terça-feira, 5 de julho de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 08

 


Continuando...

        Saiam dois e voltavam outros dois. Revezavam o dia todo. Ficavam do lado da minha cama conversando, falando sobre mim, mas na língua deles. Só que, não sei como, eu entendia tudo que falavam. Depois eu fui saber que era farsi. Mais tarde descobri também que entendia e falava outras duas línguas. Mas alguma coisa soprou no meu ouvido para que eu me mantivesse calado. Parecia real alguém cochichando no meu ouvido. Dizia para eu ficar mudo. E assim eu fiz. Com o passar dos dias as visitas foram virando interrogatório. Percebi a mudança deles a cada dia. Senti que iam acabar me agredindo. O medo começou a tomar conta de mim e então, um dia, esperei escurecer e fugi. 

 

         - Fugiu? Você não disse que eles te deram alta?

 

         - É! Mais ou menos! A verdade é que eu me dei alta! Uma vez peguei um enfermeiro falando com outro sobre mim – eles não sabiam que eu entendia tudo que estavam conversando. Dizia que desconfiavam que eu não fosse brasileiro e nem americano, porque não encontraram nada a meu respeito e nem da minha família. Suspeitavam que eu, mesmo sendo criança, fosse terrorista, trabalhando para algum grupo. Como eu podia se terrorista, se nem sabia o que era isso? Então fugi!

 

         - Que história! Você é um mal contador de história, isso sim! Ainda vem de papo dizendo que é brasileiro! Como é que você sabe que é brasileiro?

 

         - Sargento, eu não sou mentiroso, não! Às vezes só me confundo. Mas em ser brasileiro, é a única certeza... Isso ficou encravado no meu pensamento. Será que é invenção da minha cabeça? Pode ter sido depois que eles trouxeram um brasileiro e eu entendi tudo que ele falou. Fiquei emocionado. Por isso me identifiquei sendo brasileiro. Me fez várias perguntas, mas não respondi nenhuma, porque a voz falou de novo no meu ouvido, me mandando ficar calado. Nesse instante tive certeza que eu era brasileiro. Será uma armadilha da imaginação?

 

         Nisso o magricela interrompeu a conversa dos dois.

 

         - Sargento. Não podemos ficar aqui parados esperando que nos peguem. O garoto não falou que pode ter terrorista dentro daquelas ruínas? 

 

         - Tudo bem, soldado. Vamos andando. Vamos nos manter afastados um do outro. Apache, fica na esquerda. John, você fica na direita, mas um pouco recuado. Abre mais. E você Peter, vai pelo meio. Vamos descendo. Eu fico aqui atrás com o garoto.

 

          Foram os cinco descendo à rua com o coração na mão. Entretanto quem olhasse aqueles quatro soldados do exército americano, jamais imaginaria que o medo pudesse habitar aqueles corações e mentes. Já o menino, pela ótica do observador, era o pavor em pessoa. Mas na verdade, era o único que pisava aquele chão sem medo e receio. Aquele solo já estava entranhado no seu corpo. Cada canto de Cabul era como se fosse uma planície sem obstáculos. Era um campo aberto, onde não havia ponto que ele não conhecesse. Do jeito que circulava livremente, podia se dizer que o perigo não existia naquelas paragens. Entretanto não passava de um lugar extremamente perigoso, cheio de armadilhas em cada viela. Principalmente na calada da noite, onde a morte ficava à espreita. Circular por ali, era pisar num campo minado.

        A manhã continuava empoeirada, coisa normal na região. De vez em quando um vento quente levantava a poeira avermelhada e sufocante. E, para completar, um mau cheiro que subia das valas negras, de mãos dadas com o vento, vinha para dar forma aquele momento tétrico. A cena era de uma tristeza inimaginável.

  ..........Continua semana que vem!

 

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