rapaz,nós resolvemos seguir a sua dica. Já que não pegamos nada até agora, não custa tentar. Mastem uma condição.
- Que condição?
- Como até agora não conseguimos nada, só perdemos tempo, essa é a verdade, vamos acreditar em você. Se a gente se der bem, deixamos você no cais. Mas se a gente perder o nosso tempo de novo, sem pescar nada, jogamos você para os tubarões. Você vai ser comida de peixe.
- Mas... Puxa, que condição! Pelo jeito não tenho outra saída mesmo! Então tudo bem. Mas tem uma coisa: podem jogar a rede de vocês na água. Mas o barco tem que ficar parado.
- Mas a nossa rede é para arrastar. Não vai adiantar ficar parado. Temos que abrir ela toda.
- Não tem problema. Não precisa abrir. É só jogá-la dentro d’água e pronto. Meus amigos, do jeito que tem peixe ali, eles vão pular dentro do barco, vão ficar presos pela rede. Vai ser um festival de peixe!
Os quatro ficaram olhando pra João sem acreditar em nada do que estavam ouvindo. Ainda deram um sorriso de satisfação por terem quase certeza que iriam devolver João para o mar.
Marins manobrou o barco e foi em direção à enseada. Pararam no local indicado por João, orientado por Pedro. Desceram a âncora, prepararam as linhas de fundo e quando foram jogar a rede dentro d’água, os peixes começaram a pular dentro do barco, aos montes. Ninguém sabia o que fazer. João foi para um canto tentando se proteger da chuva de peixes. Eles caiam em cima de tudo e todos. Eram peixes que nunca tinham aportado por ali. Pedro vendo a loucura que aquilo virou, caiu na gargalhada. A confusão era grande. João fez sinal para ele, mas Pedro só foi atendê-lo, depois que tinha rido bastante.
- Muito engraçado isso, não é João? Puxa vida! Não me lembro de ter rido tanto assim! Está muito divertido isso aqui!
João não sabia como falar com Pedro, sem chamar a atenção. Mas Pedro leu o seu pensamento e falou:
- João, pergunte a eles se querem mais peixes ou se já estão satisfeitos com toda essa quantidade de peixes nobres. Pergunte ao mestre Marins e fica calmo que vai dar tudo certo.
- Mestre! Mestre!
Marins olhou para João e quando ia atendê-lo, levou com um lindo robalo na cabeça. João engoliu o riso e esperou-o se refazer do susto. Marins procurou um local para se proteger da chuva de peixes e finalmente atendeu ao chamado de João.
-O que foi? Será que você vai me avisar que vem chuva de tubarão?
-Nada disso. Puxa!  Se cair tubarão a gente está é frito!
 Mas não é nada disso. Eu só quero saber do senhor, se já estão satisfeitos com a quantidade de pescado.
- Se está bom? Já está pra lá de bom! Nunca vi uma coisa assim! Essa enseada aqui sempre foi ruim pra peixe! Isso tudo é muito estranho! Acho melhor a gente recolher a âncora e partir. Dedé, puxa a rede!
- Pode ficar calmo. Não precisa puxar a rede não. Ela está cheia de peixes. E não precisam sair correndo. Os peixes já vão parar de pular.
Só foi João parar de falar e realmente os peixes deixaram de pular.
Os pescadores ficaram sem entender nada do que estava acontecendo. Olhavam para aquela quantidade imensa de peixes e apenas sorriam. Marins olhou sério para João e perguntou:
- Isso é bruxaria? Esse cara é bruxo! Qual é o seu nome meu filho? Fala a verdade! Eu acho que vi um filme de capa e espada, que tinha um mago. Acho que era Merlin. Você é o Merlin?
- Não sou bruxo. Quem sou eu? Meu nome realmente é João Paulo, mestre. E não teve bruxaria nenhuma. Eu só acreditei na informação que recebi. Eu fiquei preocupado se não desse certo. Já pensou eu ter voltar pra essa água gelada? Não quero nem pensar.
- Então podia dar errado? Sorte que não deu. Nós vamos sair daqui agora e vamos deixá-lo na colônia. Está bem?
- Está ótimo!
- Se quiser ir para outro lugar, a gente deixa você. É só dizer. A gente leva você para onde você desejar.
- Lá na colônia está bom.
- Então tudo bem. Quando a maré estiver ruim vou solicitá-lo. Pode ser?
- Claro! Estou às ordens, mestre!
Minutos depois levantaram âncora e zarparam. Pelos barcos que iam passando, mestre Marins ia mostrando os peixes e dizia cheio de orgulho aonde tinha pescado. Os outros pescadores olhavam pra ele e diziam:
- Marins! Tá de sacanagem com a gente? Aquela enseada é um dos piores pesqueiros que tem por aqui! Abre o jogo pra gente! Aonde foi que vocês pescaram? Tá todo mundo com o barco vazio, mestre! Só você pescou! E acho que pescou tudo que tinha no mar, por isso não sobrou nada pra gente! Abre o jogo, mestre!
- Vocês não viram a gente pescar? Não tivemos trabalho nenhum! Foi à pescaria mais rápida e a mais fácil! Os peixes pularam pra dentro no nosso barco! Eu nunca vi uma chuva de peixes! E foi isso que aconteceu!
- Você continua sendo o pescador mais mentiroso da colônia! Conta outra Marins!
Eles insistiram com Marins, mas como ele insistisse na mesma explicação, foram todos embora, chamando-o de mentiroso. Ele não se conformava com o que estava ouvindo dos seus amigos. Rapidamente ia ficar conhecido como o pescador mais mentiroso da colônia. Ele até gostava de contar umas mentirinhas de vez em quando, mas qual o pescador que não conta as suas mentiras? Aquilo era motivo para divertimento. Todo mundo aumentava um pouco o tamanho do peixe. Marins não sabia que o seu barco esteve escondido dentro do nada. Eles viam a todos, mas eles não sabiam da presença do seu barco. Estavam todos vestidos com a invisibilidade. Pedro vendo a angústia do mestre sugeriu a João que falasse com ele pra ficar tranqüilo, pois todos iriam esquecer o que viram e ouviram. E assim João fez:

- Mestre Marins, pode ficar tranqüilo que os seus amigos vão esquecer tudo que aconteceu aqui. O que eles viram e ouviram vai evaporar como o éter. O senhor vai acabar esquecendo isso tudo que passou. Tudo vai voltar ao normal.
                      Continua semana que vem...