terça-feira, 28 de março de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 46

 


Continuando...

            Ali, depois que o amigo silenciou, optou por sentar-se também. Mas não se conformava ter de esperar por Kalled. Ele sabia que podia dar cabo da operação sem a sua ajuda, entretanto não podia se antecipar, pois ele era seu superior e tinha recomendado paciência para que a missão fosse executada com sucesso. Além de deixar claro que era ele quem iria dar cabo dos americanos. Não perderia por nada o prazer de jogar uma bomba dentro do esconderijo dos ianques. Ia vingar a morte do companheiro, que além de chefe era o seu irmão mais velho.

          O tempo voava e nada do chefe chegar. Ali já começava a mostrar sinais de impaciência. Essa demora não era normal. Kalled era um companheiro pontualíssimo e um líder competente. Essa obediência podia custar caro ao plano. Podia ir tudo por água abaixo. Ele olhou na direção do amigo Mustafá e sentiu vontade de gritar, chamando-o para executar a missão, passando por cima das ordens recebidas. Já demonstrando a sua insatisfação, ficou de cócoras, esticou sua roupa, verificou a sua arma e as munições e se colocou de joelhos. Cuidadosamente, procurando não fazer barulho, foi em direção do amigo. Na sua cabeça já estava decidido a cumprir a missão sem a presença do seu chefe, que com a demora estava colocando em risco todo o plano de vingança contra os americanos.

         Ia vagarosamente ajoelhado. Jogou a sua arma para as costas, para não correr o risco de ela bater no chão e causar qualquer ruído, que pudesse ser ouvido pelo inimigo. O peso da mochila, da arma, das granadas, das munições e mais algumas coisas dependuradas pela cintura fazia com que ele quase se arrastasse. Foi chegando perto do amigo e chamou-o:

         - Mustafá. Mustafá.

         Mas Mustafá continuou de cabeça arriada, não demostrando qualquer reação de tê-lo escutado. Chamou-o novamente e nada. Então chegou bem perto e colocou uma das mãos no seu braço e sacudiu-o. Nisso ouviu um ruído quase inaudível. Mas como ele tinha uma audição muito apurada, nada passava sem que ele não percebesse, rapidamente largou o braço do amigo, pegou a arma, foi se levantando silenciosamente e logo que chegou ao topo da meia parede enfiou a arma na direção de onde tinha vindo o ruído e encontrou dois olhos a mira-lo assustados. Um som abafado saiu da boca de Mohammed, mas foi escutado pelo sargento, que rapidamente se levantou e viu um homem em pé, com a arma em punho. Não pensou duas vezes: deu dois tiros certeiros, um na face e o outro no ouvido de Ali. O terrorista caiu sem vida por cima do amigo.

         Dois riscos luminosos clarearam a noite e os estampidos se espalharam pelos os escombros e pela alameda mergulhada na escuridão. Téo ainda estava parado no mesmo lugar para ter certeza se realmente o inimigo estava abatido. Já Mohammed saiu numa carreira, indo até onde estava o sargento. Mesmo com a escuridão abrandada pela claridade despejada pela lua, era difícil ver o contorno de qualquer rosto e muito menos a sua cor real. Mas às feições de Mohammed atravessou esse breu e se mostrou para Téo num amarelo tão pálido quanto à morte. O sargento só teve tempo de segurá-lo pela gola da blusa para que não desabasse no chão. O menino estava pendurado como uma roupa velha num varal.   Com cuidado Téo colocou-o no chão. Mohammed estava desacordado. As feições cadavéricas deixaram-no preocupado. Arriou-se e pegou-o no colo e dirigiu-se para a entrada do porão. 

....... Continua Semana que vem!

 

terça-feira, 21 de março de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 45

 


Continuando...

         O amigo não respondeu de imediato, parecia pensativo. Alisou a barba algumas vezes e em seguida olhou para a arma, mas voltou a passar a mão na barba novamente. Depois desse ritual todo, encostou a arma na testa e ficou assim durante alguns minutos, enquanto o amigo, olhando para ele, esperava alguma resposta para a sua dúvida.

           Ali finalmente, depois desse silêncio prolongado, tentou arranjar uma solução para o impasse. Realmente estava num beco sem saída. Mesmo assim tentou dar uma resposta ao companheiro de armas.

          - Mustafa... – tentando falar o mais baixo possível – acho que não vamos ter alternativa. Vamos jogar algumas granadas dentro do porão. Mas como vamos salvar um deles?

         - Mas Kalled falou que o garoto é importante.

         - Ué, mas você mesmo disse que temos que matar os dois!

         - Ali, eu falei, mas acabei de voltar atrás. Qualquer coisa que Kalled fala a gente tem que obedecer. Se a gente matar o garoto, acho que ele nos mata.

         - Tenho certeza disso. Eu só falei aquilo, porque não tinha o que responder. Então vamos esperar Kalled, no silêncio total. Chega de falar.

        - Tudo bem, Ali. Vou aproveitar para descansar mais um pouco.

        E o silêncio voltou a reinar entre os escombros.

        Mohammed continuava quase colado ao terrorista Mustafa. Estava pensativo, mergulhado na dúvida. Não sabia se deveria eliminar logo aquele terrorista. Sabia – pensava - que deixar para depois, poderia pôr em risco a sua vida e a dos outros, pois o terceiro elemento, de nome Kalled, chegaria a qualquer momento. Concentrou-se e mentalmente ficou desenhando o bote certeiro para eliminar Mustafa.

        Téo continuava atento observando, com o seu binóculo, qualquer movimento que por ventura se escorregasse pela noite. Depois de quase trinta minutos de uma observação constante, não havia constatado ainda nenhum sinal físico de qualquer pessoa, nos vinte metros, aproximado, à sua frente. Era paciente e ali ficaria até que o inimigo desse às caras, aí poderia agir com precisão.

        O sargento tinha uma audição apurada e aliava isso ao possante binóculo de que não se desgrudava nunca. Pela distância, sabia que havia algum cochicho, só não conseguia entender o que falavam. Mas por outro lado, conseguia determinar a direção que saía o som. Tinha certeza que para onde mirava o binóculo tinha alguém de carne e osso. A sua atenção estava voltada para a aquele ponto. Entretanto isso não queria dizer que a sua retaguarda estaria desprotegida. Isso de jeito nenhum aconteceria, tendo em vista com a sua audição bem treinada, não deixava som algum, ao seu redor, passar despercebido, tanto que ouviu um movimento vindo de onde estivera Mohammed, pois tinha ouvido quando o menino sumira sorrateiramente. E ainda mais quando parou não tão distante dali.

         Mal o menino chegou, ele, quase sussurrando, perguntou:

         - Para onde você foi, Mohammed?

         - Fui até onde estava um dos homens. Agora só devemos nos preocupar com um, o outro já não está mais entre a gente.

        - O que aconteceu com ele? – perguntou curioso.

         - Nesse momento, ele já deve estar nos braços de Alá. 

         Mohammed, antes que o sargento perguntasse mais alguma coisa, fez um gesto com a mão no pescoço, como se tivesse degolando alguém. O sargento olhou para ele com uma bruta interrogação no olhar. Mas devido à situação que estavam envolvidos, preferiu naquele momento se calar, deixando a conversa para depois que tivessem resolvido aquele problema.

          O menino então, aproveitando o silêncio de Téo, falou bem baixinho:

           - Sargento, temos que nos livrar do outro o mais rápido possível. Está para chegar mais um homem. Parece ser o chefe. Eu não sei a que grupo pertencem. Desconfio que sejam milicianos. Já que matamos um chefe da milícia local... São vingativos. Vamos fazer o seguinte: eu vou voltar por aqui e o senhor vai pelo outro lado. Ele – espichou um pouco a cabeça, para olhar um determinado ponto, e prosseguiu – está naquela meia parede lá a, mais ou menos, quinze, vinte metros daqui. Eu vou distraí-lo e o senhor dá cabo dele, certo?

           Téo estava abismado com tanta firmeza e destreza do menino. Olhava-o com muita curiosidade. De repente um pensamento invadiu a sua cabeça: - Será que esse garoto foi preparado por algum grupo guerrilheiro?

           Enquanto ruminava essa pergunta, o menino, já que ele não respondia a sua pergunta, perguntou de novo:

          - Então sargento, o senhor escutou o que eu perguntei?

          Aí sim é que o sargento voltou à realidade que os envolvia, parecendo que estivera em algum lugar longe dali. Deu um meio sorriso e respondeu:

          - Tudo bem. Eu entendi o que você falou. Me diz uma coisa: quanto tempo até chegar onde você esteve?

          - Com precisão, não sei. Eu fui me arrastando. O senhor vai saber quando lá chegar. Não é perto.

         O sargento levantou o polegar dando o seu ok. Por sua vez Mohammed levantou o seu, mas depois falou baixinho:

          - Senhor, já estou indo.

          Falou e se jogou no chão, e foi se arrastando feito uma serpente. Téo foi em seguida, também ao encontro do outro homem. Não saiu se arrastando como o menino, mas procurou ir o mais baixo possível, para não ser descoberto.

  .......Continua Semana que vem!

terça-feira, 14 de março de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 44

 


Continuando...

          Mohammed continuou sem falar nada e seguiu a orientação do sargento. A ligeireza dele surpreendeu Téo. O menino deslizava feito uma cobra, parecendo realmente um animal peçonhento em busca da sua presa. Em frações de segundos já estava protegido e com a atenção voltada para identificar a localização do suposto inimigo.  Ou talvez inimigos. Téo chegou logo atrás e se postou também na posição de reconhecimento. Protegido pela escuridão esticou um pouco o corpo, sacou um binóculo para visão noturna, e com a cabeça ainda coberta pela touca negra, pôde fazer uma varredura pelos escombros. Na primeira olhada, nada viu de anormal. Mas aquilo não lhe deixou confortável. Então continuou a olhar ponto por ponto.

          Naquela montoeira de entulho era difícil identificar qualquer presença de pessoas. E o silêncio também não contribuía para facilitar a localização de algum inimigo. Como era paciente, ficou à espera de qualquer deslize dos milicianos ou ladrões comuns naquela região. Apoiou a sua arma, devidamente camuflada para não brilhar com a luminosidade lunar, em cima de uma viga feita de tijolos dobrados e procurou controlar até a sua respiração.

          Téo olhou para Mohammed e fez um sinal, com um dedo perpendicular aos lábios, pedindo silêncio total. O menino só fez um sinal de cabeça confirmando o pedido.

         As duas figuras continuavam no mesmo lugar. O que esperavam ninguém sabia. Mas as armas estavam preparadas para entrar em ação a qualquer momento. Um deles, o primeiro que ali tinha chegado e que parecia que comandava, de minuto a minuto olhava para trás de si, parecendo que esperava alguém. E assim o tempo foi passando sem eles saírem da posição de origem. Mas o cansaço da espera começou a incomodar o segundo, que tirou a arma do ombro e apoiou-a em uma pedra ao lado, e depois se sentou, encostando às costas na meia parede. Depois esticou as pernas, pegou uma granada e escondeu-a na sua grande mão. O amigo vendo o que ele fez, sinalizou mandando-o levantar-se. Entretanto ele apenas bateu com a mão e permaneceu na mesma posição. O outro tentou se controlar para não falar, mas a voz saiu fugindo ao seu controle. Foi um som baixo, entretanto com o silêncio que abraçava o lugar, quem fosse preparado com certeza ouviria. E esse foi o caso: Téo escutou. Não conseguiu entender, mas agora tinha certeza que realmente tinha a presença inimiga bem próxima. Olhou para Mohammed, que imediatamente, colocando um dedo na orelha, sinalizou que tinha ouvido. O sargento sabia que naquele momento não podia emitir qualquer som, então preferiu não pedir para que o menino dissesse o que tinha escutado. Voltou sua atenção para a direção de onde tinha vindo à voz do suposto miliciano ou de algum ladrão que agia nas imediações, durante a noite. Com o seu binóculo nos olhos, voltou a vigiar ponto por ponto dos escombros. A sua atenção era fundamental para interceptar qualquer tentativa dos invasores.

          Enquanto Téo ficava de guarda, Mohammed sacou um pequeno punhal que trazia escondido na sola da sua botina. Sem o sargento perceber, colocou a arma presa nos dentes e saiu se arrastando entre pedras e tijolos. O silêncio era a sua maior arma. Sem o bandido perceber, Mohammed já estava ao seu lado. Já com o punhal na mão, aguardando o momento exato para agir, esperou pacientemente para ouvir o que conversavam. Não sabia quantos eram. Ficou de orelha em pé. O que parecia o chefe, dizia quase sussurrando:

          - Por Alá. Tira ás costas daí e fica de joelho, com a arma engatilhada, esperando Kalled. Quando ele chegar, a gente acaba com todos os americanos. A informação está precisa, é aqui mesmo. A passagem para o porão deve estar lá na frente. Não sei exatamente o lugar, mas vamos achar.

          - Estou esgotado. Tenho que descansar. Depois que Kalled chegar, aí sim, a gente faz o trabalho. Ontem foi duro, estou cansado. Mas vamos nos vingar dos americanos. Tenha paciência. Vamos acabar com todos, inclusive com aqueles garotos. Mas me deixa ficar sentado mais um pouquinho, preciso pegar fôlego.   

          - Ok. Mas não podemos matar os dois garotos não.

          - Eu sei. Só os infiéis. Mas como vamos livrar a cara de um deles?  Tem dois lá dentro, Ali.

  .....Continua Semana que vem!

terça-feira, 7 de março de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 43

 


Continuando...

            Enquanto os dois em silêncio se embriagavam de energias emanadas dos astros, não tão longe dali duas sombras deslizavam pela noite. Parecia que tinham endereço certo. Caminhavam na direção dos escombros, onde se encontravam os dois. Iam com passos firmes, mas com pisadas que não causavam praticamente qualquer ruído que os denunciassem. As armas, cuidadosamente envolvidas em graxas, para que não reluzissem com a claridade da lua, presas debaixo dos braços, já estavam devidamente prontas para entrarem em ação. E duas granadas presas na cintura de cada um deles, completava o traje da dupla. Terroristas ou simples ladrões? Ainda não se sabia.  

            O que caminhava um pouco mais à frente, já banhado pela luz da lua, já se aproximando dos escombros, parou, pendurou a arma no ombro e pegou uma das granadas, com uma determinação que supunha-se que iria arremessa-la. Mas com o mesmo gesto que tirou da cintura, colocou de volta. Depois sinalizou para o companheiro e voltou a caminhar, agora mais vagarosamente, seguido pelo parceiro que acompanhava todos os seus movimentos, sem se perder nos passos, até chegarem nos escombros. Cuidadosamente penetraram alguns metros até encontrarem o que restou de uma parede, com mais ou menos um metro de altura, que conseguira se manter de pé. Com mais um gesto de mão, o que parecia comandar, mandou o outro arriar-se atrás de uma outra parede, um pouco menor, que ficava há quase cinco metros de distância, mas que não dava para se perderem de vista.

           Téo de repente se sentiu incomodado, mas não sabia o motivo causador daquele desconforto. Mas tinha certeza que o que estava a caminho não ia tardar a chegar. Sempre foi assim, e agora não ia ser diferente. Era só ficar atento e esperar. Logo, logo algo de ruim ia acontecer. Era uma questão de tempo. Todos às vezes que assim se sentiu, o mundo parecia que ia desabar na sua cabeça. E sempre desabou. Já que estava sentindo a mesma coisa, não tinha dúvida.

           Os seus pensamentos foram interrompidos. Alguma coisa sacudiu-o. Quem ou o quê, não sabia dizer. Mal ameaçou se levantar, sentiu que alguma força o empurrou para baixo. Tentou levantar-se novamente, mas essa força invisível forçou-o, até que o jogou no chão pedregoso. Aquilo era um fato novo. Nunca tinha acontecido. A sensação que sentira era de que duas mãos de tamanho descomunal tinham pousado nos seus ombros. Resolveu então aceitar o que estava acontecendo e ficar atento. E esperar.

           De onde estava, pouco dava para ver ao redor. A área era muito grande. Todos aqueles escombros, eram de várias casas. Com cuidado colocou-se de joelhos, meteu a mão no bolso, retirou uma touca negra e enfiou-a na cabeça, ficando apenas com os olhos de fora. Depois se colocou de cócoras e em seguida esticou-se até ficar numa posição que pudesse fazer uma varredura com os olhos até onde lhe fosse permitido visualizar. A princípio não viu nada que pudesse se preocupar. Mas estava com uma pulga atrás da orelha. Quando ficava assim, sabia que alguma coisa estava prestes a acontecer. Onde estava tinha uma proteção de duas meias paredes. Ali estava bem colocado. Olhou para Mohammed e notou que a posição dele era mais vulnerável. Abaixou-se e rastejou até onde estava o amigo, que continuava viajando nas estrelas, alheio a todo e qualquer acontecimento que pudesse estar acontecendo nas imediações. O universo fazia parte da sua intimidade. Caminhava no céu, como se estivesse caminhando na sua casa, entre familiares, mesmo que não se lembrasse de já ter tido uma casa, ou mesmo uma família. De repente procurava no firmamento a sua morada, por que muitas vezes tivera a sensação que a sua casa era em qualquer uma daquelas estrelas, menos ali por onde perambulava, dias e noites, sem saber quem era e com um único objetivo, que era manter-se vivo.

        A cara dele, como dizem, era de paisagem. O seu estado era de êxtase. Ninguém conseguiria adivinhar em que planeta, estrela ou qualquer ponto do cosmo que estivesse pousado com a sua nave.

          Nesse momento um leve som chegou até aos ouvidos de Téo. Ele, não querendo assustar o menino falou baixinho:

            - Mohammed. Não fale nada. Silêncio, ok?

            O garoto apenas virou o pescoço na direção do sargento e não emitiu nenhum som. Ele já estava acostumado com a adversidade, se é que alguém fica acostumado, e com isso – parece - tinha abolido o susto. Qualquer situação adversa, ele não deixava transparecer qualquer emoção. Ou conseguia esconder muito bem os sentimentos. O menino era uma incógnita.

           Téo se aproximou ao máximo dele e falou baixinho, quase imperceptível, na sua orelha:

            - Acho que estamos com companhia. Procura ficar deitado e depois se arrasta até aquele ponto ali – apontado na direção de pedras e tijolos amontoados. 

.........Continua Semana que vem!