Enquanto
o barco se dirigia para as proximidades da ilhota de formação rochosa, Pedro
sorriu para João, que também sorriu aliviado. Como a embarcação não passou
muito próximo das pedras, João gritou o nome de Jorge e ele, mesmo sem
distinguir quem estava chamando, bateu com a mão. Os pescadores do barco
ficaram satisfeitos e gritaram também pelo nome do amigo. Depois aceleraram a
embarcação e foram se afastando até perderem de vista a ilhota. Pedro sabia que
os pescadores iriam para outro lugar. Iam para um pesqueiro mais distante.
Lugar certo para uma pescaria farta. Eles só tinham parado próximo ao forte,
sem perceber, sugestionados por ele, pois alí era o pior lugar para um
profissional de pesca parar. Os outros barcos não devem ter entendido nada,
nada. Perderam um tempo enorme e ficaram sem pegar um pescado sequer. Logo,
tinham que mudar de lugar o mais rápido possível. Pedro sabia que eles não
iriam levar logo João para terra firme. Com certeza iriam ficar com ele até que
pescassem o suficiente para o dia. Então resolveu intervir, pois o amigo tinha
que sair dali o mais rápido possível. Sugeriu então para João:
-
João, presta atenção. Fala para os pescadores irem para aquela enseada. Eles
vão dizer que ali é muito ruim. Pescar ali é perder tempo e dinheiro. Mas você
insiste dizendo que ali passando apenas uma vez a rede, eles vão encher o barco
de peixe. Diz que Jorge não seguiu o seu conselho e até a hora que você esteve
com ele, não tinha pescado nem um baiacu. Vamos.
-
Senhor. Senhor. Pelo o que eu percebi, ainda não pegaram nenhum peixe sequer.
Certo?
Um dos pescadores, que parecia ser o mais
velho e o líder, respondeu:
-
É. Até agora nada de peixe. Não sei por que nós paramos em frente ao forte. Ali
é o pior lugar para se pescar.
-
Mas me salvaram. Foi Deus que botou vocês ali.
-
É. Mas nós vamos pescar tudo que precisamos. Mesmo que gente tenha que ficar
até a noite. E você vai ter que ficar com a gente. Você não está com pressa,
está?
-
Não. Claro que não. Mas posso dar uma sugestão?
-
Que sugestão?
-
É o seguinte: um amigo me deu uma dica de onde poderíamos pescar em abundância.
Disse que a corrente marinha ia trazer para próximo daqui muitos cardumes. Eu
dei a dica para Jorge, mas ele ignorou. Ele vem sempre com aquele papo de que
sente o cheiro do peixe. Que sabe sempre para onde o cardume vai encostar. Sabe
o que aconteceu? Até eu sair de lá, não tínhamos pegado nada!
-
E essa dica? Os peixes vão para onde?
-
Jorge vai acabar indo para o lugar que eu falei. Mas nós podemos chegar lá
primeiro. Mesmo que ele chegue, não vai ter problema, a quantidade de peixe vai
dar para encher todos os barcos que lá chegarem. Eu vou dar a dica, porque
estou grato por terem me salvado. Com essa água fria, com certeza, eu ia acabar
morrendo.
-
E a dica?
-
Fica tranqüilo que vai ser fácil. Essa vai ser a pescaria mais fácil que vocês
já fizeram. Estão vendo aquela enseada ?
-
Ali? É nossa velha conhecida! Só não é pior do que onde nós pegamos você.
Aquilo lá não existe. Mas ali também é muito fraco de peixe. Quando aparece
alguma coisa, é um baiacu.
-
Aí é que o senhor se engana! Ali, hoje, é o melhor pesqueiro de toda região.
Vocês já viram os outros barcos tirarem algum peixe da água? Deixa que eu mesmo
respondo: não!
Os
tripulantes da pequena embarcação ficaram conversando durante um bom tempo.
Nesse meio tempo João aproveitou para falar com Pedro. E falou quase
sussurrando:
-
Pedro, isso vai dar certo?
-
Claro! Vai por mim! Hoje eles vão se fartar como nunca. Só vão pegar pescado de
qualidade. Aproveita e fala para eles jogarem a rede que eles têm no barco. Não
precisa sair arrastando não. Pode deixar o barco parado.
João
esperou que eles terminassem de confabular. O líder, que João descobriu se
chamar Marins, falou:
-
Rapaz,nós resolvemos seguir a sua dica. Já que não pegamos nada até agora, não
custa tentar. Mastem uma condição.
-
Que condição?
-
Como até agora não conseguimos nada, só perdemos tempo, essa é a verdade, vamos
acreditar em você. Se a gente se der bem, deixamos você no cais. Mas se a gente
perder o nosso tempo de novo, sem pescar nada, jogamos você para os tubarões.
Você vai ser comida de peixe.
-
Mas... Puxa, que condição! Pelo jeito não tenho outra saída mesmo! Então tudo
bem. Mas tem uma coisa: podem jogar a rede de vocês na água. Mas o barco tem
que ficar parado.
-
Mas a nossa rede é para arrastar. Não vai adiantar ficar parado. Temos que
abrir ela toda.
-
Não tem problema. Não precisa abrir. É só jogá-la dentro d’água e pronto. Meus
amigos, do jeito que tem peixe ali, eles vão pular dentro do barco, vão ficar
presos pela rede. Vai ser um festival de peixe!
Os
quatro ficaram olhando pra João sem acreditar em nada do que estavam ouvindo.
Ainda deram um sorriso de satisfação por terem quase certeza que iriam devolver
João para o mar.
Marins
manobrou o barco e foi em direção à enseada. Pararam no local indicado por
João, orientado por Pedro. Desceram a âncora, prepararam as linhas de fundo e
quando foram jogar a rede dentro d’água, os peixes começaram a pular dentro do
barco, aos montes. Ninguém sabia o que fazer. João foi para um canto tentando
se proteger da chuva de peixes. Eles caiam em cima de tudo e todos. Eram peixes
que nunca tinham aportado por ali. Pedro vendo a loucura que aquilo virou, caiu
na gargalhada. A confusão era grande. João fez sinal para ele, mas Pedro só foi
atendê-lo, depois que tinha rido bastante.
-
Muito engraçado isso, não é João? Puxa vida! Não me lembro de ter rido tanto
assim! Está muito divertido isso aqui!
João
não sabia como falar com Pedro, sem chamar a atenção. Mas Pedro leu o seu
pensamento e falou:
-
João, pergunte a eles se querem mais peixes ou se já estão satisfeitos com toda
essa quantidade de peixes nobres. Pergunte ao mestre Marins e fica calmo que
vai dar tudo certo.
-
Mestre! Mestre!
Marins
olhou para João e quando ia atendê-lo, levou com um lindo robalo na cabeça.
João engoliu o riso e esperou-o se refazer do susto. Marins procurou um local
para se proteger da chuva de peixes e finalmente atendeu ao chamado de João.
-O
que foi? Será que você vai me avisar que vem chuva de tubarão?
-Nada
disso. Puxa! Se cair tubarão a gente
está é frito!
Mas não é nada disso. Eu só quero saber do
senhor, se já estão satisfeitos com a quantidade de pescado.
-
Se está bom? Já está pra lá de bom! Nunca vi uma coisa assim! Essa enseada aqui
sempre foi ruim pra peixe! Isso tudo é muito estranho! Acho melhor a gente
recolher a âncora e partir. Dedé, puxa a rede!
-
Pode ficar calmo. Não precisa puxar a rede não. Ela está cheia de peixes. E não
precisam sair correndo. Os peixes já vão parar de pular.
Só
foi João parar de falar e realmente os peixes deixaram de pular.
Os
pescadores ficaram sem entender nada do que estava acontecendo. Olhavam para
aquela quantidade imensa de peixes e apenas sorriam. Marins olhou sério para
João e perguntou:
-
Isso é bruxaria? Esse cara é bruxo! Qual é o seu nome meu filho? Fala a
verdade! Eu acho que vi um filme de capa e espada, que tinha um mago. Acho que
era Merlin. Você é o Merlin?
-
Não sou bruxo. Quem sou eu? Meu nome realmente é João Paulo, mestre. E não teve
bruxaria nenhuma. Eu só acreditei na informação que recebi. Eu fiquei
preocupado se não desse certo. Já pensou eu ter voltar pra essa água gelada?
Não quero nem pensar.
-
Então podia dar errado? Sorte que não deu. Nós vamos sair daqui agora e vamos
deixá-lo na colônia. Está bem?
-
Está ótimo!
-
Se quiser ir para outro lugar, a gente deixa você. É só dizer. A gente leva
você para onde você desejar.
-
Lá na colônia está bom.
-
Então tudo bem. Quando a maré estiver ruim vou solicitá-lo. Pode ser?
-
Claro! Estou às ordens, mestre!
Minutos
depois levantaram âncora e zarparam. Pelos barcos que iam passando, mestre
Marins ia mostrando os peixes e dizia cheio de orgulho aonde tinha pescado. Os
outros pescadores olhavam pra ele e diziam:
-
Marins! Tá de sacanagem com a gente? Aquela enseada é um dos piores pesqueiros
que tem por aqui! Abre o jogo pra gente! Aonde foi que vocês pescaram? Tá todo
mundo com o barco vazio, mestre! Só você pescou! E acho que pescou tudo que
tinha no mar, por isso não sobrou nada pra gente! Abre o jogo, mestre!
-
Vocês não viram a gente pescar? Não tivemos trabalho nenhum! Foi à pescaria
mais rápida e a mais fácil! Os peixes pularam pra dentro no nosso barco! Eu
nunca vi uma chuva de peixes! E foi isso que aconteceu!
-
Você continua sendo o pescador mais mentiroso da colônia! Conta outra Marins!
Eles
insistiram com Marins, mas como ele insistisse na mesma explicação, foram todos
embora, chamando-o de mentiroso. Ele não se conformava com o que estava ouvindo
dos seus amigos. Rapidamente ia ficar conhecido como o pescador mais mentiroso
da colônia. Ele até gostava de contar umas mentirinhas de vez em quando, mas
qual o pescador que não conta as suas mentiras? Aquilo era motivo para
divertimento. Todo mundo aumentava um pouco o tamanho do peixe. Marins não
sabia que o seu barco esteve escondido dentro do nada. Eles viam a todos, mas
eles não sabiam da presença do seu barco. Estavam todos vestidos com a
invisibilidade. Pedro vendo a angústia do mestre sugeriu a João que falasse com
ele pra ficar tranqüilo, pois todos iriam esquecer o que viram e ouviram. E
assim João fez:
-
Mestre Marins, pode ficar tranqüilo que os seus amigos vão esquecer tudo que
aconteceu aqui. O que eles viram e ouviram vai evaporar como o éter. O senhor
vai acabar esquecendo isso tudo que passou. Tudo vai voltar ao normal.
Continua semana que vem...
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