Gal Costa ia fazer um show em Niterói. Se não me engano, no
Clube Regatas Icaraí. Fui escalado pelo meu amigo jornalista Mário Dias para
entrevistá-la. Seria um grande desafio para mim. Ainda era um foca. Imagine eu
em frente daquele mostro sagrado da MPB! Recebi uma credencial e lá fui eu,
entre emocionado e nervoso. Ou entre nervoso e apavorado.
Cheguei bem antes do início do show. Ela já estava no
camarim. Fiquei rondando, mas não consegui contato. Ninguém aparecia. Circulei
pelo clube e de vez em quando passava na porta do camarim e nada. Numa dessas
circuladas, começou o show. E pensei desconsolado: perdi uma oportunidade e
tanto de falar com ela...Me restou ficar pertinho do palco saboreando aquele
show maravilhoso. Não sei quanto tempo fiquei ali na turma do gargarejo. Acabou
o show e lá fui eu atrás dela, novamente. Cheguei primeiro do que ela na porta
do camarim. Pensei que seria fácil. Só tinha eu da imprensa. Ela chegou e, pra
minha tristeza, fizeram um corredor para ela passar. Naturalmente fui afastado
pelos seguranças do clube. Ela entrou e fiquei a ver navios. Tentei falar com
um cara que estava na porta, me identifiquei, mas ele não deu a mínima pro meu
crachá. Disse, sem olhar na minha cara, que estaca destacado ali para não
deixar ninguém entrar. Fiquei encostado numa parede bem próximo à porta. Nisso
apareceu uma menina. Devia ter uns vinte, vinte e um anos. Uma linda menina.
Veio ao meu encontro e pediu para acender o seu cigarro no meu. Começamos a
trocar idéias. Me perguntou o que eu fazia ali sozinho. Ei contei o meu drama,
disse que era repórter, que tinha pouco tempo na profissão e que estava
esperando uma oportunidade para entrevistar Gal Costa. Falei que seria a
primeira entrevista importante, mas que estava sendo um fracasso. Ela olhou pra
mim e disse: “Espera um pouco, que já volto”. Girou nos calcanhares, passou
pelo segurança e entrou no camarim. Não demorou muito, voltou com um sorriso
nos lábios e um papel nas pontos dos dedos. Me entregou o papel e disse para eu
ligar pra ela na terça feira seguinte.
Na tarde da segunda feira, estava na redação do jornal “A
TRIBUNA” E “JORNAL DE ICARAÍ”, em Niterói, tentando me entender com uma velha máquina
de escrever Olivetti. Mário chegou e foi cobrando a minha matéria. Estava meio
envergonhado por ter falhado. Não precisei nem falar. Ele me sacaneou. Falou
alguma coisa que não me recordo. E foi para a sua mesa. Preferi não falar que
ia continuar tentando fazer a entrevista. No dia seguinte, liguei para a menina
e ela disse que tinha agendado a minha entrevista com a Gal Costa. Nem
acreditei. Fiquei mudo. Ela pensou que eu tivesse desligado. Depois do terceiro
ou quarto alô é que eu consegui falar alguma coisa. Ela me passou o endereço e
marcou para a semana seguinte. Meu coração quase saiu pela boca. Era muita
emoção.
Na quarta feira cheguei mais cedo na redação. Mário ainda
não estava. Comecei a esquematizar as perguntas que iria fazer. Quando ele chegou,
eu já estava com quase tudo pronto. Levei até a mesa dele. Ele olhou, sorriu,
falou e disse:
-“Conseguiu, em cara! Gostei. Não desistir é sempre um bom
caminho. Deixa isso aqui comigo”.
Ele fez as devidas correções. Tirou algumas perguntas. Colocou
outras. Deu uma enxugada geral. No dia seguinte me entregou um gravador.
No dia marcado, lá fui eu para o Vidigal, onde morava Gal
Costa. Cheguei com duas horas de antecedência. Estava tenso. Já tinha fumado
alguns cigarros. Fiquei parado em frente da porta olhando a campainha. Custei a
pegar coragem. A menina que tinha marcado a entrevista foi quem abriu a porta.
Sorriu e disse:
-“Chegou muito cedo cara! Ela não está, mas na hora marcada
ela vai estar aqui”.
Me mandou entrar e aguardar. Me sentei numa poltrona e ali
fiquei até ela voltar. Ela voltou com uma senhora. Era a mãe de Gal. Muito
simpática e agradável. Olhou pra mim e disse: -“Menino, minha filha vai chegar
na hora, você vai ver só! Fica sentadinho ai. Você quer um copo d’água? Fique à
vontade.” – Ela sentou na outra poltrona e continuamos a conversar. Algum tempo
depois ela saiu, acompanhada da lourinha. Fiquei um tempo sozinho. Depois
voltou a menina com a empregada. Começou a arrumar a sala. Pulei de um lado
para o outro para não atrapalhar. No final acabei ajudando a empregada a mudar
as poltronas de lugar. A mãe de Gal voltou e deu ok na arrumação.
No horário marcado Gal Costa chegou. Tremi dos pés à cabeça.
– “É de carne e osso.” – pensei. Automaticamente fiquei de pé. Falou com a mãe
e com a amiga. Depois sorriu pra mim e me cumprimentou. Calado estava mudo
continuava. Ela vendo a tensão estampada na minha cara, disse sorrindo: - “Vamos
à entrevista?” – Tentei falar alguma coisa, mas apenas balancei a cabeça
afirmativamente. Apertou a minha mão e apontou uma cadeira, mas não deixou nem
por um instante apagar o sorriso. Sentei de um lado e ela do outro. Peguei a
minha lista de perguntas, que estava toda amassada, dentro do bolso da minha
calça jeans surrada, e coloquei do lado do gravador. Até aquele momento eu não
tinha conseguido falar nada. Respirei fundo e tomei coragem. Perguntei a ela se
podíamos começar. Ela confirmou. Quando ia iniciar a entrevista, aconteceu um
desastre: o gravador, quando fui apertar o rec, escorregou e se espatifou no
chão. Voaram pedaços para todos os lados. Fiquei completamente desbundado. Eu
não sabia o que fazer. Mas acabei indo atrás dos pedaços. Fiquei de joelhos
atrás dos pedaços, dei conta que ainda faltava a fita. Fui achá-la debaixo da
poltrona. Parecia que estava pagando alguma promessa. Depois dessa trabalheira
toda, não consegui fazer o troço funcionar. As três me olhavam entre assustadas
e incrédulas. Mas eu senti que uma ponta de riso estava por trás daquelas
expressões. Mas não era pra menos. Voltei à cadeira. Gal engoliu o riso. Acho
que foi a gargalhada. Depois pacientemente, sorrindo pra mim, pediu o papel com
a lista de perguntas e disse pra eu ficar calmo. Enquanto lia, eu tentava de
novo fazer o gravador funcionar. Leu todas as perguntas e excluiu algumas, e eu
não consegui fazer a “merda” do aparelho funcionar. Depois me perguntou se eu
já estava preparado. Respirei fundo, joguei o que restava do gravador para um
canto, e peguei meu bloco de anotações. Ela lia a pergunta e respondia
vagarosamente. Fui escrevendo na integra o que ela ditava. No final deu uma
olhada no que eu tinha escrito e deu ok. Saí de lá pisando nas nuvens. Quando a
porta se fechou às minhas costas, ouvi uma risada. Era o riso que ela tinha
engolido para não me deixar mais constrangido ainda. Depois as três riram
juntas. E riram muito. Fiquei encostado à porta por algum tempo. Elas não
conseguiam nem falar. Acabei rindo também. Fui embora e, até hoje, o sentimento
que guardo é o carinho e o respeito dessa grande estrela por um novato,
desconhecido, que precisava mostrar serviço pra conseguir o seu espaço...
- José Timotheo -