terça-feira, 27 de setembro de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 20

 


Continuando...

            Os terroristas voltaram a atirar a emo, gritando impropérios. Téo, sem perder tempo, aproveitou que eles ainda estavam desorientados, pegou Peter e foi até onde eles estavam. Já munidos de granadas, se aproximaram e lançaram-nas, quase ao mesmo tempo, para o interior da ruína. As explosões aconteceram quase simultaneamente, sacudindo o que restava da construção e o chão em que pisavam. Os tiros e palavrões cessaram. O sargento, em silêncio, esperou alguns minutos para ter certeza do sucesso da operação. Depois cuidadosamente foi entrando, seguido do magricela. Logo próximo à porta se deparou com dois corpos, bem mutilados. Por precaução, Téo chutou as armas para longe dos corpos. Depois arriou, com o magricela apontando a sua arma para o interior dos escombros, e examinou-os atentamente, para não ficar nenhuma dúvida sobre a morte dos dois terroristas. Após o exame rápido nos corpos, deu uma olhada pelo local, enquanto Peter dava lhe cobertura, com a arma pronta para ser usada. Não encontrando mais ninguém, Téo fez sinal para ele e ombro a ombro foram saindo do meio das ruínas. Quando já estava com um pé quase fora dos escombros, se lembrou de que tinha visto três pontos de tiro, em uma das vezes que conseguiu visualizar onde estavam os inimigos. Parou instantaneamente e colocou a mão no ombro de Peter e puxou-o levemente para que parasse. Em seguida fez sinal para que ficasse em silêncio. Os dois se viraram novamente para o interior do que tinha sido uma residência e ficaram atentos para qualquer movimento e ruído que viesse do fundo. Depois de três ou quatro minutos de espera, um som, de alguma coisa se arrastando, chegou até aos seus ouvidos. Imediatamente se jogaram no chão, com as armas apontadas para a escuridão.

            Lá no fundo da antiga habitação, o silêncio voltou a reinar. O sargento, depois de mais alguns minutos quieto, mandou, por sinais, que Peter permanecesse no mesmo lugar, mas com a arma preparada para ser usada. Depois foi rolando no chão até ficar protegido por um pedaço de parede. Em seguida tirou uma lanterna da mochila e, novamente por sinais, mandou Peter deixar sua arma apontada na direção do facho de luz e atirar imediatamente, tendo ou não um alvo certo. Quando o interior ficou iluminado, o magricela atirou imediatamente. Só que no mesmo instante uma saraivada de balas veio em sua direção, saindo da arma, uma AR, de um terceiro elemento que estava arriado no meio dos escombros. De repente o silêncio total novamente. Depois de alguns segundos, o sargento virou a sua lanterna na direção do magricela e, aliviado, constatou que ele estava bem. Em seguida voltou com o facho de luz na direção de onde tinha vindo os tiros e lá estava um homem caído. Com os tiros precisos de Peter, ele rodopiou e caiu de barriga para baixo sobre os destroços. Téo deu um suspiro de alívio e saiu detrás de onde estava abrigado e caminhou até onde estava o corpo inerte. Chutou as costelas do terrorista, uma, duas, três vezes, e depois virou o facho de luz para o teto, ou o que sobrou dele, e iluminando o ambiente, chamou Peter. Pela sua descontração, Téo tinha dado por encerrada a operação. Mas por precaução mandou Peter vasculhar de cabo a rabo aquele covil.  

            Mohammed estava impaciente. O silêncio incomodava-o. Queria falar alguma coisa com John, mas o soldado estava sentado no chão, olhos fechados e rosto torcido de dor. A sua expressão sofrida fez com que ele desistisse.  Olhou então para o amigo e perguntou:

            - Rachid, como é que você sabia que eu estava aqui? Eu tinha saído para garimpar e por um acaso encontrei essa carnificina.

            - Eu cheguei e não te encontrei. Aí meu primo disse que você tinha vindo para essas bandas, para garimpar. Já que você estava demorando muito, e eu sei o quanto você é rápido, saí a sua procura. Então quando vinha chegando, ouvi muitos tiros. Fiquei aqui observando e vi aquela porção de soldados mortos. De repente achei que alguém se mexeu no meio daquela gente morta. Como os tiros continuavam, fiquei quietinho no meu canto. Quando cessou o tiroteio, minutos depois, quem eu vejo? Você levantando um pouco a cabeça. Como eu fui reconhecer você no meio daqueles mortos? Não sei.

             - Puxa vida! Eu realmente sou um cara de sorte, tendo um amigo como você! Não só amigo, mas um irmão! Rachid, você enxerga muito! Meu irmão, eu te devo a minha vida.

             - Mohammed, assim eu fico emocionado. Mas você também já salvou a minha pele, esqueceu?

             - Mas a gente não está aqui para quitar dívidas, não é? Nós somos amigos e amigo ajuda um ao outro sem precisar ter que pagar nada. Ainda mais amigo-irmão!

             - Eu sei Mohammed, só falei por falar. Nós seis somos irmãos. O infortúnio nos uniu. A nossa família agora, somos nós seis.   

 

................Continua Semana que vem!

 

terça-feira, 20 de setembro de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 19

 


Continuando...

            Dessa vez John, com algum sacrifício, e Téo conseguiram responder com uma saraivada de tiros. Atiraram bastante, mas sem saber realmente onde estavam atirando. Eram tiros sem convicção, onde o alvo podia ser ou não atingido. Depois de alguns minutos, Téo mandou suspender os tiros. Então o silêncio voltou a reinar naquele pedaço de rua.

            O menino, que esteve bastante tempo calado, falou para Téo:

            - Sargento.

            - O que foi Mohammed?

            - Olha a sua direita, lá do outro lado da rua.

            - O que tem lá?

            - Olha lá, acho que é a nossa salvação.

            - É um menino.

            - É meu amigo. Avisa aos seus soldados para ficarem atentos. Rachid é muito esperto. Com certeza ele vai arranjar um jeito de tirar a gente daqui.

            - Mas como, Mohammed?

            - Vou sinalizar para ele.  Nós dois nos entendemos muito bem por sinais. Olha só.

            Imediatamente começou a gesticular, mas de uma forma que o sargento não conseguiu decifrar. Percebendo a cara de decepção de Téo, Mohammed sorriu e continuou gesticulando estranhamente. Em poucos segundos o amigo, também com movimentos esquisitos, respondeu. Depois se arriou e meteu as mãos dentro de uma mochila velha e sem cor definida. Mexeu um pouco no seu interior e quando levantou as mãos, já trazia dois objetos, que o sargento não identificou, talvez pela distância. Balançou-os no ar e, em seguida, fez alguns sinais para Mohammed, que sorriu e imediatamente falou para o sargento:

             - Sargento. Fala para o seu pessoal se preparar para correr. Rachid vai jogar nos escombros duas bombas de gás lacrimogêneo. Olha lá. Ele já está chegando próximo de onde estão os homens tocaiados.

             - São Talibãs. Terroristas.

             - Sargento, porque o senhor chama-os de terroristas?

             - E não são?

             - Quem está invadindo o país deles, são vocês. São grupos brigando pelo que acreditam... Mas são todos Afegãos. Também podem ser apenas bandidos. Sem nenhuma ideologia. E vocês não têm nada com isso. 

             - Temos sim. Nos pediram ajuda e aqui estamos. Não esqueça que tem também combatentes da Al-Qaeda.

             - Aí eu não sei, sargento. – deu um sorriso enigmático - Eu só sei que tem gente lá dentro dos escombros para nos pegar. E lutam com as armas que têm. Avisa aos seus amigos.

            Téo então avisou aos seus dois soldados que se preparassem para fugir dali. No momento certo daria o sinal. O tempo seria curto, então era levantar e correr o mais rápido que pudessem. E era só ir nos seus calcanhares. Os dois sinalizaram com o polegar, dando ok, mostrando que tinham entendido o recado.

             Do outro lado da rua, o menino Rachid, depois de deixar a sua mochila encostada em um muro, foi quase rastejando até onde estavam escondidos os guerrilheiros ou bandidos. A atenção dos soldados e de Mohammed era total, nos seus movimentos. Ele então preparou a primeira bomba de gás lacrimogêneo e atirou. Rapidamente uma fumaça branca tomou conta da frente dos escombros. Um falatório foi ouvido imediatamente, pelo menino. Percebeu então que os guerrilheiros estavam desorientados. Sem perda de tempo, lançou outra bomba com mais força, afim de alcançar mais o interior da ruina. Após o segundo lançamento, correu em direção à ruela de onde tinha saído minutos antes, lá já encontrando o amigo Mohammed e os três soldados, que vieram – parecia – voando.

...........Continua Semana que vem!

 

terça-feira, 13 de setembro de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 18

 


Continuando...

            A comida começou a entrar com fartura. Minha mãe era uma alegria só, e o meu pai até melhorou, e os irmãos, não precisa nem falar. Só a minha consciência é que não melhorava. Eu me encontrava numa encruzilhada: entregava a bolsa e estava sujeito a ir preso ou não entregava e continuava com a minha consciência pesada. Decidi ficar com a segunda opção. Mas pensando bem, não tinha mais nenhuma alternativa: a bolsa já estava com um déficit enorme. Concluí então que era melhor deixar quieto. O que fazer, se não tinha condição de repor o dinheiro?

            Pouco antes de entrar para o exército, - acho que foi nesse dia que decidi me alistar – levantei cedo, abri a janela, o sol já tinha se levantado primeiro, e o dia me olhou na cara. Ele me via por inteiro, e a sensação que tive, era que me cobrava pelo o que eu tinha feito de errado anos atrás. E o pior é que eu não conseguia encará-lo, só sentia a sua acusação muda, e ele, mais uma vez, não me deu chance de defesa. – Deus, o Senhor continua me ouvindo? O senhor me perdoa? ”

            - John! Você está bem?

            - É Deus? Eu fui perdoado?

            - Perdoado do quê, John? Sou eu, o Sargento!

            - Ih! Sargento! Eu pensei... Deixa pra lá! Estou bem. Estou bem. Pelo menos por enquanto. Mas acho que vai ser difícil a gente ficar bem por muito mais tempo.

            - Ainda tenho esperança. Nós vamos sair dessa. Vamos nos arrastar com cautela até ficarmos mais distante da linha de tiro. Vem para o meu lado.

           - Será que vai dar certo? O Peter está depois de Apache senhor, mas acho que não está ferido. Vou falar com ele. Não sei se ele vai conseguir. Têm muitos cadáveres entre ele e a gente. Acredito se estiver bem, vai conseguir.

          - Ok. E o seu ombro, melhorou?

          - Sim. A dor sossegou. Estou me sentindo um pouco melhor. Parece milagre. Sargento, indo na direção do senhor, não vou precisar forçar o ombro ferido.

          - Ok soldado. Fala com Peter.

         John então falou com o amigo, mas Peter demorou a responder ao seu chamado.

          - Oi John. O que houve?

          - Tá surdo? O sargento falou pra gente se arrastar até onde ele está.

          - Como? Se tentarmos sair daqui, vamos ser fuzilados!

          - Não temos opção. Ou saímos e tentamos sobreviver, ou vamos morrer juntos com esses defuntos. Vamos feder igual a eles. Eu vou tentar. Tenho que tomar remédio para combater a infecção do meu ferimento. Mesmo sentindo dor, vou tentar sair daqui.

           Peter levantou o rosto e olhou para John. Mesmo não estando de acordo com ele e com a ordem do sargento, levantou o seu polegar da mão direita, concordando. Pegou a arma, engatilhou-a e tentou rolar por cima de um cadáver. Mas mal começou a se movimentar, uma chuva de balas veio em sua direção. Uma das balas conseguiu pegá-lo de raspão no braço esquerdo, arrancando um pedaço de tecido da farda e deixando uma linha de sangue. Peter na mesma hora deu uma cusparada na mão e esfregou o cuspe no local ferido.

.........Continua Semana que vem!

 

terça-feira, 6 de setembro de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 17

 


Continuando...

             Depois ele correu, disse que ficou arrependido, para ver se o menino ainda estava vivo. Desvirou-o e viu que ele estava abraçado a um saco. Achando que o dinheiro estava ali, pegou-o e abriu-o. E qual não foi a sua surpresa: dentro tinha apenas uma bíblia, que o menino acabara de pegar na gaveta.

            - E a bolsa com dinheiro? – perguntou, demonstrando pura curiosidade, a senhora.

            - Walter disse que não estava em poder do menino. Procurou-a pela igreja, mas não a encontrou em lugar nenhum.

            Deixei o casal conversando e saí dali quase correndo. Não queria ouvir mais nada. Não aguentava mais ficar ali. De repente os meus olhos encheram-se de lágrimas. Acelerei os passos para me afastar o mais rápido possível daquele lugar. Acho que voei, porque quando percebi, já estava na estrada. Foi então que deixei as lágrimas escorregarem pelo meu rosto.

           Estava precisando ficar em algum lugar sossegando o meu coração, mas sem ninguém por perto. Então entrei no mato, no mesmo lugar da vez anterior, e me dirigi até ao riacho. Dessa vez banhei até a minha alma. Mergulhei até encontrar o fundo. Parecia que os peixes já me conheciam de há muito tempo, pois se colocaram do meu lado até eu voltar à tona. Nesse dia fiquei com pena de pescar algum. – Deus, o Senhor ainda está aí?

           Fui para casa depois de ficar bastante tempo na beira do riacho. Sentei-me na margem e coloquei os dois pés dentro d’água. Não demorou muito e chegaram alguns peixinhos pequenos e ficaram roendo os meus pés. Aquilo me deu uma sensação boa de relaxamento.

           No meio do caminho parava e ficava pensando no menino. Puxa! Como essa vida é esquisita! Agora eu sei que ele era ladrão! Mas eu também sou, meu Deus!  Mas o Senhor sabe que eu não sabia que ele ia roubar. O Senhor viu tudo e sabe que sou inocente. Agora, vou fazer um pedido: toma conta do menino. Ele queria estar perto do Senhor. Tanto é que morreu por causa da bíblia. Se ele não tivesse ficado para pegá-la, não teria morrido. Concorda comigo? Acho que o Senhor pode dar um desconto por isso. E comigo? Quando eu morrer, não sei se a morte vai me pegar no colo ou se vai ter alguém me esperando para me dar umas boas palmadas.  

            Os dias foram passando e eu continuei indo até a cidade e comprava sempre alguma coisinha para alimentar os meus pais e meus irmãos. Na volta não deixava de pegar um peixinho. Mas antes conversava com eles e pedia permissão para levar um. A minha mãe também pedia desculpas antes de botá-lo na panela. E agradecia por estar matando a nossa fome. E assim a vida ia andando.

            Eu continuei procurando emprego, mas escutava a mesma resposta: não. Um dia, depois de tanto insistir, descobri a causa da negação: não me davam emprego por que o meu pai quase morreu com tuberculose, isso há muitos anos atrás. Eu nem era nascido. Mas o pessoal da cidade achava que todo mundo lá de casa estava contaminado. Meu pai estava curado fazia é tempo! Mas os moradores da cidade ainda não tinham se curado do preconceito. Pra tuberculose tem medicamento que cura, mas para o preconceito ainda não encontraram nenhum que fosse eficaz. Então eu tive que ir para outra cidade. O engraçado é que no mesmo dia fiquei empregado. 

............Continua Semana que vem!