Continuando...
Os dois ficaram mais algum tempo
conversando e observando o movimento em torno do jardim. Alguns convidados ainda
se encontravam por ali, esperando o horário do almoço, mas não havia mais congestionamento
no local, pois a maioria tinha se espalhado pela propriedade. De vez em quando
o coral das crianças menores cantava alguma cantiga conhecida, mesclando música
popular com clássica. O coral das adolescentes se apresentaria próximo ao
encerramento da festa. Todos esperavam ansiosos pelo almoço. A Madre ainda aguardava
por alguns retardatários importantes.
Durante a tarde e a noite teria uma
programação variada. Dentro desse programa estava a apresentação de uma dupla
sertaneja convidada pelo senador. Com certeza seria o ponto alto da festa.
Helô tinha conseguido sentar-se no seu
banco predileto. Ali era o local de melhor visibilidade do portão. Estava um
pouco tensa. Até agora não avistara ninguém que despertasse qualquer emoção nela.
A Madre dissera que ela identificaria a pessoa só ao olhá-la, pois o seu
coração avisá-la, mas a dúvida estava presente, pois nem desconfiava de como
seria esse delegado da polícia federal. Não sabia o seu nome e nem se ele vinha
só ou acompanhado, entretanto não podia duvidar do que a Madre dissera. Até
aquele momento ela nunca falhara, então apagaria de vez aquela dúvida da sua
cabeça.
Todos que chegavam, mesmo com o
convite em punho, tinham que apresentar o seu RG. Dois recepcionistas ainda
conferiam se o nome estava na lista e por quem foi convidado. O cerco era
grande contra penetras.
O almoço tardava. Já passava das doze
horas. Os quatro relógios do convento bateram juntos a meia hora, precisamente às
doze horas e trinta minutos. A Madre Joana olhou o seu relógio de pulso, mas
não conferia. O seu estava adiantado dois minutos. Sinalizou para a irmã
Arminda e mandou-a avisar à irmã Celeste, que naquele momento era a responsável
pelo refeitório, que já podia liberar o almoço. Rapidamente a fila foi se formando na porta do
refeitório.
Alguns convidados que ainda circulavam pelo
jardim tomaram o caminho do refeitório. O local ficou vazio, pelo menos em
tese, pois permaneceram ali Helô, que não pretendia arredar pé dali enquanto o
delegado não chegasse, e os dois recepcionistas, os quais não se desgrudaram do
portão nem para ir ao banheiro.
Helô mantinha-se com os olhos
pregados na entrada. Como prometera à Madre Maria de Lourdes, nada iria
atrapalhá-la. Com olhos fixos, não se daria ao luxo de dar uma piscadela sequer.
Seria uma sentinela da guarda palaciana da Rainha Elizabeth, só que sentada, e assim
permaneceria até a chegada do delegado, mas só que já estava ali há muito
tempo. E como tudo tem sempre um “mas” na vida, com ela não poderia ser
diferente. Acabou, mesmo jurando que não sairia dali por nada desse mundo, ensaiando
alguma desistência. Só que a Madre, cujo interesse em acabar com as nuvens
negras que envolviam o convento era primordial, não permitiria que ela
vacilasse. Então, de vez em quando,
enviava mensagens mandando-a permanecer no mesmo lugar. Parecia que ela
adivinhava, pois nessas horas era que a tensão minava as forças de Helô e cochichava,
na sua orelha, mandando-a levantar-se e ir embora. Nesse momento sentia-se uma
árvore sem nenhuma utilidade, perdia o verde e a sombra. Enquanto controlava
sua dúvida, a irmã Gertrudes chegou e sentou-se ao seu lado. Se ela não tocasse no seu braço, talvez nem
percebesse a sua presença, mas Helô nem se assustou, apenas olhou para a irmã.
A irmã Gertrudes já estivera ali.
Encontrara Helô naquele mesmo banco. Essa era então a segunda vez que falava com
a menina. A curiosidade era grande. Estivera um bom tempo observando-a. Nesse
tempão todo, notou que Helô praticamente não se mexia. Percebeu que algumas vezes ela espichava o
pescoço parecendo procurar alguém. A curiosidade foi mais forte e fez com que a
interrogasse:
- Oh guria! O que fazes tanto tempo aqui
parada?
Helô de imediato não respondeu, ficou
procurando uma desculpa convincente para justificar a sua parada por tanto
tempo ali. Olhava para a irmã e nada vinha à sua cabeça, mas a entidade, mesmo
distante, assoprou na sua orelha:
- Diz que está esperando a irmã
Amélia.
Helô sorriu um sorriso sem jeito e
repetiu o que a Madre sugeriu, mesmo não sendo essa a verdade, mas gostaria de
estar com a irmã Amélia, sem dúvida. Não era uma verdade, mas também não era
uma mentira.
- Irmã, estou com saudade da irmã
Amélia. Tenho esperanças de que ela apareça.
Com essa resposta a irmã Gertrudes
torceu um pouco a boca e ficou, por um instante, pensativa. Estava também
engasgada, pois sabia muito bem o motivo da ausência de Amélia nos festejos,
mas não podia dizer. Então teve que arranjar uma desculpa.
- Helô, tu sabes como está, nos
últimos dias, a saúde da irmã Amélia. É um alto e baixo só. Está oscilando
muito, minha menina. Hoje é um daqueles
dias em que acordou muito indisposta. Então a Madre Joana achou melhor deixá-la
na enfermaria, mas estou com esperança que mais tarde seja liberada. Tu sabes
como torço por ela! Não sabes?
- Claro, irmã, mas será que não é melhor eu ir vê-la?
- Acho melhor não! Tu não podes
contrariar as ordens da Madre Joana. Tudo tem andado tão bem para ti e para Amélia,
que não vale o risco. Tu bem sabes como é a Madre Joana, não sabes? Então guria,
paciência.
- É, irmã, a senhora tem razão. Pode
ser que mais tarde ela melhore. Vou esperar.
.............Continua semana que vem!
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