terça-feira, 24 de setembro de 2019

A História de Helô - Parte 51



Continuando...

       O delegado não sabia bem o que fazer com aquelas informações. Tinha certeza que era prostituição, pedofilia. Devia ter trabalho escravo também, quando as meninas iam embora. Ficou em silêncio, pensativo. Começou a andar de um lado para o outro.  Helô ficou observando o movimento de Rodolfo, silenciosa. Achou melhor não interrompê-lo, mas a Madre Maria de Lourdes chegou do seu lado e começou a falar. Helô absorta que estava em observar o delegado nem captou as suas palavras. A Madre então se postou bem na sua frente. Aí ela percebeu que a Madre estava querendo falar alguma coisa, então ficou atenta. A Madre então disse:
          - Helô, fala sobre as suas anotações. Pode contar o que você sabe. Ele tem que ficar a par de tudo hoje. Se quiser, leva-o até a gruta.
         - Está bem, mas, Madre, eu prefiro que ele leia o que escrevi. Certas coisas eu não vou falar, não.
        - Está bem. Faz o que você achar melhor, mas faz. Começa interrompendo os pensamentos dele.
        Ela então resolveu seguir a orientação da Madre e interrompeu as cismas do delegado.
       - Delegado, desculpe atrapalhar os seus pensamentos, mas eu tenho uma coisa importante para lhe dizer. Eu fiz várias anotações, inclusive ilustrei com desenhos, para entregar ao senhor.
        - Senhor não, Helô!
        - Está bem. Rodolfo está melhor?
        - Muito! Fez para me entregar?
        - Sim. Não sei até agora como foi isso.  Nem sabia que era para entregar a você, até esse momento, mas a Madre deu o jeito dela.
        - Deu o jeito dela... Depois a gente fala sobre essa Madre. Agora continue...
        - Além de escrever praticamente uma história, eu desenhei cada cômodo que tem escondido ali por baixo e tem alguns por cima também. Quase todos são secretos.
       - Lugares secretos?
        - Sim. Eu e a Madre Maria de Lourdes andamos por alguns deles. Ela me disse que tem outros, mas sem importância.
          - Diz quem é essa Madre.
          - Pena que você não a vê. Ela aparece para mim. Conversamos muito por telepatia. Eu nem preciso abrir a boca. Foi ela quem me mandou anotar tudo e entregar ao...  a você, quem, como lhe disse, eu nem sabia como era.  Nem imaginar eu podia, você era uma incógnita. Só a Madre mesmo!
          - Ela me conhece?
          - Não sei. Ela me disse isso, mas uma coisa ela falou e deu certo.
          - E o que foi?
          - Que você viria até mim. E ela é que iria trazê-lo até a minha presença.
          - É? E cadê ela? Eu não encontrei nenhuma irmã de caridade que me trouxesse até você. Então eu fui conduzido por uma força misteriosa? Pelo menos aconteceu uma coisa que nunca tinha acontecido antes: eu nunca senti por outra mulher o que senti por você, mas depois a gente vai falar sobre isso, está bem?
          - É. Está bem. Eu também senti uma coisa muito esquisita.
          - Mas agora, Helô, vamos falar sobre essas coisas estranhas que acontecem aqui. Onde estão as anotações que você falou?
          - Vou pegar. O caderno está bem escondido. Vai esperar-me?
          - Claro! Como não esperar? Vou ficar aqui o tempo que for preciso. Vai com calma! Tenha cuidado! Quer que eu vá junto com você?
          - A Madre disse que não. Alguém pode nos ver indo para o pomar e isso pode ser perigoso, pode atrapalhar tudo. Fique tranquilo que não demoro.
          Helô saiu calmamente e dirigiu-se para o local onde escondera o seu caderno. Pegou-o com carinho, beijou-o e colocou-o em cima do coração. Ali continha todas as anotações e desenhos feitos por ela, dos quase oito anos de investigações. O futuro do convento dependia da sua história e do delegado Rodolfo, principalmente dele, pois sem a sua boa vontade, a sua disposição e o seu senso de justiça nada poderia acontecer. Como a Madre Maria de Lourdes lhe falou que poderia confiar nele, ela então apagou qualquer sombra de dúvida. Agora a justiça ia ser feita.
            Ela de posse do material tão valioso, por precaução, escondeu-o debaixo da sua saia. Voltou cautelosamente. Aproximou-se do delegado. Ele muito ansioso nem esperou que ela dissesse alguma coisa.
          - Então? Trouxe as anotações? Cadê?
          - Calma! Estão aqui comigo, mas...
         - Por que a reticência?
         - É porque eu guardei...
         - Deixou no mesmo lugar?
         - Não! Não é isso! É porque eu não sabia como trazê-lo. Fiquei preocupada em vir com ele na mão, então guardei debaixo da minha roupa!
         O delegado deu um ar de riso que deixou Helô com a cara rosada. Depois se recompôs e percebendo o jeito desconcertado dela, desculpou-se:
          - Desculpe, Helô, o meu sorriso... Não teve maldade nenhuma. Só achei a situação engraçada e foi bom porque relaxei um pouco. Desculpe-me?
          - Fiquei com vergonha, mas eu sei que foi sem maldade. Não tenho o que desculpar.
          - Assim fica melhor. Fico aliviado da minha falta de tato. Como você vai me passar o relatório?
          - Ih! A Madre está rindo também!
          - Então não fui a única pessoa que achou engraçada a situação, viu?
          - Engraçadinho! A Madre também está ficando muito engraçadinha! Pode rir! O quê? Ela disse para eu ficar despreocupada. Ninguém me verá tirando o documento debaixo da saia. Agora o senhor tem que se virar.
          - Tudo bem.
          Helô levantou um pouco a sua roupa e pegou o caderno precioso. Em seguida avisou-lhe que podia virar-se. Com a sua história na mão, entregou-a a Rodolfo que olhava o caderno como se fosse um tesouro.  Depois ameaçou abrí-lo.  Ela, demonstrando preocupação, pediu-lhe que o guardasse e o lesse quando estivesse longe dali. O seu medo era que alguém o visse com o caderno na mão e fosse falar com a Madre Joana. Isso poderia complicar muito a vida, que já não estava fácil, da irmã Amélia.  Naquele momento uma imagem formou-se na sua cabeça. Viu claramente a sua mãezinha deitada numa cama com os pés e as mãos amarrados. A sensação era que ela estava prisioneira da Madre Joana. Uma expressão de tristeza invadiu o seu rosto. O delegado percebeu e indagou-a:
          - O que foi, Helô? Ficou triste de repente!
          - Estranho! Apareceu claramente na minha cabeça a imagem da irmã Amélia deitada numa cama. Ela estava amarrada. Parecia que dormia, mas eu tive a sensação que ela era prisioneira da Madre Joana. Foi uma sensação esquisita. Deixou-me triste e preocupada.
          - Isso pode ser fruto da sua preocupação. Ela deve estar bem.
          - Mas eu estou com uma sensação ruim. Acho que ela está refém da Madre Joana. Você não a conhece. Nunca vi uma pessoa tão má.
          O delegado com cuidado pegou-a pela mão e levou-a até um banco próximo, depois pediu para que ela explicasse melhor essa suspeita.
.........Continua semana que vem!

terça-feira, 17 de setembro de 2019

A História de Helô - Parte 50


Continuando...

O padre Arcanjo saiu meio que cismado. Alguma coisa o incomodou. Não se sentiu muito à vontade em frente do delegado. Nunca tinha ficado constrangido em presença de outra pessoa, mas desta vez se sentiu até diminuído. A sua cabeça parecia que ia dar um nó. Voltou rápido para junto do senador. Conversaram à meia voz, quase sussurrando, e em seguida saíram.
          Era visível a expressão de preocupação estampada na cara dos dois. Resolveram procurar a Madre Joana e jogar no seu colo o problema. Eles sabiam que ela tinha jeito para resolver qualquer complicação. Parecia que tinha o faro mais apurado do que o deles. Foram até o seu escritório e não a encontraram. Estava lá a irmã Celeste, que lhes informou que a Madre já tinha ido para o refeitório. Desceram, chegaram ao refeitório, encontraram a Madre, acomodaram-se ao seu lado e cochicharam no seu ouvido. A Madre Joana sorriu e, como tinha muita gente em volta, levantou-se e convidou-os a acompanhá-la.
          A conversa foi cuidadosa. Informaram-na sem alarde do ocorrido. Ela escutou atentamente e a sua expressão foi mudando levemente. Um ar de preocupação também alojou-se no seu rosto. Depois de pensar um pouco, sugeriu ao senador que ligasse para o delegado Áureo e se informasse a respeito desse jovem delegado de nome Rodolfo. O senador aceitou a sugestão. Afastou-se dos dois, foi para um canto ermo e fez a ligação.
 - Áureo, aqui é o senador.
- Oi, senador! Como vai?
- Tudo bem. Áureo, eu gostaria de uma informação sua.
- Estou às ordens, senador!
- É o seguinte: eu gostaria de saber sobre o delegado que substituiu você. O que veio no seu lugar.
- Fique tranquilo, senador, é gente nossa.
- Com certeza?
- Claro! Certeza absoluta.
- Então posso ficar tranquilo?
- Pode sim, senador! Abraço, senador!
          O senador respirou fundo e depois assoprou com força. Uma sensação de alívio tomou conta de si. Só que ele não sabia que esse delegado não era o delegado Evan, que substituiria o delegado Áureo, e nem o delegado Áureo sabia que o seu indicado não pode ir, deixando para outro substituí-lo. Essa confusão foi causada pela Madre Maria de Lourdes, fazendo com que ele esquecesse o nome do Delegado Rodolfo. A conversa com o padre estava apagada da sua memória.
          Rapidamente o senador voltou para encontrar os dois amigos e dar a boa notícia. A nuvem da desconfiança, parada sobre as cabeças da Madre Joana e do Padre Arcanjo, dissipou-se como num passe de mágica. Mais uma vez a Madre Maria de Lourdes participou efetivamente no seu desfecho e foi mais além, fazendo com que eles esquecessem por completo o delegado Rodolfo.
         Voltando novamente para o casal que se olhava apaixonadamente, Helô e Rodolfo ainda estavam abraçados ao silêncio, mas o delegado, já que tinha sido interrompido pelo padre, conseguiu sair daquele encanto e finalmente se apresentou.
          - Meu nome é Rodolfo. Qual o seu nome?
          Helô esticou a mão automaticamente para cumprimentá-lo. O olhar já estava perdido em algum lugar do encanto. Parecia realmente hipnotizada e um sorriso, que ainda estava em dúvida de se instalar, deixou o delegado inundado de felicidade. Com esforço ela conseguiu falar.
          - Meu nome é Heloisa, mas todo mundo me chama de Helô.
          Depois das apresentações, já pareciam velhos conhecidos. Andaram pelo jardim e depois Helô o levou para conhecer todo o convento. Passavam pelas pessoas e por ninguém eram notados. Helô percebeu que alguma coisa estranha estava acontecendo com ela, mas não conseguia entender. Nunca tinha passado por nada parecido até aquele momento. Essa vontade de ficar junto de Rodolfo era coisa nova, uma alegria que pousou dentro do seu peito e não cabia explicação. Com Rodolfo também não estava acontecendo diferente, só que ele identificou o que sentiu no momento que pousou os seus olhos sobre Helô. Não teve dúvidas ao constatar que estava frente ao amor da sua vida.
          Enquanto passeavam, o delegado sondou se Helô pensava em seguir o caminho religioso. Ela prontamente respondeu sem titubear:
          - Não. Eu não penso em ser irmã, não. Acho que não tenho vocação. Em uma época, bem lá pra trás, até pensei nessa possibilidade. Eu era muito pequena, mas agora eu sei que não quero isso para a minha vida. Quando sair daqui, pretendo arranjar um emprego e continuar os estudos. Falta pouco tempo para eu sair daqui. Quando completar dezoito anos, vou ter que ir embora.
          - Vocês não podem continuar aqui? – perguntou ele.       
           A Madre Maria de Lourdes, que já estava do lado de Helô, soprou no seu ouvido:
          - É agora Helô. Comece a falar alguma coisa sobre o que investigamos. A conversa pode tomar um rumo que não queremos.
          Helô de repente cravou o seu olhar nos olhos de Rodolfo e disse:
          - Não. Não podemos. É norma. Mesmo pensando em arranjar emprego e continuar os estudos, eu carrego uma preocupação muito grande dentro de mim.
          - Preocupação com o quê?
          - Sei lá, a Madre Joana diz que, ao completarmos dezoito anos, nós vamos sair daqui com um emprego já nos esperando. Só que ela não diz que emprego é esse e isso me deixa com uma pulga atrás da orelha. Aqui vem acontecendo muitas coisas estranhas.
          O delegado antes de perguntar alguma coisa, fica alisando o bigode. Um ar de preocupação invadiu o seu semblante. Olhou nos olhos de Helô, pegou as suas mãos e calmamente indagou:
          - Não sei o porquê, mas estou preocupado. Você pode me dizer o que são essas preocupações?
          Helô, antes de responder, olhou em volta para se certificar se não havia ninguém espionando, mas a Madre rapidamente soprou na sua orelha:
          - Vai em frente. Ninguém está ouvindo e muito menos vendo vocês. Pode falar sem se preocupar.
          Mesmo assim Helô, ao começar a falar, abaixou o volume da voz.
          - Sabe, eu não sei se o senhor é amigo da Madre Joana, do Padre Arcanjo e do senhor misterioso.
          - Quem é o senhor misterioso?
          - É aquele que fica sempre com o padre.
          - Ah sim! É o senador!
          - Chamam  ele também de paizinho.
          - Pode ficar tranquila que não conheço nenhum deles. Não sou amigo dessa gente. O que eles fazem?
         - Eles... Não sei bem o que acontece, mas sempre que eles vêm acontece o sumiço de algumas meninas.
        - Somem?
         - Somem, mas depois que eles vão embora elas voltam. Eles sempre aparecem com homens diferentes. Às vezes vêm com dois, três, já vi até quatro.  
       - E você não sabe o que acontece?
       - Não. A Madre não me falou com todas as letras, mas não é coisa boa.
       - É o que me parece. As meninas nunca dizem nada?
       - Não. Eu só sei que elas voltam tristes e normalmente só no dia seguinte. Eu observei que algumas, depois de alguns meses, somem do convento e isso já vem acontecendo há muito tempo. A Madre Joana diz que as meninas foram para a capital para se tratar. Algumas nem voltam mais.  
................Continua semana que vem!