terça-feira, 19 de fevereiro de 2019

A História de Helô - Parte 20

Continuando...

          Antes da missa habitual, realizada sempre às dez horas, o padre e o senhor faziam uma caminhada, juntamente com a Madre, pela propriedade e aproveitavam para fazer um agrado às crianças distribuindo presentes. O tal senhor queria confirmar se o seu dinheiro era bem usado na conservação dos prédios e no conforto das crianças. Os alojamentos das meninas tinham que estar sempre um brinco e a sua preocupação ia mais além: queria que todas estivessem bem de saúde. Enquanto caminhava, dizia para a Madre:
          - Joana, eu quero as minhas meninas sempre saudáveis. O meu trabalho é injetar dinheiro aqui e o seu dever, Joana, é manter tudo em ordem. Esse meu investimento tem que me dar muito lucro e prazer, é claro! Muito prazer! E a Madre sabe o quanto sou generoso, não é Joana?
          - Claro! Claro, senhor! Pode ficar certo que os nossos negócios vão de vento em popa! Eu cuido bem das galinhas dos ovos de ouro! A nossa parceria vem dando certo há muito tempo, não vai ser agora que vai deixar de funcionar. É ou não é?
          O misterioso senhor deu um sorriso de satisfação, respirou fundo, estufou o peito e disse baixinho, quase colado ao ouvido da madre:
          - É claro, Jo... madre! E os nossos investimentos? Tudo sob controle?
          - Já estão à espera no meu quarto, digo, no meu escritório.
          - Então, logo logo vou conferir.
          O padre Arcanjo, que estava do outro lado da madre, falou rapidamente:
         - E eu também! Não se esqueça de mim!
        - Claro, meu bom amigo Arcanjo! Padre Ancanjo! Como vou esquecê-lo? Somos um trio imbatível, não é, irmã?
          A Madre Joana de Maria não respondeu com palavras, mas confirmou com um gesto afirmativo de cabeça, depois mudou o caminho da prosa, já que andava preocupada com o rumo político do país, e cutucou o senhor:
          - Sócio, ando meio preocupada. Essa onda de político envolvido  em  corrupção vai pegá-lo?
          - Não, minha querida Madre! Isso tudo é só fumaça!
          - Mas tem gente indo presa!
          - É um ou outro indo para o sacrifício! Em toda boiada tem um boi de piranha e lá em cima não é diferente. Em prol da segurança da câmara e do congresso alguém tem que se sacrificar. Logo logo o povo esquece e o boi de piranha está de volta para o seio da sua boiada! No nosso metiê, o boi volta. Tudo é feito para acalmar o povo. Depois eles se esquecem de tudo. A memória deles é curta. Assim sempre foi e assim sempre será.
          - Será mesmo?
          - Qualquer R$50,00 faz o cara mudar de opinião.
          - Mas a coisa está ficando preta!
          - É tudo fachada. A oposição que ataca hoje, amanhã será atacada. O bandido de hoje é o mocinho de amanhã, e somos todos amigos.
           - Mas o povo pode cobrar isso na próxima eleição. Não tem medo?
           - Minha cara Joana, o povo esquece tudo. A memória nacional é estrangeira.
          E continuaram caminhando pela propriedade em conversa quase muda, seguidos à distância pela criançada e por algumas irmãs.
          No dia seguinte, a manhã acordou com trovoadas mas não parecia que ia chover. No céu do convento o sol flutuava majestoso. Não se via nuvem alguma. Raios riscavam o céu num horizonte quase perdido da nossa visão. O trovão apenas mandava o seu eco, talvez avisando que o que acontece de ruim na casa do vizinho pode chegar até a nossa casa também.  Helô foi acordada pelo barulho. Chegou até a janela, abriu-a e ficou satisfeita ao ver que o sol brilhava. Olhou para o céu e deixou que os raios solares batessem no seu rosto, depois respirou fundo um ar fresco que vinha da mata. Não entendeu a trovoada com o céu limpo, mas, como já tinha acontecido isso em outras vezes, não se preocupou. Na verdade ela gostava quando chovia. E se essa chuva viesse acompanhada de trovoadas e raios cortando o céu, aí ficava melhor. Nunca soube porque  gostava tanto disso enquanto a maioria das crianças se borrava de medo e algumas até se escondiam debaixo das camas. Não se preocupava com isso, sabia que cada um tem medo de uma coisa e ela também tinha. Quase se borrava na presença da Madre Joana, mas achava que um dia ia deixar de sentir esse medo. Rezava pra Deus, com a cabeça no travesseiro, pedindo para Ele acabar com esse seu medo.   
          A menina ia fechar a janela, mas desistiu. Apoiou os cotovelos no parapeito e ficou olhando para o pomar, que não ficava distante dali. As crianças ainda dormiam, pois, especialmente naquela quinta feira, não teriam aula pela manhã. Ninguém sabia dizer o porquê, mas a madre substituiu-as por atividades recreativas e, então, as crianças poderiam ficar mais um tempinho na cama. Helô não tinha tido uma noite bem dormida. Levantou cedo e ficou ali na janela, depois foi andar pelo alojamento. Ele era bem grande, com divisórias. As crianças até 14 anos ficavam numa ala e as outras acima de 15 anos ficavam em outra ala. Esse setor era subdividido em pequenos cômodos com porta, contendo três camas. Uma das portas estava aberta e era das três meninas, as mais velhas, duas de dezesseis anos e uma de quinze, que tinham ido, no dia anterior, para o escritório da Madre, levadas pela irmã Eva. Foram num pé e voltaram num outro. Chegaram cabisbaixas. Tomaram banho, trocaram de roupa e saíram novamente. Helô não conseguiu saber o que tinha acontecido com elas e ficou olhando para as três camas vazias. Ela não entendia o porquê das meninas não terem voltado para dormir. Ela já tinha visto isso acontecer outras vezes, mas ninguém nunca falou nada a respeito. Tudo acabava no esquecimento. 
...................Continua semana que vem!

Nenhum comentário:

Postar um comentário