Helô resolveu voltar para a janela. Mal chegou, um vento leve entrou e
encheu o alojamento de um frescor acompanhado de um perfume que não conseguiu
identificar. Do lado de fora, a vegetação parecia que estava sendo acariciada
pelo vento. Alguma coisa fez com que voltasse o olhar para o interior do
alojamento. De repente uma luz clara inundou o ambiente e em frações de
segundos foi tomando a forma de uma mulher. Era a entidade que voltava a
aparecer para Helô. Ela a reconheceu mas assim mesmo levou um baita susto com a
visão. Depois sorriu, mostrando que tinha superado o choque inicial e que as suas
emoções estavam equilibradas. A aparição, sentindo que realmente estava tudo
bem com a menina, flutuou em sua direção. Helô ficou deslumbrada com aquela
cena, mas não entendeu como uma pessoa podia andar sem pisar no chão. Era assim
que via a entidade: uma pessoa. Nesse
momento ela sorriu, mas veio um sorriso de incredulidade. De repente na sua
cabeça se instalou uma dúvida: seria aquela visão fruto da sua imaginação? A
entidade captando o seu pensamento, disse:
-
Não, Helô! Você não está sonhando! Minha
filha, você tem me ouvido e agora pode me ver! E isso é muito bom!
-
Mas, irmã...
-
Não precisa articular as palavras, apenas pense. As pessoas podem ouvi-la,
aí... E ninguém precisa saber que você fala com um “fantasma”.
-
Mas a senhora é um fantasma, mesmo?
- Não, Helô! Foi brincadeira! Só estou em
outra dimensão, mas você pode me ver e ouvir. São poucas as
pessoas encarnadas que têm esse dom. Você é uma exceção.
-
Sou? Sou mesmo? Irmã, eu penso que estou sonhando.
-
Não, minha filha, isso tudo é real. Agora só me escute. Mais tarde poderemos
voltar à gruta. Os olhos estarão voltados para outras direções.
-
Que direção?
-
Isso é modo de falar.
Helô ficou olhando a entidade embevecida. De repente sorriu e pensou:
-
É a Madre Maria de Lourdes!
Só
foi ela pensar e a aparição confirmou o seu nome:
-
Você está certa. Há muitos anos eu dirigi esse convento, mas isso tem muito
tempo para vocês. Do lado de cá, o tempo é diferente. Não sei nem como
explicar, mas isso não importa. Ah! Viu como você falou direto sem abrir a
boca? Isso é muito bom! Assim você não corre o risco de pegarem-na falando
sozinha.
A entidade sorriu antes de terminar a
frase. Helô acabou sorrindo também. Tinha entendido a colocação da Madre Maria
de Lourdes.
O
almoço já tinha terminado. As crianças foram informadas que estavam liberadas
das aulas da tarde. Logo uma agitação tomou conta de todas, ensaiaram uma
correria. A irmã que estava designada para tomar conta da disciplina, que era a
irmã Gertrudes, barrou as crianças na saída fechando a porta atrás de si. Como
por encanto todas pararam. A irmã sorriu e, sem falar nada, abriu uma das
bandas da porta. Ficaram em fila e foram saindo uma de cada vez, mas quando se
viram no corredor a correria foi generalizada. Cada grupo ia para um canto
diferente. As crianças mais novas foram para o parquinho, as acima de quatorze
anos foram para a biblioteca, somente Helô foi para o alojamento. Escovou os
dentes e foi até a janela. Em pouco tempo a entidade apareceu e chamou-a:
-
Vamos, Helô. Hoje vai ser um dia importantíssimo. Minha filha, aconteça o que
acontecer você terá que manter a calma, e não se esqueça que estarei sempre do
seu lado. Você poderá constatar isso porque agora não fico mais invisível na
sua presença. Sei que está com muita responsabilidade em cima do seu ombro,
mesmo sendo uma criança com apenas onze anos, mas está mais preparada do que
muitos adultos. E você não vai falhar. Eu sei que não. Vamos?
-
Sim, Madre. Já estou indo.
Saiu do alojamento sorrindo. Como
estava sozinha não se preocupou, mas mesmo assim colocou a mão na frente da
boca. O riso era reflexo de um pensamento que veio à cabeça.
-
Como podia conversar com uma pessoa sem falar?
A menina foi sorrindo até aproximar-se do
pomar, mas parou ao avistar suas duas amigas, Sílvia e Bela, que acabavam de
subir numa árvore. Estancou seus passos e demonstrou preocupação. Sabia que
daquela árvore seria vista por elas. Então pediu socorro à entidade, que ia à
sua frente.
-
Madre, não tem como eu passar! Elas vão me ver!
-
Calma! Pode vir. Continue andando sem preocupação. Elas não vão vê-la. Ninguém neste momento vai pousar os
olhos em você. Você acabou de ficar invisível.
-
Como assim? Ninguém vai me ver mais? Pra sempre?
-
Não, Helô! É só agora! Eu só escondi você dos olhos delas! Pode vir.
Depois do pequeno susto Helô foi caminhando, mas titubeante. Não estava
muito convicta de que não seria vista, tanto que mais à frente deu uma
paradinha ao avistar Alécia, outra colega. A entidade então, com um gesto de
mão, chamou-a. Mesmo receosa obedeceu. Foi caminhando vagarosamente até
aproximar-se da menina. Bem em frente dela, parou. Aí é que se sentiu realmente invisível,
quando não foi notada por ela. Para certificar-se da sua invisibilidade deu uma
volta em torno da colega. Constatando o que afirmara a entidade, sorriu e saiu
pulando. A Madre Maria de Lourdes sorriu também. Sabia que, mesmo com toda a
maturidade que Helô apresentava, ela era uma criança.
...............Continua semana que vem!