quarta-feira, 27 de março de 2019

A História de Helô - Parte 25

Continuando...

     - Helô! O que foi que houve? Parou de cantar de repente! Estava com um olhar cheio de surpresa! E o sorriso? Parece que viu um pássaro de ouro!
          - Sim. Não. Desculpe, irmã, distraí-me! Estava pensando como seria antigamente essa aula. Até imaginei as crianças, da época, cantando e as irmãs assistindo. Imaginei até ver a Madre, da época, sentada aí nessa cadeira, na cadeira da senhora.
          Ela falou e apontou para onde estava sentada a entidade, que assistia à apresentação das crianças. A professora então sorriu e falou:
          - Que imaginação fértil, hein Helô!  Vamos voltar à realidade? Vamos cantar? Vamos! Vamos!
          Helô sorriu para a entidade que se levantou, retribuiu o sorriso e desapareceu. Evaporou feito fumaça.
         A vida no convento ia seguindo normalmente, mas nada da entidade aparecer para Helô. O tempo passava rapidamente e ela já estava preocupada com esse sumiço. Tentou várias vezes entrar em contato, mas nada da entidade dar as caras. Apenas uma vez, em sonho, ela  apresentou-se, entretanto chegou muda e saiu calada. Esse silêncio esticou-se e ela já tinha completado treze anos.
          De vez em quando, a menina tinha vontade de voltar à gruta. Pensava no que poderia ter por detrás das outras portas, mas de repente o medo apresentava-se e abortava a vontade. Com o desaparecimento da entidade, acabou esquecendo um pouco a gruta.        
            O seu dia a dia com a irmã Amélia continuava muito bem. A madre  tinha dado uma trégua.  As duas apresentavam ares de felicidade. Helô acabou esquecendo um pouco da Madre Maria de Lourdes. Um belo dia, a irmã Gertrudes ao encontrar as duas conversando no jardim aproxima-se, dá um beijo em Helô e comenta com a irmã Amélia:
          - Reparou, irmã, que a nossa criança está ficando uma moça?
          A Irmã Amélia, que antes sorria, fechou o cenho, olhou a menina e percebeu que os bicos dos seios já marcavam a blusa, davam a impressão que iam furar o tecido. Ela ficou visivelmente descontrolada. Olhava para Helô com um ar de preocupação. A irmã Gertrudes percebeu o seu nervosismo e falou:
          - O que foi que houve, irmã? O que está acontecendo com a nossa menina é normal! Ela só está ficando uma mocinha! Daqui a pouco, ficará uma mulher! Isso aconteceu conosco e vai continuar acontecendo! Isso é a vida!
          Amélia visivelmente abalada tenta responder.
         - O que foi... Não! Não pode! Eu sei! Eu sei! Mas...vamos providenciar uma faixa para enrolar em volta do seu corpo!
          - Para quê isso, irmã? Um sutiã resolve!
          - Não! Não! Ninguém precisa ficar sabendo que...
          - Ei! Ei! O que é que está acontecendo? Você está completamente nervosa!  
          - Nada! Nada! Desculpe, irmã! Eu só fiquei preocupada!
          - Então deixa comigo, irmã Amélia. Eu resolvo isso. Está bem?
          A irmã Amélia ficou muda. Helô olhava para as duas sem entender nada. De repente Amélia colocou as duas mãos no rosto e saiu a passos largos sem nada dizer. Não deu para as duas constatarem se ela chorava, mas tudo levava a crer que sim. Depois de breve silêncio, Helô interrogou a irmã Gertrudes: 
          - Irmã, o que foi que houve? Não entendi nada do que vocês falaram. Será que a irmã Amélia saiu chorando?
         - Calma, Helô!  Não houve nada, nada demais. Eu acho que a irmã não estava chorando não. Helô tu não percebeste nenhuma mudança no teu corpo?
          - Não, irmã. Que mudança?
          - Minha menina, tu estás crescendo e teus seios também. Vou providenciar um sutiã para ti.
         - O que é isso, irmã?
         - É  para você... mas ainda não está sendo necessário. Vamos esperar um pouquinho mais. Agora, outra coisa que você tem que ficar atenta: observar quando começar o sangramento.
          - Ei, irmã, a senhora me chama de tu e depois de você! E fala umas coisas que eu não entendo! Agora está falando que eu vou sangrar! Sangrar como?
          - Temos que conversar com calma. Essa conversa já deveria ter acontecido.  Como não aconteceu, vamos marcar um dia para eu explicar tudo, tintim por tintim, que está acontecendo com você. Eu e Amélia esquecemos que você está virando uma mocinha. Daqui a pouco se transformará numa mulher.
          Na semana seguinte a primeira menstruação de Helô desceu.  Mesmo com todas as explicações da irmã Gertrudes, a menina ficou apavorada. A irmã Amélia teve que vir em seu socorro. Socorreu-a, mas ficou mais assustada do que ela. Sabia que a sua menina corria perigo. Tinha que agir com rapidez para protegê-la. Ela já estava com treze anos.
         Os dias foram passando céleres. A preocupação da irmã Amélia quase saía pelos poros. Já tinha feito de tudo para mantê-la a salvo do padre e do paizinho.  A sua menina estava quase uma mulher. Era uma moça bonita e atraente e os olhares dos dois a assustava, mas ela conseguiu afastá-los de Helô. Qual foi o preço pago por ela? Ninguém soube. Deve ter sido alto. Tendo em vista que, de um dia para o outro, os olhares de cobiça se esvaneceram. Helô deixou de ser alvo dos dois. O sorriso voltou aos lábios de Amélia. 
................Continua semana que vem!

terça-feira, 19 de março de 2019

A História de Helô - Parte 24

Continuando...

Alguns meses já tinham ido embora, precisamente oito meses.  Nesse tempo, Helô foi conhecer o primeiro dos cômodos que a entidade tinha falado. Ficou surpresa quando encontrou um quarto mobiliado ricamente. Os objetos que adornavam o cômodo deixaram-na vermelha de vergonha. Eram quadros com pinturas eróticas e alguns objetos encontrados em motéis. Esses utensílios ela não identificou. O local realmente era para encontros amorosos. Como não tinha entendido os objetos que via, perguntou à Madre. Ela, porém, não quis comentar. Preferiu direcionar a menina para outro compartimento.
          Um quarto, não muito maior que o anterior, apresentou-se com quatro leitos equipados, como se fosse uma UTI. Helô olhava tudo sem fazer qualquer comentário. Foi de cama em cama observando os equipamentos instalados, mas antes que fizesse alguma pergunta, a Madre falou:
         - Está curiosa, não é, Helô? Então, aqui é para atendimento emergencial. Você deve ter observado que algumas meninas somem. Umas voltam e outras somem para sempre. Estas não voltam porque foram atendidas aqui, mas não resistiram e deixaram a carne.  
          - Deixaram a carne? Como?
          - Falando claramente, como se fala aqui: elas morreram.
          - É, irmã? Elas estão mortas?
          - Sim, Helô, mas essas mortes não são anunciadas. Ninguém fica sabendo. A dirigente desta casa informa que a pessoa foi embora, mas o corpo some aqui mesmo. Isso é muito triste.
          - Meu Deus, irmã! Que coisa horrível!
          - Sabe que muitas dessas meninas ainda estão perdidas por aqui? E você tem condição de vê-las, mas eu bloqueei essas visões. Você ia ficar muito chocada. 
O estado em que estão é lamentável.
          - Eu posso ver?
          - Claro! Você não me vê?  Então, você pode ver qualquer um que está - como dizem - do outro lado. Mas... Helô, vamos embora. Tem gente aproximando-se. Feche os olhos.
          Em frações de segundos, Helô já estava do lado de fora da gruta. Ela se olhou sem entender o que tinha acontecido, olhou para a entidade e sorriu. A Madre, antes de sumir das vistas da menina, falou:
          - Helô, minha filha, vamos ficar algum tempo sem nos vermos. Preciso afastar-me durante algum tempo, mas se você precisar é só pensar em mim. Pode ficar certa que estarei nos seus sonhos. Agora estou indo, mas em breve estarei de volta.
         - Madre...
         - Estarei de volta em breve, Helô. Em outra porta, pode estar o segredo da sua vida. Agora, vai ao encontro de suas amigas.
          Antes que falasse alguma coisa, a entidade já tinha sumido e ela já estava entre as suas amigas, que nem perceberam a sua chegada. Parecia que nem tinha sumido dali. Para um adulto, essa situação já era muito complicada, agora imagina para uma criança.  Uma coisa de doido! Não dava nem para ser imaginada. Praticamente a menina se achava dentro de um sonho. Pensando bem, a vida parece mesmo um sonho.
          Muito tempo a Madre Maria de Lourdes levou sumida. Helô até se questionou da veracidade da existência dessa aparição, mas tinha medo de falar sobre o caso com alguém. Até a vontade de ir à gruta tinha desaparecido. Quem vivenciou tantas emoções – verdadeiras ou falsas? – de repente dava sinais de que tinha passado uma borracha na sua cabeça e apagado tudo. Parecia que a curiosidade tinha acabado.
          Nesse período, Helô completou doze anos. Como há muito tempo não acontecia, a Madre Superiora permitiu que a irmã Amélia juntamente com a irmã Gertrudes passassem aquele dia com a menina. Helô transbordava de alegria. Até um bolo de aniversário foi permitido. Ela, com a permissão da Madre, convidou as amiguinhas para compartilharem da sua alegria. Aquele foi um dia único, talvez, da sua vida, mas ela não percebeu que a entidade sorridente, num canto do jardim, acompanhava aquele pingo de felicidade na sua vida. Até cantou o “Parabéns pra você”, entretanto não quis que a menina a ouvisse e nem percebesse a sua presença. Com certeza iria atrapalhar aquele encontro único, mesmo assim envolveu-a num terno abraço. Helô sentiu-se aconchegada, mas não conseguiu perceber a sua causa.
       Depois do aniversário, Helô teve dias mais tranquilos. A perseguição da Madre parecia que tinha chegado ao fim. Diariamente encontrava-se com a irmã Amélia. Agora, mais nada tinha importância.  Isso era tudo que sempre pediu a Deus nas suas orações e parecia que tinha sido atendida. Estava mais atenta nas aulas, mais risonha. Estava realmente muito feliz, entretanto, no dia em que completava um mês do seu aniversário, em plena aula de canto, a entidade sentou-se na cadeira da professora. Helô, mesmo estando acostumada, assustou-se e imediatamente parou de cantar. A professora de canto, irmã Maria das Dores, percebeu, mas esperou até o término da música para interpelá-la. 
....................................Continua semana que vem!

quinta-feira, 14 de março de 2019

A História de Helô - Parte 23

Continua...


          Helô, depois dessas palavras da Madre, mesmo confirmando com a cabeça que estava preparada, sentiu um pequeno tremor nas mãos quando foi abrir a boca do saco. Estava vacilante, sentiu vontade de recuar, olhou para a Madre e ela apenas sorriu, mas esse sorriso veio acompanhado de uma luz azulada que a envolveu dos pés à cabeça. Imediatamente sentiu plenamente a coragem afastando a covardia.
          A boca do saco estava livre do nó que o apertava, mas a corda ainda o envolvia. Helô acabou de tirá-lo e em seguida abriu a boca do saco. Olhou, mas não conseguiu identificar o que estava dentro. Pegou a vela que tinha colocado em cima da maca e iluminou o interior. O que viu deixou-a com o olhar esbugalhado, a respiração ficou ofegante. Estava completamente assustada,  mas a incredulidade também se juntou ao susto. Foi uma confusão só na sua cabeça. Com uma leve tontura, quase caiu para trás. Colocou a mão na boca para não gritar. Depois teve vontade de sair dali correndo, só que as pernas não obedeceram  pois estavam completamente bambas e as suas forças se esvaíram. A entidade, percebendo o momento crítico, envolveu-a de novo na luz azulada e, com isso, ela conseguiu tomar novamente o controle da situação. Depois que Helô demonstrou serenidade, a Madre falou:
          - Minha filha, eu sei que isso que você está vendo é uma coisa horrível, mas é necessário que você veja. Deus não quer isso, mas muitas pessoas cometem muitos erros. E como temos o livre arbítrio, fazemos coisas muito ruins, entretanto, pode ficar certa, vão pagar por isso. Essas pessoas estão ainda muito atrasadas moralmente. Isso que você está vendo aí são ...
          - Irmã, isso está parecendo cabeça de gente! Meu Deus! É isso mesmo?
          - Fique calma, minha filha. Não olhe mais. Pode fechar o saco.
          De repente Helô conseguiu retirar a cara assustada e vestir-se novamente de pura coragem. Decidida, olhou detalhadamente o que tinha dentro do saco preto. A Madre vendo a determinação de menina, disse:
          - Sabe, minha filha, aí dentro só tem praticamente restos mortais de crianças do sexo masculino. Tem até outras do sexo feminino, mas que nasceram com algum problema físico. Elas simplesmente não tiveram a chance de viver. As pessoas que fizeram isso estão ainda muito duras de sentimentos, mas isso não pode continuar para sempre. Isso tem que parar e você,  até completar dezoito anos, deverá acabar com tudo isso. Se Deus quiser!
          Helô parecia que não estava prestando atenção no que a Madre Maria de Lourdes falava, mas de repente levantou a cabeça e questionou:
          - Madre, por que eu? Com tanta gente adulta aqui e a senhora foi me escolher!
          - Helô, você é especial, minha menina. Eu não lhe escolhi. Se eu disser quem lhe escolheu, você não vai acreditar.
         - Não?
         - Não. Você é muito nova para entender certas coisas, por isso eu vim para ficar do seu lado. Quando você tiver mais idade, aí sim, poderá entender, por enquanto vai continuar do jeito que está.
        - Não pode nem dizer quem me escolheu? Juro que não falo pra ninguém.
       - Não é não. Não posso, minha querida. Vamos continuar.
        Helô fez uma cara feia demonstrando descontentamento. Não tinha mais o que argumentar com a entidade, então voltou ao que estava fazendo. Abriu mais a boca do saco e procurou iluminar mais o seu interior. Em seguida olhou com mais atenção aquela quantidade toda de pequenos crânios. A princípio sentiu náuseas. Teve até vontade de sair dali, mas arranjou forças novamente e pensou em contar aquelas cabecinhas de recém-nascidos. A Madre Maria de Lourdes, lendo o pensamento de Helô, interveio:
           - Não, Helô. Não é preciso fazer isso agora. A quantidade, nesse momento, não tem importância. Feche o saco, recoloque-o no lugar e nem precisa abrir os outros. Eles têm o mesmo conteúdo.
          - Está bem, Madre. Vou fechá-lo e colocá-lo onde estava. Isso tudo está me dando muito enjoo, mas eu vou fazer o que tem que ser feito.
         Ela foi empurrar o saco, mas ele não saiu do lugar. A menina olhou para a entidade e pediu socorro. Ela então, por pensamento, mandou-a repetir tudo que tinha feito antes. E assim, depois de seguir à risca tudo, a luz verde saiu do seu peito e envolveu o saco. Só bastou ela empurrá-lo para que deslizasse até o seu local de origem.  Ao abrir os olhos, ficou surpresa ao ver o saco debaixo da maca. Parecia inacreditável aquilo tudo que aconteceu ali. Deu um sorriso meio sem jeito para a Madre, que retribuiu, mas não deixou de fazer um comentário.
          - Você acha que está sonhando, não é, Helô? Mas não está não! Você é nova agora, mas tem muitas experiências de vidas...  Quando for ficando com mais idade, as suas faculdades vão desenvolver mais. É só estudar, ter paciência e andar sempre no caminho do bem. Com o tempo o véu vai cair... Agora está na hora de irmos embora. Em outra ocasião voltaremos. Nessa volta, vamos entrar em outros cômodos. São mais alguns. E não deixe nunca de rezar todos os dias. Pede sempre a proteção de Deus.
          - E eu rezo! Todo dia eu converso com Deus! Quando a gente volta?
          - Em breve. Logo logo estaremos de volta. Agora, está na hora de irmos embora. Feche os olhos, Helô. Isso!
          Ela obedeceu e, quando foi abrí-los, já estava do lado de fora. Esboçou um sorriso meio sem jeito e perguntou:
          - Madre, como foi isso?  Eu estava lá dentro e num instante estou aqui fora!
          - Minha filha, isso só acontece porque você facilita. Não é qualquer pessoa que pode fazer isso. Mais uma vez vou lhe fazer um lembrete: não comente nada disso com ninguém, nem com a irmã Amélia e nem com a irmã Gertrudes. Segredo tem que ser somente com duas pessoas. E ninguém vai  acreditar mesmo, não é?
          - É, irmã. Vão chamar-me de maluca, não é? Juro que não falo nada.
................Continua semana que vem!