segunda-feira, 25 de abril de 2016

A Menina do Rochedo - Parte 8

Continuando...

Não deu nem tempo para perguntar aonde ela ia! Sumiu. Simplesmente sumiu. O que é que eu vou ficar fazendo aqui sozinho? Mas como sair daqui? Os caras estão lá embaixo me esperando. O que querem comigo? Eu não tenho nada deles. Se tiver alguma coisa, está no meu carro. Mas o carro está com eles. A vista daqui é bonita. Se a gente conseguisse viver aqui, realmente seria uma maravilha. Longe de tudo. Sem aborrecimentos, sem preocupações, sem... sem nada que pudesse causar estresse. Seria o paraíso. Mas e a comida? E a água? Falando em água, estou com sede. Nessa altura toda, não deve existir água. Um bloco de pedra compacto. Pra comer, ter que descer isso tudo... Ter que pescar. Como descer? Essa caverna parece profunda. Parece cheia de mistérios. De repente foi de piratas. Pode ser que tenha uma passagem secreta, lá em baixo. Alguma escada interna. Será que a menina é pirata? Não. Não pode ser. Os piratas têm argolas nas orelhas, piercing no nariz, tatuagens pelo corpo... Não ela não tem nada disso. Mas pode ser um pirata moderno.  O país está cheio deles: usam ternos, gravatas e têm números. Estou cansado de tudo. Dizem que a segurança é a prioridade. Saí para passear e olha no que deu. E se eu ficar doente aqui em cima? De repente não deve mudar muito. Alguém vai dizer para eu procurar um lugar tranquilo, com ar puro, tomar bastante água, para curar a virose e o estresse. “Olha a qualidade de vida!” – alguém vai dizer. Tudo agora tem dois culpados: a virose e o estresse. Cá estou eu pensando besteira. Vou dar uma pequena olhada aqui dentro. Com essa escuridão toda não vou ver nada. Vou entrar. Ué, acendeu uma luz. Meu Deus! Olha só! Geladeira! Está funcionando! Caraca! Mas não tem fio! Está cheia de comida e água! Como pode isso? Porra pra onde foi à garota? Será que não tem nenhuma cervejinha? Estou há muito tempo a fim de molhar o bico. Até que tem. Mas não conheço a marca. Acho que não vou beber. E se tiver alguma coisa dentro? Já caí uma vez, mas não caio a segunda. Aonde essa menina se meteu? Olha só que vista maravilhosa! Daqui dá pra se ver a praia todinha. Acho que foi aquele lugar que eu fiquei. Caraca! O carro sumiu! Se o cara disse que não tinha como tirá-lo dali, como conseguiram fazer isso? Caramba! Será que tem droga, ou ouro dentro dele? Mas porque os caras estão lá embaixo? Existe alguma coisa mais. E essa alguma coisa está comigo. Mas o que será? Olha só. Sorte que não tem como eles subirem. Mas também não tem como eu descer. Será que vou ficar aqui para sempre? Isso aqui é uma prisão. Isso! É uma prisão! Como eu não pensei nisso! A garota me trouxe até aqui e foi embora. Estou lascado. Vou tentar dar uma volta, entorno da caverna. É, parece uma caverna. Mas também é uma casa. Tem quarto, cozinha, banheiro. Tem tudo que uma casa tem que ter, mas não deixa de ser uma caverna. Pra quê questionar isso agora? Vai servir para alguma coisa? Acho que não. Ou não, mesmo. Tenho que tentar circular em torno da caverna. Parece uma missão quase impossível. Ou impossível mesmo. Aqui na frente da caverna só tenho um metro, mais ou menos, para me locomover. Pelo lado, nem um centímetro. Concluindo: estou ferrado. Se eu descer, não sei como, os caras me pegam. Isso é um faz de conta. Vou imaginar que tem uma escada. Eu desço e eles me pegam. Se eu tentar pular pelo outro lado: morro na certa. O que fazer? Só Deus pra me tirar daqui. Falando em Deus, ele já começou a se manifestar. Estou ouvindo um barulho de alguma aeronave. Precisamente de um helicóptero. Está chegando a minha salvação. Olha lá ele! Vou balançar algum pano. A toalha da mesa! Isso! A toalha da mesa! Hei! Olha aqui pra baixo! Hei! Hei! Estou aqui! Meu Deus! Passou direto!  Tenho certeza que o piloto me viu. E viu mesmo! Está atirando em mim! Vou me esconder! Me esconder aonde? Que burrice a minha! Só tem um lugar: dentro da caverna! Lá vou eu! Porra! Acho que me quebrei! Também eu não precisava me jogar. Era só dar um passo e já estava dentro da caverna. Não estou ouvindo mais o barulho do helicóptero. Caramba! Eu devo ser muito importante! Por que será que estou tão importante assim? O que querem de mim? Estou sendo caçado por mar, por ar e... Por que não me pegaram lá na praia? Tenho que sair daqui. Aqui no meio da caverna tem uma escada. É só eu descer e pronto. Mas aí está o problema. Essa escada vertical não me deixa nada, nada confortável. Olha a altura. Olha essa altura! E seu eu cair? 
          - Você não arrisca nada! Só carrega o medo à tira colo. Que vida medíocre, essa tua. Você é digno de pena, sabe?
         - Quem que é que está falando? A minha vida não é medíocre! Tenho medo sim! E quem não tem? Eu queria ver se fosse com você! Estou com medo, é porque o meu está na reta! Bota o seu! Bota!
         Mas não é a menina que está falando. Quem será? Eu sei que estou ficando cada vez mais enrascado. 
         - Quem é você?
         - Eu sou você.
         - Engraçado. Você está falando e diz que sou eu. Estou com um medo danado! Isso é tortura mental! Agora estou entendendo! Isso tudo faz parte de algum plano! Estão querendo que eu fique maluco? Não é isso? Tenho que sair daqui! Senão eu vou enlouquecer!
         Ele não respondeu. Vou lá pra fora. Tem que ter um jeito de sair daqui. Não vou arriscar descer por essa escada. Mas antes vou tentar alguma comunicação com quem eu não sei quem é.
         - Hei! Está me escutando? Se não estiver, vou falar assim mesmo! Estou achando isso tudo muito esquisito.  Sou um cara que não devo nada a ninguém. Pago meus impostos. E não são poucos. Veja só. Mesmo se eu não pagasse imposto, eu já estaria pagando. Então eu pago além do que devia. Isso é simples de mostrar. Vá comprar uma simples bala! O que tem de imposto ali naquele açúcar! Eu acho que aqui é o único país no planeta que um sonegador, fica frustrado. Ele simplesmente não consegue sonegar nada. Percebeu? Então, eu sou um certinho. Não devo nada a ninguém.
        - Aí é que está o problema. Você é certinho demais. A sua vida é sem emoção. Você leva uma vida insossa.
        - Quem é que está falando agora?
        - Você. Só você fala e responde, não respondendo. Porque você não vai lá pra fora e tenta derrubar o helicóptero.
        - Eu? Como? Acho que você está maluco! Acho não! Tenho certeza! Está de sacanagem comigo? Aonde já se viu, sem arma, derrubar uma máquina voadora? Hei! Derrubar com quê? Responde essa!
       - Derruba com a sua língua afiada. Derruba com a sua falta de fé. Derruba com a esperança que você não tem.
       -Cara! Você não sabe o que está falando! Eu espero...
       - ...tudo cair no seu colo. Não é isso? Vai lá fora e resolva a sua vida. Já que você tem medo de descer pela escada, pula.
       - Está maluco? Vou lá fora sim, mas... Vou dar um jeito! Não quero nem perguntar mais, quem é você.
           Se eu contar isso para alguém, vão achar que estou ficando maluco. Vou lá fora. Pra sair daqui, só se tivesse asa. Só voando. Até agora o helicóptero não apareceu. Vou dar uma olhadinha lá pra baixo. Porra! Os caras continuam lá! Ué! Tem alguém subindo! Caraca! É Omar! Ou não? É uma caveira, com certeza! Se não for Omar, eu estou frito! Olha só que facilidade que ele sobe! Parou. Olhou pra mim! E não é Omar! Agora o bicho vai pegar! Quem será essa caveira? Com quem ela se parece?  Agora não dá tempo pra perguntar e nem colocar um nome. É o inferno! Isso! Ali está o inferno! Vou descer pela escada. Mas ela vai me pegar no meio do caminho. Vou seguir a sugestão da voz... Mas mais uma vez está me faltando coragem. Pensando bem, nem um corajoso pularia daqui. Olha só essa altura! Só um maluco! Morrer por morrer, eu morro encarando a caveira. Quantos dias eu estou aqui? Não sei. Não me lembro de ter dormido. Às vezes a gente nem percebe. Fiquei lá na praia... Também não sei quantos dias. Tem hora que acho que estou sonhando. Isso só pode ser um sonho. Eu me sinto como se tivesse pisando em ovos. Às vezes parece que estou flutuando. Mas é real. Os caras atiraram em mim. Aconteceu alguma coisa no bar. Botaram alguma coisa na minha bebida e me trouxeram pr’aqui.  Aqui estou e tenho que me virar para acordar desse pesadelo. Agora que estou precisando da garota, ela sumiu. Tenho que pensar rápido. A caveira já está perto. Vou tentar dar a volta na caverna. Mas só tem poucos centímetros para apoiar os meus pés. Vou arriscar. Não posso olhar pra baixo. Vou encostar a barriga na parede da caverna. Pelo menos já consegui me deslocar alguns centímetros. Ufa! Pareceu uma caminhada de quilômetros.  Até que a inclinação da pedra está me ajudando. Pelo menos alguma coisa tem que jogar ao meu favor. Vou em frente. Ih!  Meu Deus! Acho que estou sentindo câimbra! Ficar na pontinha do pé, está sendo uma missão quase que impossível!  Cara! Como dói! Porra! Calma. Respirar fundo. Já estou até suando.  Vou tentar ficar numa perna só. Graças a Deus só está doendo uma perna. Tenho que conseguir alongar. Não sei como, mas vou ter que arranjar um jeito. Isso. Está aliviando. Ufa! Sabe que já consegui andar um bom pedaço? Não estou nem acreditando. Tenho que focar... Não posso desviar a minha atenção. Até que já passou a câimbra. Vou alongar a outra panturrilha também. Agora vou tentar pisar com a parte externa do pé. Como é difícil! Assim não dá! Assim não dá! Opa!  Pensei que fosse cair!
       - Aí babaca! Quase caiu!
       - Babaca é a...
Continua semana que vem...

quarta-feira, 20 de abril de 2016

A Menina do Rochedo - Parte 7

Continua...
Eles estão indo embora. Olha só o estado que ficou o meu carro! Só restou o chassi! Que merda! Por que será que eles fizeram isso? Levaram toda a lataria. Agora sumiram. Sorte que não vieram atrás de mim. Não entendi nada. Acho que nunca vou saber o porquê de depenarem o meu carro. Vou subir de novo. E se eles voltarem? Tenho que sair daqui. É melhor prevenir do que remediar. Já ouvi essa frase um milhão de vezes. Vou fugir antes que voltem. Vou subir de novo. Tenho que levantar essa vela. Caraca! Olha o vento de novo! Estou voando! Como é que para essa joça? Meu Deus! Estou indo em direção daquele rochedo! E se eu bater naquelas pedras? Estou chegado perto! Estou chegando perto! Meu Deus!

Omar, o que é que você está fazendo aqui em pé olhando pra mim? Você continua sem falar nada. Você sumiu. Me fez passar por maluco, cara! Agora me aparece aqui na minha frente, como se nada tivesse acontecido! Já estou bebendo água. Estou me sentindo tonto. Será que bati com a cabeça? Omar me desculpe, mas tenho que subir pra não morrer e ficar igual a você. Porra! Tem alguém puxando o meu cabelo! Omar tem alguém puxando o meu cabelo. Está doendo pra cacete. Agora estou me sentindo estranho. Onde estou? Meu Deus! Estou no céu? Eu morri? É isso? Quem é você? Uma princesa? Não entendi. Continuo sem entender. Piorou. Que língua você está falando? 

        - Meu nome é Victória.

        - Agora entendi! Você é um anjo? 

        - Não.

        - Então é uma princesa. Acertei?

        - Também não. Sou apenas uma refugiada. 

        - Teve algum problema político?

        - Nada disso. Eu apenas me refugiei aqui. Achei esse lugar bonito e aqui me instalei.

        - Você falou uma porção de coisas que eu não entendi. Você é de que país?

        - De nenhum e de todos. Sou uma cidadã do mundo. Eu falei em grego arcaico. Depois em hebraico. Falei em persa.

       - Então você é uma pessoa culta. Não entendi nada do que você falou. Às vezes até o português fica difícil de entender. Êta linguazinha difícil! Por um acaso você viu Omar?

       - Quem é Omar?

       - Omar é um amigo. Você promete que não vai rir?

       - Claro. Sem risos, nem deboche. Mas antes é melhor você sair da água.

       - Mas é melhor você parar de puxar os meus cabelos.

       - Tudo bem. Você garante que não vai afundar?

       - Não sei. Acho que não. Mas... Segura a minha mão e me puxa. É mais garantido.

       - Vem devagar, para não se machucar nas pedras. Isso, muito bem. Sente-se um pouco.

       - Está bem. Acho que quase morri. Você me salvou a vida. Você viu uns caras atirando em mim?

       - Não. Não vi. Que importância tem isso?

       - Como assim, que importância tem? Eu quase fui morto por eles.

       - Tem certeza? Você não estava morto antes?

       - Eu morto? Não! Claro que não!

       - Às vezes as pessoas morrem em vida. Estão vivos, mas sem vida. Será que não é o seu caso?

       - Não! Eu estou vivíssimo! Já Omar...

       - Omar não é um amigo?

       - Claro! Claro! Só que Omar é uma caveira.

       - Uma caveira? Qual o seu nome?

       - Hermes.

       - Bonito nome. Hermes. Você sempre foi uma pessoa fechada. Estou certa?

       - Por uma acaso você é psicóloga?

       - Não. Longe disso. Você e a caveira... Já parou para pensar que a caveira pode ser você mesmo?

       - Está maluca? Eu estou vivo! Omar é que já passou dessa pra melhor!

       - Quem garante?

       - Quem garante o quê?

       - Quem garante que ele está num lugar melhor? Às vezes não. Criamos em vida o nosso inferno e acabamos levando ele com a gente.

      - Você é estranha. O que tem de bonita tem de esquisita.

      - Você tem certeza que eu sou bonita? Olha lá. O seu inferno está vindo pra cá.

      - Meu Deus! E agora? Pra onde eu vou? Como eu vou escalar esse paredão de pedra?

      - Fica calmo e me segue. Pode confiar em mim. 

      - Você tem corda pra gente escalar essa montanha de pedra?

      - Para quê? Segue-me e faz o seu próprio caminho. Você precisa se desfazer das cordas que te amarram.

      - Você fala umas coisas estranhas. Você é muito nova pra falar desse jeito. Ainda fala algumas línguas esquisitas.

     - Aí é que você se engana. Você é quem fala esquisito. Não tem nenhum cuidado com o que fala. Vamos subir? O que você atraiu, está à sua procura. Segura a minha mão e acompanha-me.

Ué, estão aparecendo degraus! Vou apenas pensar. Vou conversar comigo mesmo. Olha só! Ela não está encostando os pés no chão! O quê que é isso? É um anjo ou um demônio? Pode ser o que for, mas que é bonita é!

     - Até com os pensamentos você não tem cuidado. Às vezes os pensamentos são mais perigosos que as palavras ao vento. Você perde muito tempo pensando coisas que só vão te dar dor de cabeça. O pensamento e as palavras têm força. Você conhece o bumerangue: ele vai e volta. Não é isso? Com o pensamento e a palavra acontece a mesma coisa. Se você pensa coisa boa, vai receber tudo na mesma proporção. Se pensa ou fala coisa ruim, já sabe o que vai voltar, não sabe?

   - Mas... É difícil não falar. Não pensar... Em muitas situações a "tolerância é zero". Eu sou assim.

   - Muda ou a vida vai te cobrar. Você julga... Com certeza vai ser julgado. Jesus que não carregava qualquer tipo de culpa foi maltratado ao extremo, mas foi incapaz de levantar um dedo acusatório contra qualquer um dos seus algozes. Pelo contrário, ainda pediu para que Deus os perdoasse.

    - Mas é tão difícil!

    - Então fique calado. Quando você exalta um defeito de alguém, na verdade está querendo esconder os seus.

    - É... Victória será que não estou correndo o risco de escorregar?

    - Você está com medo de apenas sofrer algumas escoriações? Você que já tem feridas abertas por escorregar pela vida toda! O pior é que você ainda não percebeu o quanto você tropeça, cai, levanta e continua tropeçando, caindo... E causando tropeços e quedas em muita gente! Ainda está preocupado com uns simples arranhões na pele!

    - É porque dói. Mas eu não prejudico ninguém. Eu me acho um cara legal.

    - Tem certeza? Você se lembra do último pedinte?

    - Não. São tantos mendigos, que fica difícil a gente se lembrar de um.

    - Você acha que são todos mendigos? Esse último você taxou de bêbado. Foi julgando sem saber. É fácil julgar, não é?

    - Não é o problema de julgar. É...

   - É o quê?

   - É... Não sei. A verdade é o seguinte: ninguém quer trabalhar! É um bando de vagabundo espalhado pelo Brasil! O cara quer esmola para tomar cachaça! Isso sim!

    - Se o irmão pediu a esmola para comer, você pode dar. Agora se ele usou para outro fim o problema é somente dele. Você fez a sua parte. Nem todos que pedem esmola são para beber ou fazer uso de drogas. Lembra-se daquele pedinte? Não lembra. Então. Ele estava pedindo para comprar remédio para um filho doente. E ele também estava muito doente. E continua muito adoentado. Tem um problema cardíaco grave. Está completamente impossibilitado de trabalhar. E sem trabalhar, não tem recurso. Ele, para você, parecia bêbado. Você nem parou para ouvi-lo. Na verdade, você era o único embriagado.

     - Não entendi a colocação, mas... Sabe, até que eu sou um cara legal. Eu me esqueci de falar, que tenho medo de altura. A gente vai demorar muito pra chegar a algum lugar seguro?

    - Você é um cara sem fé. Um cara medroso. Um cara que não enxerga um palmo à frente do nariz. Você está com a cara enterrada no caminho, que não observa nada que está a sua frente. Não percebe nada que acontece à sua volta. Acredita nas pessoas erradas e não dá ouvido às pessoas certas. O único perigo que você vê, está lá embaixo. Isso porque você só olha para trás.

   - Não é bem assim. Eu tenho fé. Mas tenho medo também. Hei! Você não é... Você é a cabocla do bar? Tenho certeza! Você é a garota que sentou na minha mesa!

   - Hei! Eu sou loura! Você continua vendo tudo distorcido! E eu não sento em cima de mesa de ninguém! O máximo, numa cadeira! 

   - Mas eu não me engano! Você está querendo me matar! Deve ser em algum ritual Satânico!

   - Você continua vendo fantasma. Você é que está querendo se matar. Vem comigo. Segue-me. Eu sou a salvação.

  - Salvação de quê? Eu vou é descer. Meu Deus! Cadê o caminho? Como eu consegui subir nessa pedreira?

  - Eu fiz o caminho pra você. Não percebeu? Até agora você ainda não conseguiu fazer o seu próprio caminho.

  - O que é que você fez comigo lá no bar? Deve ter colocado alguma coisa na cerveja! Eu vou voltar!

  - Olha lá para baixo. Estão esperando por você. E você não tem alternativa. Se tentar descer cairá com certeza. Venha. Você não cresceu mesmo. Continua parecendo uma criança.

Eu acho que ela está armando pra mim. Já armou uma vez... Como é que ela pode mudar tanto a sua aparência? Não tem muito tempo e ela era loura. Ou não? Agora está morena. Será que é aquela cabocla, lá do bar? Vou tentar passar para o outro lado. Vou aproveitar que está de costas. Não posso escorregar. Mas como sair daqui? Estou pendurado. Que merda! Não tenho lugar para pisar! Assim não vou aguentar! Meu Deus! E agora? Os meus dedos estão ficando dormentes! Estou pendurado!

    - A sua mente é que está pendurada. Olha aí para a sua esquerda: tem um corrimão. Segure-o. Agora fique em pé.

    - Isso é um truque? Não tinha corrimão nenhum. Como é que vou ficar em pé?

    - Ficando. Já que você acredita em todo mundo, pode acreditar também em mim.

                 E se isso for ilusão? Estou num mato sem cachorro. Aonde uma simples viagem me colocou: em cima de um rochedo. Uma parede de pedra lisa. Nem um alpinista ia conseguir isso. Só posso estar sonhando. Porra, os caras ainda estão lá embaixo! Que merda! Um deles está apontando uma arma pra mim! Agora começou a atirar! Tenho que sair daqui já! 

     - Hei menina! Me tira daqui! Os caras estão atirando! Vão acabar me acertando!

     - Pode vir. Venha. Segure no corrimão e suba. Vê se não demora. Senão, pode levar um tiro na bunda. Seja rápido.

     - Já estou indo. Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come. Não tenho saída mesmo. Já estou indo! Você está loura de novo? Assim vou acabar ficando maluco! Hei! Me espera! Cadê você?

Porra! A garota sumiu! E agora? Deixa eu acelerar! Que coisa estranha. Parece que o corrimão está me acompanhando. Vou pegar coragem e olhar para trás. Respira fundo, cara! Respira fundo! Ué! O caminho sumiu! E o corrimão também! Menos os caras! Continuam de prontidão! Estou frito! Só tenho uma saída! E essa saída é ir com a menina! E lá vou eu!  

   - Menina, me espera! Pelo amor de Deus, me espera!

   - Pronto, chegou. Vamos entrar na minha casa.

   - Casa? Isso não é uma caverna?

   -É o meu lar. É um teto. Você tem casa?

   - Claro!

    -Mas de repente não tem teto.

    -Não entendi. Claro que a minha casa tem telhado.

    -Você nunca entende nada. Senta aqui apontando para uma pedra quadrada e fica apreciando a paisagem.
              Continua na semana que vem...

quarta-feira, 13 de abril de 2016

A Menina do Rochedo - Parte 6

Continua...
Esse cara é meio vaidoso. Olha só, está se achando. Vai pra lá. Vem pra cá. Até parece que é dono do mar. Agora eu nem tenho Omar para conversar. Ele está pensando que não vou conseguir fazer o que ele está fazendo, está completamente enganado. Vou mostrar pra ele quem eu sou. Aquilo parece mole, mole. O mais difícil vai ser me equilibrar. Depois vai ser fácil. Será que foi esse cara que matou Omar? Eu devo ter cochilado e ele tirou a ossada sem que eu percebesse. Tenho que ficar atento. O cara apareceu do nada. Deve estar interessado em alguma coisa. Falou do meu carro. Isso mesmo! Deve ser o carro! Ele disse que o carro pode ter chegado pelo mar. Mas como? E pra quê? Que é estranho é, e isso eu não posso negar. Tem que ter uma explicação para eu ter chegado até aqui. Aquele carro está muito limpo para ser o meu. Mas a placa é a mesma. Está com cheiro de novo. Pode ser clonado. Mas podem ter lavado lá no posto e eu esqueci. Será que tomei um porre? Olha só como o cara é um babacão! Vai babaca, vai acabar caindo! Porra que velocidade! Até que o cara se equilibra bem. Está indo bem longe. Caraca!  Quase não dá pra vê-lo! Também aquele olho de sol na minha cara, fica difícil ver alguma coisa! Vou aproveitar para dar uma olhadinha por ai. Quem sabe não tem alguma marca que esclareça essa minha chegada! Estranho. Realmente é muito estranho. Onde está o carro deveria ter marcas do pneu pelo chão. Mas não tem. Na areia também não. Será que desci de para quedas? O cara já está voltando. Parece que é realmente bom. Chegou.
    - E aí, gostou?
    - Muito bom mesmo! Parece profissional!
    - Parece não! Eu sou profissional! Cara hoje eu sou o vice- campeão Brasileiro! No ano passado eu era campeão! Eu só não fui bi, porque sofri um pequeno acidente e não pude disputar duas competições. Se não fosse isso, não tinha pra ninguém! Eu sou é bom!
     - Você não é nada humilde, hein?
     - A humildade é para quem não tem competência. No meu caso... Eu sou realmente o melhor!
     - O seu ego é maior do que esse mar. Cuidado para você não se afogar nele.
     - Deixa de papo furado. Quer curtir um pouquinho esse mar, em cima da prancha? Aproveita que eu estou generoso hoje. Estou realmente a fim de ensinar isso a você. Vamos lá?
     - Não sei. Estou encucado com o que você falou, sobre o carro. Como realmente eu cheguei aqui? Aquela extensão toda  de chão de barro batido  e não tem uma marca sequer  de pneu. Nem aqui na areia. Não tem marca em lugar nenhum. Não é estranho?
     - Cara eu não sei como você e o seu carro vieram parar aqui. Mas uma coisa é certa: você foi ou está sendo usado por traficante. O tal bar que você parou, na beira da estrada, é um antro. É um covil de bandidos e de prostitutas. Cara você conseguiu sair vivo. Pelo menos parece. Não sei se depois...
     - O que é que você quer dizer com “se depois”.
      - Sei lá cara! Mas uma coisa é certa: esse carro tem alguma coisa.
      - Que coisa?
      - De repente... Sei lá!
      - Você deve saber de alguma coisa. Abre o jogo.
      - Abrir que jogo? Tudo bem. Pode ser uma suposição. De repente usaram o seu carro e os seus documentos porque você está limpo. É mais fácil para eles carregarem toda a muamba. Você não é suspeito de nada. É um cara limpo. Agora... Como é que você foi parar num lugar daquele?
      - Eu estava com fome. Naquele horário, só tinha mesmo aquele lugar aberto.
      - Porra cara, que azar! Mas pode ficar tranquilo que se der tudo certo, eles vão devolver o seu carro são e salvo. De repente limpinho, brilhando.
     - Você faz parte disso?
     - Claro que não! Eu sou atleta! Estou dizendo essas coisas, porque já vi acontecer com outras pessoas! Fica tranquilo que eles vão te devolver o carro. 
     - Mas aqui? Como é que eu vou sair? Então esse carro não é o meu?
     - Relaxa. Depois eu mostro o caminho pra você. Aparentemente o carro é o seu. Mas pode não ser. Na atual conjuntura não vale a pena se estressar. Vamos para o mar. Deixa as coisas acontecerem.
     - Pra você é fácil. Pensa bem: não faz sentido eles pegarem o meu carro e me deixar num local deserto, de aceso quase impossível. Podiam pegar o meu carro e me tirar de circulação. Ou me prender. Faziam o que tinham que fazer e depois me soltavam ou me matavam. Eu não entendi esse carro mais novo. Carro novo é limpo. 
     - Mas o nome não. Cada um faz do seu jeito. De repente dá mais emoção fazendo desse jeito. Sei  lá!
     - Você acha que eles podem me matar?
     - Como vou saber?
     - De repente essa caveira que eu achei, pode ter sido... Será que eles mataram Omar?
     - Não pensa nisso. O importante é que você está vivo. Está tão vivo que eu vou ensinar você a praticar esse esporte maravilhoso! Vamos lá?
     - Tenho escolha?
     - Claro que tem! E a escolha melhor é essa! Vamos lá! Vamos botar emoção nessa vida!
     - Mais emoção do que eu tenho tido nesse – ou nesses? – dia, é impossível! Eu não sei se estou aqui desde ontem ou anteontem. De repente eu cheguei hoje mesmo. Não tenho certeza nenhuma. Mas tem uma coisa engraçada nisso tudo: não estou tendo fome.
     - Mas isso não tem importância. Ou tem? Sei lá!
     - Como não tem importância? É claro que tem importância!
       - Tudo bem. Você está sem fome, porque te deram alguma droga. Você ainda deve estar adormecido, cara! Te doparam e depois te trouxeram pr’aqui. Foi isso. Você é um cara de sorte. Podia ter morrido nessa história. A mulher deve ter simpatizado com você.
       - Como é que você sabe que tinha uma mulher?
       - Palpite! Só palpite! Sempre tem mulher na história. Eu também estou achando você um cara legal. Mas vamos ao que interessa. Vamos pra água?
      - Tudo bem. Fazer o quê! Amigo, tenho medo de mar. Com água até o pescoço, fica difícil.
       - Vamos com calma. Com água até a cintura fica bom. Deita em cima da prancha. Isso. Agora fica em pé. Está indo bem. Segura a vela e levanta. Estava indo bem. Caiu, mas isso não é motivo para desistir. Vamos de novo.
      - Cara, se equilibrar aqui é que é o ó! E se eu ficar deitado?
      - Isso aqui não é prancha de surfe. Vamos lá. Eu vou de ajudar. Pega a vela novamente. Isso. Sem medo. Eu estou te segurando. Está chegando um vento legal. Se equilibrou? Então eu vou largar você. Cara se segura. Você está indo legal. Não fica tremendo. Se equilibra. Muita calma. Vou te largar.
      - Hei! Isso aqui está voando! O que é que eu faço?
      - Está indo bem! Está parecendo profissional! Está engraçado! Você parece um profissional! Vai se equilibrando!
      - Como é que eu paro isso? Cara! Cara! Estou indo pra longe!
      - Vá em frente! Você está indo muito bem!
      - Acho que vou cair! Está difícil me equilibrar!
      - Você está parecendo profissional! De repente você bate um recorde! Quem sabe você não chega a Portugal?
     - Você está me sacaneando! Vou cair! 
                E agora! Tenho que me segurar de qualquer jeito. Vou tentar subir nessa droga. Olha só o fdp está rindo de mim! Ele armou pra eu me ferrar! Vou tentar subir na prancha. Um, dois, três... Falhei. De novo. Um, dois, três, quatro... Agora vai. Consegui. Levantar é que vai ser difícil. Vou ficar aqui deitado. Olha lá! Olha lá! Está chegando uma lancha! O filho da mãe conhece os caras! Está levando eles para o meu carro! O que será que querem? Porra! Estão arrancando os para-lamas! Estão depenando o meu carro! Hei! Hei! Não estão me ouvindo. Hei! Hei! Ivon! O que é que vocês estão fazendo com o meu carro?
      - Marrento, dá um susto nele. Mas não precisa matá-lo. O cara é inofensivo. Eu acho que é completamente maluco. Sabe o que ele me disse? Eu nem acredito. Disse que achou uma caveira e que ela era amiga dele. Pode isso? Nem tive coragem de acabar com ele.
      - Ivon, me deixa mandar ele pru espaço. Maluco, não faz falta nenhuma!
      - Não. Não precisa matar o cara. Olha só. Parece que está falando sozinho. Dá um tirinho só. Mas não acerta o cara. O mar depois se encarregará de fazer o serviço. Vai acabar morrendo mesmo.
     - Deixa comigo. Lá vai chumbo.
                Porra! O cara está atirando em mim! E agora? É bandido mesmo! Vou pra dentro d’água de novo!
     - Porra cara! Eu acho que você acertou nele!
     - Não! A bala caiu bem antes! Ele deve ter se assustado e caiu. Pode ficar certo que a bala não pegou nele. Quando é para acertar, eu acerto. Nesse caso era para errar e eu errei. Fica tranquilo que o cara está vivo. Não estou te entendendo. Cheio de peninha do cara.

    - Não é peninha. O cara parece ser gente boa. Só acho desnecessário matá-lo.
            Continua semana que vem...

quarta-feira, 6 de abril de 2016

A Menina do Rochedo - Parte 5

Continua...
Essa trama é de quem já brigou contra a ditadura. Não acredita? Iam tomar o poder, para fazer dessa republiqueta  um país justo. Justinho nos moldes deles, isso sim. Omar. Meu amigo Omar. Estou com medo de enfartar também. Vou trabalhar até os cem anos. Mas já estou pensando aqui com os meus botões: trabalhar até os cem anos? Como? Até aos setenta já vai ser uma missão quase que impossível! O que fazer com a saúde no Brasil? Ela está doente, cara.  Não adianta nem plano de saúde. Está tudo nivelado por baixo. O cara está mal. Tem que fazer uns exames com urgência. Aí o bicho pega. Você só consegue marcar de um mês para fora. Às vezes alguém te liga e diz que houve uma desistência.  Numa certeza quase certa, o cara que te deu a vaga morreu antes de fazer os exames. Empacotou na fila de espera. Ninguém vai desistir depois de esperar um, dois meses. Vai? Omar, essa eu gostaria que você respondesse. Esse seu mutismo me impressiona. Tem certas situações, que até um morto se sente incomodado.  Ele tem que falar! Tudo bem! Tudo bem! Pelo jeito você fez um voto de silêncio mesmo. Vou respeitar isso. Omar olha só. Que maravilha esse céu. Olha como as gaivotas enfeitam esse pedaço de céu. Uma vez um amigo me perguntou, se eu sabia por que o céu não é branco. Pensei, mas não soube o que responder. Ele riu e então falou: que se assim fosse, nós não poderíamos apreciá-las passeando lá em cima. Mas, ri também e falei que Deus dava um jeitinho, e fazia elas azuis. Deus faz e desfaz. Você acha que perdeu tudo que aprendeu aqui? Se a gente desperdiçar o aprendizado que tivemos durante a nossa vida, a vida não tem sentido. É uma perda de tempo. Que Deus é esse que criou a gente pra passar o que a gente passa e depois pega a nossa bagagem e joga no lixo? Lá em cima deve ficar tudo contabilizado a nosso favor, e contra. O que a gente conseguiu realizar bem, fica guardado. O que não conseguiu, a gente tem que voltar e acertar. Assim faz sentido para mim. E pra você? Realmente na atual conjuntura perguntar isso, não faz o menor sentido. Nem te conheci antes de conhecer apenas os seus ossos. Daqui pra frente, pra mim você pode ser canonizado. São Omar. Quantos santos devem ter por aí, que fez o diabo em vida e depois foi canonizado? Engraçado. O cara mata, esfola, rouba e de repente vira santo. Se converteu. Se arrependeu da vida de crimes. Vira pregador. Está salvo. Vai entrar no reino dos céus. O que ele fez durante toda a sua vida, de ruim, é esquecido. Pode isso? Aí é mole, não é? Essa deve ser a teoria dos pilantras. No fundo têm medo do que podem encontrar do outro lado. Por isso se “arrependem” cinco minutos antes de morrer. Botam um dinheirinho enrolado na mão e partem para entrar no reino dos céus. Já se sentem sentados do lado direito do Pai. Omar. Deu tempo de você se arrepender? Nem separou uns presentinhos para o pedágio? Se não deu... Se fu... Sabe de uma coisa. Só eu que falo. Já estou com a garganta seca. Só uma cervejinha para aliviar.  Acho que vou deixar você sozinho. Tenho que pegar estrada. Devo achar o caminho. À tarde daqui a pouco vai embora. Ficar aqui no escuro, vai ser meio complicado. Já deve ser quatro horas da tarde. Percebeu o tempo que estou aqui com você? O sol nasceu e eu já estava aqui. Não me pergunte como. Acordei aqui. E você morreu aqui. De repente fui eu que morri e acordei nesse instante? Será que esses ossos são meus? Será? Sou apenas espírito agora?  Vou embora, senão vou acabar maluco. Vou deitar um pouco para refrescar a carcaça. Uma onda acaba de me cobrir. Mais uma. E mais algumas. Perdi a conta. Vou falar com Omar. Meu Deus! Omar botou a mão no meu ombro! Socorro! Socorro! Acho que me caguei! Estou sem coragem para abrir os olhos! Respirar fundo. Tenho que respirar fundo. Estou tremendo dos pés à cabeça. Ele agora está rindo de mim. Estou sem coragem de olhar pra 
cara dele. Apertou meu ombro de novo. E agora? Coragem cara! Coragem!
        - Hei. Você está morto? Não está, porque você está tremendo mais do que vara verde. Vamos cara, levanta!
         Ele continua falando comigo. O que é que eu faço? Vou olhar devagarzinho. Vou falar com ele.
         - Omar. Por que você resolveu me assustar agora? Cara a última coisa que eu queria na vida era ver uma caveira falar comigo!
        - Cara, meu nome não é Omar. De onde você tirou isso?
        - Não é Omar? Aí ficou pior. Meu Deus me dê coragem! Vou olhar cara a cara com ele! Lá vou eu. Meu Deus o que é isso? Você não é mais uma caveira?
        - Que caveira? Que história é essa? Aí cara aperta a minha mão. Sou de carne e osso. Porra cara, você pegou muito sol nessa cachola!
       - Sabe. Tinha uma caveira aqui do meu lado. Ela estava aqui mesmo. As ondas devem ter desenterrado ela. Eu achei aqui logo pela manhã. Na verdade eu acordei do lado dela. Eu dei o nome a ela de Omar. Sabe de uma coisa: nos tornamos muito amigos. E agora as ondas devem tê-la levado de volta para as profundezas.
      - Xi cara! Você não está nada bem! Nessa praia toda, só estamos nós dois. Eu pensei que fosse ficar aqui sozinho. Eu venho sempre aqui, por que é um lugar de difícil acesso. Por acaso aquele carro ali é seu?!
     - É. Por quê?
     - Como você conseguiu chegar até aqui?
     - Não sei. Só me lembro que acordei aqui. Parei num bar. Num posto de gasolina, na estrada... Mas por que a pergunta?
     - Essa praia não tem acesso pra carro.
     - Como é que é? Mas como cheguei aqui?
     - Você é que deve saber. O seu carro deve ser especial. Pra descer uma pedreira daquela, só mesmo um carro que voe.
    - Pedreira? Deve ter algum caminho que você não conhece.
    - Não tem. Frequento essa praia há muito tempo. Só vem aqui, quem gosta de pegar onda, praticar Wind surf, tomar banho sossegado e trazer uma namorada. Papo estranho esse seu. Uma caveira... Cara você matou alguém?
   - Claro que não! Eu não faria uma coisa dessas! Eu estava até preocupado, sem saber como explicar essa caveira aqui. Ela pode está enterrada novamente. A onda veio e me cobriu. Isso aconteceu algumas vezes. Numa dessa, pode ter levado Omar. A caveira! Vamos cavar pra ver se a gente encontra a dita cuja?
   - Que dita cuja que nada! Lá eu quero saber de caveira! Deixe-a sossegada!  Se é que realmente ela existiu.
   - Mas é claro que ela estava aqui! Não estou inventando não, cara! Pode acreditar em mim!
   - Deixa a caveira pra lá! Vamos falar de outra coisa. Será que o seu carro não veio pelo mar? Isso é uma grande possibilidade. Já pensou nisso?
   - Pensar, eu penso toda hora. Não vejo sentido nenhum, nessa coisa toda. Trouxeram meu carro até aqui, pra quê? 
   - Sei lá! Se você não sabe, como vou saber? Como é o seu nome?
   - Hermes.
   - O meu é Ivon. Vamos. Levanta daí. Vai acabar virando caveira. A onda hoje está muito baixa, mas mesmo assim pode te pegar de jeito. Aí oh! – babau – você se afoga! Vamos aproveitar que o vento está bom. Tá tudo de bom para o esporte aquático que eu mais amo: Wind surf. Está afim?
   - Está maluco? Se eu subir nisso aí, não saio nem do lugar!
   - Eu te explico. Te dou umas aulinhas de grátis. Você pega mole, mole. Vamos lá! É muito legal! Você vai gostar! Coragem cara! Vou dar uma volta pra você ver.
   - Como é o seu nome mesmo?
   - Ivon.
   - Ivon. Antigamente tinha um cantor com esse nome.
   - Cantor? Cara, eu não canto nada! Estou indo pra água. Presta atenção nos meus movimentos. Observa como é o lance. Depois que você experimentar, não vai querer outra coisa.
                                                                                                                       
   - Vamos ver. Do jeito que a minha vida anda, caminhar por cima do mar, pode ser uma aventura sem perigo algum.
  - Você está preocupado à toa. O mar vai acabar com o seu estresse.
   - Você falou o mar. Eu me lembrei de Omar. Você tem certeza que não quer cavar, para confirmar o que eu te falei?
   - Cara não tô afim mesmo! E lá eu quero saber de caveira! Cara você está apaixonado!
   - Que apaixonado o quê! Tá maluco? Uma caveira que botei o nome de Omar, você me diz que estou apaixonado! Qual é cara! Apaixonado por uma caveira?
   - Você é bicha?
   - Porra! Claro que não!
   - Escuta só. Não importa o nome que você deu pra sua caveira! Porra cara, nem caveira você quer levar a sério?
   - Levar a sério? Qual é?
   - Não estou querendo duvidar da sua masculinidade! A verdade é que você botou o nome masculino numa caveira, que você não sabe se é homem ou mulher.
   - E qual é o problema disso? Cara Omar é meu amigo! É uma caveira! Eu podia tê-la chamado de Mara! Encontrei um ombro amigo, essa é a verdade. Você nem imagina a paciência dele ao me ouvir.
   - Claro. Nunca vi caveira falante.
   - Não é essa a questão. Omar não é qualquer caveira.
   - E tem caveira diferente? Caveira é caveira. E ponto final.
   - Omar é diferente, porque com ele eu consegui começar a perder o medo de defunto. E até acho que ele é psicólogo. Cara ele me deixou falar! Eu encontrei um ombro amigo!

   - Essa é demais. Caveira não fala cara. Ombro amigo? Só tem osso. E uma caveira psicóloga. É muita maluquice junta.  Agora vamos para o que interessa: vou pra água. Presta atenção. Grava tudo que eu fizer.
Continua semana que vem...