Continuando...
O
padre Arcanjo saiu meio que cismado. Alguma coisa o incomodou. Não se sentiu
muito à vontade em frente do delegado. Nunca tinha ficado constrangido em
presença de outra pessoa, mas desta vez se sentiu até diminuído. A sua cabeça parecia
que ia dar um nó. Voltou rápido para junto do senador. Conversaram à meia voz,
quase sussurrando, e em seguida saíram.
Era visível a expressão de
preocupação estampada na cara dos dois. Resolveram procurar a Madre Joana e
jogar no seu colo o problema. Eles sabiam que ela tinha jeito para resolver
qualquer complicação. Parecia que tinha o faro mais apurado do que o deles.
Foram até o seu escritório e não a encontraram. Estava lá a irmã Celeste, que
lhes informou que a Madre já tinha ido para o refeitório. Desceram, chegaram ao
refeitório, encontraram a Madre, acomodaram-se ao seu lado e cochicharam no seu
ouvido. A Madre Joana sorriu e, como tinha muita gente em volta, levantou-se e
convidou-os a acompanhá-la.
A conversa foi cuidadosa.
Informaram-na sem alarde do ocorrido. Ela escutou atentamente e a sua expressão
foi mudando levemente. Um ar de preocupação também alojou-se no seu rosto.
Depois de pensar um pouco, sugeriu ao senador que ligasse para o delegado Áureo
e se informasse a respeito desse jovem delegado de nome Rodolfo. O senador
aceitou a sugestão. Afastou-se dos dois, foi para um canto ermo e fez a
ligação.
- Áureo, aqui é o senador.
- Oi,
senador! Como vai?
-
Tudo bem. Áureo, eu gostaria de uma informação sua.
- Estou
às ordens, senador!
- É o
seguinte: eu gostaria de saber sobre o delegado que substituiu você. O que veio
no seu lugar.
-
Fique tranquilo, senador, é gente nossa.
- Com
certeza?
-
Claro! Certeza absoluta.
-
Então posso ficar tranquilo?
-
Pode sim, senador! Abraço, senador!
O senador respirou fundo e depois
assoprou com força. Uma sensação de alívio tomou conta de si. Só que ele não
sabia que esse delegado não era o delegado Evan, que substituiria o delegado
Áureo, e nem o delegado Áureo sabia que o seu indicado não pode ir, deixando
para outro substituí-lo. Essa confusão foi causada pela Madre Maria de Lourdes,
fazendo com que ele esquecesse o nome do Delegado Rodolfo. A conversa com o
padre estava apagada da sua memória.
Rapidamente o senador voltou para
encontrar os dois amigos e dar a boa notícia. A nuvem da desconfiança, parada
sobre as cabeças da Madre Joana e do Padre Arcanjo, dissipou-se como num passe
de mágica. Mais uma vez a Madre Maria de Lourdes participou efetivamente no seu
desfecho e foi mais além, fazendo com que eles esquecessem por completo o delegado
Rodolfo.
Voltando novamente para o casal que se
olhava apaixonadamente, Helô e Rodolfo ainda estavam abraçados ao silêncio, mas
o delegado, já que tinha sido interrompido pelo padre, conseguiu sair daquele
encanto e finalmente se apresentou.
- Meu nome é Rodolfo. Qual o seu
nome?
Helô esticou a mão automaticamente
para cumprimentá-lo. O olhar já estava perdido em algum lugar do encanto.
Parecia realmente hipnotizada e um sorriso, que ainda estava em dúvida de se
instalar, deixou o delegado inundado de felicidade. Com esforço ela conseguiu
falar.
- Meu nome é Heloisa, mas todo mundo me chama de Helô.
Depois das apresentações, já pareciam
velhos conhecidos. Andaram pelo jardim e depois Helô o levou para conhecer todo
o convento. Passavam pelas pessoas e por ninguém eram notados. Helô percebeu
que alguma coisa estranha estava acontecendo com ela, mas não conseguia
entender. Nunca tinha passado por nada parecido até aquele momento. Essa vontade
de ficar junto de Rodolfo era coisa nova, uma alegria que pousou dentro do seu
peito e não cabia explicação. Com Rodolfo também não estava acontecendo
diferente, só que ele identificou o que sentiu no momento que pousou os seus
olhos sobre Helô. Não teve dúvidas ao constatar que estava frente ao amor da
sua vida.
Enquanto passeavam, o delegado sondou
se Helô pensava em seguir o caminho religioso. Ela prontamente respondeu sem
titubear:
- Não. Eu não penso em ser irmã, não.
Acho que não tenho vocação. Em uma época, bem lá pra trás, até pensei nessa
possibilidade. Eu era muito pequena, mas agora eu sei que não quero isso para a
minha vida. Quando sair daqui, pretendo arranjar um emprego e continuar os
estudos. Falta pouco tempo para eu sair daqui. Quando completar dezoito anos,
vou ter que ir embora.
- Vocês não podem continuar aqui? –
perguntou ele.
A Madre Maria de Lourdes, que já
estava do lado de Helô, soprou no seu ouvido:
- É agora Helô. Comece a falar alguma
coisa sobre o que investigamos. A conversa pode tomar um rumo que não queremos.
Helô de repente cravou o seu olhar
nos olhos de Rodolfo e disse:
- Não. Não podemos. É norma. Mesmo
pensando em arranjar emprego e continuar os estudos, eu carrego uma preocupação
muito grande dentro de mim.
- Preocupação com o quê?
- Sei lá, a Madre Joana diz que, ao
completarmos dezoito anos, nós vamos sair daqui com um emprego já nos
esperando. Só que ela não diz que emprego é esse e isso me deixa com uma pulga
atrás da orelha. Aqui vem acontecendo muitas coisas estranhas.
O delegado antes de perguntar alguma
coisa, fica alisando o bigode. Um ar de preocupação invadiu o seu semblante.
Olhou nos olhos de Helô, pegou as suas mãos e calmamente indagou:
- Não sei o porquê, mas estou
preocupado. Você pode me dizer o que são essas preocupações?
Helô, antes de responder, olhou em
volta para se certificar se não havia ninguém espionando, mas a Madre
rapidamente soprou na sua orelha:
- Vai em frente. Ninguém está ouvindo
e muito menos vendo vocês. Pode falar sem se preocupar.
Mesmo assim Helô, ao começar a falar,
abaixou o volume da voz.
- Sabe, eu não sei se o senhor é
amigo da Madre Joana, do Padre Arcanjo e do senhor misterioso.
- Quem é o senhor misterioso?
- É aquele que fica sempre com o
padre.
- Ah sim! É o senador!
- Chamam ele também de paizinho.
- Pode ficar tranquila que não
conheço nenhum deles. Não sou amigo dessa gente. O que eles fazem?
- Eles... Não sei bem o que acontece,
mas sempre que eles vêm acontece o sumiço de algumas meninas.
- Somem?
- Somem, mas depois que eles vão
embora elas voltam. Eles sempre aparecem com homens diferentes. Às vezes vêm
com dois, três, já vi até quatro.
- E você não sabe o que acontece?
- Não. A Madre não me falou com todas as
letras, mas não é coisa boa.
- É o que me parece. As meninas nunca
dizem nada?
- Não. Eu só sei que elas voltam tristes
e normalmente só no dia seguinte. Eu observei que algumas, depois de alguns
meses, somem do convento e isso já vem acontecendo há muito tempo. A Madre
Joana diz que as meninas foram para a capital para se tratar. Algumas nem
voltam mais.
................Continua semana que vem!
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