terça-feira, 25 de abril de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 50

 


Continuando...

         Depois constatou o sumiço de Mohammed também. Então concluiu o óbvio: os dois saíram juntos. Entretanto, minutos depois, aquilo podia não ser tão óbvio assim: o menino tinha fugido e o sargento fora atrás dele. Em seguida veio a explosão na sua cabeça. Para saber realmente o que estava acontecendo, tinha que sair dali. Isso sim era o óbvio.

         Enquanto o magricela pensava, Rashid já estava tentando sair daquele buraco. Forçava a portinhola, que fechava o porão, para cima, mas nada dela se abrir. Parecia que alguma coisa estava travando a porta por fora. Olhou para baixo e chamou pelo soldado. Peter saiu do emaranhado de pensamentos em que estava mergulhado e olhou para cima, mesmo sem entender o que o menino falava. Ficou olhando para o que estava se passando. O menino, com gestos, empurrou novamente a portinhola e, com o dedo, fez o sinal de negação. O soldado entendeu e gesticulou mandando-o descer. Rashid colocou os dois pés, um em cada lado da escada e se soltou, apenas dando apoio com as mãos nas laterais da escada, e rapidamente já estava do lado de Peter, que sorriu e falou alguma coisa elogiosa, mas que o menino não entendeu. Não entendeu, mas percebeu que era algumas palavras boas, pois sorriu para o soldado.

         Peter antes de subir, tentou balançar a escada. Queria ver se ela estava firme. Devia ser força do hábito, porque, na realidade, não confiava em nada e em ninguém. Em alguns momentos, até mesmo na hora de pisar, colocava um pé e forçava para ver se o chão estava firme. John dizia que ele tinha toque, e dava uma alfinetada:

          - Magriça! Quero ver na hora do tiroteio, quando o bicho estiver pegando, se você não vai correr! Quero está na hora para presenciar! Vou rir muito! Na hora do caos, esse negócio de botar o pezinho para ver se o chão não vai afundar, não dá tempo para esse tipo de frescura, não! Vai se tratar, porque você tem toque!

          No início ele até batia boca com o amigo, mas depois foi deixando pra lá. Com o tempo foi se questionando sobre a doença e até chegou à conclusão que realmente tinha algum problema, só que não conseguia deixar o ritual. Conversou até com o médico da sua companhia a respeito da doença e o médico confirmou o que o amigo tinha dito. Tentava se policiar, mas não conseguia frear o impulso, mas se conscientizou que faria um tratamento quando voltasse para casa ou ficaria curado durante a guerra, se morresse.

          Peter, depois de conferir se a escada estava firme, subiu-a. No topo forçou a portinhola na tentativa de abri-la, mas foi em vão. Então subiu mais um degrau, abaixou a cabeça e tentou empurrá-la com as costas. Mas mais uma vez não teve sucesso. Então olhou para o menino e balançou a cabeça mostrando que também não lograra êxito. Desceu, bateu levemente com a mão no ombro de Rachid, e foi para o seu canto, e ficou pensativo de cabeça arriada.

          Rachid ficou olhando para o alçapão, com uma expressão de pura decepção. Balançou a cabeça inconformado e socou a escada. Em seguida falou alguma coisa ininteligível. Peter escutou aquele sussurro, mas continuou sem entender nada. Agora foi ainda pior. – Que língua é essa? – pensou ele. Mesmo não sabendo o que o outro tinha dito, falou alguma coisa entre dentes, como se tivesse respondido. Aí foi a vez do menino balançar a cabeça, fazendo um bico, mostrando claramente que não tinha entendido nada. O magricela então olhou-o com um olhar vago, por alguns segundos, e pensou: - Estamos numa sinuca de bico. Eu não sei o que ele fala e ele não sabe o que eu digo.  

         O silêncio envolveu os dois. Peter já demostrava sinais de que a paciência, de ficar ali sem fazer nada, estava se esgotando. Começou a esfregar as mãos impacientemente. Se levantou e olhou para o amigo. Tentou conversar com ele, mas foi em vão, porque John continuava num sono profundo. O seu ronco era o único som que quebrava o silêncio. Ficou ali em pé cismando. Sabia que tinha que encontrar uma saída para aquela situação. Levantou o capacete e coçou a cabeça. Depois se virou e voltou para o seu canto, e sentou-se novamente. Decidiu esperar mais algum tempo, ali pacientemente, até a possível volta do sargento. Esse tempo ele estipulou em uma hora. Depois ia metralhar a portinhola e sair dali de qualquer jeito. Enquanto pensava, outra bomba estourou do lado de fora, fazendo com que o chão tremesse. Rashid caiu de joelhos no chão e imediatamente começou a falar algumas coisas que mais uma vez Peter não entendeu. Entretanto, pelo jeito que o menino se postava, calculou que ele pedia socorro a Alá. E ele, por sua vez, pediu fervorosamente socorro ao Deus da sua religião, como se o seu Deus fosse diferente do Deus Muçulmano, Budista ou de qualquer outra religião.

          Após a segunda explosão o silêncio voltou a reinar no ambiente. Rachid continuava rezando sem emitir qualquer som e Peter, depois da sua súplica a Deus, não parou de olhar para o seu relógio, contando segundo por segundo. Para dizer que o silêncio não era absoluto, de vez em quando o ronco de John ecoava no porão. Peter até ameaçou sacudir o amigo, pois estava se sentindo incomodado com aquele som irritante. Então respirou fundo, pensou duas vezes e apenas virou-o de lado. 

.......Continua Semana que vem!

 

terça-feira, 18 de abril de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte - 49

 


Continuando...

          Tinha uma estrela em especial, que não sabia o nome, onde parava por mais tempo os seus olhos. Na verdade, ele não sabia o nome de astro nenhum. Ou melhor, quase nenhum, porque a lua ele sabia. Mas também isso não era vantagem nenhuma, porque todo mundo sabia que o nome do nosso satélite era Lua. Isso deixava-o um pouco abatido. – Tinha outro - lembrou-se – o meteoro. Entretanto não sabia se era um só ou se tinha mais. Como olhava para o céu todas as noites, sempre via um riscando a imensidão. Quando começou a vê-los ele perguntou ao comprador de suas garimpagens. Foi quando ficou sabendo que era um meteoro. Ficou satisfeito, mas queria saber mais. O céu era a sua paixão. Jurou que um dia ia saber o nome de cada estrela que piscava por todo o firmamento.

           De repente voltou à realidade, quando a mão do sargento pousou no seu ombro. Virou-se para saber o que era, quando encontrou um dedo de Téo no meio dos lábios pedindo silêncio. Levantou-se com cuidado, para evitar qualquer tipo de ruído. Pegou a sua arma, que tinha tirado dos bandidos ou terroristas, não sabia mais, e apoiou em cima de um monte de tijolos e pedras, com um pouco mais de um metro de altura. Depois se aproximou da orelha do sargento e perguntou baixinho:

          - Viu alguma coisa, sargento?

          - Ainda não. Eu sei que estão lá, mas não consigo vê-los. Tive a sensação de ouvir movimentos.

          Mohammed olhou para o sargento, torceu a boca e voltou a falar no seu ouvido:

          - Sargento, porque o senhor não usa o binóculo?

          Téo olhou para o menino, coçou a cabeça, disse alguma coisa tão baixa que, pelo jeito, nem ele mesmo ouviu o palavrão que dissera. Mohammed não entendeu, mas deduziu, pela sua expressão, que ele não fazia qualquer tipo de oração. Num esforço sobre humano, engoliu o riso que quase veio à tona. O sargento pegou o binóculo e começou a invadir a escuridão. No primeiro ponto que parou, encontrou um guerrilheiro que engatinhava, carregando uma metralhadora e uma mochila. Pelo volume que apresentava, devia estar cheia de granadas e muita munição para recarregar a arma. Depois mirou o binóculo para o outro lado da rua. Nesse instante viu quando outro terrorista preparava uma bazuca. Não pensou duas vezes, pegou Mohammed pelo braço e saiu em disparada, puxando-o até que não estivessem mais na mira da arma. Quase aos tropeços, ziguezaguearam pelos escombros a procura de um local que pudessem se esconder. Sem conhecer o terreno, ainda mais no escuro, Téo sabia que não seria fácil achar um bom abrigo. Mas pelo menos já tinham conseguido sair da direção da arma. No momento, gerou um grande alívio para os dois. Entretanto isso não era suficiente para livrá-los do perigo. O tiro ainda não tinha sido disparado, logo o movimento deles podia estar sendo monitorado. E Téo sabia disso. Era só calcular a distância entre eles e o terrorista. Então – engoliu em seco - o atirador poderia esperar o momento certo e acabar com eles.

           Quem usava o binóculo noturno, podia estar acompanhando a rota de fuga dos dois, e passar a informação para o companheiro. Mas o sargento queria que essa hipótese não existisse. Numa prece muda, pedia a Deus para livrá-lo desse momento perigoso, que poderia acabar com a sua vida e a do menino.  E pelo jeito Deus ouviu-o mais uma vez, porque naquele momento um clarão atravessou a escuridão e uma bomba explodiu no lugar de onde tinham saído. O tiro foi tão preciso que caiu exatamente em cima do monte de pedras e tijolos, estilhaçando-os e lançando-os para todos os lados. Téo e Mohammed se protegiam do jeito que podiam da chuva de restos das ruínas. O entulho levou alguns segundos para cair, mas para os dois, pareceu uma eternidade.

            O magricela acordou apavorado com a explosão. Não tinha certeza, mas a sensação que tivera foi de que o impacto o tirara do chão, jogando-o para o alto. Não sabe como, mas caiu em pé. Depois do susto, foi olhar o amigo John, que pelo jeito não percebera nada do que estava acontecendo, continuando a roncar num ritmo normal. Já o menino Rachid já estava a postos, próximo à escada, mas na dúvida se deveria ou não subir. 

              Peter depois de olhar o amigo por alguns segundos, colocou a mão na sua testa, para conferir se estava com febre. Ficou contente em constatar que John não estava febril e que apenas dormia profundamente, talvez por causa do cansaço, da prostração depois de uma febre prolongada... Não sabia o porquê, mas concluiu que não era hora para tais indagações. Deixou o amigo onde estava e foi ao encontro do menino. Ao se aproximar é que se lembrou do sargento. Ficou intrigado ao não encontrar Téo. Então procurou saber de Rachid:

          - Ei menino. Você sabe aonde foi o sargento?

          Rachid olhou para o saldado e não falou nada, porque não entendeu o que ele disse . Apenas levantou os ombros, espalmou as mãos e fez um bico com os lábios. Peter perguntou novamente, mas não obteve resposta alguma. Então percebeu que o menino não tinha entendido o que ele tinha falado. Aí foi pela linguagem dos gestos. Com muito esforço conseguiu passar alguma coisa para ser entendido. Mas só teve certeza mesmo quando Rachid balançou a cabeça negando.

   

........Continua Semana que vem!!

 

terça-feira, 11 de abril de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 48

 


Continuando...

        O sargento torceu a boca, coçou a cabeça, parecia que não estava acreditando muito naquele papo do menino. Ficou um tempo com os olhos e pensamentos mergulhados na escuridão. Mohammed não tirava os olhos de cima de Téo, esperando o que ele ia questionar. Pelas feições do sargento, sentiu que o seu relatório não era muito convincente, mas estava preparado para acrescentar mais alguma coisa, caso realmente fosse preciso. Não mentira, isso era certo. Apenas omitira uma parte, pois não poderia colocar em risco a vida do amigo.

        O silêncio entre eles continuou abraçado à noite. O tempo não foi longo, mas pareceu uma eternidade. Era visível que o sargento estava incomodado. Ameaçou questionar a justificativa do garoto, mas abortou na primeira palavra: você. Pois nesse momento um som chegava até ao seu ouvido. Imediatamente colocou um dedo cruzando os lábios, pedindo silêncio ao menino. Em seguida colocou a mão na orelha e apontou na direção da rua, ou que sobrara dela. Mohammed olhou para onde o sargento apontava e concentrou-se tentando captar algum som também.

          Sombras deslizavam no meio da escuridão. Téo não via, mas sentia a aproximação de algumas pessoas. - Seria Kalled, com o seu bando? – perguntou-se. Mesmo com a claridade da lua, as chances de identificar a quantidade de homens que deslizavam entre pedras e tijolos era ínfima. Olhou para a sua metralhadora e percebeu que só com aquela arma estava em total desvantagem. Arrependeu-se de não chamar o soldado Peter. Tivera chance, mas jogara pela janela. Naquele momento que abriram a portinhola ele devia ainda estar dormindo, senão, com certeza, ele o chamaria. O magricela seria de grande ajuda. Agora “Inês é morta.”

           Mohammed olhou para o sargento e adivinhou o que ele estava pensando. Não falou nada, apenas se jogou no chão e saiu rastejando na direção de onde estavam os dois bandidos mortos. Ele foi tão rápido que o sargento não teve tempo de fazer nada, apenas deu um sorriso morno. Não podia gritar pelo menino, senão seria descoberto pelos bandidos. O único jeito era esperar. O que ele fora realmente fazer, Téo não sabia. Só tinha palpite: ele ter ido buscar as armas dos homens mortos.

           O tempo se alongava. Téo não tirava os olhos da direção da rua, onde estavam os milicianos. Mohammed estava demorando, então a dúvida bateu na sua cabeça:

          - Será que o traidor era ele? Aproveitou para fugir? Foi se encontrar com os terroristas?

          Enquanto o sargento enchia a cabeça de interrogações, Mohammed voltava, trazendo as armas, munições e granadas dos dois homens mortos. Parecia que tinha engordado alguns quilos, tamanho era o volume do ventre. Mal chegou, já foi metendo a mão dentro da roupa e retirando as granadas e alguns revólveres. Duas metralhadoras, trazia penduradas nos ombros. Téo estava impressionado com tanta destreza do menino. A sua cabeça não parava de questionar o preparo que ele tinha. Deu um sorriso quando pensou que ele pudesse não ser humano. – Humano ele era, só que pode ter sido cria de um treinamento rigoroso. Por quem? Essa era a questão. – mastigava os pensamentos, com um sorriso de canto de boca.

          Mohammed não deixou de perceber aquele sorriso enigmático.

          - Qual a causa do riso, sargento? – perguntou sério – O momento está mais para choro e o senhor deixar escapar um sorriso! Não entendi. Se o senhor se lembrou de alguma piada, conta para mim.

          - Que piada o quê, Mohammed! – respondeu Téo franzindo o cenho.

          O menino preferiu não bater boca e mudou o rumo da prosa.

          - Sargento, o que é que a gente faz agora?

          - Esperar. Esperar. – respondeu secamente - É o que nos resta, além de rezar.

          O menino olhou para Téo com um olhar tristonho. Depois encostou as costas na parede e dirigiu um olhar para o céu. - Lá está a minha paz. – pensou melancólico.

          Toda vez que ficava viajando de uma estrela para outra, sentia uma saudade danada e os seus olhos se enchiam de lágrimas. – Saudade de quê? – se perguntava sempre. Queria descobrir a causa de tanta tristeza, mas não tinha certeza se um dia poderia descobrir. 

........Continua na Semana que vem!