terça-feira, 5 de fevereiro de 2019

A História de Helô - Parte 18

Continuando...

          Do outro lado, junto ao Bispo, a Madre acompanhava toda a cena. Aquela felicidade da irmã Amélia não lhe agradava em nada. A cara que fez não foi de bons amigos, com certeza. Enquanto o Bispo falava com um dos seus assessores, ela cochichou alguma coisa no ouvido da irmã Arminda, uma das suas escudeiras, que rapidamente girou nos calcanhares e partiu em direção à irmã Amélia. Com a sua chegada, a irmã tremeu dos pés à cabeça. Sabia que coisa boa não vinha. A mensageira da Madre nunca trazia boas notícias e dessa vez não seria diferente, como não foi. Chegou e, sem falar nada, tirou a menina do seu colo. Em seguida, com um gesto de mão, convidou-a a acompanhá-la. Já com os olhos cheios d’água, a irmã Amélia levantou-se e a seguiu sem nada perguntar, demonstrando total submissão.
          Helô mais uma vez ficou sem entender nada, apenas olhava entristecida a irmã Amélia ir-se distanciando. Sem perceber, os seus olhos encheram-se de lágrimas, mas sentiu quando essas lágrimas tristes escorregaram pela sua face. Olhou para onde estava a irmã Gertrudes e saiu correndo à procura dos seus braços protetores. Chegou e abraçou-se com ela. Chorosa, perguntou:
          - Por que, irmã? Por quê?
          A princípio a irmã Gertrudes nada falou. Estava também engasgada com a cena que tinha presenciado. Engoliu em seco e, ela também não entendia o que se passava entre a sua amiga Amélia e a Madre, falou baixinho no ouvido da menina:
          - Helô, a irmã Amélia é muito importante para a direção da irmandade. Estamos com visitas, logo ela tem de estar junto com a Madre recepcionando o Bispo e a sua comitiva.
          - E das outras vezes?  - perguntou.
          A irmã pigarreou e ficou procurando alguma resposta. Procurou e não achou nada que pudesse acalmar aquele coraçãozinho entristecido. Então preferiu tentar mudar o rumo da conversa, dizendo:
          - Guria, sabia que hoje tem aquele doce que tu gostas tanto? Vamos comigo até a cozinha? Vou pegar, sem ninguém ver, um pedaço pra mim e outro para ti!
          - Ué! Ué! Tem hora que a irmã fala diferente! É tu pra lá! É você pra cá!
         - Eu sou assim mesmo! Não liga não! Eu fico tentando falar igual a vocês, mas tem horas que esqueço e volto para o sul. O que fazer né?
        - É mesmo. Mas... e o  doce, irmã?
          - Vamos lá, minha menina! Vamos lá!
          A vida no convento voltou ao normal. O bispo e a sua comitiva partiram depois de darem o ok nas instalações do orfanato. Voltaram para a capital impressionados com o estado de conservação de todo o convento. Um dos padres até questionou a qualidade de tudo, visto que o valor que era enviado mensalmente pouco daria para mantê-lo um brinco. Entretanto a Madre adiantou-se e justificou, com um sorriso afável, o porquê do padrão de limpeza e conservação de toda a propriedade.
          - Senhor, Bispo Giordano, como ainda tem alma boa nesse mundo! E aqui na nossa região tem uma dessas almas! Pena que ela teima em se fazer anônima! Mas peço diariamente a Deus para que preserve a sua vida! Ela, mesmo sem conhecê-la, está nas minhas orações diárias!   
          O Bispo sorriu satisfeito. A Madre era extremamente convincente. Com a sua falsa docilidade, conseguiu do Bispo o seu ok para todas as instalações que atendiam as crianças órfãs. Com essa aprovação, tinha quase certeza que por mais alguns anos estaria livre de futuras vistorias. Sabia que isso teria um preço, não pecuniário. Seria um sacrifício pessoal. E ter que fazer coisas que não lhe agradavam, realmente, era um sacrifício enorme. Seria uma coisa simples, mas mesmo assim seria tediosa. Teria que mexer com o seu sossego. Pelo menos quinzenalmente telefonaria para o Bispo. Essa política era infalível. Foi assim com o Bispo Morello e deu certo.  Falavam-se por telefone, de quinze em quinze dias, e ela deixava-o informado de quase tudo que acontecia. Com um afago quinzenal, ele caiu direitinho nos seus planos. Era uma conversa adocicada, que acabou adoçando o seu coração. Ele fez o que ela queria: a vistoria à distância. Dava o seu ok sem precisar sair do seu conforto. E assim foi até a sua morte. Agora teria que fazer a mesma coisa com o Bispo Giordano. Pela sua reação, à primeira vista, achou que seria fácil. Se desse alguma coisa errada, telefonaria semanalmente ou até diariamente se preciso fosse. Faria qualquer coisa para mantê-lo distante do seu domínio. Ali ela não queria gente enxerida.
          A princípio tudo tinha voltado ao normal, mas para Helô não. Há cinco dias, desde a partida do Bispo e sua comitiva, que não falava e nem via a irmã Amélia. Estava triste. A voz também emudeceu. Resolveu então procurar a irmã Gertrudes.
          Entrou no hall principal do convento. Estava vazio. Nem mesmo a irmã Fátima, que normalmente ficava de plantão, encontrava-se no recinto. Alguma coisa levou-a a sentar-se numa cadeira que estava de frente para a escada que dava acesso ao andar superior. Sempre teve vontade de sentar-se ali, mas tinha medo. Como tudo por ali era proibido, automaticamente, quando ia até a recepção não se sentava, mas não resistiu e, aproveitando a ausência da irmã Fátima, jogou-se na cadeira estofada. Matou a vontade que estava guardada há algum tempo. Depois encostou-se à almofada macia do encosto. Dali começou a olhar todo o entorno. Observou cada utensílio que ornava o ambiente. Depois colou o seu olhar no teto. Um lustre do século dezenove, que flutuava no ar, chamou a sua atenção. Quando ali foi colocado, em todos os pontos que hoje tem uma luminária, no passado a luz vinha de velas. Eram dez pontos clareando o ambiente, ou deveriam ser porque, por ordem da Madre e por economia, apenas três ficavam acesas. Era a crise que tinha chegado ao convento, segundo ela. 
..............Semana que vem continua!

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