segunda-feira, 27 de março de 2017

Um Anjo na Boleia - Parte 1

UM ANJO NA BOLEIA
José Timotheo -


          A vida na estrada reserva várias surpresas. Tem violência. Tem amor. Tem sexo. Tem paixão. Tem prostituição. Tem companheirismo. Tem caridade. Tem amizade. Tem drogas. Tem azar e sorte. Tem vida e morte.Tem muita fantasia. Tem gente. Aí, tem tudo isso.
          Os irmãos Toni e Quim, filhos de portugueses, moradores da baixada fluminense, viviam quase o tempo todo nas estradas por esse Brasil afora. Toni era o mais velho. Já se aproximava dos trinta e oito anos. E tinha quase oito anos de diferença para o irmão. Um sujeito calmo e muito boa praça. Não tinha caminhoneiro que não gostasse dele. Em compensação, Quim era mais agitado, mais afoito e chegado a uma encrenca. Eram dois opostos, porém se davam muito bem. Além de irmãos, eram grandes amigos.
          Toni já tinha viajado por quase todo o país. Desde adolescente, fazia par com o pai nas andanças por quase todo Brasil. Com dezesseis anos, fez a sua primeira viagem.  Depois dessa vez, não parou mais. Passou a ser, quando podia, o fiel escudeiro do Seu Joaquim.  O pai tentava negar o seu pedido para ir a mais uma viagem, mas com a insistência de Toni, acabava cedendo. A sua preocupação era com a educação do garoto, mas agradava muito a sua presença na boleia. E assim o menino foi crescendo pelas nossas estradas e, com isso, incorporou a vida de caminhoneiro à sua vida. Não tinha mais como mudar de rumo. Era isso e mais nada. Depois da morte do pai, ele levou o irmão para a sua primeira viagem e como aconteceu com ele, o irmão também se apaixonou pela vida de caminhoneiro e aí, a dupla estava montada.
           As viagens não paravam. Era do sudeste para o nordeste, daí para o centro oeste, depois para o norte. Aí já tinha uma carga para o sul.E não paravam nunca. Raramente apareciam em casa. O lar deles tinha virado a boleia do caminhão. Quase não dormiam em hotéis de beira de estrada.  Com o tempo, indo e vindo para as mesmas cidades, acabaram arranjando namoradas nesses lugares e uma cama para amar e descansar. Com isso o caminho de volta para casa, estava quase esquecido.
           As histórias eram muitas. Muitos sufocos já tinham passado juntos. Muitos sustos já tinham sido acumulados naqueles anos, atravessando o Brasil de ponta a ponta. Mas tinha uma história que foi a mais marcante. E foi numa dessas viagens, no sertão nordestino, para lá onde Jesus perdeu as botas, onde Toni foi visitar um amigo que precisava da sua ajuda.  Assim ele disse para o irmão.
          Quando os primeiros raios de sol se derramavam pelo campo, Toni e Quim já estavam desde as cinco horas da matina, rodando estrada. Haviam tomado um café rápido. Quim nunca tinha visto Toni tão ansioso. A sua barriga deu um ronco. Era o sinal para dar uma parada. Falou num tom um pouco baixo, perto do ouvido do irmão:
          - Toni, a barriga roncou. Olha o sinal aí. Acho que está na hora do almoço. Vamos parar?
         - Acho que não são nem onze horas. Mas tudo bem. Estou com fome também. Quim, você sabe que não podemos perder tempo, certo? Então, dessa vez, nada de parada longa. E nada de rabo de saia!
         - Mas Toni...
         - Nem mais, nem menos. Eu te conheço! Eu te conheço! Desde o outro carnaval, Quim!
        O irmão fez um muxoxo e disse:
         - Mas Toni. E a Mariazinha? A gente não vai parar para almoçar? Então, a gente junta o útil ao agradável e para lá no posto de gasolina, perto de onde ela mora! Pelo tempo que a gente tá andando, deve dar, mais ou menos, por lá. Toni, ela deve tá uma gracinha!
        - Sem essa! Você esqueceu o que a gente tá levando aí? Cara são duas cargas! Oh! Nada disso! Parar só para almoçar, e em outro posto! Assim a gente muda o trajeto! Não dá não! Concordei em parar, mas agora discordo! Senão vamos perder muito tempo! Vamos andar mais um pouco! Depois a gente enche o bucho!
Com um ar de decepção, Quim contesta:
         - Pô, Toni! Não amassa meu cano! Pelo que me consta, não tem nada de muito valioso aí atrás! E além do mais, estamos com tempo sobrando! Toni. É só a gente entrar no próximo cruzamento e vamos perder, no máximo, meia hora pra ir e meia pra voltar.Os seus planos não vão ser alterados. Mano, estou ficando com uma tristeza profunda.
        - Sem drama! Sem drama, Quim!
       - Não é drama. Estou com saudade da Mariazinha. É sério.
        - Quem não te conhece, te compra. Você já pensou em fazer novela? A cada dia que passa as suas aptidões artísticas estão brotando cada vez mais forte.  Impressionante, né?
        - Que artista o quê! Você está é ficando duro na queda!  E misterioso! Estou pensando. Pensando aqui com os meus botões. É só de uma carga que a gente vai ganhar alguma coisa, é ou não? A outra, você sabe, não vai dar nem pro café.É só uma porção de coisas velhas. Estou tentando, mas não consigo entender o que está acontecendo.Você está muito sentimental com essas velharias.
          - Que sentimental o quê! Você está deixando é criar minhocas na sua cabeça!
           - Você está é inventando coisas pra sair pela tangente! Eu te conheço! Toni, você me convidou para visitar um amigo. Não foi? Até ai tudo bem. Você sabe que estou sempre contigo e não abro. Mas aí chegando lá, você foi sozinho e depois disse que não encontrou o amigo. Ficou sabendo que o cara tinha batido as botas. E o mais estranho é que nem viu à cara dele. Só encontrou mesmo os seus cacarecos e um bilhete pedindo para você entregar todo esse lixo para a mulher dele. Alguma coisa me diz que você já sabia que o seu amigo já tinha batido as botas!Isso está martelando aqui na minha cabeça!
           Toni passou a mão pelo pouco cabelo que ainda forrava a sua cabeça e disse um tanto meloso:
           - Sabia nada. Só por que eu não chorei? Você está vendo  chifre em cabeça de cavalo.Zé Betão era meu amigo do peito. Era o melhor amigo do velho.Uma vez tirou a gente do sufoco. Coisa que só irmão faz.  Depois desse dia então, nos tornamos amigos pra valer! A gente não esquece um momento desses. É ou não é? Quim, a gente só leva mesmo é recordações pra viúva.Só isso. E eu não acredito que o seu coração tenha virado pedra.

          - Mas Toni, aí atrás só tem coisas velhas! Só troço pra ser jogado fora! Já deve ter uma família completa de cupim morando naquela velharia! É bem capaz que a mulher dele coloque fogo em tudo!Antes mesmo de entrar em casa! Não duvido disso!
                                  Continua semana que vem... 

terça-feira, 21 de março de 2017

A história que deu origem a história - “Um anjo na boleia”

A HISTÓRIA QUE DEU ORIGEM A HISTÓRIA, 
 “UM ANJO NA BOLEIA”

                                                                                                        José Timotheo

       Esta história é uma obra de ficção, mas a sua base é real. Entretanto só tenho certeza da ficção, pois a realidade pode ter sido inventada. Eu sei que é uma maluquice, mas vou explicar.
      Eu estava numa fila de banco, numa agência minúscula - nessa época ainda não tinha internet - para pagar uma montoeira de contas. Eram filas quilométricas, que davam voltas no quarteirão. Imagina um banco, depois de uma greve, que talvez tenha durado trinta e cinco dias. Imagina. Imaginou? Terrível, não?  Só não consegui focar no ano que passei por esse sufoco. Mas por sorte, foi ali, numa dessas filas, que escutei uma história que foi a inspiração para a criação deste texto: - “UM ANJO NA BOLEIA”.
      Além de longa a fila, ela não andava. Devia ter umas vinte pessoas na minha frente.  Só se via gente com as mãos cheias de contas para pagar. Atrás de mim havia duas pessoas conversando. Pareciam velhos conhecidos. Um começou a contar que tinha sido convidado por um amigo, para acompanhá-lo com um veículo da funerária, para fazer o traslado de um corpo. A pessoa tinha ido passear no Ceará, para visitar alguns irmãos, e acabou morrendo por lá. Mas a família do Rio de Janeiro queria que ela fosse sepultada aqui. E lá foi ele com o amigo num rabecão, buscar o defunto. Viagem longa e desgastante. Chegaram à cidade, cujo nome eu não lembro,  e foram ao IML.  Procuraram o corpo e lá não estava. Disseram que não tinha dado entrada ali ninguém com aquele nome. Depois informaram que o corpo deveria estar em algum hospital da cidade. Como havia poucos, não foi difícil encontrar o local em que houve o óbito. Só que já não estava mais lá. Um dos irmãos do falecido removeu-o para uma capela do cemitério da cidade. Então foram até o campo santo e encontraram-no repousando numa capela, à espera do sepultamento. Estava sozinho. Ninguém velava por ele. Um coveiro disse que há dois dias não aparecia uma viva alma. Disse também que um carro de uma funerária, segundo ele, desconhecida, deixou o defunto ali e sumiu. Quatro rapazes, que pareciam halterofilistas, carregaram o caixão e depositaram-no em cima da mesa.  Acabaram sendo os únicos visitantes para o finado. O amigo, motorista, tinha um retrato do defunto, só que como o caixão estava lacrado, ficou impossibilitado de fazer a identificação. Mas tinham que confirmar se era mesmo a pessoa que teriam de levar para o Estado do Rio. Então perguntaram ao coveiro, mas ele disse que não tinha visto o corpo. E nem sabia de quem se tratava. Porém viu quando colocaram um papel no quadro da parede, com o nome do dito cujo. Leram e confirmaram. Pelo menos, pelo nome escrito no papel, batia com o que estava na documentação.  Antes de sair, o coveiro comentou que nunca tinha visto um defunto que não fedia, depois de mais de quarenta e oito horas de ter batido as botas. Os dois esperaram o coveiro sair e foram até o caixão e cheiraram. Constataram que realmente não tinha mau cheiro.  Ficaram com vontade de arrancar o lacre que envolvia o caixão, mas desistiram porque seria uma violação.

              O motorista pediu para o amigo ficar olhando pelo defunto, enquanto ele ia procurar o tal irmão e com ele dar entrada na papelada para poder remover o corpo para o Rio de Janeiro. Só que o amigo voltou no dia seguinte e sozinho. E ele quase se borrou de medo ao ficar ali do lado do defunto, com sede e fome, até o dia raiar. Nunca pensou na vida que poderia dormir do lado de uma pessoa morta, mas dormiu.  Foi o medo que sucumbiu ao sono. Mas, águas passadas, o importante é que tinha conseguido liberar o corpo para o traslado. E esse tal irmão abandonou o defunto e nem sequer apareceu para dar o seu último adeus. 
                Os dois tentaram tirar o caixão, mas o peso era descomunal. Não moveram um centímetro sequer. Foi um esforço em vão. O motorista então saiu à procura do coveiro. Não demorou muito e lá voltou ele com seis pessoas, além do coveiro. Com muito esforço conseguiram colocar o caixão em cima de um carrinho. Depois o levaram até ao rabecão. Até aí, tudo bem. Mas mal saíram com o veículo, os amortecedores não resistiram ao peso. E a suspensão também ficou comprometida. Acabou o carro ficando impossibilitado de se mover. A carroceria arriou e ficou em cima dos pneus. Com a ajuda de um dos ajudantes, o motorista foi até a uma oficina mecânica, que ficava nas imediações do cemitério. O mecânico examinou o veículo e disse que o carro tinha que ser rebocado e levado para a oficina.  E assim foi feito. Só que lá chegando tinham que tirar o caixão do carro. Aí foi outra pedreira. A oficina não tinha gente suficiente disponível, aí tiveram que sair procurando quem pudesse ajudar. Conseguiram. Depois de analisado o estrago no carro o mecânico comunicou o custo e o tempo. O preço não foi o problema. Mas o tempo foi complicado: uma semana ou mais. O amigo disse que não podia ficar ali todos esses dias. Tentaram convencer o mecânico, mas ele justificou a demora por falta de peças. As peças vinham da capital. Ali não iam ser encontradas. - O que fazer? – perguntou o motorista do carro fúnebre para o mecânico. O mecânico sugeriu que comunicasse a seguradora o ocorrido e levasse o carro para a capital ou para o Rio de Janeiro. E assim foi feito. O reboque chegou e guinchou o carro. Só que não ia poder colocar o caixão dentro do veículo. Então o motorista do reboque sugeriu que arranjassem um caminhão. Deu um telefonema para uma transportadora e, por coincidência, tinha uma carreta com carga para o Rio de Janeiro. Duas horas depois apareceu o transporte. Os dois ficaram aliviados. Principalmente o motorista do carro fúnebre, que não ia precisar dirigir. Era muito chão até o Rio. Ia chegar um bagaço. Acabou até sorrindo de alívio. Mas o problema ainda não estava solucionado: tinha que colocar o caixão dentro do caminhão. Com certeza ia ser uma empreitada pra lá de complicada. A altura da carreta não ajudava em nada. O mecânico da oficina, então, teve uma ideia. Mas pra botá-la em pratica ia precisar do carro reboque. Todo mundo achou a ideia boa. Só ia depender do motorista do reboque aceitá-la. Por sorte, não colocou empecilho nenhum, concordando em usar o guincho para erguer a urna mortuária. E assim foi feito. Só que o caixão, quando estava quase dentro da carroceria, despencou e se espatifou no chão. Ficaram todos surpresos, com o que ficou espalhado pelo chão da oficina.  
        Vamos deixar a conclusão dessa história, para a história de “Um Anjo na Boleia”.
                                      ...Semana que vem começa...
  

segunda-feira, 13 de março de 2017

Nossa Cor: Humana


NOSSA COR: HUMANA
 - José Timotheo -


            Recentemente ouvi duas pessoas conversando dentro de um ônibus, linha Niterói – São Gonçalo, RJ. Eram dois rapazes. Um negro, com mais de um metro e oitenta de altura, e o outro, bem branquinho, com uma altura que não passava de um metro e meio. Um chamava o outro de tampinha e negão. A conversa era de total alegria. Eram grandes amigos. E só se dirigia um ao outro pelo apelido. Falavam da família. Os dois já tinham filhos. E eram compadres. Ouvi bastante o papo deles. Chegando em casa, baseado no que ouvi, escrevi esse texto.
   
          - Ô Tampinha!
          - Ô Negão! Isso é bule!
          - Que bule você tá falando?
          - Não sei direito. Mas não é o de café, isso eu sei. Parece que é aquele negócio de apelido.
          - Então você fez bule comigo. Me chamou de negão.
          - É? Então me chame de negão também. Pode me chamar.
          - Chamar você de negão, seu branquela?
          - Sim! Pode! Você esqueceu de que doou sangue pra mim, quando sofri aquele acidente?
          - Lembro sim!
          - Então, tenho sangue preto aqui nas minhas veias! Logo, sou preto também!
         - Se é assim, então pode de me chamar de branquela, barata descascada e o que mais quiser! Dessas coisas assim que a gente chama os brancos!
         - Negão, mas você não é branco!
         - Como não! Já se esqueceu de que eu tenho um rim que você me doou? Então, sou também branco!
         - Ô negão! Ou branquela? Meu irmão pra quê esse negócio de cor? Quem arranjou isso?
         - Branquela. Ou negão? Sabe que eu não sei! Só sei que quem inventou não estava num bom dia!
          - Ô Tinho, como é que está o seu menino, o meu afilhado?
          - Tá bom. Lindo que só vendo! Cada dia se parece mais e mais com a mãe! É o meu tizil! Nosso menino vai fazer três anos!
          - E eu não sei? Num é que esse meu afilhado é mais preto que o padrinho! Mas ele é branquinho igual a você!
           - Num é que é mesmo! Ô negão. Qual a cor da gente?
           - E a gente tem cor? Eu só sei que a gente é gente! Pra que cor? Ô Tinho, você falou uma coisa certa: o cara que arranjou essa coisa de cor estava num mal dia, não é mesmo?

                                                  fim

terça-feira, 7 de março de 2017

Assombração - Parte Final

          Para surpresa de todos, Assombração preencheu todo o formulário com a ajuda do irmão. Isso foi muito bom, tendo em vista que pelo menos não tinha esquecido a escrita. Em cada linha preenchida, deixava um sorriso. Somente quando foi assinar é que deu uma olhadinha na assinatura que estava no seu documento de identidade, mas conseguiu reproduzi-la corretamente. No final disse:
          - Anton, será que vou me acostumar com esse nome? Antoane Sandez! Acho Assombração tão bonito!
           O consultório quase veio abaixo de tanta gargalhada. Se a porta tivesse aberta, com certeza ecoaria por todo o hospital. Assombração fez uma expressão de surpresa, mas depois deixou o seu riso se misturar aos demais. A alegria tinha contagiado a todos. – Mais uma rodada de café? – perguntou a enfermeira Elga, que estava duplamente feliz. A sua proximidade com o Dr. Justus, com ele lhe falando quase encostado na sua orelha, deixou-a com o coração em pandarecos.  O que ele falava, parecia música nos seus ouvidos. Com as faces bem coradas, preferiu arranjar um subterfúgio, pegando a bandeja de café, a ceder à tentação de abraça-lo. 
         Alguns dias se passaram. A cirurgia tinha sido um sucesso. A menina se recuperava rapidamente. Estava feliz porque soube que já estava praticamente curada e o responsável pela sua cura tinha sido aquele rapaz que mandava, diariamente, um tchao pra ela.  E que em poucos dias estaria voltando para casa.
          Na véspera de ter alta recebeu a visita de Antoane e do irmão. O encontro foi regado de felicidade. Os pais da menina não se cansavam de agradecer a Assombração, por ter devolvido a saúde a sua filha. Eles jamais poderiam imaginar que aquele rapaz simples e humilde, um catador de lixo, viesse a ser o seu salvador.     Assombração não sabia o que fazer diante daqueles gestos de gratidão. O pai até ofereceu um quarto da sua casa para ele morar. O irmão, Dr. Anton, percebendo que Antoane estava ficando meio desorientado, foi em seu socorro, agradecendo aos pais de Verinha aquele gesto de carinho e informando que o irmão iria voltar para casa. Aí é que perceberam a semelhança dos dois.
          Mais uma semana tinha voado. Dr. Anton vinha preparando a mãe para o reencontro com Antoane. Foram alguns dias numa preparação homeopática.  Mesmo assim, com todos os cuidados, no momento em que ficou sabendo que o filho tinha sido encontrado,  teve um aumento da pressão arterial.  Mas foi apenas um susto. Depois de medicada, com a pressão estabilizada, deu um sorriso e perguntou pelo paradeiro do filho.
         - Anton, ele está ali fora? Quero vê-lo.
         - Calma mãe. Vou trazê-lo amanhã. Eu preferi assim. Não sabia como à senhora ia reagir. Só com a notícia, a sua pressão ficou descontrolada.  Imagina se tivesse trazido ele! Vamos tomar um calmante.
        - Desde quando eu preciso de calmante! Só fiquei um pouco emocionada! Só isso!
        Anton estava preocupado. Só com a notícia que o filho estava vivo, a pressão dela ficou descontrolada, imagina agora vendo Antoane em carne e osso. O que poderia acontecer? Mas não tinha alternativa mesmo. Não morreu de tristeza, não vai morrer de alegria.
          Assombração estava que era só felicidade. Levou o irmão para conhecer o Seu Juca e Dona Verona, seus melhores amigos. Não podia dar outra: a empatia foi imediata. Dr. Anton não teve dúvida ao dar o seu diagnóstico: duas pessoas do bem. Agradeceu pelo carinho e proteção que tiveram com o irmão. Até o “durão” do Seu Juca deixou que as lágrimas descessem pela face. Acabaram os quatro se abraçando. Assombração, choroso, jurou que nunca ia deixar de visita-los. Aquela era uma amizade para o resto da sua vida.
          Dr. Anton caminhou com o irmão por toda a cidade. Conheceu  as ruas que ele percorria diariamente, catando o seu sustento, e as árvores que o abrigou por tanto tempo. Por último conheceu a rua que morava a menina. Pararam em frente ao nº 18. Assombração notando que o quintal estava limpo comentou com o irmão:
          - Anton acho que a menina já está em casa. O quintal está bem limpinho. A porta da frente está aberta.
          O irmão não percebendo de que menina ele falava, perguntou:
          - Que menina é essa que mora aqui?
          Assombração deu um sorriso e respondeu:
          - É a minha amiga, Verinha. Não se lembra? Esqueceu? Por que será que não está brincando? Acho que vou apertar a campainha. Não, deixa pra lá.
          O Dr. Anton ia falar alguma coisa, mas de repente abortou o que ia dizer e sorriu. Em seguida cutucou o irmão e apontou para a lateral da casa. Antoane olhou para onde o irmão apontava e viu quando menina saía detrás de um arbusto. Deu um sorriso tímido, mas não conseguiu falar nada. Porém quando ela o avistou, bateu com a mão e mandou-lhe um beijo estalado. Assombração quase pulou de contentamento. Emocionado, encostou o rosto na grade, que cercava a propriedade, deixou que o seu sorriso se misturasse com um pouco de lágrimas e retribuiu com um beijo, também estalado. Depois se virou para o irmão e disse:

          - Viu Tom? Viu? É ela! Agora ela está boa e feliz!
          Anton sorriu, balançou a cabeça afirmativamente, mas repentinamente franziu a testa e perguntou:
          - Como foi que você me chamou?
          - Tom.
          - Tom?
          - É. Tom.
          - Por quê?
          - Não sei. É Tom.
            Anton olhou para o irmão, já com os olhos cheios d’água, abraçou-o e disse:
           - Antoane. Era assim que você me chamava. Agora tenho certeza que você vai ficar curado. Tudo vai voltar ao normal. Não importa se esse processo demore muito. Não importa mesmo. A gente espera. Vamos para nossa casa? Mamãe está ansiosa pelo seu retorno.

                                                     fim

Obs. Esta é uma obra de ficção. Tanto a história, como nomes das personagens, se existirem, é pura coincidência.