terça-feira, 22 de fevereiro de 2022

Vila do Prazer - Parte 5

 


 


Continuando...

            A ansiedade era costumeira. Meia hora antes das nove da noite, os vizinhos de dona Hermelinda e seu Alfredo, já estavam deitados. Ninguém mais assistia novelas. A casa 2 e a 4 já tinham as camas encostadas nas paredes da casa 3. O casal da casa cinco, por sua vez, colava a orelha na parede da casa quatro. E assim o imaginário viajava na orgia dos velhinhos.

           Mal dona Hermelinda começava a dar risinhos e suspiros longos a vizinhança começava a se excitar.  Em seguida a cama começava a ranger e não demorava muito, um geme, geme ia incendiando mais e mais a imaginação dos vizinhos. Nesse momento os três casais já estavam quase subindo pelas paredes. 

           Alguns meses depois da chegada dos novos moradores, a vida da vila tinha mudado radicalmente. O sorriso voltou a ser a tônica diária, coisa que há muito sumira da convivência dos poucos vizinhos. O relacionamento entre os casais era harmonioso. Rosilda e Demerval não precisavam mais de DVD’S eróticos para estimularem a libido. Filmes pornôs já faziam parte do passado. Agora bastava apenas esperar às 21 horas, para o imaginário do casal começar a criar as suas fantasias sexuais. E isso, com o passar dos dias, começava antes mesmo dos velhinhos.

           A vila toda vivia em paz e harmonia. Além dos moradores da casa 04, que aposentara os filmes pornôs, o morador da casa dois, que fazia tratamento médico, por disfunção sexual, abandonou os medicamentos e o casal da casa 05, não precisou mais de ajuda de psicólogo. E assim novos ares envolveram aquele recanto pacato do subúrbio. Mas tudo tem um preço na vida. A constância durante meses, foi debilitando alguns. Com o tempo o fogo foi apagando, principalmente para os mais idosos. Entretanto para os velhinhos da casa 03, a chama continuava acesa.

          Dona Maria e seu Ernesto, que já beijavam os setenta anos, começaram a sentir a jornada um pouco desgastante. Começaram até a emagrecer. Estavam tão exaustos, que já dormiam logo na preliminar. Isso fez com que questionassem o desempenho do casal da casa 03 e o da casa 04. Como, principalmente, os velhinhos conseguiam manter aquela vitalidade toda? Será que tomavam algum medicamento? Mastigavam essas interrogações diariamente. Pensaram até em perguntar a eles, mas a vergonha fez com que freassem a curiosidade.

          Mais um dia para esperar às 21 horas. Ernesto e Maria, já deitados, sentiram que aquilo já estava virando uma obsessão. Ernesto se levantou e chamou a esposa para dar uma volta. Era sexta-feira e um chopinho pegaria bem. Trocaram de roupas e em poucos minutos já estavam do lado de fora. Nem uma viva alma para fazer companhia a eles. Maria sugeriu que fossem ao cinema. Sugestão prontamente aceita pelo marido.  

..........Continua semana que vem!

 



terça-feira, 15 de fevereiro de 2022

Vila do Prazer - Parte 4

 


Continuando...

           A vida da vila mudou completamente. O sorriso agora era uma constante nos lábios dos moradores. O encontro matinal, coisa que não existia, parecia um momento festivo. Lá estavam todos, às sete horas em ponto, para verem o casal e darem, em coro, um bom dia sonoro.

        Dona Hermelinda e seu Alfredo começaram a notar essa recepção matutina. Coisas que nunca tinham visto, passaram a ver diariamente, as crianças num corre-corre alegre pela vila. Hermelinda então, comentou com o marido:

          - Alfredo. É impressão minha ou os nossos vizinhos estão realmente mais felizes? Quando chegamos aqui, não vimos a cara da alegria circular entre eles. Aconteceu alguma coisa. Mas isso não vem ao caso. O importante é que agora já somos visíveis. Só falta eles conversarem conosco. 

          - É mulher! mas é estranho. – falou o marido.

          - O que é que tem de estranho?

          - Hermelinda, eles até hoje não nos dirigiram uma palavra sequer. Já estamos aqui há quase três meses.

          - Meu velho, isso é uma questão de tempo. Qualquer dia eles falam. Vamos andando para não nos atrasarmos. Já estou com saudade das crianças.

          Os dois entraram no carro, que ficava parado em frente à casa, e foram para o orfanato onde faziam trabalho voluntário. Em seguida saíram os outros homens para o trabalho, enquanto que as mulheres ficaram trocando segredos sobre a noite anterior. As crianças Pedro e Lucas, filhos de Rosilda e Demerval, e Larissa, temporão de Vera e João Pedro, esperavam a van para irem para o colégio.

           À tardinha, lá pelas 17 horas, todas as janelas já estavam escancaradas e lá estavam, com os seios apoiados no peitoril, Vera, Rosilda e Maria, moradora da casa 05. Essa recepção passou também a ser costumeira. A alegria passeava de uma vizinha para a outra. Os maridos, que meses atrás demoravam a chegar em casa, agora não passavam das 18 horas. Todos esperavam ansiosos às 21 horas. Mas antes, coisa que foi se tornando um hábito, todos jantavam juntos e as crianças iam para a cama às 19 horas. 

..................Continua semana que vem!

 

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022

Vila do Prazer - Parte 3

 


Continuando...

          Se instalaram na casa 03 na semana seguinte. Foi uma recepção meio morna, só de longe. Era um bater de mãos. Às vezes um oi que se perdia na distância. Mas o casal não abriu mão do sorriso, desde o dia que chegou. E os dias iam caminhando sem aproximações. Dona Hermelinda e seu Alfredo escutavam cochichos, mesmo sem querer ouvir, a respeito da velhice dos dois. Mesmo chateados, respondiam com sorrisos. E esse bom humor acabou contagiando os vizinhos, que voltaram a irradiar um pouco de alegria.

          As saídas, que eram diárias, passou também a não fazer mais parte dos mexericos. E assim os dias foram passando. Até que Demerval e Rosilda, os moradores da casa quatro, começaram a prestar atenção nos ruídos e gemidos vindo dos novos vizinhos, que, invariavelmente, começavam às 21 horas. Depois de alguns dias, resolveram comentar com os outros moradores, menos os da casa 01. Ali morava João, que era o proprietário, e a sua família. Logo no dia seguinte, por volta de 21 horas, lá estavam eles atentos para o desenrolar do que chamaram de noite festiva.

            A vizinhança realmente tinha absorvido um pouco do bom humor do casal. E a sexualidade começou a deixar também todos muito intrigados e, porque não dizer, com água na boca. A Vera, da casa dois, não conseguia entender como ela e o marido, que estavam na faixa dos quarenta anos, tinham um apetite sexual tão morno. Quando conseguiam duas vezes na semana, era motivo de festa. Já os da casa 04, Demerval e Rosilda, que estavam mais para o inverno, com seus 55 e 52 anos, não se conformavam com aquela situação. Faziam sexo uma vez por semana, enquanto os novos vizinhos, com 85 e 82 anos, bem mais velhos do que eles, faziam todo dia. Como podia isso?

            A performance dos velhinhos já fazia parte do cotidiano dos moradores da vila. O horário da ralação do casal, já estava cronometrado. Ninguém olhava mais para o relógio: o início nunca passava das 21 horas mesmo. Acertavam até os seus relógios, pelo encontro amoroso do casal. Era uma pontualidade britânica. Com o tempo, até a orelha na parede da casa 3, não foi mais necessário encostar, para se sentirem participando da orgia diária. Devido a espessura das paredes, tinham até a sensação de vê-los trocando de roupas. Só os da casa cinco é que ainda precisavam, para entrar no clima, colar os ouvidos na parede da casa quatro, de Demerval e Rosilda. 

............Continua semana que vem!

 

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

Vila do Prazer - Parte 2

 


 Continuando...

         O seu salário minguado, mais o do aluguel, era direcionado quase todo para a construção. Sobrevivia apenas com o necessário, para não morrer de fome e pagar o aluguel da pensão. Mas finalmente estava pronta a sua vila, e em pouco tempo a sua vida mudou radicalmente. Dos aluguéis das cinco casas dava quase para viver como um rei.

         Não era uma construção de luxo, longe disso, eram paredes que de tão finas se ouvia a respiração do outro vizinho e mais o que fizesse. Entretanto isso não gerava reclamações dos inquilinos, muito pelo contrário parecia que viviam satisfeitos com a troca de intimidades. Conversavam, às vezes, sem precisar sair de casa. Isso já era uma forma de demonstrar satisfação. Em pouco tempo morando ali, todos se sentiam como sendo de uma mesma família. E isso foi passando ao longo dos anos com novos moradores que chegavam.  

         NOS DIAS ATUAIS

         A região tinha virado um bairro. Lugar sossegado e bem seguro. Hoje em dia, é raro se viver sem a companhia do medo. Mas ali não, continuou como sempre fora: um lugar pacífico e familiar.  Voltando para a vila, ali então, quem não conhecia, arriscava em dizer que era uma mesma família que morava nas cinco casas. Mas na verdade, não existia nenhum parentesco entre eles.

         Depois de muitos anos, onde os moradores só saiam dali depois da morte, a casa 3, pela primeira vez, ficou um bom tempo desocupada. O João, da casa 01, neto do senhor Joaquim, ficou preocupado pela demora. Alguns pretendentes chegavam para olhar, mas a desistência vinha quase que imediatamente, pois achavam que as casas germinadas eram uma invasão de privacidade. Até que depois de alguns meses, apareceu um casal de idosos, senhor Alfredo, de 85 anos, e dona Hermelinda, de 82 anos, que gostaram de cara da habitação e nem se incomodaram em ouvir a conversa dos vizinhos das casas dois e quatro. Se sentiram saudosos, lembrando dos três filhos, que perderam. Ecoou as brigas e conversar deles nos ouvidos, principalmente de dona Hermelinda. Uma lágrima distraída escorregou pela sua face. As conversas dos vizinhos iam brincar na sua saudade, iam trazer o eco dos seus filhos. Tinha aprendido, com o tempo, que o sofrimento não traria uma saudade sorridente. De vez em quando uma chama que queimava a sua alma, o tempo atiçava. O carro incendiando ainda queimava o seu amor. Mas lutava, ela e o marido, por ir apagando a fogueira, cuidando de outros filhos que não geraram. E os anos foram diminuindo as labaredas, entretanto a fogueira não apagou de todo. E, eles sabiam, que jamais as chamas se extinguiriam por completo.

...........Continua semana que vem!