terça-feira, 26 de julho de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 11

 


Continuando...

            Mas mal eles se viraram, e deram os primeiros passos na direção indicada por Téo, um tiro ecoou e a primeira vítima foi o soldado Apache, que tombou mortalmente ferido. Após esse único disparo, ouve um silêncio que durou quase um minuto. Entretanto após a curta bonança desabou a tempestade. Eram tantos tiros, que os quatros que permaneciam ilesos, jogaram-se ao chão e protegeram-se, do jeito que puderam, no meio dos restos mortais espalhados pela rua.

            O sargento, mesmo escondido atrás de um cadáver, conseguiu ver de onde partiam os tiros. Fez uma análise rápida e concluiu que saíam de duas metralhas e uma AR. Mohammed um pouco atrás, abraçado a outro corpo mutilado, se protegia do melhor jeito que podia. Téo procurou falar com ele, mas ele continuou com a cara enterrada no defunto e, aparentemente, preferiu não levantar a cabeça para responder ao sargento. O tempo foi passando e nada dos tiros pararem. Parecia que ali estava desenhado o fim do mundo.

          John tentou se arriscar e responder aos tiros, mas foi logo alvejado no ombro. Já o magricela, do jeito que tinha caído, por cima dos corpos mutilados, ali ficou. O medo era tanto, que nem sentiu mais o mau cheiro exalado dos corpos que já estavam em decomposição. A situação deles não era nada confortável. A posição era completamente vulnerável. Quando algum deles tentava levantar a cabeça, recebia uma saraivada de balas. Téo já estava perdendo a esperança de sobreviver. Não conseguia imaginar uma rota de fuga. O barulho era ensurdecedor. Mas mesmo assim gritou para John, que estava mais próximo, para saber como ele estava. O amigo respondeu que tinha levado um tiro, mas que estava bem. Quis saber também dos outros.

         - Apache morreu. Peter está logo depois dele, mas está vivo. – respondeu John, fazendo uma careta demonstrando que sentia alguma dor. 

         - Dê onde você está dá pra ver bem onde os caras estão entocados?

         - Sargento se eu conseguisse levantar a cabeça talvez desse, mas não vou arriscar outra vez, não. O ferimento está começando a me incomodar. Eu disse que estava tudo bem, mas agora não está mais. Estou sentindo bastante dor.

         - Então continua aí arriado. Eu sei que estamos em maus lençóis, mas vamos sair dessa. Eu consegui ver alguma coisa. Numa análise rápida, arrisco em dizer que são duas metralhadoras e uma AR que estão cuspindo fogo. Vamos esperar até que apareça uma oportunidade de revide. Por hora, eles estão em vantagem. Mas vamos encontrar uma saída. Por enquanto é só esperar, esperar. Aguenta firme, até pegarmos algum medicamento na mochila de Apache.

           Duas horas já tinha se passado, e o silêncio era tumular. Téo não estava entendendo, como podia um lugar ter ficado debaixo de um tremendo tiroteio e não aparecer uma viva alma? Nem a polícia local, nem o exército regular Afegão, que é aliado, e mais ninguém. Devia estar acontecendo alguma coisa que ele não sabia. O ataque de homem bomba naquela região tinha dado uma trégua. Porque voltou? Não conseguia imaginar o que poderia estar acontecendo. 

            Téo olhou para John e viu quando ele respirou fundo e fez algumas caretas. Na hora torceu a boca e o rosto como estivesse sentindo dor que o amigo sentia. Preocupou-se com o ferimento do seu ombro infeccionar. A única salvação seria alcançar a mochila de Apache, onde ele carregava os medicamentos, e pegar um analgésico e um antibiótico, até ser atendido pelo médico da base.  Enquanto pensava concluiu que o próprio John era o que poderia tentar ir até onde estava a mochila de Apache. Então transformou o pensamento em palavras.

.............Continua Semana que vem!

 

terça-feira, 19 de julho de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 10

 


Continuando...

        O sargento deu um leve sorriso e continuou andando, mas procurando não pisar nos corpos, ou pedaços deles, espalhados pela rua. Olhava aquela carnificina toda, sem conseguir estimar a quantidade de pessoas que foram barbaramente assassinadas.  No início, ele e seus soldados, calcularam em torno de quinze, mas depois de caminhar por cima de uma infinidade de pedaços de carne humana, já não tinham mais certeza. A afirmativa de assassinato partiu ao constatarem que nenhuma arma tinha sido disparada, mesmo estando bem avariadas. Então a única hipótese plausível seria de homem bomba. Mas pela quantidade de gente morta, deveria ter sido mais de um. Talvez infiltrados na tropa.

         Mohammed andava um pouco à frente do sargento, mas preocupado com a ponta da arma que ainda batia nas suas costas. De vez em quando procurava afastar o cano que o estava deixando nervoso. O sargento então dava uma cutucada nele. O menino então, depois de uma empurrada mais forte, se virou e falou para Téo:

         - Sargento, isso aí vai acabar disparando e vai me matar! Bota o cano para o lado! Não tem necessidade, porque eu não vou fugir!

        - Está bem guri! Não é assim que fala no Brasil?

        - É. Acho que é. Essa palavra fugiu da minha cabeça.

        - Mas você como brasileiro tinha que saber.

        - Só que o senhor se esqueceu, que eu não sei quem eu sou. Então, algumas palavras, como gíria, podem ter sumido da minha cabeça, não é?

        - Você tem resposta para tudo, não é?

         Mohammed não disse nada, apenas mostrou os seus dentes brancos, num sorriso descontraído. Téo sorriu também, mas ficou se perguntando quem era aquele garoto. E o que ele escondia por trás daquele rosto juvenil e simpático. Podia ser um anjo ou um demônio. Ele disse que era brasileiro, e realmente podia ser. Falava muito bem o idioma da terra da sua mãe e da sua. Entretanto ele conversava fluentemente em inglês, podendo até se passar por americano. Só não tinha ainda escutado ele falar, algumas línguas faladas no Afeganistão, em farsi, pashtu e dari. Mas isso ele ainda iria ter oportunidade de ouvir, já que tinha alguns amigos afegãos, do exército regular.

           Enquanto iam caminhando, tentando se desviar dos pedaços de corpos, que naquele momento já começavam a cheirar mal, Mohammed saiu do lado esquerdo do sargento e postou-se do lado direito, quase ficando ombro a ombro. Téo achou estranho e perguntou:

           - O que houve guri? Eu mandei você ir na frente!

           - Eu falei que naqueles escombros pode ter gente de tocaia, não falei? Então se alguém atirar, eu estarei protegido pelo senhor. Como eu conheço tudo por aqui, sinto cheiro de terrorista no ar. Pode ter certeza que tem sempre algum escondido em algum lugar. E eu não vou me expor. Ainda está muito cedo para eu morrer, sargento. 

           - Eu acho que você sabe mais do que está falando. Você vai andando na minha frente. E vamos até lá.

           - Eu acho que não é uma boa ideia. Vamos mudar de direção, sargento. Ainda há tempo. Pode ser que não abram fogo. De repente têm outros interesses.

           - É? Outros interesses? Então é para lá que nós vamos. Peter, John, Apache vamos até aqueles escombros. Desconfio que lá é um ninho de cobras. Mas todo cuidado é pouco. Vamos?

  ..............Continua Semana que vem!

terça-feira, 12 de julho de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 09

 


 Continuando...

            Os cinco caminhavam por cima dos corpos mutilados. Ou o que sobrara deles. Várias partes dos corpos se espalhavam pela rua. Não se via uma viva alma, além deles cinco. O menino de repente se abaixou e pegou um braço, sem saber a que corpo pertencia, e retirou um relógio. Imediatamente ele foi chamado à atenção pelo sargento:

           - O que é isso, menino? Deixa isso aí! Isso vai facilitar a identificação do corpo! Você me espanta! Você não tem medo de mortos?

           Tentando não demonstrar ser uma pessoa fria, procurou usar alguma justificativa para o seu ato.

          - Sabe sargento... Claro que eu tenho medo. Mas antes de mexer em qualquer gente morta, eu peço a Alá para recebê-los com muita alegria no Seu reino. E peço desculpas também por me apossar dos seus bens, já que não vai mais ter serventia para eles. Mas para mim, é pura sobrevivência. Cada coisa que eu pego, vira comida.

            Téo ficou tentando analisar aquele garoto com um linguajar não tão comum para meninos da sua idade. – Mas qual seria a sua idade? –   sussurrou para si mesmo. Não era normal uma criança falar cinco idiomas completamente diferentes. Não resistindo a curiosidade, interrogou-o:

            - Mohammed, como você aprendeu a falar essas línguas?  Acho muito estranho uma criança como você falar fluentemente tantos idiomas.

           - Não sei. Eu escuto e aprendo. Quando percebo, estou entendendo tudo que a pessoa está falando. Dizem que tem gente assim espalhada pelo mundo.

           - Não conheço ninguém assim. A não ser você. Eu estou impressionado como você conversa com tanta facilidade. Fala comigo em português e com meus soldados em inglês perfeitamente. Estou realmente impressionado. Você pode dizer para um americano que você nasceu nos Estados Unidos da América e eles não vão duvidar.

           - Verdade?

           - Verdade. Agora vamos acelerar os passos para sairmos daqui. O ar aqui está muito pesado.

           - Eu estou preso?

           - Por enquanto sim.

           - Por enquanto, quanto tempo?

           - O meu comandante vai querer falar com você.

           - Mas eu não fiz nada.

           - Você estava roubando soldados e pegando as suas armas. Isso é crime.

           - Então se eles estão mortos, eu não estou roubando ninguém.

           - Mohammed, você não só estava pilhando os corpos, como estava roubando também os Estados Unidos da América. Você não podia pegar as armas.

           - Mas eu não estou com nada. Não tenho objeto algum dos mortos e nem suas armas. Eu não posso acreditar que um simples peido, possa causar uma fissão nuclear!

          - Como é que é? De onde você tirou isso? Está filosofando? Interessante! Você diz que não está com nada, não é? Não está de posse do roubo, porque nós pegamos tudo que você tinha pilhado.   

          - Aí vocês não têm nenhuma prova que eu sou ladrão. E não sou mesmo! O que eu pego é para sobreviver. Se eu não fizer isso, eu morro de fome. O senhor me ofende ao me acusar de ladrão.

         - Você é a esperteza em pessoa. E ainda se sente ofendido.

         - Vem morar aqui que o senhor vai ter que ser esperto ou senão morre no primeiro dia. E antes que me esqueça, não sou filósofo. Acho que o senhor não entende nada de filosofia, ao dizer que filosofei com aquela frase. Só quis dizer que o senhor está fazendo tempestade em copo d’água. Só isso!

        - Só isso! Eu sei o que você quis dizer. Foi só um modo de falar. Você é estranho, garoto! Vamos andando. Dez anos? Você não tem dez anos nem aqui, nem na China!  

        - E quem disse que eu tenho dez anos? Posso ter vinte, trinta... mil anos! – sorriu enigmaticamente - Eu não sei e nem ninguém sabe... de nada, senhor! 

.......Continua semana que vem!