terça-feira, 29 de dezembro de 2015

Pensamento de Poeta - Todo o Tempo


Todo o Tempo
- José Timotheo -

Tenho todo o tempo do mundo
E como eu tenho todo esse tempo
Fui pra janela ver o tempo passar
Fiquei lá e ele não passou
Mas você passou e disse olá
Só que não  tinha tempo pra mim
Nem parou. Seguiu em frente
Indo atrás do seu tempo
Tempos depois, você voltou
Mas me pediu um tempo
E como eu tenho todo o tempo do mundo
Eu te dei esse tempo
E voltei pra janela pra ver o tempo passar
Mas ele continuou sem passar
E você permanece sem tempo pra mim
Penso que perdi o meu tempo
Mas como eu tenho todo o  tempo do mundo

Posso continuar esperando

FELIZ 2016 - Para todos os amigos virtuais e para os não virtuais também!!!

segunda-feira, 14 de dezembro de 2015

Pensamento de Poeta - Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade


                  
Paz na Terra aos Homens de Boa Vontade”

                                                     - José Timotheo -

          Sai ano, entra ano e é a mesma coisa: Feliz Natal, Próspero Ano Novo e... Blá, blá, blá... Levamos sempre em consideração a “emoção” política que paira, como nuvem carregada, que pré-anuncia temporal, em cima das nossas cabeças. É mensalão, é lava jato, é impeachment da presidente, é afastamento do presidente da câmara e... O escambau a quatro. Aí fazemos pilhérias, gozações, faltando com respeito à data natalina. Esquecemos completamente o que ela representa, para milhões e milhões de pessoas.
            O cristão se revolta, e esquece de elevar o seu pensamento para aquele que é homenageado nessa data. Falamos um Feliz Natal da boca pra fora. Bebemos e comemos (para quem tem o que comer e beber), nos embriagamos de revolta, nos empanturramos de descrença e não  comemoramos a alegria da esperança. Chegamos a conclusão que o “Feliz Natal” foi em vão mesmo. Isso porque o coração não participou efetivamente do desejo de “um Feliz Natal”. Se no Feliz Natal foi assim, como vai ficar o “Próspero Ano Novo”?  Do jeito que a carruagem vai, os cavalos não aguentarão até o final do caminho. Vão morrer de sede e fome.  Parece até que estamos torcendo para que o governo tropece e em nada prospere. A verdade é que assim agindo, não ajudamos em nada. Pelo contrário, empurramos mais e mais o nosso país para o buraco. Então, temos que “dar à política, o que é da política” e deixar de fora o negativismo.
           Hoje mais do que nunca, precisamos lutar em prol do otimismo. Não podemos nos contaminar com tanta descrença. Não importa o que os governantes façam de ruim. Temos é que não deixar esse “ruim” se apossar da nossa alegria, atrapalhar a nossa vida. Não estou dizendo com isso, que devemos ficar de braços cruzados face os desmandos.  Longe disso. O que não podemos é deixar que nos roubem a paz e a alegria de viver.
           Se estivermos bem, com a felicidade adentrando às nossas casas, criaremos uma aura de otimismo, em torno do país. De repente, os corações embrutecidos pela ganância, pelo ódio e pela vaidade, sejam picados pelo amor. Quem sabe a cegueira do descaso, da prepotência, do orgulho, se cure com o colírio de humildade. 
          Com uma corrente em prol da paz, poderemos afastar todo e qualquer perigo de uma (monstruosa) guerra generalizada. Vamos construir uma paz dentro de casa, depois esticarmos pelo bairro, um pouquinho mais pela cidade, pelo estado, pelo país e quando abrirmos os nossos olhos, ela vai estar espalhada pelo planeta. Parece utopia. É sim utopia, mas para quem não crê. Quem não tem fé. Vamos apostar no sonho? Papai noel não existe, mas todo mundo carrega um dentro da sua festa natalina. Feliz natal e vamos acreditar num Ano Novo recém-nascido. Que a paz de Deus habite cada coração que pulsa neste nosso planeta.


                                                              fim

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Pensamento de Poeta - Trêbado


Trêbado


- José Timotheo -


Escorregadia chegava mais uma noite
Via estrelas pisadas no chão
Via a lua esparramada na sarjeta
Uma vez ou outra
Um cometa bêbado
Atravessava a madrugada silenciosa
Noite adentro
Noite sobre noite
Eu pregado na via láctea
Assistia as interrogações embriagadas
Pensava nos cacos da história
A explodirem aqui, ali e acolá
Ou minha cabeça a ver estrelas?
A noite se espreguiçou
E o sol teimou em orbitar
Pelos meus dedos
Tudo se movendo parado
Eu tentava ficar dentro da noite
Mas a noite ia carregando o meu céu estrelado
Mesmo assim, teimava em fazê-la perpétua
Mas caí no amanhecer
E continuei a orbitar

Por entre estrelas, que eu não via

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Pensamento de Poeta - O Meu Lugar

O Meu Lugar
- José Timotheo -

                                                                               

Meu campo verde
Minha fonte clara
Um cavalo solto
Liberdade paira
Jogo os olhos
Aonde a vista alcança
Mergulho na beleza
Minha alma dança
Visto planetas e estrelas
Num campo aberto ao luar
Desmato minhas incertezas
E laço esperanças no ar
Sou campo, vale e monte
Sou gado, pássaro e gente
Sou rocha, charco e fonte

Sou barro, pó e semente

terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Pensamento de Poeta - Contar estórias...

Queria aqui deixar registrado minha alegria em ter mais de 150 pessoas em média lendo semanalmente as estórias que publiquei aqui. E juro, não conheço pelo menos 140 delas, com certeza!!
Nesse mundo globalizado, onde o tempo é pouco, e a pressa é enorme, saber que pessoas desconhecidas se conectaram com o meu mundo de letras e pensamentos, se envolveram e fizeram disso um hábito, mesmo que por poucas semanas, é de verdade incrível.
Valeu galera, seguirei postando aqui e espero que vocês continuem por aqui também.
José Timotheo

terça-feira, 24 de novembro de 2015

UM NÁUFRAGO EM ALGUM LUGAR DA BAÍA - Parte Final

Continua...
             O meu condicionamento físico era muito ruim. Os braços doíam bastante, mas continuei empurrando a jangada do jeito que dava. A distância não era muita, até chegar ao final do rochedo, mas parecia que tinha quilômetros. Tive que parar para descansar. Descuidei e a maré, que enchia, começou a me devolver para a praia. Me assustei e quase perdi o bambu. Mas consegui ter o controle da situação novamente. Nisso observei que tinha me afastado aproximadamente dois metros da pedra. Cheguei à conclusão que não tinha o direito de me cansar. Recomecei a luta. Coloquei a raiva empurrando a esperança. Finalmente consegui chegar do outro lado. Aí começaram realmente os problemas. Meu Deus! Nunca tinha vista tanta água na minha vida! O meu sacrifício não valeu de nada. Aonde cheguei, era igual ao outro lado. Era simplesmente um pedregulho enterrado no mar. Podia ser até uma vista bonita, mas isso não alimentou em nada a minha esperança. Pra começar, uma ave cagou em cima de mim. A desilusão foi instantânea. Cheguei à conclusão que estava completamente perdido. Estava descartado da humanidade. Em algum lugar do oceânico atlântico, numa merda de ilha, simplesmente, excluído da civilização. Isso era demais para um pobre mortal. Tinha que ter alguma explicação. Nada fazia sentido. Como imaginar uma pessoa, estando na baia de Guanabara, de repente aparecer numa ilha em alto mar? Pior ainda é que estava próxima a ilha de Paquetá! Com certeza essa ilha não consta de nenhum mapa. Acho que nunca foi visitada por ninguém, além de mim, Tibúrcio e Telma. Pensei também que esse oceano, que estou achando que é o atlântico, pode não ser. Estou me lembrando que estava olhando para o céu à noite e não localizei o cruzeiro do sul. Será que estou em outra parte do atlântico? Ou pacífico? Ou... Posso estar em qualquer parte do planeta. Então às minhas chances de voltar pra casa, estão chegando à zero? Vou sair daqui. Essas ondas, cada vez maiores, que vêm pra cima de mim, não me agradam nada, nada. Parece que vão me engolir. Se eu cair dessa jangada, a coisa vai ficar preta para o meu lado. Está na hora de sair daqui. Tenho que agir rápido. Estou pressentindo que esta jangada não vai agüentar. Do jeito que está dando porrada na pedra, vai à pique. E pelo jeito, vou junto. Vou sair agora. Nem sei se este bambu vai suportar a força que estou fazendo contra a pedra. Mas é a única forma de me afastar dela. Caraca! Olha o tamanho da onda que está chegando! Acho que não vou agüentar! Droga! Estou escorregando! Vou cair! Puta merda! Estou esfregando às minhas costas na pedra! Como dói! Tenho que me equilibrar. Acho que arrancou um bocado de pele. Essa água salgada, caindo nas minhas costas, está causando uma ardência danada! Tenho que sair daqui, antes que eu caia! Meu Deus! Isso aqui está ficando muito perigoso! Me tire daqui, meu pai! Acho que ele ouviu! A jangada está se movimentando! Eu estou saindo. Acho que uma corrente marinha está me levando, encostado na pedra. Estou dando a volta no pedregulho. Ufa! Consegui! Ué! Aqui desse lado continua sem ter nenhuma onda! Que coisa estranha!
           Os meus amigos estão na areia me esperando. Pelo menos tem alguém a minha espera. Eu acho que estão contentes em me ver. Graças a Deus, estou chegando. Pelo jeito deles, devem estar me achando maluco. Tibúrcio entrou na água e me ajudou a tirar a jangada. Depois olhou pra mim, deu um sorriso e falou.
          - Cara! Você é muito maluco! Nem acredito que você esteja aqui! Nós pensamos que você não fosse mais voltar! Você é realmente um cara corajoso! Me dá um abraço!
         - Assim eu me emociono! Você não vai querer que comece a chorar! Vai?
         - Não! Não precisa chorar! Só achei você um cara corajoso. Eu nunca tive essa coragem. Mas... Sabe por que eu nunca me arrisquei em sair daqui? Não? Vou te dizer. Eu nunca vi onda desse lado. Mas às vezes ouvia muito barulho de ondas fortíssimas do outro lado. Fiquei com medo. Não quis arriscar. Quando você falou que ia se aventurar, não quis cortar a esperança que estava nascendo em você. Agora... Não tem mais nada! O importante é que você conseguiu voltar!
         - De volta e inteiro!
         - Vamos. Conta pra gente o que você viu lá.
         - O que eu vi? Eu vi esse bloco de pedra e oceano, oceano... Só água, cara!
         - Só isso?
         - Só.
         - Acho que a gente está num mato sem cachorro. Estamos numa ilhota, que, de tão pequena, não deve constar em nenhum mapa. Estamos cercados de água e de nenhuma esperança. Não quero ser pessimista, mas estamos perdidos para sempre.
          - E não quer ser pessimista? Se quisesse, com certeza, estaríamos mortos. Escuta só: não podemos perder a esperança. Se a gente chegou até aqui, tem que ter uma forma da gente sair. A propaganda política não chegou? Então, acho que podemos ser encontrados. É uma questão de tempo.
         - Acho que você está falando da boca pra fora. Está apostando no acaso.
         - Por que isso? É pessimismo puro!
         - Não. Não é isso.
         - Desconfio que a sua estadia aqui, está tão boa, que se não conseguir sair, isso não vai ser nenhum problema.
         - Não é bem assim.
         - Esse sorriso quer dizer alguma coisa?
         - O meu sorriso... Tudo bem. Vou abrir um segredo pra você: nunca estive tão feliz na minha vida. Essa é a verdade. Por isso não faço força pra sair daqui. Cara! Eu estava endividado até a alma! Sabe lá o que isso! Eu não sabia mais o que fazer da minha vida! Agora... Eu estou feliz! E é isso o que mais importa!
         - E a sua mulher? O que ela pensa disso?
         - Ela também está feliz. Pensa igual a mim. Só tem um problema: está com medo de engravidar. Isso não pode acontecer e não vai acontecer.
         -É uma situação difícil. Mas... Sabe de uma coisa? Isso compete a vocês. Não posso dar nenhuma opinião. Só sei que tenho que sair daqui. E vou sair. Agora sai de cima do político!
         - Deixa eu me vingar um pouquinho. Eles estão sempre pisando na gente. Vou pisar um pouquinho mais. Só mais umpouquinho.
        - Agora está bom. Já se vingou bastante. Agora vamos lavar esse safado.
       - Pra quê?
       - Você disse que íamos usar para cobrir a choupana. Não foi isso?
       - Tinha esquecido. Vamos lavar o pilantra. De repente a gente consegue limpá-lo. Quem sabe ele fica livre da corrupção!
      - Você quis dizer que nós ficaremos com menos um corrupto. Agora vamos falar no que mais nos interessa no momento, que são as choupanas. Temos que escolher um local bem protegido e erguê-las.
Tobúrcio concordou e pegou uma das pontas do banner e eu a outra e sacudimos para tirar toda areia que estava agarrada. Depois entramos no mar para lavá-lo. Mergulhamos algumas vezes. Parecia que estava bem limpo. Nisso Telma chamou por ele. Pediu para aguardar um minuto e esperá-lo. O mar ali, como sempre, estava calmo. A tranqüilidade era a tônica. Mas me lembrei do redemoinho. Era só a maré subir para ele aparecer. Mas até aquele momento não tinha dado às caras. Estava despreocupado. Continuava segurando o banner. Ele já estava pra lá de limpo, mas como a água estava tão gostosa, que fiquei de molho, esperando por Tibúrcio. Estava completamente distraído. Olhava para o céu, com um azul tão lindo e sem a presença de nuvens, e me lembrava de casa. De repente escutei tibúrcio me chamando: -Cuidado! Cuidado! – mas não deu mais tempo. O redemoinho me puxou, juntamente com o banner. Não vi nada. Fui sugado com uma velocidade imensa. Foi muito rápida a minha passagem pelo buraco, um tubo, eu sei lá! Podia ser também uma fissura no fundo do mar. Acho que devo ter passado enrolado no banner, na velocidade da luz. Depois o silêncio. Não sei quanto tempo fiquei sem ver e ouvir nada. Pensei que estivesse morrido. Acho que, de alguma forma, eu morri. Se não morri de todo, alguma coisa tinha morrido em mim. Ainda estava com a sensação de estar sufocando. Achei que tinha bebido toda água do oceano. Alguém ou alguma coisa puxou o meu cabelo. Quase fui arrancado. Depois de algum tempo, que não sei quanto, escutei alguém chamando o meu nome. Aí pensei: - Estou vivo. Consegui chegar antes de me afogar. Alguém me balançou. Abri os olhos e vi a cara de Carlos, olhando para minha cara. Sorriu e gritou para o grupo.
          -O cara está vivo! Ele está vivo! Ele sobreviveu!
           Confesso que estava assustado. Ainda mais quando ele falou que eu tinha sobrevivido. E consegui dar um sorriso. Foi amarelo, tenho certeza, mas consegui sorrir. Estendeu a mão, mas antes perguntou se eu tinha condições de me levantar. Confirmei, mas sem muita certeza, pois estava um pouco atordoado, me sentindo estranho. Consegui ficar de pé. Ele me abraçou e deu umas porradas nas minhas costas. Se não tivesse bem, estaria em maus lençóis. Sobrevivi.
           O barco deu a volta e encostou onde estávamos. Era uma pequena praia, com bastantes pedras pequenas. Mas atracou sem problemas. Olhei para os amigos, que nada falaram, apenas sorriram. Perguntei a Carlos como tinha chegado ali. Disse, simplesmente, que não sabia. Falou que depois que cai do barco, ficaram doidos me procurando. Depois apontou na direção da ilha de Paquetá e disse.
          - Está vendo aquele casal naquele barco? Foi o cara e aquela mulherona, que acharam você!
           Quando olhei, fiquei surpreso. Era Tibúrcio e Telma. Bati com a mão e eles responderam, mas continuaram se afastando em direção à Paquetá.  Fiquei emocionado. Comentei com Carlos sobre eles.
          - Aquele casal, estava comigo lá na ilha.
          - Na ilha de Paquetá?
          - Não. Estávamos numa ilha, em pleno oceano.
          Ele olhou pra mim, achando que estava variando, e disse.
          - Meu irmão! A única ilha que você ficou foi essa aqui! Quando cheguei, a mulher já tinha feito respiração boca a boca em você! Eu caí n’água pra te procurar. Quando dei a volta na ilhota, já encontrei você com eles dois.
          - Como é que é! Respiração boca a boca?
          - É cara! Não se lembra de nada?
          - Me lembro que caí no mar e um redemoinho me pegou. Aí fui parar numa praia, de uma ilha oceânica. Na verdade, era uma ilhota, que não sei onde fica.
          - Acho que você pirou! Você bebeu todas, isso sim! Não tinha redemoinho nenhum aqui! Acho que foi a minha cagada que te deixou tonto! Só pode ser!
          - Você só pode estar brincando! Eu me lembro sim da sua cagada! Diga-se de passagem, foi um horror! Não estou entendendo...
          - Não procura entender não! Você está vivo e isso é o que importa! Vamos embora!  Já pegamos os peixes que precisávamos! Agora que tudo voltou ao normal, vamos comer o nosso peixe frito e beber àquela gelada!
          Subi no barco com uma porção de interrogações na cabeça. Os amigos me abraçaram sorridentes. Percebi em cada rosto uma sensação de alívio. Olhei para Carlos e não consegui acreditar na história dele. A minha estava muito real. Pensei no casal. Era o mesmo da nossa ilha. Alguém me abraçou. Depois um a um foi fazendo a mesma coisa.  Último foi Teo, que me ofereceu uma geladinha. Mas recusei. Estava com um gosto de guarda chuva na boca. Depois tentei falar sobre a ilha, mas ninguém me deu ouvido. Fui para um canto e fiquei recordando os momentos na ilhota. Ela existia. Aonde será que ela estaria?

                                Fim                         










quarta-feira, 18 de novembro de 2015

UM NÁUFRAGO EM ALGUM LUGAR DA BAÍA - Parte 8

Continuando...
        
          Fiquei olhando tudo em volta. Árvores arrancadas com raiz e tudo. Outras quebradas. Mais algumas apenas tombadas. O nosso pequeno mundo, apesar dos estragos, conseguiu sobreviver. E a gente também. Chamei a atenção de Tibúrcio para uma fumaça que saia detrás de uma pedra. Para nossa surpresa, encontramos uma árvore tombada queimando. Tinha sido ali que o raio caiu. Distavam alguns metros da caverna. Trocamos olhares e deixamos escapar sorrisos. Parecia que estávamos pensando a mesma coisa: -“Essa é a chance de se comer qualquer coisa cozida!” – Corremos os três para junto da árvore ou que restava dela. Vimos que um pedaço da madeira estava em combustão. Um fogo baixo queimava-a lentamente. Só em passar a mão por cima da chama, a felicidade brotou. Tibúrcio não pensou duas vezes, correu e procurou gravetos e foi colocando para alimentar o fogo. Arrastamos uma outra árvore, que estava tombada próximo, e colocamos onde o fogo estava mais vivo. Não demorou muito e já tínhamos uma bela fogueira. Agora era só não deixar o fogo se extinguir. Achamos uma pedra chata, que estava próximo onde ficavam os restos do que fora uma choupana, e colocamos em cima do fogo. Mas antes pusemos duas pedras, para servir de base. Aí sim deitamos a pedra em cima. Estava feito um simples fogão. Depois da pedra quente, era só colocarmos o peixe e o camarão e deixar fritar. E assim fizemos. Acho que nunca tinha comido um peixe tão gostoso. Com isso nossos ânimos melhoraram. O casal até passou a ficar mais tempo comigo. Enquanto não construíamos a choupana, ficamos os três na caverna. Mas na segunda noite, cheguei à conclusão que tinha que sair dali. Só o cheiro da mulher já era perturbador. Acho que o amigo percebeu e me pediu para ajudá-lo na construção de sua choupana. No dia seguinte já tínhamos arranjado um local mais protegido. Construímos rapidamente o abrigo.
          Depois de mais alguns dias para se colocar novamente ordem na casa, voltei novamente a pensar em alguma forma de sair dali. Ainda mais depois do ocorrido. Meus pensamentos ficaram voltados para isso, vinte e quatro horas. Mas percebi que Tibúrcio e a mulher não demonstravam nenhum entusiasmo quando eu falava em voltar para a civilização. Mas mesmo assim, de tanto eu insistir, eles embarcaram no meu sonho de construir uma jangada. Mesmo se não desse para sair dali, pelo menos para dar uma volta em torno do grande rochedo. Eles toparam, mas deixaram claro que não subiriam nela. Concordei, pensando que mais tarde pudessem mudar de opinião. Eu até sugeri, como ele nadava, que fosse pelo menos até a ponta do rochedo e olhasse do outro lado. Não quis, alegando que não ia se arriscar a toa numa aventura, que podia não dar em nada. Mesmo assim confirmou que ia me ajudar na construção da jangada.

          Depois de alguns dias, conseguimos construir uma precária embarcação. Senti na hora que ia ser uma grande aventura. Não sei como ia encarar aquele desafio. Não podia recuar. E não ia recuar. Olhei para àquelas toras amarradas e não senti nenhuma segurança. A amarração podia não aguentar. As toras, não realidade, estavam mais para graveto. Mas conseguimos fazer alguma coisa que boiasse. Colocamos dentro d’água e não afundou. Subi meio que desconfiado e ela resistiu. Chamei o casal para me acompanhar, mas não quiseram embarcar, de jeito nenhum, naquela aventura. Lá fui eu sozinho. Mas estava difícil colocá-la para se movimentar. A maré praticamente não se movimentava. Naquele pedaço o mar era muito tranqüilo. Tibúrcio vendo a minha dificuldade entrou na mata, para tentar achar alguma coisa que me ajudasse a fazer a jangada se movimentar. Depois de algum tempo, apareceu ele com um bambu comprido, com mais de dois metros.Próximo da pedra, nós não sabíamos a profundidade. Ali onde estava, era bem raso. Depois constatei que não passava de dois metros. Até ali a sorte estava ao meu lado. Continuei encostado no paredão. Estava tudo calmo. Mas de repente a jangada começou a ser jogada de um lado para o outro. Ao se afastar um pouco do rochedo, começou a girar. Consegui ver a formação de um redemoinho. Do nada apareceu. Lutei e consegui equilibrar a embarcação. Como apareceu, sumiu. Respirei fundo e olhei para os meus amigos. Estavam assustados. Levantei o polegar dizendo que estava tudo ok. A normalidade tinha voltado. Mas estava com medo. Tive até vontade de voltar, entretanto não podia entregar os pontos. O que a mulher de Tibúrcio podia achar de mim? Tudo, menos covarde. Continuei me cagando de medo.
                            Continua semana que vem...

terça-feira, 10 de novembro de 2015

UM NÁUFRAGO EM ALGUM LUGAR DA BAÍA - Parte 7

Continuando...
           Pegar ladrão não dever ser tão difícil assim. Pode pegar o candidato antes mesmo de ser eleito. Por exemplo, se ele vai receber um salário anual de R$100.000,00(cem mil), e gasta R$1.000.000,00(um milhão) na campanha, como ele vai conseguir reaver esse dinheiro em quatro anos? Ele vai perder R$600.000,00(seiscentos mil)? Aí ele vai enfiar a mão no meu, no nosso bolso. Mas como a justiça é cega, aí... Ele gasta esse dinheiro todo, porque sabe que vai recuperar isso tudo e com juros e correção monetária. E que correção! Ele avisa que vai roubar e ninguém faz nada. Mas também a gente não entende nada de política. Como a gente não entende, troca de candidato na eleição seguinte. Eles não vivem dizendo pra gente exercer o nosso direito de cidadão? Pesquisar bem em quem vai votar? A gente faz isso tudo e chega à conclusão que tem que mudar de candidato. E muda.  Aí muda de ladrão.
          Estou olhando para a cara desse candidato. Até que tem uma cara boa. Eles todos têm uma cara boa. Às vezes a gente erra, porque vende o seu voto. Acho que nunca fiz isso. Deve ter sido por burrice mesmo. Tanta gente para escolher e só escolho errado. Acho que nunca acertei um. Mas se esse candidato me ajudasse a sair daqui, acho que venderia meu voto. Vai que dessa vez eu acerte! Eu passaria a acreditar em político.
Se o retrato chegou até aqui, quem sabe o próprio, em carne e osso, não apareça! Fico pensando, como chegam a lugares quase impossíveis de se pisar. Tem moradores que nunca saíram dali, porque não tem acesso para sair. Mas o candidato chega lá! Como? Pergunta a Deus. Acho que se deixassem político brasileiro fazer campanha no sistema solar, com certeza ia procurar eleitor em Marte. Ia chegar primeiro que a NASA. Por que estou aqui com pensamentos improdutivos? Viaja cara! Viaja!”
          Olhei para o casal. Telma sorriu e entrou na choupana. O marido a seguiu. Fiquei olhando até sumirem dentro do lar doce lar. –“Meus únicos vizinhos e me deixam sozinho.” – pensei, sem achar solução para isso. Ele fez aquela encenação toda quando viu o pôster, mas acho que ele não quer sair mais daqui. Acho que nem precisa. Casa, mulher e sossego. Não vai ter mais conta pra pagar. Não vai ter vizinho pra encher o saco. O que vai querer mais? De repente deve estar até pensando em como me ajudar a sair daqui. Se livrar de mim, acho que não vai acontecer. Se bem que ele deve estar se sentindo ameaçado. O seu território foi invadido. Dois machos e uma fêmea. Ele vai arranjar um jeito para se livrar de mim. Será que vai ter coragem de me matar? Acho que não. Será que não? Tenho que ficar de olho aberto. Eu sei que não faria nada contra ele. Só isso eu tenho certeza. O cara pode ter fugido para essa ilha. A gente nunca sabe o que vai no coração do outro. Tenho que ficar esperto.
           Fui até a água. Hoje estava mais fria do que de costume. Olhei para àquela imensa pedra à minha frente e pensei: aqui está a minha fronteira. Sem mais nem menos tive uma ereção. O que foi isso? Não estava pensando na mulher de Tibúrcio. Sou um cara sério. Tenho que refrescar a cabeça. Me joguei de corpo e alma naquela água fria. Acho que vou tentar ser monge. Muitas pessoas já conseguiram, mas eu acho que não tinha mulher por perto. Sem mulher é fácil. Mas vou tentar. Vou começar o mais rápido possível. A meditação é o caminho. Meditar e água fria.
         A mulher é bem diferente do homem. A gente sempre ver a mulher como uma pessoa complicada e confusa. Completamente vaidosa, que só se preocupa com o seu umbigo. Essa é a visão machista. Mas a mulher é capaz de se despir dos prazeres mundanos, para cuidar dos filhos e do marido, principalmente quando este está doente. É capaz de se abster de sexo, de qualquer tipo de prazer, para cuidar da sua prole. O homem é diferente. Se o pênis sobe, desce o raciocínio. Se nesse momento a cabeça pensante pensa pouco, o que é capaz de fazer a que não pensa? Um sujeito me contou sobre um caso num velório. Era um velório da mãe de um amigo. Ela estava sendo velada e os filhos estavam a sua volta. Se não me engano, eram quatro filhas e um filho. As mulheres não desgrudavam do caixão. O rapaz saiu para dar uma refrescada no seu coração. Estava com o coração apertado. Pegou a lateral da capela e foi até os fundos do prédio. Disseram que tinha uma sala com café. Não achou nenhuma sala, mas encontrou uma faxineira. Trocaram apenas um olhar e quando ele deu conta, já tinha dado uma rapidinha. Trepou em cima de uma lápide mais próxima. Ficou apavorado achando que a mulher era alma de outro mundo. Inventou uma desculpa, para tentar explicar o que não podia explicar. Voltou rápido para o lado da mãe. Tinha comido, mas não sabia como podia ter acontecido aquilo no enterro da própria mãe.Confidenciou isso a esse amigo. Por que é que estou pensando nisso agora? Acho que era sobre a história do homem e da mulher. Estou tentando culpar o homem e colocando a mulher no pedestal. Mas a faxineira engatou o cara. Ela desce do pedestal. Mas ela não estava velando ninguém. Nem a sua mãe, nem o seu filho... Volto com a mulher para o pedestal. Mas o homem é um reprodutor. Foi alguém que fez ele assim. Só tem que ter a cabeça equilibrada. Mas quando equilibra muito, a mulher reclama. Então... Vou tirar a mulher do pedestal. O homem tem que ficar a postos. A bandeira tem que ficar hasteada. Se o mastro cair, a sua vida despenca.
         Estou me dando conta que estou me preocupando com coisas que não vão me tirar daqui. Não posso me desviar do foco. A minha meta é sair desse lugar. E eu tenho que encontrar um jeito. Eu fui parar aqui sem querer e sem saber como, agora tenho que tentar descobrir o caminho de volta. Não posso demorar muito a sair daqui, senão vou encontrar outro na minha cama. Mas também não posso ficar paranóico e esquecer de viver. Claro que vou pensar sempre em um jeito de sair. Quero voltar pra casa. Entretanto esse mundo que estou vivendo, é agora o meu mundo. É pequeno, mas é onde a minha vida está cravada. E é o único que eu tenho no momento.Como nada pára, tenho que continuar indo em frente. Falando em ir em frente, tenho que saber o que tem do outro lado dessa pedra. Para isso eu tenho que nadar. Essa é a grande barreira: eu nado muito pouco. Tibúrcio disse que nada bem. Ele até falou, mas não foi muito convincente. Acho que ele não vai largar esse paraíso.Ele está aqui a mais tempo do que eu, por que não foi até o outro lado do rochedo? Acho que não tem interesse nenhum. Mas eu tenho. E vou tentar sair daqui de qualquer jeito.
          Esse político não deixa de olhar pra gente e não tira o sorriso da boca. Que saco! Vou pisar nesse merda! Veja só! Esse troço não rasga! Vou pisar mais. Continua sorrindo. Mas por que estou perdendo tempo com isso? O cara está longe e nem sabe da minha existência! O mais simples é não me preocupar com ele. Não voto nele. E pelo jeito, não vou votar em ninguém. Aqui até que se tem uma vantagem. Não preciso de vereador, prefeito, deputado, senador, presidente... Não preciso de político nenhum! Às vezes fico preocupado, na época da campanha, com esses políticos. Mandam correspondência. Ligam pra você. Sabem tudo da sua vida. Passam por você, dão um sorriso largo, abraçam e cumprimentam. Parece que conhecem você desde o outro carnaval. Se chegam com a maior intimidade. Depois... Só na próxima eleição que volta a conhecê-lo. Reconhece você e todo mundo. Que memória! Mas agora, não sabem mais da minha existência. Acham que morri. Mas essa situação pode ser perigosa. Às vezes morto vota. Ou votava? Tem a impressão digital... Mas político tira até água em pedra na lua. Têm muitas vantagens em ficar aqui, mas eu quero ir embora. Eu tenho pressa. Vou ter que voltar para o sacrifício. Tenho que cumprir meus deveres.
          O meu pequeno mundo parecia não se importar comigo. Alguns pássaros passavam por mim e iam para o bebedouro. Nós facilitamos a vida deles, mas isso não alterou em nada a nossa convivência. Pensei que naquele lugar tão pequeno poderíamos nos aproximar. Mas eles queriam distância de mim. Eles embelezavam a ilha e meus dias, era verdade, mas o que é que eu poderia querer mais? Tentei pegar algum para domesticar, mas não consegui nada.
          Observava todos os bichos. Até a famigerada cobra eu encontrei. Eu achei que era a mesma que tinha me mordido. Senti vontade de dar uma porrada nela. Podia acabar com ela num piscar de olhos. Mas acabei ficando com medo que ela me mordesse de novo.
         Uma tartaruga bem grande chegou à nossa praia. Pelo jeito que chegou, ali devia ser o seu local de postura. Perdi um tempão apreciando ela subir àquela pequena faixa de areia. Foi até bem próximo da vegetação e cavou um buraco. Ali depositou uma quantidade enorme de ovos. Depois tapou o buraco e voltou tranquilamente para o mar. Tive vontade de roubar alguns ovos e comê-los bem fritos. Mas alguma coisa travou esse pensamento. A natureza já vinha me dando tanta coisa, por que roubá-la? Deixei tudo do jeito que estava. Como poderia fritar alguma coisa, se não tinha fogo?
        Eu estava sentado na cara da política. Nesse momento pensei: eu e a maioria dos brasileiros estamos de saco cheio com essa cambada de políticos safados. A minha revolta era tanta, que para mostrar a minha indignação, dei um peido na cara do político. Entretanto levantei rapidamente, porque o cheiro estava insuportável. E o cara continuava rindo. Aí, não sei o porquê, pensei nos ovos da tartaruga. Podia comer alguns crus. Acho melhor não. Vou fazer a minha pescaria diária. Tibúrcio não está pescando quase nada. O casal não está quase saindo da toca. Lá dentro está melhor do que aqui. Já estou cansado de comer peixe cru, siri cru, camarão cru e o que mais aparecer. E nesse momento estou pensando que o fogo foi descoberto há tanto tempo e eu estou aqui comendo tudo cru. Eu não sei fazer fogo! Como pode isso? Estou no século vinte e um! Mas... Fazer fogo não é fácil! Nunca parei pra pensar nisso antes. É complicado. Mas não vou desistir enquanto não conseguir fazer fogo. Tenho que fazer. É uma questão de honra. Vou bater pedra com pedra. Vou esfregar um graveto em algum pedaço de madeira maior, até conseguir. Só que já tentei isso tudo e nada consegui. Nada deu certo. E agora? Vai ser mais um dia comendo frutas e frutos do mar. E é mais um dia que caminha para o repouso.

        Dormi bem. Mas também não tem motivo para não dormir. Acho que não tenho. A manhã estava chegando, mas não se desgrudava da noite. Eu até pensei que tinha dormido pouco. Olhei pra fora da minha choupana e fiquei surpreso com a cor do dia. Eu sabia que tinha amanhecido, porque o sol já aparecia no horizonte. Mas em cima da ilhota era quase noite. Olhei e me assustei. A chegada de um temporal era evidente. Tibúrcio estava também do lado de fora da sua choupana. Falou comigo que até aquele dia, ainda não tinha pegado nenhuma chuva por ali. Perguntei assustado como iria ficar as nossas choupanas, se chovesse. Sorriu e pediu para que o acompanhasse. Me levou até a nascente e me mostrou uma pedra próxima. Contornamos essa pedra, que parecia um boné. Atrás dela tinha uma vegetação que escorria até o chão. Tibúrcio abriu os cipós que se penduravam e, pra minha surpresa, apareceu uma pequena caverna. Mesmo não sendo profunda, dava para abrigar nós três. Ali estaríamos protegidos de qualquer intempérie. Ali seria nosso abrigo. Voltamos para a praia. Um ventinho chato começou a levantar areia. As nuvens pareciam mais pesadas. O som de uma trovoada chegou até nós. Por enquanto não dava para assustar. Mas tínhamos que nos apressar em sair dali. Raios começaram a riscar o céu. Outros estrondos foram ficando mais próximos. De repente pingos grossos começaram a cair. A chuva tinha chegado. Corremos para o nosso abrigo. Telma estava com medo. Foi para um canto e começou a rezar. Os estrondos foram aumentando. Com certeza um raio caiu bem próximo. A ilha parecia que estava explodindo. Era muita chuva, vento forte, raios e trovões. Fiquei com muito medo também. Pensei até que não passaria daquele dia. E foi um dia inteirinho de medo. Para fechar aquele quadro, um raio caiu em cima da ilha. Achei que a ilha fosse afundar. Mas resistiu. Depois dessa barulheira toda, veio um silêncio que causou até arrepios. Ficamos com medo de sair. Passado algum tempo, ouvimos um pássaro cantando. Tibúrcio afastou alguns cipós e uma ponta de luz invadiu a caverna. Finalmente o sol tinha dado às caras. Meio receosos saímos do abrigo. Deparamos logo com algumas palmeiras tombadas no caminho. Contornamos e deparamos com mais duas árvores caídas. Telma observou uma trilha de areia que passava na frente da nascente. Depois se esticava por dentro do bosque. Parecia que atravessava toda ilha. Com certeza o mar tinha lavado a ilhota. O capim estava penteado, misturado com areia. Isso não deixava dúvida da invasão do mar. Sorte que a água não entrou na caverna. Depois observamos que ali era um pouco mais alto. Já que não podíamos morar na micro caverna, tínhamos que arranjar algum lugar que nos abrigasse com segurança. Até que uma pessoa só podia ser moradora dali. E eu era o candidato. Só tinha que arranjar alguma coisa que pudesse fazer de porta. Isso para não ser surpreendido por algum bicho.
                                 Continua semana que vem...

terça-feira, 3 de novembro de 2015

UM NÁUFRAGO EM ALGUM LUGAR DA BAÍA - Parte 6

Continuando...
                Percebi que Tê tinha ficado com pena de mim. Mas mesmo assim insistiu para que eu tivesse coragem e comesse o dito cujo. A força que ela deu não evitou que o meu estomago desse um nó. Pensei que fosse vomitar. Respirei fundo e pedi para deixar para mais tarde. Quem sabe o meu estomago melhorasse. Então ela me ofereceu uma fruta. Não conhecia, mas aceitei. Disse que também não conheciam, mas só comeram porque viram alguns pássaros comendo. Até que estava bem docinha e desceu bem.
        Alguns dias se passaram até eu conseguir me recuperar totalmente. Milagrosamente tinha até conseguido comer o peixe cru. Mas não foi de primeira. Não vou negar que vomitei. Não sei como conseguem dizer que é uma coisa maravilhosa. De repente enchendo de molho shoyo e bebendo cachaça ou saque, o bicho consegue escorregar pela garganta. Mas consegui e isso foi importante para me manter sadio. Mas continuo sem gostar.
       Construímos alguma coisa parecida com um cesto.  Trançamos folhas de coqueiro e acabamos conseguimos o tal utensílio. Usamos como armadilha para pegar camarão. Se realmente fossemos depender daquilo para pegar camarão, estávamos em maus lenções. Eu acho que o bicho pulava para dentro do cesto. E acabamos pegando também siri. Mas fomos soltando todos. Comer siri cru é dose. Falei com eles para a gente secar os peixes e camarões. Então limpamos os peixes e colocamos em cima de uma pedra para secar. Colocamos junto o camarão. Era só esperar e torcer para que ficasse bom.
     Sugeri que limpássemos a área da nascente. Desobstruímos o caminho, deixando-o liberado dos arbustos que atrapalhava o acesso. Depois fizemos dois reservatórios revestidos de pedra. Um para nós e outro para os pássaros e outros animais. O nosso, ficou coberto com galhos e folhas de coqueiro. O outro bebedouro ficou descoberto, mas afastado do nosso. O caminho da areia até a nascente, nós calçamos com pedras pequenas. Como tínhamos tempo de sobra, caprichamos na obra.
        Já tinha perdido o tempo que estava ali. Dormíamos praticamente ao relento. Em cima de folhas de coqueiro. E nos cobríamos com elas. Sugeri a Tibúrcio que construíssemos uma choupana. Ele era habilidoso e rapidamente fizemos duas. Uma em cada extremidade da faixa de areia. Com isso não precisei mais ir para o outro lado da ilha. Isso acontecia quando percebia que estava rolando algum clima. Era duro, mas respeitava. Ela era uma mulher bonita e jovem. Tentava não pensar em nada, mas era difícil. De vez em quando me pegava pensando no futuro. E se ficássemos ali para sempre? Será que ele ia aceitar dividir a mulher comigo? Seria o resto da vida. Mas se o resto, de repente, fosse curto? Com o pouco que a ilha tinha para nos oferecer, será que íamos sobreviver por muito tempo? Mas por outro lado, podíamos durar muito tempo. O ser humano se adapta a condições mais adversas. De repente ficaríamos velhinhos. Então tinha que ter um acordo em relação à mulher. Mas os princípios que sempre abracei? Veio logo à minha cabeça: não cobiçai a mulher do próximo. Eu tinha que mudar o foco. Tinha que tentar sair dali. Já estava até pensando em dar a volta no rochedo e conhecer o outro lado. O negócio seria nadar. Nunca fui um bom nadador. E aí? Nunca perguntei a Tibúrcio se ele sabia nadar. Ia fazer isso. Mas naquele momento ele tinha entrado para a sua choupana. Procurei me afastar. Fui para a outra ponta. Sentei numa pedra que estava na beira da água. Fiquei ali apreciando o mar, que parecia infinito. Fiquei com os pés mergulhados na água. A temperatura estava ótima. Aquilo estava me dando um prazer danado. Pra completar um peixinho começou a morder a sola do meu pé. Comecei a sentir cócega, mas agüentei. E foi aumentando a quantidade de peixes. Já estavam disputando os dois pés. Me deu um acesso de riso, que ecoou por toda a ilha e fugiu para o oceano. Devem ter ouvido na África. Mas Tibúrcio e a mulher não apareceram. Naquele momento estavam surdos. Grande momento de surdez. Retirei os pés da água. Que peixe seria aqueles que gostavam de roer pés? Acho que chulé naquele momento eu não tinha. Descalço o tempo todo. Mudei de pedra. Quando fui botar os pés dentro d’água novamente, observei entre duas pedras mais à frente, alguma coisa brilhando. Entrei com cuidado dentro d’água. Fui até as duas pedras. Era um desses dias em que a maré estava bem calma e que se tinha a sensação que a ilha estava dentro de um lago. Naquele momento, daquele lado da ilha, podia-se entrar no mar sem medo algum. Cheguei ao local. Era um papel que estava boiando. Peguei-o e virei. Qual não foi a minha surpresa: era uma propaganda política. A cara do candidato ria pra mim. Era candidato a deputado federal. O nome... Era um dos mesmos. Não importa o nome. São tão iguais. Olham pra gente, riem e por trás desse riso, nos chamam de babaca. Como chegou até ali? Os políticos chegam até onde Deus duvida. Mas também só em época de eleição. Depois, não encontram mais o caminho. Levam quatro anos procurando. E só voltam a encontrar na eleição seguinte. E lá estão eles com os mesmos discursos. Em quatro anos não fazem nada e, parecem que estão se candidatando pela primeira vez, as promessas parecem novas. É um mundo interessante esse. Nunca ouvi falar que político tenha tido depressão. Isso é coisa para povo. E suicídio? Só quando alguém quer tirar o pão da sua boca. Mas isso é coisa rara. No período de democracia isso não acontece. Nesse período o banquete é para todos. Ninguém fica com fome. Tudo é repartido. Já o povo... Parei de pensar. Fui correndo procurar Tibúrcio. Mas parei no caminho. Fui para a minha choupana e esperei. Demorou um pouco. Telma saiu primeiro. Foi até a água e mergulhou. Não quis sair. Fiquei só apreciando. Estava feliz. Tibúrcio foi ao seu encontro. Ficaram algum tempo se banhando. Aí resolvi sair. Fui com a propaganda política enrolada. Era um papel plastificado. Coisa boa. Não se desfez. Do jeito que tirei da água, estava intacto. Ele me viu com o rolo na mão, foi ao meu encontro, junto com Telma.
         - O que é isso, cara? – perguntou, mas já quase pegando da minha mão.
         - Olha o que eu achei.
           Quando ele abriu e viu o que se tratava. Uma chama de esperança brilhou nos seus olhos.  Disse emocionado:
         - Rapaz! Se isso chegou até aqui, devemos estar perto da civilização!
         - E você acredita em político? - perguntei com uma ponta de deboche.
         -Mas esse é de papel. - respondeu com um pingo de tristeza.
         - Cara! Pra não perder a boquinha, o político vai até aonde Deus duvida! Peguei e não sei para quê. Acho que vou devolver para o mar.”
         - Não. Não. Vamos colocar para secar... Nem sei se precisa. Parece que está seco. De repente serve para alguma coisa. Que coisa, não sei.
         Concordei com ele. Realmente era bastante papel. Será que ia servir para alguma coisa? Fiquei olhando para a cara do sujeito e pensei.

      - Uma porção de candidato fica dizendo que quer acabar com a corrupção no país. Faz o maior alarde e, quando eleito, nada faz. Corrupto não prende corrupto. Só não pode entrar onde está o outro. Não pode atrapalhar, senão sai morte. A realidade é que todos se protegem. Mas acho que deve ter uma saída. Não deve ser tão difícil assim prender um corrupto. Ah! Se fosse na China! Qual seria o candidato... Teria muita família pagando a bala ao estado. Mas como a gente não está na China... Já está provado que nem cadeia segura corrupto.  Vide os últimos acontecimentos. Eu nunca vi alguém pedir para se aposentar, devido a ameaças de partido político. Ninguém fez nada. Aonde estão os mascarados que estavam nas ruas pedindo alguma coisa, que até agora eu não sei, e nada fizeram a respeito disso?  Meu povo! Esses corruptos, e foram condenados por isso!,já estão na conta de injustiçados e são considerados heróis! Se a gente não abrir os olhos, vão ser canonizados! Serão novos santos? E nós? Seremos queimados vivos pela inquisição.
                                    Continua semana que vem... 

quinta-feira, 29 de outubro de 2015

UM NÁUFRAGO EM ALGUM LUGAR DA BAÍA - Parte 5

Continuando...
            Pensei em entrar na mata. Depois resolvi completar a volta na ilha. Logo de cara encontrei outro paredão. Parecia mais complicado. Não tinha como subir. Não descobri como escalá-lo naquele momento. Ele era um pedregulho liso e pontiagudo que entrava no mar. Aparentemente não dava nem para contorná-lo. Era um baita desafio. Ainda mais pra mim, que nunca havia escalado nada na vida. Quase recuei. Ia entrar na mata, mas senti que tinha que encarar aquela pedreira. Fiquei observando para tentar encontrar alguma saída. Procurei um bocado. Não podia abandonar aquele desafio. Não sabia quanto tempo ia ficar por ali. Tinha que preencher os segundos do meu dia. E aquele era o primeiro.Tentei ir pelo mar, mas não consegui. Ondas fortes batiam naquele lado da ilha. Se não fosse aquele dique natural, a ilhota ia ser varrida pelas ondas. Tinha a parte que entrava pela mata. Estava escura. Acabei tendo que ir para o lado da mata. Fui olhando ponto por ponto. Não queria abandonar de cara aquele primeiro e real desafio. A primeira pedra, até chegar ali, não foi muito difícil. Ali sim estava meio complicado e eu não estava querendo recuar. Tinha que subir de qualquer jeito. Fui tateando. De repente senti que tinha uma fenda na pedra. Na realidade eram duas pedras. A fenda era apertada, mas dava para entrar. Estava um breu. Fui entrando cautelosamente. Fiquei preocupado se o estreitamento não desse para eu continuar. Como voltar? Poderia ficar entalado. Era muito apertada para fazer a volta. Arrisquei e fui em frente. Fui arranhando os ombros, mesmo com o maior cuidado. Não sei o porquê, mas não passava pela minha cabeça desistir. Depois de um trecho apareceu uma pequena claridade. Dava para enxergar alguma coisa. E o facho de luz vinha por baixo. Cheguei até esse ponto. Parecia que não poderia continuar. Mas arriei para ver o tal buraco. Era apertado, mas dava para passar. O difícil foi arriar. Tive que descer de lado. Sorte que embaixo era mais largo. Me deitei e fui entrando no pequeno túnel. Fiquei aliviado ao sentir mais presença de luz e que ele não passava de dois metros de extensão. Já do outro lado, respirei mais aliviado. O espaço era bem mais folgado. Logo à frente encontrei um pouco de vegetação. Ela despencava dos lados das pedras. Fui passando e me enrolando nessas trepadeiras. De repente senti que alguma coisa picou o meu braço. Não deu para ver o que era. Começou a esquentar o local. Acelerei para sair o mais rápido possível dali. Pensei rapidamente que a aquela pequena aventura podia me custar caro. A claridade já tinha aumentado bastante. Vislumbrei a ponta do mar. Me lembro que saí perto de uma árvore. Não vi mais nada. Acordei não sei quanto tempo depois. Ao abrir os olhos levei o maior susto. Tinha um par de olhos negros colado na minha cara. Tentei falar alguma coisa, mas uma mão fina e suave tapou a minha boca. Depois disse.
          - Não gaste energia. Fique calmo. Agora você está bem.
          Será que tinha morrido? Parecia um anjo. Não tentei falar mais. Depois tirou a mão da minha boca e colocou um pano molhado na minha testa. Estava me sentindo completamente sem forças. De relance observei que tinha alguém em pé do lado da mulher. Mas não consegui levantar mais os olhos e apaguei. Não sei quanto tempo eu fiquei apagado novamente. Quando acordei de novo, estava sozinho. Será que estava delirando? Como ia ter mais alguém naquela minúscula ilha? Se tivesse, eu tinha encontrado logo na chegada. E esse pano úmido na minha testa? Como explicar isso? Tenho que tentar me levantar.
          - Fique deitado. Você está muito fraco.
          Uma voz suave chegou até aos meus ouvidos. Que som maravilhoso. Era um bálsamo. Não tinha sido delírio. Tinha gente de carne e osso ali comigo. Olhei para onde veio o som e lá estava uma deusa. Era uma visão maravilhosa. Eu estava no céu. Ela estava sentada numa pedra, que parecia o seu trono. Olhei sem nada falar. Fiquei com medo que a visão sumisse. Ela ficou de lá me olhando. Ainda me sentia cansado. Fechei os olhos. Acho que dormi novamente. Acordei com alguém colocando mais um pano molhado na minha testa. Dessa vez, me assustei, não era a deusa, ou fada, ou sei lá. Era um homem moreno. Ele sorriu amigavelmente. Tentei sorrir também. Aí ele falou para a moça.
     - Tê, acho que a febre passou. Finalmente.
          Ela se levantou lá do seu trono e caminhou até a mim. Colocou a mão na minha testa, sorriu e confirmou o que o rapaz tinha falado.
           - Puxa! Graças a Deus! Pensei que ele não fosse resistir!
           - Mas resistiu. Pega um pouco de água de coco pra ele. Vamos ver se já consegue comer alguma coisa também. Pelo menos a poupa de coco.
          - Não é melhor esperar um pouco mais?
          - Não. Ele já está muito fraco. Ele só tem bebido água e água de coco.
          Fiquei olhando eles conversarem. Realmente a minha fraqueza era muita. Parecia que não tinha sobrado força alguma. Pelo menos consegui abrir a boca e comi a poupa de coco. Pareceu um manjar dos deuses. Bebi mais um pouco d’água. Acho que dormi de novo. Acordei com o sol se pondo. Os meus novos amigos estavam do meu lado. Sorriram pra mim e perguntaram se estava me sentido melhor. Retribuí o sorriso e balancei a cabeça afirmativamente. Depois consegui falar.
        - Posso me sentar?
        - Claro. Claro que pode. - respondeu o rapaz.
        Os dois me pegaram pelos braços e me colocaram sentado.  A mulher olhou pra mim e comentou.
         - Agora você está com uma cor boa. Parece que o sangue voltou a circular. Cara você estava com uma cara de...
         - De quê? Fala! Pode falar!
         - Você estava pálido. Parecia realmente que você estava sem sangue. Parecia um defunto.
         - Então a coisa ficou ruim pra mim.
         - Muito. Muito meu irmão. – respondeu o rapaz.
         - Quantos dias eu estou assim?
         - Essa vai ser a terceira noite. Pelo menos duas noites você delirou muito. Falou de uns amigos. De um barco. Pescaria...
        - Isso mesmo, eu estava pescando. Puxa vida!
        - Vê se não gasta energia. Procure ficar calmo. Vê se não vai atrapalhar a sua recuperação. A febre já foi até embora.
        Ela falou e colocou a mão na minha testa. Depois comentou com o rapaz.
        - Realmente está completamente sem febre.
        - Quem são vocês? Não estou sonhando?
        - Claro que não. Somos de carne e osso igual a você. Meu nome é Tê e o do meu marido e Ti.
        - Tê e Ti?
        - Telma e Tibúrcio.
        Estiquei a mão e me apresentei.
        - Prazer: Marco. Marco Aurélio. O que aconteceu comigo?
        Tibúrcio respondeu logo.
        - Não temos certeza, mas parece que você foi picado por alguma cobra. Se foi cobra, nem sabemos que tipo. Pra você ter resistido, não deve ter sido alguma menos venenosa. Acho que você deve ter saído daquela brecha. Como é que você passou por ali? Nós achamos você caído perto daquela árvore.
       Fiquei olhando para eles sem saber se agradecia primeiro ou se perguntava como eles foram parar ali. Agradeci é claro! E eles, antes que eu perguntasse, quiseram saber como foi que cheguei. Disse que me lembrava de ter caído do barco, num redemoinho. Eles se olharam e depois quiseram saber aonde tinha sido. Respondi que tinha sido próximo da ilha de Paquetá. Tibúrcio nem deixou que eu falasse mais alguma coisa, me interrompeu falando pra mulher.
 - Tê! Foi perto de onde nosso barco virou! De repente foi o mesmo lugar, né?    
          -Vocês estavam pescando também? - perguntei.       
          - Não. Estávamos só passeando. Disseram que não tinha nenhum perigo, então aluguei um pequeno barco a remo e fomos passear. Nós estávamos hospedados numa pousada.
          - Tem muito tempo? –fiz mais uma pergunta.
          - O tempo certo não sabemos. De repente mais de um mês. Sei lá! A gente acaba perdendo a noção de tempo!
         - Puxa! Tem tempo à beça! Como é que vocês conseguiram sobreviver?
            Antes de responder ele olhou para a mulher. Sorriu e disse.
         - Tê achou água. Cara! Foi a maior sorte! Se não fosse isso, estávamos fritos! A gente só bebia água de coco! Sabe como foi? Ela seguiu uns pássaros que entraram no mato. Ficou observando os bichinhos por algum tempo. Você já observou como a vegetação é baixa, até chegar naquela pedra lá. Não é? Então, os pássaros foram pelo chão e sumiram atrás da pedra. Depois de algum tempo saíram e voaram para o alto daquela outra pedra.
          - E aí?
          - Ela resolveu entrar. Eu estava pescando lá naquela pedra que entra um pouco no mar. Nisso ela me gritou. Lá fui eu correndo assustado. Pensei que tivesse se machucado. Mas graças a Deus ela estava bem. Até sorria. Estava emocionada por alguma coisa. Que até ali eu não sabia. Me pegou pela mão e me puxou até aquela pedra. E lá foi que ela falou. Na verdade, nem falou, só apontou. Fiquei também emocionado. Acho até que chorei. Estávamos salvos. Vi escorrer pela pedra, um filete d’água. E embaixo formava uma pequena poça. Era lá que os bichos iam beber água. Por isso que essa ilhota tem pássaros. Depois vamos mostrar a você. Aquela pocinha, parace até um imenso lago! Guardando as devidas proporções, é claro!
          - Muito bom! Graças a Deus! Pensei que fosse morrer de sede aqui! Puxa vida! Que alívio! Depois eu vou lá! Você falou que estava pescando. Você tem material. É isso?
          - Não! A gente aproveita a maré! Foi na sorte que achamos um lugar excelente! Lá nas pedras, quando a maré baixa, ficam alguns peixes presos. Eu dei sorte que vi esse oásis. A nossa salvação. Falando em peixe, você precisa tentar comer um peixinho.
         - Será que consigo? Está bem fritinho?
         - Fritinho? Tê, trás o peixinho frito pra ele. Tem que comer tudo. Está precisando se fortalecer.
         A mulher de Tibúrcio atendeu prontamente. Trouxe um peixe numa folha de palmeira trançada. Olhei para o bicho e me arrepiei todo. Ele ainda estava vivo. Ela tirou de um buraco cheio d’água na areia. Depois me disse que sempre tinha algum ali de reserva. Caso não conseguisse pegar nenhum lá nas pedras, pelo menos já tinha algum garantido. Não soube identificar que peixe era. Mas também não tinha importância, peixe cru é peixe cru. Não ia alterar nada mesmo. O gosto é ruim mesmo. Torci o nariz. Me senti enjoado. Tibúrcio viu a cara de nojo que fiz e disse:
          - Poxa cara! Fica assim não! Pensa que é comida japonesa! Posso até arranjar algum graveto para você fazer um hashi!
             Respondi, mas com vontade de vomitar.
          - O problema é esse! Não gosto de comida japonesa! Tenho o maior nojo! Cara se eu botar isso na boca, eu acho que vomito na hora!

          - Eu também não era chegado. Mas acabei me acostumando. Nós não temos fósforos para acendermos fogo. Já até pensamos em colocar no sol para secar. Abrir os peixes e colocar em cima da pedra e deixar secar.
                                             Continua semana que vem...

terça-feira, 20 de outubro de 2015

UM NÁUFRAGO EM ALGUM LUGAR DA BAÍA - Parte 4

Continuando...
          O comandante se afastou um pouco da ilhota. Achou que deveríamos arriscar por ali mesmo. Não falou duas vezes, as linhas já estavam dentro d’água. Por incrível que isso possa parecer, mau as linhas caíram n’água, os peixes abocanharam todas as iscas. Foi um grito de alegria geral. O nosso manifesto ecoou pela baía. Até em um dos meus anzóis, caiu um peixe. Era o menor peixe espada. De quatro iscas só caiu um. Os outros se fartaram. Acho que o meu peixe era filhote. Fiquei com pena e soltei. Mas foi difícil tirá-lo do anzol. O bicho morde mais do que cachorro. Cheguei à conclusão que soltá-lo foi pior do que pescá-lo. Diga-se de passagem, não fui eu quem o tirou do anzol. Tive que esperar um dos amigos tirar os seus, para depois me prestar socorro. Antes de soltar o bicho, olhei para ele e senti um pouco de orgulho. Tinha conseguido pescar um. Os amigos não ficaram muito satisfeitos quando eu devolvi o peixe para o mar. Mesmo pequeno eles queriam ficar com ele. Não dei ouvidos e coloquei-o n’água. O bicho ficou de barriga para cima. Fiquei preocupado. Achei que ele não ia resistir. Ficou muito tempo fora d’água. Tentei virar ele de novo e nada. Mandaram-me pegá-lo novamente. Pensei. Pensei. Enquanto pensava algum peixe grande abocanhou o coitado. Sacanagem.
          Peguei algumas iscas e enfiei nos anzóis. Tentei jogar o mais longe possível. Não deu certo. A linha embaraçou nos meus pés. Com o tranco, perdi todas as iscas. Lá fui eu novamente preparar tudo de novo. Preferi jogar encostado do barco. Não quis arriscar. Todos estavam pescando com fartura. Os meus anzóis continuavam intocados. Às vezes um ou outro era beliscado, mas cair alguma coisa estava sendo bem difícil. Toda hora tinha que recolocar uma isca. E assim foi durante bastante tempo. Finalmente consegui pegar um. E esse era grandinho. Respirei aliviado e esperei alguém tirá-lo do anzol. Enquanto eu só tinha pegado aqueles dois, eles pegavam quatro por vez. A minha performance estava abaixo da crítica. Resolvi dar um tempo e fui tomar uma cerveja. Aproveitei e comi alguma coisa. Naquele momento já se podia saborear alguma coisa com sal. Fiquei bebericando e apreciando os amigos pescarem. Bebi algumas. Me estiquei um pouco no banco. Uma brisa morna começou a roçar a nossa embarcação. Depois aumentou um pouco de intensidade. Esfriou um pouco e ficou úmido. Aí comentei com o comandante, que o serviço de meteorologia não tinha falado a respeito de um vento assim. Comecei a sentir frio. E o vento continuava a aumentar. Mas os peixes não paravam de cair nos anzóis. Não precisávamos de mais pescados. Mas as pessoas querem sempre mais. E ninguém queria parar. Me encolhi num cantinho e continuei tomando a minha cerveja. Estava todo mundo empolgado com a pescaria. Mas ninguém estava percebendo aquele vento estranho. O barco começou a balançar. Olhei em volta e percebi que os barcos estavam se retirando. Avisei o que estava acontecendo, mas ninguém me deu ouvidos. Nem mesmo o comandante, que também estava pescando, deu bola para o que eu estava falando. Literalmente falando, foram palavras ao vento. Olhei em torno e constatei que somente o nosso barco continuava no local. O vento aumentou mais e os peixes pararam de cair nos anzóis. Aí sim é que eles se deram conta da situação. Um som de um motor pipocou no ar. Avistei um barco pequeno. Acho que esse era o último. Sinalizou pra gente e falou alguma coisa. Não entendemos nada. O barulho do vento abafou o som da sua voz. Depois fez alguns gestos com as mãos, como se tivesse mexendo uma panela. Isso nós fomos entender depois, que ele estava falando de um redemoinho. Realmente não demorou muito e o dito cujo se formou próximo de uma pedra. O comandante contestou o meu comentário. Disse que eu estava vendo fantasma. Que era tudo história. Nunca tinha ouvido falar que tivesse redemoinho em algum lugar por ali. Em poucos minutos a coisa aumentou e pegou o nosso barco, que começou a girar. O comandante ligou o motor e acelerou para sairmos o mais rápido possível dali. E foi nesse momento que me levantei. Nem sei como, mas já estava dentro d’água. O redemoinho já tinha me pegado. Os meus amigos nada puderam fazer. Em poucos segundos já tinha sido puxado para baixo. Fui sugado com uma velocidade imensa. Passei dentro de um buraco na pedra. Acho que apaguei. Quando abri os olhos, estava deitado numa praia de areia tão branca, fina e macia, que nunca tinha visto. Estava assustado, mas aliviado por estar vivo. O lugar não parecia grande. E não parecia nada, nada com a ilhota que estava. Olhei para um lado e para o outro e constatei que a extensão de areia não tinha mais de dez metros. Na frente desse lugar, afastado aproximadamente cinco metros, tinha um paredão de granito com mais de trinta metros de altura. Era um imenso bloco de pedra enterrado dentro d’água. Pelas laterais dava para ver que só tinha água. Então deveria estar numa ilha. A imensa pedra tinha muitas manchas brancas, até quase a linha d’água. Depois eu fui descobrir a causa da mancha. Aquela cor era devido a fezes de aves. Ali era uma grande concentração de ninhos. Tinha momento que o barulho era ensurdecedor.
            Comecei a caminhar pela areia. Fui para o lado direito. Eu estava de frente para a grande pedra. Fui andando naquele tapete alvo. Uma sensação gostosa tomou conta do meu corpo. Parei uns minutos para tentar absorver o máximo possível daquele prazer. Eu sabia que não ia ser fácil ficar num lugar sozinho e perdido. Não sabia quanto tempo os meus amigos levariam até me encontrar. Acreditava que não demorasse muito. Devia estar em alguma ilha por perto. Depois de pensar um pouco, continuei a caminhar. Fui até o final. A areia parava numa grande pedra. Na verdade a pedra atravessava de uma ponta a outra. Mas eu ainda não sabia que ali era o fim da ilha. Achava que do outro lado ainda tinha mais alguma extensão de terra. Para saber, tinha que escalá-la. E foi o que eu fiz. Devagarzinho consegui chegar ao cume. A vista era deslumbrante. Mas fiquei triste ao constatar que envolta só tinha água. A minha visão não vislumbrava mais nenhum ponto de terra. Quase que cai. Tremi dos pés a cabeça. O que fazer num ponto minúsculo, que não deveria ter água pra beber e nem comida? O medo de morrer me deixou apavorado. Não podia acreditar que Deus tinha me reservado um fim tão terrível. A minha respiração estava descompassada. Tinha que me acalmar. Morrer antes do tempo é que eu não ia. Tinha que lutar. Fui respirando fundo e soltando o ar vagarosamente. Depois de alguns minutos me senti melhor. Tinha que continuar. Comecei a descer do outro lado. Vi que tinha uma pequena faixa de aréia lá embaixo. Primeiro olhei para aquele mar verde e sem fim. Depois cuidadosamente fui descendo. Fiquei surpreso e contente quando observei que uma vegetação baixa aparecia entre algumas pedras menores. Coisa qu e lá de cima eu não percebi.Quando terminei de descer o pedregulho, minha alegria foi maior: um tapete de grama verde alface, com alguns arbusto floridos apareceu na minha frente. Consegui me livrar das pedras o mais rápido que pude. E a minha alegria foi maior, quando vi que no fundo havia uma mata fechada.  Pelo tamanho da ilha, claro que não era grande, mas naquele momento me pareceu uma floresta. Comecei escutar alguns pássaros cantando. Quando me aproximei eles levantaram vôo. Como eles chegaram até ali? Uma ilhota perdida em algum lugar, que eu nem podia imaginar onde seria. De repente eu sorri. Se tinha pássaro, tinha água doce. Só faltava achar. Eu sei que para chegar até ali não foi fácil. Aquelas pedras pontiagudas pelo caminho, tinham me deixado os pés sangrando. Estava descalço. Mas o importante é que tinha chegado ali. Fiquei pensando na areia fina que tinha do outro lado. Ali não tinha areia fechando a ilha. Aquela parte era mais alta e só tinha pedra, que parecia formar um dique. Pelo lado onde tinha areia, a imensa pedra protegia a ilhota das ondas. Desse lado era essa contenção de pedras menores que fazia esse serviço. Foi à conclusão que cheguei.
            Como fui parar ali? Eu estava no fundo da baía. Ali era o oceano sem fim. Que coisa misteriosa. Pelo jeito devem estar achando que morri. Daqui a pouco estarão rezando a missa de sétimo dia. Se realmente eu estivesse morto, pelo menos tentaria me manifestar em algum lugar. Iria tentar mandar uma mensagem por alguém. Mas vivo... Estou perdido. Mas se eu estiver morto? Não posso descartar essa hipótese. Será que estou do outro lado? Quem sabe num mundo paralelo! Posso estar em outra dimensão. Ou então tomei um porre! Isso! Depois da cagada de Carlos, tive que beber todas! As possibilidades são muitas para explicar a minha atual condição. E qual é a minha atual condição? Acho que é náufrago.

           Consegui atravessar esse mar de pedras e aqui estou eu olhando para essa mata que pode ser a minha salvação. Por que ficar parado? Fui caminhando até lá. Para minha alegria fui recebido por uma frondosa goiabeira. Carregadinha, carregadinha de frutos. Aí me dei conta que estava com fome. Peguei uma e saboreei. Vermelha. A que mais gosto. Se eu estou com fome, não estou morto! Já fiquei um pouco aliviado. Constatei que tinha outras fruteiras. Fiquei mais tranqüilo ainda quando vi uma palmeira. Estava carregadinha de coco da Bahia. Pelos menos tinha alguma água para saciar a sede. Beber só água de coco, não ia dar muito certo.Mas naquele momento era a única opção. Mas... Pensando bem, pássaro não bebe água de coco. Eu já tinha concluído que se tinha pássaro, tinha que ter água potável. Mas se não tivesse ali? De repente do outro daquele paredão de pedra. Se não achasse por ali, tinha que ir a nado até o outro lado do rochedo.
                             Continua semana que vem...