Antes da missa habitual, realizada sempre às dez horas, o padre e o
senhor faziam uma caminhada, juntamente com a Madre, pela propriedade e
aproveitavam para fazer um agrado às crianças distribuindo presentes. O tal
senhor queria confirmar se o seu dinheiro era bem usado na conservação dos
prédios e no conforto das crianças. Os alojamentos das meninas tinham que estar
sempre um brinco e a sua preocupação ia mais além: queria que todas estivessem
bem de saúde. Enquanto caminhava, dizia para a Madre:
-
Joana, eu quero as minhas meninas sempre saudáveis. O meu trabalho é injetar
dinheiro aqui e o seu dever, Joana, é manter tudo em ordem. Esse meu investimento
tem que me dar muito lucro e prazer, é claro! Muito prazer! E a Madre sabe o quanto
sou generoso, não é Joana?
-
Claro! Claro, senhor! Pode ficar certo que os nossos negócios vão de vento em
popa! Eu cuido bem das galinhas dos ovos de ouro! A nossa parceria vem dando
certo há muito tempo, não vai ser agora que vai deixar de funcionar. É ou não
é?
O
misterioso senhor deu um sorriso de satisfação, respirou fundo, estufou o peito
e disse baixinho, quase colado ao ouvido da madre:
-
É claro, Jo... madre! E os nossos investimentos? Tudo sob controle?
- Já estão à espera no meu quarto, digo, no
meu escritório.
-
Então, logo logo vou conferir.
O
padre Arcanjo, que estava do outro lado da madre, falou rapidamente:
-
E eu também! Não se esqueça de mim!
- Claro, meu bom amigo Arcanjo! Padre
Ancanjo! Como vou esquecê-lo? Somos um trio imbatível, não é, irmã?
A
Madre Joana de Maria não respondeu com palavras, mas confirmou com um gesto
afirmativo de cabeça, depois mudou o caminho da prosa, já que andava preocupada
com o rumo político do país, e cutucou o senhor:
-
Sócio, ando meio preocupada. Essa onda de político envolvido em corrupção vai pegá-lo?
-
Não, minha querida Madre! Isso tudo é só fumaça!
-
Mas tem gente indo presa!
-
É um ou outro indo para o sacrifício! Em toda boiada tem um boi de piranha e lá
em cima não é diferente. Em prol da segurança da câmara e do congresso alguém
tem que se sacrificar. Logo logo o povo esquece e o boi de piranha está de
volta para o seio da sua boiada! No nosso metiê, o boi volta. Tudo é feito para
acalmar o povo. Depois eles se esquecem de tudo. A memória deles é curta. Assim
sempre foi e assim sempre será.
-
Será mesmo?
-
Qualquer R$50,00 faz o cara mudar de opinião.
-
Mas a coisa está ficando preta!
-
É tudo fachada. A oposição que ataca hoje, amanhã será atacada. O bandido de
hoje é o mocinho de amanhã, e somos todos amigos.
- Mas o povo pode cobrar isso na próxima eleição. Não tem medo?
- Minha cara Joana, o povo esquece tudo. A memória nacional é
estrangeira.
E
continuaram caminhando pela propriedade em conversa quase muda, seguidos à
distância pela criançada e por algumas irmãs.
No dia seguinte, a manhã acordou com trovoadas mas não parecia que ia
chover. No céu do convento o sol flutuava majestoso. Não se via nuvem alguma.
Raios riscavam o céu num horizonte quase perdido da nossa visão. O trovão
apenas mandava o seu eco, talvez avisando que o que acontece de ruim na casa do
vizinho pode chegar até a nossa casa também.
Helô foi acordada pelo barulho. Chegou até a janela, abriu-a e ficou satisfeita
ao ver que o sol brilhava. Olhou para o céu e deixou que os raios solares batessem
no seu rosto, depois respirou fundo um ar fresco que vinha da mata. Não entendeu
a trovoada com o céu limpo, mas, como já tinha acontecido isso em outras vezes,
não se preocupou. Na verdade ela gostava quando chovia. E se essa chuva viesse acompanhada
de trovoadas e raios cortando o céu, aí ficava melhor. Nunca soube porque gostava tanto disso enquanto a maioria das
crianças se borrava de medo e algumas até se escondiam debaixo das camas. Não
se preocupava com isso, sabia que cada um tem medo de uma coisa e ela também
tinha. Quase se borrava na presença da Madre Joana, mas achava que um dia ia
deixar de sentir esse medo. Rezava pra Deus, com a cabeça no travesseiro,
pedindo para Ele acabar com esse seu medo.
A
menina ia fechar a janela, mas desistiu. Apoiou os cotovelos no parapeito e
ficou olhando para o pomar, que não ficava distante dali. As crianças ainda
dormiam, pois, especialmente naquela quinta feira, não teriam aula pela manhã. Ninguém
sabia dizer o porquê, mas a madre substituiu-as por atividades recreativas e, então,
as crianças poderiam ficar mais um tempinho na cama. Helô não tinha tido uma
noite bem dormida. Levantou cedo e ficou ali na janela, depois foi andar pelo
alojamento. Ele era bem grande, com divisórias. As crianças até 14 anos ficavam
numa ala e as outras acima de 15 anos ficavam em outra ala. Esse setor era
subdividido em pequenos cômodos com porta, contendo três camas. Uma das portas
estava aberta e era das três meninas, as mais velhas, duas de dezesseis anos e
uma de quinze, que tinham ido, no dia anterior, para o escritório da Madre,
levadas pela irmã Eva. Foram num pé e voltaram num outro. Chegaram cabisbaixas.
Tomaram banho, trocaram de roupa e saíram novamente. Helô não conseguiu saber o
que tinha acontecido com elas e ficou olhando para as três camas vazias. Ela
não entendia o porquê das meninas não terem voltado para dormir. Ela já tinha
visto isso acontecer outras vezes, mas ninguém nunca falou nada a respeito.
Tudo acabava no esquecimento.
...................Continua semana que vem!
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