O comandante se
afastou um pouco da ilhota. Achou que deveríamos arriscar por ali mesmo. Não
falou duas vezes, as linhas já estavam dentro d’água. Por incrível que isso
possa parecer, mau as linhas caíram n’água, os peixes abocanharam todas as iscas.
Foi um grito de alegria geral. O nosso manifesto ecoou pela baía. Até em um dos
meus anzóis, caiu um peixe. Era o menor peixe espada. De quatro iscas só caiu
um. Os outros se fartaram. Acho que o meu peixe era filhote. Fiquei com pena e
soltei. Mas foi difícil tirá-lo do anzol. O bicho morde mais do que cachorro.
Cheguei à conclusão que soltá-lo foi pior do que pescá-lo. Diga-se de passagem,
não fui eu quem o tirou do anzol. Tive que esperar um dos amigos tirar os seus,
para depois me prestar socorro. Antes de soltar o bicho, olhei para ele e senti
um pouco de orgulho. Tinha conseguido pescar um. Os amigos não ficaram muito
satisfeitos quando eu devolvi o peixe para o mar. Mesmo pequeno eles queriam
ficar com ele. Não dei ouvidos e coloquei-o n’água. O bicho ficou de barriga
para cima. Fiquei preocupado. Achei que ele não ia resistir. Ficou muito tempo
fora d’água. Tentei virar ele de novo e nada. Mandaram-me pegá-lo novamente.
Pensei. Pensei. Enquanto pensava algum peixe grande abocanhou o coitado. Sacanagem.
Peguei algumas iscas e enfiei nos
anzóis. Tentei jogar o mais longe possível. Não deu certo. A linha embaraçou
nos meus pés. Com o tranco, perdi todas as iscas. Lá fui eu novamente preparar
tudo de novo. Preferi jogar encostado do barco. Não quis arriscar. Todos
estavam pescando com fartura. Os meus anzóis continuavam intocados. Às vezes um
ou outro era beliscado, mas cair alguma coisa estava sendo bem difícil. Toda
hora tinha que recolocar uma isca. E assim foi durante bastante tempo. Finalmente
consegui pegar um. E esse era grandinho. Respirei aliviado e esperei alguém
tirá-lo do anzol. Enquanto eu só tinha pegado aqueles dois, eles pegavam quatro
por vez. A minha performance estava abaixo da crítica. Resolvi dar um tempo e
fui tomar uma cerveja. Aproveitei e comi alguma coisa. Naquele momento já se
podia saborear alguma coisa com sal. Fiquei bebericando e apreciando os amigos
pescarem. Bebi algumas. Me estiquei um pouco no banco. Uma brisa morna começou
a roçar a nossa embarcação. Depois aumentou um pouco de intensidade. Esfriou um
pouco e ficou úmido. Aí comentei com o comandante, que o serviço de
meteorologia não tinha falado a respeito de um vento assim. Comecei a sentir
frio. E o vento continuava a aumentar. Mas os peixes não paravam de cair nos
anzóis. Não precisávamos de mais pescados. Mas as pessoas querem sempre mais. E
ninguém queria parar. Me encolhi num cantinho e continuei tomando a minha
cerveja. Estava todo mundo empolgado com a pescaria. Mas ninguém estava
percebendo aquele vento estranho. O barco começou a balançar. Olhei em volta e
percebi que os barcos estavam se retirando. Avisei o que estava acontecendo,
mas ninguém me deu ouvidos. Nem mesmo o comandante, que também estava pescando,
deu bola para o que eu estava falando. Literalmente falando, foram palavras ao
vento. Olhei em torno e constatei que somente o nosso barco continuava no
local. O vento aumentou mais e os peixes pararam de cair nos anzóis. Aí sim é
que eles se deram conta da situação. Um som de um motor pipocou no ar. Avistei
um barco pequeno. Acho que esse era o último. Sinalizou pra gente e falou
alguma coisa. Não entendemos nada. O barulho do vento abafou o som da sua voz.
Depois fez alguns gestos com as mãos, como se tivesse mexendo uma panela. Isso
nós fomos entender depois, que ele estava falando de um redemoinho. Realmente
não demorou muito e o dito cujo se formou próximo de uma pedra. O comandante
contestou o meu comentário. Disse que eu estava vendo fantasma. Que era tudo
história. Nunca tinha ouvido falar que tivesse redemoinho em algum lugar por
ali. Em poucos minutos a coisa aumentou e pegou o nosso barco, que começou a
girar. O comandante ligou o motor e acelerou para sairmos o mais rápido
possível dali. E foi nesse momento que me levantei. Nem sei como, mas já estava
dentro d’água. O redemoinho já tinha me pegado. Os meus amigos nada puderam
fazer. Em poucos segundos já tinha sido puxado para baixo. Fui sugado com uma
velocidade imensa. Passei dentro de um buraco na pedra. Acho que apaguei.
Quando abri os olhos, estava deitado numa praia de areia tão branca, fina e
macia, que nunca tinha visto. Estava assustado, mas aliviado por estar vivo. O
lugar não parecia grande. E não parecia nada, nada com a ilhota que estava.
Olhei para um lado e para o outro e constatei que a extensão de areia não tinha
mais de dez metros. Na frente desse lugar, afastado aproximadamente cinco
metros, tinha um paredão de granito com mais de trinta metros de altura. Era um
imenso bloco de pedra enterrado dentro d’água. Pelas laterais dava para ver que
só tinha água. Então deveria estar numa ilha. A imensa pedra tinha muitas
manchas brancas, até quase a linha d’água. Depois eu fui descobrir a causa da
mancha. Aquela cor era devido a fezes de aves. Ali era uma grande concentração
de ninhos. Tinha momento que o barulho era ensurdecedor.
Comecei a caminhar pela areia. Fui
para o lado direito. Eu estava de frente para a grande pedra. Fui andando
naquele tapete alvo. Uma sensação gostosa tomou conta do meu corpo. Parei uns minutos
para tentar absorver o máximo possível daquele prazer. Eu sabia que não ia ser
fácil ficar num lugar sozinho e perdido. Não sabia quanto tempo os meus amigos
levariam até me encontrar. Acreditava que não demorasse muito. Devia estar em
alguma ilha por perto. Depois de pensar um pouco, continuei a caminhar. Fui até
o final. A areia parava numa grande pedra. Na verdade a pedra atravessava de
uma ponta a outra. Mas eu ainda não sabia que ali era o fim da ilha. Achava que
do outro lado ainda tinha mais alguma extensão de terra. Para saber, tinha que
escalá-la. E foi o que eu fiz. Devagarzinho consegui chegar ao cume. A vista
era deslumbrante. Mas fiquei triste ao constatar que envolta só tinha água. A
minha visão não vislumbrava mais nenhum ponto de terra. Quase que cai. Tremi
dos pés a cabeça. O que fazer num ponto minúsculo, que não deveria ter água pra
beber e nem comida? O medo de morrer me deixou apavorado. Não podia acreditar
que Deus tinha me reservado um fim tão terrível. A minha respiração estava
descompassada. Tinha que me acalmar. Morrer antes do tempo é que eu não ia.
Tinha que lutar. Fui respirando fundo e soltando o ar vagarosamente. Depois de
alguns minutos me senti melhor. Tinha que continuar. Comecei a descer do outro
lado. Vi que tinha uma pequena faixa de aréia lá embaixo. Primeiro olhei para
aquele mar verde e sem fim. Depois cuidadosamente fui descendo. Fiquei surpreso
e contente quando observei que uma vegetação baixa aparecia entre algumas
pedras menores. Coisa qu e lá de cima eu não percebi.Quando terminei de descer
o pedregulho, minha alegria foi maior: um tapete de grama verde alface, com
alguns arbusto floridos apareceu na minha frente. Consegui me livrar das pedras
o mais rápido que pude. E a minha alegria foi maior, quando vi que no fundo
havia uma mata fechada. Pelo tamanho da
ilha, claro que não era grande, mas naquele momento me pareceu uma floresta.
Comecei escutar alguns pássaros cantando. Quando me aproximei eles levantaram
vôo. Como eles chegaram até ali? Uma ilhota perdida em algum lugar, que eu nem
podia imaginar onde seria. De repente eu sorri. Se tinha pássaro, tinha água
doce. Só faltava achar. Eu sei que para chegar até ali não foi fácil. Aquelas
pedras pontiagudas pelo caminho, tinham me deixado os pés sangrando. Estava
descalço. Mas o importante é que tinha chegado ali. Fiquei pensando na areia
fina que tinha do outro lado. Ali não tinha areia fechando a ilha. Aquela parte
era mais alta e só tinha pedra, que parecia formar um dique. Pelo lado onde
tinha areia, a imensa pedra protegia a ilhota das ondas. Desse lado era essa
contenção de pedras menores que fazia esse serviço. Foi à conclusão que
cheguei.
Como fui parar ali? Eu estava no
fundo da baía. Ali era o oceano sem fim. Que coisa misteriosa. Pelo jeito devem
estar achando que morri. Daqui a pouco estarão rezando a missa de sétimo dia.
Se realmente eu estivesse morto, pelo menos tentaria me manifestar em algum
lugar. Iria tentar mandar uma mensagem por alguém. Mas vivo... Estou perdido.
Mas se eu estiver morto? Não posso descartar essa hipótese. Será que estou do
outro lado? Quem sabe num mundo paralelo! Posso estar em outra dimensão. Ou
então tomei um porre! Isso! Depois da cagada de Carlos, tive que beber todas!
As possibilidades são muitas para explicar a minha atual condição. E qual é a
minha atual condição? Acho que é náufrago.
Consegui atravessar esse mar de
pedras e aqui estou eu olhando para essa mata que pode ser a minha salvação.
Por que ficar parado? Fui caminhando até lá. Para minha alegria fui recebido
por uma frondosa goiabeira. Carregadinha, carregadinha de frutos. Aí me dei
conta que estava com fome. Peguei uma e saboreei. Vermelha. A que mais gosto.
Se eu estou com fome, não estou morto! Já fiquei um pouco aliviado. Constatei que
tinha outras fruteiras. Fiquei mais tranqüilo ainda quando vi uma palmeira.
Estava carregadinha de coco da Bahia. Pelos menos tinha alguma água para saciar
a sede. Beber só água de coco, não ia dar muito certo.Mas naquele momento era a
única opção. Mas... Pensando bem, pássaro não bebe água de coco. Eu já tinha
concluído que se tinha pássaro, tinha que ter água potável. Mas se não tivesse
ali? De repente do outro daquele paredão de pedra. Se não achasse por ali, tinha
que ir a nado até o outro lado do rochedo.
Continua semana que vem...
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