terça-feira, 27 de abril de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 23

 


Continuando...

          Bordélo e André olhavam o estrago que o rio tinha feito. Até onde a água conseguiu chegar; com a sua força destruiu tudo que encontrou pelo caminho. O outro lado do rio, onde uma grande planície esticava-se até encostar numa montanha, a água foi mais longe e arrastou tudo que encontrou pela frente.

           Das árvores das margens do rio, só o ipê ficou de pé. André fez um cálculo por alto e estimou que o rio ampliou suas margens por mais de trinta metros, isso do lado que eles estavam. Do outro lado, onde estava o ipê, não soube calcular.

          André, acompanhado de Bordélo, foi até a sua barraca, encontrando Luiza no mesmo lugar que tinha deixado. Ele demorou um pouco, mas conseguiu trazê-la de volta à realidade. Depois saíram os três e olharam desolados para tudo que tinha acontecido. Luiza viu que as únicas barracas que ficaram de pé, além da de André, foram a sua e a de Bordélo. Ela então colocou a mão na cabeça e gritou para o amigo:

       - André! André! Meu Deus! O que é que aconteceu aqui? Onde estão Luiz e Karen? Vamos procura-los!

         - Calma. Minha querida, calma. O melhor por enquanto é levar a sua barraca e monta-la mais acima, longe dessa água. Você vai ficar lá descansando, enquanto eu e Bordélo vamos procurar Karen. O Luiz nós já encontramos e ele está agora dormindo na barraca de Bordélo.  

              - E o que aconteceu com a Karen?

               - Nós ainda não sabemos, mas vamos encontrá-la. Sei que não vai ser fácil achá-la nesse escuro, mas não vamos medir esforços. Vamos começar agora mesmo, não é Bordélo?

        - Claro. Nesse minuto.

         - Eu vou com vocês. De jeito nenhum vou deixar vocês sozinhos nessa.

         - Luiza. Você tem que botar roupas secas. Você não pode ficar do jeito que está. E tem que se equilibrar emocionalmente. Eu peguei você, sentada na posição de lótus, simplesmente com a água cobrindo as suas pernas, sem demonstrar qualquer reação. Vamos levar as duas barracas lá pra cima e você vai ficar quietinha dentro da sua, descansando.

          - Nessa hora eu devia estar dormindo! Mas agora estou bem!

          - Quem é que dorme quase coberto d’água?

          - Eu estou bem. Você me conhece. Quando digo que estou bem é porque estou bem!

          - Está mesmo? Legal. Então pelo menos você tem que trocar de roupa.

Mas vou desmontar as nossas barracas e coloca-las mais acima.

         - Eu ajudo, André.

         - Obrigado amigo.

         - André, estou vendo que está tudo uma lástima. É uma sujeira só. Vou ajudar vocês dois a desmontá-las. Depois vamos à procura de Karen. Ok?

        - Tá legal. Não vou contrariá-la. Você diz que está bem, então concordo. Você manda. Então mãos à obra. E outra coisa: falei pra você mudar de roupas, mas nem sei se você tem roupa seca.

        - Tenho sim. Por sorte coloquei dentro de um saco plástico.

          Em tempo recorde conseguiram desmontar as duas barracas e remonta-las em lugar mais seguro. Com a atividade, os três conseguiram se acalmar um pouco. Agora mais equilibrados podiam traçar estratégias para procurar Karen. Então foram até a barraca de Bordélo, para ver como estava Luiz. Mas não o encontraram. Bordélo passou a mão nervosa na cabeça e saiu numa disparada só. André e Luiza ficaram parados sem saber o que fazer. Pareciam petrificados. Não esboçavam qualquer reação. Apenas olhavam-se. Até que André pegou Luiza pela mão e puxou-a para fora da barraca. Mas Bordélo já tinha sumido. Não encontraram nem sombra dele.

         - Bordélo, cadê você? – gritou André. A resposta foi o silêncio.

         - Bordélo, pra onde você foi? –  André gritou novamente e mais alto.

         Depois de alguns minutos veio à resposta:

          - André! Estou aqui no capinzal! Encontrei Luiz quase no mesmo lugar! Vem até aqui!  

          André saiu correndo e Luiza saiu no seu calcanhar. Sem muita dificuldade encontraram os dois. Bordélo já estava erguendo Luiz, que tinha o rosto coberto de sangue. Luiza assustou-se ao ver o amigo naquele estado. André se adiantou e ajudou-o a terminar de erguê-lo. Depois não aguentou de curiosidade e perguntou:

         - Luiz, não estou entendendo: o que aconteceu? Nós já havíamos deixado você em segurança! Aí de repente você volta para o mesmo lugar?! O que houve, cara?

..................Continua semana que vem!

 

terça-feira, 20 de abril de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 22

 


Continuando...

           A enxurrada veio arrastando árvores, animais e tudo o mais que ela encontrou pelo caminho. Foi tudo muito rápido. Em fração de segundos o acampamento já estava debaixo d’água. Uma árvore com raiz e tudo levou a barraca de Luiz e de Karen. Luiz teve mais sorte, escapando milagrosamente, mesmo sendo carregado pela água, pois foi jogado dentro de um capinzal, há poucos metros à frente. Já Karen não teve a mesma sorte. E a sua barraca foi arrastada com ela dentro, para lugar não sabido. No momento trágico, ela dormia. Realmente nada conspirou a seu favor. 

          André e Luiza que estavam com as barracas mais próximas de uma árvore, a água invadiu, mas pouco, não causando grandes estragos. André quando sentiu a água tocar seu corpo, acordou imediatamente. Levantou-se num pulo e a primeira coisa que veio a sua cabeça foi Luiza. Saiu rapidamente da sua barraca e foi até a da amiga, encontrando-a sentada, fora do saco de dormir, numa poça d’água. Luiza parecia em estado de choque. André pegou-a pelo braço e tirou-a dali, sem que ela dissesse coisa alguma. Percebeu o estado em que ela se encontrava e com a sua paciência habitual e com carinho foi tentando trazê-la de volta à realidade. Ele não conseguiu entender o porquê dela ter ficado naquele estado, já que a quantidade d’água que entrara na sua barraca, a princípio, não assustaria ninguém. Ainda mais se tratando dela: uma mulher destemida. Acreditou, então, que o responsável teria sido o barulho.

                          Bordélo saiu da sua barraca assustado com aquela barulheira toda. A dele foi a única que a água não entrou. Com o olhar esbugalhado observava toda aquela devastação, sem querer acreditar no que via. Eram troncos e mais troncos de árvores enganchados nas pedras mais altas, bem próximos de onde estavam acampados.  Quando percebeu que as barracas de Luiz e Karen não estavam mais ali, começou a tremer sem parar. Ficou assim por um bom tempo, até que de repente começou a gritar loucamente chamando pelos nomes dos amigos. André vendo a sua aflição foi socorrê-lo, abraçando-o carinhosamente. O seu gesto de solidariedade fez com que Bordélo deixasse que as lágrimas represadas despencassem dos seus olhos, como uma cachoeira.

           André esperou o amigo parar de chorar para tentar acalmá-lo de alguma forma, mas nesse instante chegou até eles, mesmo meio fraco, o grito de Luiz pedindo socorro. Bordélo rapidamente parou de chorar e, já parecendo outra pessoa, enxugou os olhos e disse entusiasmado:

           - Escutou André? Escutou? É a voz de Luiz! Ele está vivo! Está vivo! Vamos procurá-lo!

           - Escutei sim! Ele está aqui por perto! Vamos!

           Saíram os dois caminhando rio abaixo, pela margem que tinha muitos arbustos e muitas touceiras de capim. Não andaram nem vinte metros e encontraram Luiz caído dentro de uma moita de capim, com o rosto banhado de sangue. Os dois o pegaram com cuidado e o levaram para a barraca de Bordélo. Não estava desmaiado, mas parecia meio atordoado. Só foi falar alguma coisa, ao chegar à barraca.

          - Oi amigo. Estou bem. O que aconteceu?

           - Você não se lembra de nada?

            - Não. Minha cabeça está doendo. Bordélo...

            - O que foi amigo? Acho que você bateu com a cabeça em algum lugar. Você sabe de Karen?

           - Não sei. Deve estar na sua barraca. Ela dorme até mais tarde.

           Bordélo não quis falar do sumiço da amiga. Fez uma cara triste e disse:

           - Dorme um pouquinho Luiz. O amigo precisa descansar. Mas primeiro vou limpar esse machucado e colocar uma atadura na sua cabeça.

 

terça-feira, 13 de abril de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 21

 


Continuando...

          Luiz ia de hora em hora até o rio, onde enterrara o cabo de vassoura, conferir a marcação e analisar a coloração da água. Na última vez observou que o volume d’água aumentara consideravelmente. Agora o nível marcava seis. O aumento fora de cinco centímetros. Coçou a cabeça. Ficou preocupado não só com o nível, mas também com a coloração da água. Comparou o conteúdo do copo, de uma hora atrás, com esse agora. A água estava quase vermelha. Depois olhou rio acima e viu raios cruzando o céu. O som da trovoada já estava chegando. Naquela direção já chovia muito. E chuva pesada. Não ia demorar muito e o rio ia encher. Coçou a cabeça de um jeito preocupado. Voltou para junto dos amigos e fez um pequeno relato do que estava ocorrendo e do que poderia acontecer.

          - Amigos. Estoi preocupado. O nível del rio aumentou um pouquito. La coloracion da água, agora, estai vermedja. Olhem aquelas nuvens! – apontando rio acima. – Olhem os raios! Bamos ter que ficar por a cá. Por aqui. Amanhã acho que nom bamos atrabessar. Estái ficando mui perigoso esse rio. Bamos atravessar só se Dios quiser!

          Mesmo Luiz colocando um tom dramático no seu relato, André sorriu colocando a mão na frente da boca. Ele não conseguia deixar de rir, toda vez que o amigo falava. – O cara não consegue falar português e nem língua nenhuma. Será que o cara é brasileiro e fala assim enrolado só para parecer que é estrangeiro? – ficou se questionando e tentando esconder o riso.

          A noite desceu rápido. Ficaram acordados papeando até que o sono chegou. Um bocejava daqui e outro dali, e já estavam todos contaminados. Mas antes de cada um seguir para a sua barraca, analisaram a localização delas, para ver se havia algum perigo da água do rio chegar até ali. Calcularam que estava há mais de trinta metros da beira do rio. Para a cheia chegar até aquele ponto, só se houvesse uma tromba d’água. E o serviço de meteorologia não havia previsto chuva com esse potencial.

         Depois dessa análise rápida, cada um pegou o caminho da cama. Até aquele momento não houvera nenhum fato que merecesse registro.  Bordélo foi o último a ir se deitar, pois ainda foi colocar mais lenha na fogueira, a fim de manter aquecido o ambiente. Fez o que tinha que ser feito e foi dormir. Seu relógio marcava vinte e uma horas e dez minutos, e antes de pegar no sono, ainda ouviu alguém ressonar. Identificou o ronco do amigo Luiz, sorriu, virou o rosto para o lado e apagou.

        O silêncio da mata e do rio continuava como sempre. Um silêncio barulhento, diga-se de passagem. Mas que é mais tranquilo para se dormir, isso é. Diferentemente das buzinas dos carros, freadas bruscas e... tiros, das cidades. Os cinco aventureiros dormiam no colo da tranquilidade. Mas como nem tudo são flores, precisamente às três horas da manhã os grilos emudeceram, a coruja parou de piar, os morcegos pararam de voar, o vento sumiu e até o rio estava mais silencioso. O silêncio incomodou tanto, tanto que Luiz acordou assustado. Meteu a cara pra fora da barraca e se arrepiou todo ao olhar para o céu. Não gostou nada, nada do que viu. Balançou a cabeça com ar preocupado. Fechou-se novamente na barraca. Mas mal deitou, despencou uma chuva de granizo, que parecia que ia furar a barraca. Do silêncio assustador anterior, agora veio um barulho aterrorizante. 

            Luiz parecia que era o único acordado. Em meio ao barulho do granizo, ele ouviu um barulho diferente, que ia aumentando significativamente. Pensou que fosse o estouro de uma boiada. Mas ao botar um pé para fora da barraca, com a intenção de saber o que acontecia, que barulheira era aquela, não teve nem tempo de correr, porque um mundo de água caiu sobre ele.

 

..............Continua semana que vem!