terça-feira, 27 de junho de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 14

Continuando...
Toni coça a cabeça, olha para a esposa do amigo e fica sem saber o que falar. Olha para o irmão e, com um olhar que só Quim conhece, pediu socorro. Mas Quim, disfarçadamente, vira o rosto. Num beco sem saída, deixando escapar um pigarro nervoso, fala timidamente para dona Maria:
      - Dona Maria. Eu...
      - Sim. Alguma noticia do meu marido? O que ele mandou pra mim?
      - É sim. É ele mandou sim. Mas... Mas eu não tenho boas notícias. Ele...
      - Ele está doente? Muito doente?
      - É! Ele ficou... Sabe! Ele não...
      - O senhor que dizer... Ele morreu? É isso? Ele morreu?
      - Foi... É! Sabe! Infelizmente ele não resistiu! E...
      - Então ele morreu mesmo? Meu Deus! Meu Deus!
         Dona Maria se segura no portão, arria a cabeça e chora compulsivamente. O filho, que estava ao seu lado, se abraça a ela. Toni e Quim não aguentam a cena e choram juntos com a esposa e o filho de Zé. O momento era de total tristeza. Dona Maria, depois de chorar tudo que podia, levantou a cabeça e falou para os irmãos, ainda com os olhos inundados de lágrimas:
        - Senhor, o que é que vai ser da gente? Eu sempre tive a esperança dele voltar. Um dia seu pai vai voltar. Eu sempre falava isso para as nossas crianças. Mesmo do jeito que ele tinha ido. Ele levantou um dia e disse que ia embora para "enricar", mas depois voltava. Moço, nós já tivemos uma vida melhor. Antes dele se ir, nós vivia com pouco, mas vivia bem. O senhor sabe que eu estudei um pouco? Aprendi a lê e escrevê. E ensinei com o pouco que eu sabia, os nosso filho. Nesse fim de mundo, não tem nada. Desculpe. Tem sim alguma coisa: miséria. Mas eu tinha esperança que ele voltasse.
       Quando a mulher de Zé dá uma pausa no seu lamento, Quim consegue escapar do silêncio e fala para a viúva:
        - Dona. Eu sinto muito! Sinto mesmo! Do fundo do meu coração! Mesmo eu não conhecendo o Zé, eu fiquei triste! E estou triste com a sua tristeza!
       - É dona Maria, ele era um grande amigo. Quim não conheceu o Zé. Só conhecia deu falar. Ele deve ter falado no meu nome com a senhora. Eu me chamo Toni. A senhora se lembra?
         Ela já um pouco recuperada do choque da morte do marido, tenda responder, enxugando um resto de lágrimas:
       - Toni? Ah, sim. Vocês trabalharam juntos. Tem muito tempo, não tem?
       - É! Muito tempo, mesmo!  Velhos tempos! Tenho saudade daquele passado, que faz muito tempo, mas parece que está aqui. Acho que não vai sair nunca daqui dessa cabeça. Por que a vida faz isso com a gente?
      - É seu Toni. Tem hora que fico com muita reiva com tudo que acontece com a gente. Fico até burricida com Deus! Mas depois eu peço desculpa. Tem muita gente por aí pior que a gente, não tem? Eu não sei purquêtanta coisa ruim acontece comigo e com tanta gente por aí afora. Mas acontece coisas boa também. Então eu peço desculpa a Deus, porque ele sabe o que faz, né?
       - Acho que a senhora está certa, não é Toni?
       - É. Tá certa sim. Quem somos nós pra julgar Deus. 
         Toni dá uma parada. Antes de recomeçar a falar, respira fundo, assopra e finalmente volta ao fio da meada:
       - Dona Maria. Nós trouxemos algumas coisas pra senhora. São alguns pertences do seu marido. Foi um amigo do Zé que pediu pra eu trazer. Só não lembro o nome dele, no momento. Mas não deve fazer diferença, né? O importante é que trouxemos o prometido. Também eu nem sei se ele falou o nome. Deixa pra lá. Ele me entregou tudo é foi embora. Sabe que eu não vi mais o cabra?
         Dona Maria deixa escapar um sorriso meio sem expressão e, apontando para a casa, convida- os a entrar:
       - Vamos entrá? Não repare, não. A casa é pobre, mas dá pra receber os amigo do meu marido.
       - Aceitamos sim. Se não for incomodar! Não é Quim?
       - Leonor, côa um cafezinho, aí, filha! Temos visita!
          A cortina que cobre o vão da porta é aberta e aparece uma menina, que não passa dos doze anos, magra, cabelo lambido, com um vestido branco roto, dá um bom dia para os dois caminhoneiros e depois pergunta a mãe:
            - Boa tarde. Mãe faz quantos? Pode fazer pra nós também?
            - Não, filha. Só pras visita.
              Quim olha para o irmão, enquanto a menina volta por onde tinha saído, e quase sussurrando, fala:
            - Toni, isso não tá certo! Eles são muito pobres! A gente vai desfalcar o café deles!
            - Fica quieto, Quim! Ela pode se ofender! Depois deixamos uns do nosso! Temos muito! Não podemos é fazer desfeita!
            - Tá bom! Você tá certo, mano! Ih! Toni! Olha só aquele retrato, ali! Não é aquela menina que veio com a gente?
            - Isso mesmo, Quim! É ela! Só pode ser! Por que será que ela não quis descer aqui?
              Quim nada responde, porque, com certeza, não saberia o que dizer. Mas olhava para o retrato, boquiaberto. Estava impressionado. A semelhança era muita. Não se conteve e se dirigiu a mulher do Zé:
           - Dona Maria. Essa menina é sua filha? Aquela ali do retrato!
           - É sim! É linda, não é? Angélica! Minha Maria Angélica! Sinto uma saudade danada dela! Meu Deus, que saudade!
          Toni percebendo a dor que aquela mãe sentia, pergunta:
           - Ela fugiu de casa?

- Não sinhô! Fugiu não! Nossa menina, nunca fugiria da gente! Nós perdemos ela pra Deus! Já faz três anos! O pai nem soube. Pegou uma febre e... A gente não teve nem tempo pra correr.
           Continua semana que vem... 

terça-feira, 20 de junho de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 13

Continuando...
        Tonhão fala para o amigo e aponta na direção da tal estrada de chão. Tião vai diminuindo a velocidade do carro, até quase parar. Da rodovia para a rua de chão, tem um desnível. Entra vagarosamente e depois dobra a esquerda, passando por cima de um mato ralo.  Estaciona o carro e os dois descem rapidamente. Ansioso, Tião abre a mala do carro e tenta puxar o caixão. Mas ele não consegue movê-lo. O amigo fica olhando, ri do seu fracasso e ainda faz uma gozação:
       - Ah! Ah! Ah! Tá fraco, hein Tião? O que você comeu não deu sustança, não?
       - Qual é? Tô fraco, uma ova! Vem de sacanagem, não! Ao invés de ficar aí falando besteira, vem me ajudar! Esse troço tá pesado pra cacete! Anda rápido pra gente sair logo daqui! Esse esforço vai valer a pena! Vem logo e deixa de frescura!
       - Tá nervoso? Fresco, é tu! Sou é cabra macho! Vou mostrar pra você como é mole arrastar esse caixão! Deixa comigo!
      - Ué! Cadê o machão? Deixa de besteira! Pega aqui por fora, que eu vou empurrar lá de dentro! Vamos lá! Parecia mais leve, não é Tonhão?
      - Estranho, né? Mas nós coloca ele aqui! Se colocamo, a gente tira! Vamos, Tião! Empurra essa droga, que eu vou puxar!
     - Lá vai! Um, dois, três... Foi! Agora vou aí pra fora.
     - Cuidado pra não deixar cair, Tião.
     - Qual o problema de jogar ele no chão?
     - Porra cara! A gente quer a grana, mas não podemos desrespeitar o defunto! Vamos pegar o que interessa e deixar o defunto por aqui mesmo! Mas com a tampa aberta, prus urubus! Vamos descendo devagar. Pronto. Viu? Agora é só destampar. Tira a tampa você.
     - Por que eu?
     - Tá bom. Você já fez força à beça, agora deixa comigo. Olha bem. Ué, Tião! A tampa tá aberta! Aqui! Só tá encostado! Cara, como é que a gente fez tanta força e não conseguimos abrir? Olha como tem pano em cima do defunto! Tião mete a mão e tira isso tudo!
     - Por que eu? Tira você!
     - Tudo bem! Mas eu tiro do meio pra cá e você pra lá!
     - Tá bom! Tá bom! Começa você!
        Os dois estavam visivelmente receosos para mexer no defunto. Mesmo convivendo com a violência, não estavam demonstrando desembaraço no trato com a morte. Custaram a tomar iniciativa. Foi Tião que acabou cedendo e começou a remover os panos que cobriam o falecido.
      - Já que você não se mexe, eu vou tirar.
         Lá foi Tião, vagarosamente, cheio de medo, afastando o tecido que aparentemente cobria o pé. Logo que levantou o pano, parou e fez uma cara de espanto:
      - Ih! Ih! Tonhão! Cara se demos mal! Só tem pedra!
      - Como só tem pedra?
      - É isso mesmo: só tem pedra! Tira tudo! Tira tudo!
      - Tião, que sacanagem! Só tem pedra aqui também! Tudo é só pedra!
      - Andamos pra caramba, pra encontrar só pedra? Cara, isso é sacanagem das grande! Tonhão, vamos voltar lá e pegar aqueles caras! Eles ficaram com o nosso tesouro! Nós fomos enganados pelaqueles dois babacas! Vamos voltar!        
      - Como voltar? Tá maluco? A polícia tava chegando lá, esqueceu? Nessa nós dançamos! E dançamos feio, cara! Além do mais, eles já devem estar muito longe! Essa parada nós perdemos! Agora, só partindo pra outra! Tá falado?
         Tião aceitou, mas revoltado. Acabou descarregando a sua raiva no caixão, dando vários chutes. Enquanto isso, Tonhão entrava no carro e assumia a direção. Com o carro ligado, esperava Tião, que demonstrando total desequilíbrio, esvaziava o tambor do revolver, no caixão, destruindo-o a tiros. E bem longe dali, os irmãos Toni e Quim continuam a caminho da casa da família de Zé. Já na estrada de chão, bem distante da rodovia, Toni ouve as reclamações de Quim:
       - Puxa, Toni! Não tinha estrada pior do que essa não? Já estou com os ossos todo quebrado! Pô, mano! Parece que a gente já andou pra lá de 20 km! Estou mais moído que vidro em linha de trem! Esses buracos estão sacodindo os meus miolos! Meus pensamentos vão ficar embaralhados!
       - Como reclama! Como reclama! Até parece que é a primeira vez que você encara uma estrada dessas! Para com isso, Quim! Deixa de bobeira! A menina vai achar que você é um fracote!
      - Que fracote, nada! Pô, Toni! Depois de tantas emoções, o que é que você queria? E vamos rezar para os caras não pegarem o nosso rastro! E aí, menina! Falta muito pra chegar?
      - Tá pertinho! Pertinho! Tá mais perto do que você imagina! Logo ali! Depois daquela árvore. Está vendo? É o primeiro sítio. Vou ficar ali mesmo. Pode parar em frente à árvore.
      - A sua família mora por aqui? A gente leva você até a sua casa!
      - Não precisa, não. Obrigado pela carona. Obrigado por tudo.
      - Né Toni? A gente é que agradece! E peço desculpas por ter desconfiado de você! Você salvou as nossas vidas!
      - Vocês é que vão salvar muitas vidas! Obrigado. Tchau.
      - Tchau! Vai com Deus!
      - Até mais ver! Ei, Toni! Ela disse que nós vamos salvar muitas vidas? É isso mesmo? Não entendi! Olha lá, mano! Será que é ali? Olha só! Pelo jeito da casa, devem viver numa tremenda miséria! Meu Deus! Toni, você sabe o nome da viúva?
       - Espera aí. Tá escrito no envelope. Vou pegar aqui no bolso. Toma. O nome está dentro. Tem um pedaço de papel com o endereço e o nome dela.
        - O nome dela é Maria da Anunciação. O número está ali: 535.
- Quim,vou pararum pouquinho depois da casa. Se não vai ficar muito em cima do portão.
       - Estou descendo, Toni. Ih! Olha lá! A menina ainda está parada lá na árvore!
       - Deve estar descansando! Com certeza, está cansada igual à gente! Vamos lá. Bate palma. Vamos, Quim!
       - Calma. Calma. Tem um menino ali. Dona Maria está? 
       O menino corre e entra no casebre, chamando pela mãe.
       - Mãe! Mãe! Tem um moço aqui chamando à senhora!
      Enquanto a criança entra gritando pela mãe, Quim fala, quase segredando, com o irmão:
       - Toni, acho melhor a gente não dizer nada sobre o defunto, não. Como é que a gente vai explicar que ele foi roubado, com caixão e tudo? Dá só a notícia da morte dele! É melhor! Vai por mim!

       - Acho que você está certo. Quim, tá vindo uma senhora. É a mulher do Zé, sim. Eu vi numa foto, que ele me mostrou. Caramba! Ela não mudou quase nada! Dona Maria?
      - Sim senhor. Sou Maria.
      - A senhora é a esposa de Zé Betão?
      - Sou sim senhor.Porquê? O senhor tem alguma notícia dele? Há muito tempo que ele não dá noticias!
      - Eu sou Toni e ele, é Quim, meu irmão. É... É... Nós trouxemos notícias, sim! Trouxemos algumas coisas pra senhora.
     - Ele mandou?
     - É... Mais ou menos. Sabe...
     - Toni, desembucha logo!
     - Calma, Quim!
       Toni bota a mão na frente da boca e fala baixo:
     - Quim, como é que eu vou dar a noticia assim de cara?

     - Sei lá! Você sabe que eu fico nervoso com muito suspense! Fala logo! Mas sem falar no corpo!
             Continua semana que vem...

terça-feira, 13 de junho de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 12

Continuando...
          - Não se preocupe. Não tem nada pra explicar, não! Você não tem um envelope para entregar pra família?
        - Tenho.
        - Então, é a única coisa que importa! Eles não precisam saber de corpo nenhum!
           Toni fica olhando para a menina, sem saber o que falar. Estava tentando encontrar palavras para continuar a conversa. Olha para o irmão, como querendo que ele falasse alguma coisa, mas Quim, parecendo que tinha percebido a intenção dele, dá uma sacudida na cabeça, negando, e diz:
          - Oh! Estou fora! Não tenho nada pra dizer! Não sabia de corpo nenhum! E tem mais: foi até melhor os caras terem levado o caixão! Você sabe que eu não fico muito a vontade perto de defunto!
          - Mas você é cagão, Quim! Eu sabia que não podia contar com você! Agora, menina, me diz uma coisa: como é que você sabia do envelope? Ninguém sabia! Acho que nem Quim sabia! Se eu comentei, elenem percebeu!
         - É! Não sei de envelope nenhum! Você não falou nada! Acho que falou de uma carta! Só isso!
         - Ah! Quim! Devo ter falado e você não registrou! Mas quero saber como você sabia, menina!
         - Isso não é importante agora, tá legal?  Vamos embora! Vamos subir no caminhão e pé na mula!
         - Mas...
         - Mas nada!
         - Mas nada? Olha aí Toni! Mas antes de qualquer coisa: o cagão é você. Ouviu bem, Toni? E agora, menina, me diz uma coisa: por que os caras deixaram a gente e se mandaram apressados? Pelo menos isso tem explicação, né?
        - Foi à sirene da polícia!
        - Que sirene?
        - Vocês não ouviram a sirene da polícia?
        - Eu não! E você Toni?
        - Eu também não! Quim, eu desconfio que estamos ficando surdos!
        - É! Pode ser! Surdinho! Surdinho! 
        - Vocês não ouviram, porque estavam com muito medo. O medo deixa as pessoas cegas, surdas e mudas.
       - Mas eu não estou nem cego, nem surdo e nem mudo. Falei de brincadeira que estava surdo. Só de brincadeira. Quim chega mais perto: você não acha que na distância que a gente estava dos caras, a gente não ia ouvir a sirene?
      - Eu acho. Muito estranho! Muito estranho!
        Enquanto os dois falavam quase sussurrando a menina deixava escapar um sorriso. Depois esticou o olhar por todo aquele matagal queimado pela seca, talvez procurando por algum verde. Mas o horizonte só mostrava desolação. Virou às costas e se encaminhou para o caminhão. Quando ia saindo, Quim, percebendo o seu afastamento, fala:
     - Menina. Menina Angélica. Sabe de uma coisa? Eu jurava de pés juntos, que você estava com aqueles pilantras. Na verdade, desde o inicio, achei sempre isso. Agora... Mas se você não estava com eles, como é que não fizeram nada com você? Explica isso?
       - Ah! Eles estavam tão preocupados com o caixão, que nem prestaram atenção em mim! Mas... O melhor agora é a gente ir embora! O que tem de barro pela frente, não está no gibi!
       - Aí Toni! Continua sem explicar nada direito! E ainda, fala uma gíria pra lá de antiga!  Menina! Menina!
       - Deixa de papo! Vamos embora! Vamos?
         Os dois acabam, entre resmungos e protestos, acompanhando a menina. Quando os dois entram, Angélica já está sentada no seu lugar de sempre. Toni pega a direção e comenta com o irmão:
       - Aí Quim! Ela é rápida! Menina ligeirinha! Você viu quando ela subiu?
       - Eu não, mano!
       - Vocês é que são muito molengos!            
       - Molengo, eu? Eu não sou! Toni! E você é?
       - Você sabe que não! Nós somos uma dupla que não dorme no ponto! É ou não é?
       - Claro mano!
       - Vamos deixar de papo furado? Vamos pra rodovia? Na primeira estrada de chão, à esquerda, a gente entra! Aí, estamos quase na minha casa!
      - Daqui a pouco? Daqui a pouco, mesmo? Não pode dizer a distância, não?
  - Claro! Está bem pertinho! Uns cinco quilômetros, só!
 - Assim fica mais fácil, né Toni? Ela é muito engraçada, você não acha? Menina, fala pra gente: entrando nessa tal estrada, você vai ficar aonde?
 - Vou ficar pertinho de onde vocês vão! Quando chegar, eu aviso!
        Toni liga a carreta, mas não sai do lugar. A menina olha para ele e demonstra impaciência. Mas antes que ela falasse alguma coisa, ele vai tentando justificar o fato de não ter colocado o veiculo em movimento, dizendo:
      - Já sei que vai reclamar. Mas tem um probleminha. Não podemos sair assim, sem mais nem menos. Voltamos pra estrada e de repente damos de cara com aquela dupla infernal! O que é que a gente faz? Acho melhor não arriscar. Vamos por essa estrada de chão, mesmo. Lá embaixo, a gente sai. Isso é mais seguro.
      - Precisa não! Eles já estão bem longe, com o seu tesouro! Não precisam se borrar de novo, não!
        A menina fala, vira para o lado e dá um sorriso. Toni dá um muxoxo e rebate a gozação:
      - Se borrar, uma ova! Aí, Quim! Tá chamando a gente de cagões! Pode isso?
     - Aí menina! Você está rindo de quê? Toni, ela tá sacaneando a gente!
     - Deixa! Acho que ela esqueceu que os bandidos estão com o corpo do meu amigo! Eu dei a minha palavra, que ia entregar o corpo aos familiares! E agora?  
        Longe dali, os bandidos conversam.
      - Tonhão, você não acha melhor a gente parar e abrir o caixão? Não deve ter mais perigo, não! Já conseguimos despistar a polícia, cara! Tá na hora da gente ver o nosso tesouro! Estou doido pra abrir logo esse caixão!
     - É. De repente você tem razão. Já estamos andando há bastante tempo e nem sinal de polícia, nenhuma. Tá legal. Vamos sair da estrada. Naquela estradinha ali, de chão batido, a gente entra. Parece um lugar bem deserto. E não deve ter ninguém pra bisbilhotar. Ah. E tem mais: aproveitamos e deixamos o corpo por aqui mesmo. Os urubus cuidam dele.
                  Continua semana que vem... 

segunda-feira, 5 de junho de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 11

Continuando...
            Toni e Quim observam o movimento dos três. Os bandidos tinham sumido dentro do caminhão, já a menina continuava em pé, olhando.  O tempo parecia que tinha parado. Nada dos caras aparecerem. Os nervos dos dois estavam em frangalhos. De repente Quim vê quando aparece um deles carregando alguma coisa. Em seguida aparece o outro segurando a outra extremidade. Quim fica pálido. Assustado interroga o irmão:
        - Toni, o que é aquilo? Meu Deus! Estou vendo um caixão? É isso mesmo? A gente estava carregando, esse tempo todo, um defunto?
       - Mano, eu explico. Se der tempo, eu explico. Mas agora não dá.
       - Por que é que você escondeu isso de mim?
       - Ah, você não ia querer carregar! Quim, eu tinha que trazer o Zé pra família dele sepultar!
       - E se a polícia tivesse pegado a gente? Como a gente ia explicar?
       - Não tinha problema nenhum, Quim! Estou com a documentação todinha aqui! Tá tudo certinho! Acho que isso é legal! E o amigo do Zé me disse que o corpo dele já estava preparado pra viagem! Não ia apodrecer, não! Fica tranquilo!
       - Eu acho que isso é ilegal! Essa não! Eu carregando um defunto! 
       - Mano, eu devia essa ao Zé! Ele sempre foi um grande amigo! Amigão do peito, mesmo! Você sabe que antes de trabalharmos juntos, eu trabalhei um tempão com ele! Era um irmão! Igual a você, Quim!
       - Tá bom, Toni! Oh, mas depois a gente vai conversar sobre isso! Vou querer saber tintim por tintim!
         Eles param de conversar e ficam tentando ver o que os bandidos iam fazer com o caixão. Não ouvem o que eles dizem, mas observam que estão com dificuldade de tirar o tampo. Toni cutuca o irmão e fala baixinho:
         - Quim. Olha só. Não estou entendendo o que está acontecendo. A menina continua do lado dos dois caras, mas eles não dão a mínima pra ela. Ela só observa. Mas agora eu desconfio que ela tá junto com eles. Você tem razão.  Acho melhor a gente se mandar. Estou preocupado.      
        - Eu também. A gente sai daqui correndo. A gente se embrenha nesse matagal e some.
             Nisso a menina se vira e manda, com sinal, que os dois fiquem sentados. Quim olha para o irmão e fala:
         - Toni, agora é que o bicho vai pegar! A menina vai avisar para os caras que a gente tá querendo fugir! E agora, mano?
        - Essa não! Como é que ela ouviu a gente falar que ia fugir? Falamos baixinho!
          Pelo instinto de sobrevivência, pressentem que é melhor ficarem no mesmo lugar. Mas atentos aos movimentos dos três. Pois tinham quase certeza que os bandidos viriam até eles. E assim poderiam tentar pegá-los de surpresa. Talvez fosse a única saída. Então esperaram ansiosos e medrosos, mas os bandidos não vieram ao encontro deles. Pelo contrário, tão envolvidos que estavam com o caixão, que parecia que não estavam nem aí para os irmãos.  Arriaram o caixão perto do automóvel e ficaram conversando. Tonhão então sugeriu para Tião:
          - Tião, vamos levar o caixão ali pra perto daquela árvore. Lá você tenta abrir. Isso aí deve tá fedendo pra cacete! Vamos lá? Pega! Isso! Agora, tenta abrir. Vamos lá, deixa de moleza!
         - Pô Tonhão, tá muito duro! Essa droga não quer abrir de jeito nenhum!
         - Como é que não quer abrir? Não tem cadeado! Tá ficando mole, hein cara!
         - Ficando mole, nada! O troço tá é emperrado, mesmo! Ao invés de ficar falando, vem me ajudar! Nós dois juntos, arromba essa droga! Vamos logo!  
        - Tá bem Tião. Tião!
        - O que é?
        - Porra cara! Tem que arrancar esses parafusos! Por isso é que tá duro pra cacete!
        - Num é que você tem razão! Vacilei feio!
           Mas antes que os bandidos começassem a desparafusar, o som de uma sirene corta o silêncio. Os dois olham assustados na direção do som e Tonhão grita para o amigo:
       - Vamos nessa Tião! Sujou! Vamos pegar o caixão e botar no carro! Temos que ser rápidos! Acho que o carro de polícia está um pouquinho longe! Ainda temos um tempinho! Vamos acelerar e tirar o time de campo!
      - Tonhão e os caras? O que é que a gente faz com eles?
      - Deixa os caras pra lá! Já temos o que a gente quer! Vamos sair logo, antes que a polícia chegue! Se a gente der um tiro, vai ser uma merda! Aí eles pegam a gente fácil! Entre logo! Vamos nessa!
      Quim vendo a movimentação dos bandidos comenta com o irmão:
     - Ué Toni! Viu só? Os caras botaram o caixão no carro e saíram numa tremenda disparada!
     - Esqueceram da gente, graças a Deus! Ué, a menina ficou, Quim! E agora? Levaram o corpo do Zé!
     - Toni, ele já estava morto! Eu acho que não estão interessados no corpo, não! Mano, deve ser alguma coisa que está junto com o defunto! Você, por um acaso, sabe o que é?
        - Como é que eu vou saber? Sei lá, Quim! O que eu sei, é que Zé está lá dentro do caixão! E a minha missão, era levar ele para os familiares enterrarem! Tem também alguns pertences seus! Ah! E também...
Ih, Quim! Lá vem a menina! É melhor a gente se levantar! Os caras foram e deixaram ela! Agora que não entendi nada!
       - Toni, de repente ela não estava, mesmo, com os caras. Pra eles largarem ela por aqui, né? Ou então, ela é a sanguinária. E só ficou pra eliminar a gente. 
       - Não sei. Não posso acreditar nisso. Mas às vezes fico na dúvida, como agora. Não! Não! Ela não vai fazer isso com a gente! Ou vai? Viu alguma arma com ela?
       - Não. Não vi nada.
       - E eu também não. Sem arma ela não vai poder fazer nada. Vai ficar mais fácil pra gente pegar ela. Você vai ver só. Puxa,Quim!
       - O que foi?
       - Mano, do jeito que ela está andando, parece até que eu já vi essa cena, antes! Não é esquisito?
          Mal Toni termina de falar e Angélica já está praticamente do lado deles, quesó percebem a sua presença, quando ela fala:
         - Falando mal de mim, hein! Estão com medo de morrer! São dois cagões, sabiam? Quem falou pra vocês que estou com aqueles dois? Vamos embora? Está tudo bem, agora! Vamos em paz! Graças a Deus!
         Olha um para a cara do outro e um sorriso, de quem não acredita muito no que está ouvindo, encosta de leve nos seus lábios. Toni, muito sem jeito, olha para a menina e fala:
          - Eu acho que a gente está com um tremendo problema. Os caras levaram o caixão. Eu estava levando o corpo do meu amigo para a família do finado. O que é que eu vou dizer pra eles?
         - Tem problema não! O importante é que ele já está descansando lá em cima!
         - Mas... Mas como é que eu vou explicar o que aconteceu com o corpo do Zé?
                    Continua semana que vem...