quinta-feira, 29 de outubro de 2015

UM NÁUFRAGO EM ALGUM LUGAR DA BAÍA - Parte 5

Continuando...
            Pensei em entrar na mata. Depois resolvi completar a volta na ilha. Logo de cara encontrei outro paredão. Parecia mais complicado. Não tinha como subir. Não descobri como escalá-lo naquele momento. Ele era um pedregulho liso e pontiagudo que entrava no mar. Aparentemente não dava nem para contorná-lo. Era um baita desafio. Ainda mais pra mim, que nunca havia escalado nada na vida. Quase recuei. Ia entrar na mata, mas senti que tinha que encarar aquela pedreira. Fiquei observando para tentar encontrar alguma saída. Procurei um bocado. Não podia abandonar aquele desafio. Não sabia quanto tempo ia ficar por ali. Tinha que preencher os segundos do meu dia. E aquele era o primeiro.Tentei ir pelo mar, mas não consegui. Ondas fortes batiam naquele lado da ilha. Se não fosse aquele dique natural, a ilhota ia ser varrida pelas ondas. Tinha a parte que entrava pela mata. Estava escura. Acabei tendo que ir para o lado da mata. Fui olhando ponto por ponto. Não queria abandonar de cara aquele primeiro e real desafio. A primeira pedra, até chegar ali, não foi muito difícil. Ali sim estava meio complicado e eu não estava querendo recuar. Tinha que subir de qualquer jeito. Fui tateando. De repente senti que tinha uma fenda na pedra. Na realidade eram duas pedras. A fenda era apertada, mas dava para entrar. Estava um breu. Fui entrando cautelosamente. Fiquei preocupado se o estreitamento não desse para eu continuar. Como voltar? Poderia ficar entalado. Era muito apertada para fazer a volta. Arrisquei e fui em frente. Fui arranhando os ombros, mesmo com o maior cuidado. Não sei o porquê, mas não passava pela minha cabeça desistir. Depois de um trecho apareceu uma pequena claridade. Dava para enxergar alguma coisa. E o facho de luz vinha por baixo. Cheguei até esse ponto. Parecia que não poderia continuar. Mas arriei para ver o tal buraco. Era apertado, mas dava para passar. O difícil foi arriar. Tive que descer de lado. Sorte que embaixo era mais largo. Me deitei e fui entrando no pequeno túnel. Fiquei aliviado ao sentir mais presença de luz e que ele não passava de dois metros de extensão. Já do outro lado, respirei mais aliviado. O espaço era bem mais folgado. Logo à frente encontrei um pouco de vegetação. Ela despencava dos lados das pedras. Fui passando e me enrolando nessas trepadeiras. De repente senti que alguma coisa picou o meu braço. Não deu para ver o que era. Começou a esquentar o local. Acelerei para sair o mais rápido possível dali. Pensei rapidamente que a aquela pequena aventura podia me custar caro. A claridade já tinha aumentado bastante. Vislumbrei a ponta do mar. Me lembro que saí perto de uma árvore. Não vi mais nada. Acordei não sei quanto tempo depois. Ao abrir os olhos levei o maior susto. Tinha um par de olhos negros colado na minha cara. Tentei falar alguma coisa, mas uma mão fina e suave tapou a minha boca. Depois disse.
          - Não gaste energia. Fique calmo. Agora você está bem.
          Será que tinha morrido? Parecia um anjo. Não tentei falar mais. Depois tirou a mão da minha boca e colocou um pano molhado na minha testa. Estava me sentindo completamente sem forças. De relance observei que tinha alguém em pé do lado da mulher. Mas não consegui levantar mais os olhos e apaguei. Não sei quanto tempo eu fiquei apagado novamente. Quando acordei de novo, estava sozinho. Será que estava delirando? Como ia ter mais alguém naquela minúscula ilha? Se tivesse, eu tinha encontrado logo na chegada. E esse pano úmido na minha testa? Como explicar isso? Tenho que tentar me levantar.
          - Fique deitado. Você está muito fraco.
          Uma voz suave chegou até aos meus ouvidos. Que som maravilhoso. Era um bálsamo. Não tinha sido delírio. Tinha gente de carne e osso ali comigo. Olhei para onde veio o som e lá estava uma deusa. Era uma visão maravilhosa. Eu estava no céu. Ela estava sentada numa pedra, que parecia o seu trono. Olhei sem nada falar. Fiquei com medo que a visão sumisse. Ela ficou de lá me olhando. Ainda me sentia cansado. Fechei os olhos. Acho que dormi novamente. Acordei com alguém colocando mais um pano molhado na minha testa. Dessa vez, me assustei, não era a deusa, ou fada, ou sei lá. Era um homem moreno. Ele sorriu amigavelmente. Tentei sorrir também. Aí ele falou para a moça.
     - Tê, acho que a febre passou. Finalmente.
          Ela se levantou lá do seu trono e caminhou até a mim. Colocou a mão na minha testa, sorriu e confirmou o que o rapaz tinha falado.
           - Puxa! Graças a Deus! Pensei que ele não fosse resistir!
           - Mas resistiu. Pega um pouco de água de coco pra ele. Vamos ver se já consegue comer alguma coisa também. Pelo menos a poupa de coco.
          - Não é melhor esperar um pouco mais?
          - Não. Ele já está muito fraco. Ele só tem bebido água e água de coco.
          Fiquei olhando eles conversarem. Realmente a minha fraqueza era muita. Parecia que não tinha sobrado força alguma. Pelo menos consegui abrir a boca e comi a poupa de coco. Pareceu um manjar dos deuses. Bebi mais um pouco d’água. Acho que dormi de novo. Acordei com o sol se pondo. Os meus novos amigos estavam do meu lado. Sorriram pra mim e perguntaram se estava me sentido melhor. Retribuí o sorriso e balancei a cabeça afirmativamente. Depois consegui falar.
        - Posso me sentar?
        - Claro. Claro que pode. - respondeu o rapaz.
        Os dois me pegaram pelos braços e me colocaram sentado.  A mulher olhou pra mim e comentou.
         - Agora você está com uma cor boa. Parece que o sangue voltou a circular. Cara você estava com uma cara de...
         - De quê? Fala! Pode falar!
         - Você estava pálido. Parecia realmente que você estava sem sangue. Parecia um defunto.
         - Então a coisa ficou ruim pra mim.
         - Muito. Muito meu irmão. – respondeu o rapaz.
         - Quantos dias eu estou assim?
         - Essa vai ser a terceira noite. Pelo menos duas noites você delirou muito. Falou de uns amigos. De um barco. Pescaria...
        - Isso mesmo, eu estava pescando. Puxa vida!
        - Vê se não gasta energia. Procure ficar calmo. Vê se não vai atrapalhar a sua recuperação. A febre já foi até embora.
        Ela falou e colocou a mão na minha testa. Depois comentou com o rapaz.
        - Realmente está completamente sem febre.
        - Quem são vocês? Não estou sonhando?
        - Claro que não. Somos de carne e osso igual a você. Meu nome é Tê e o do meu marido e Ti.
        - Tê e Ti?
        - Telma e Tibúrcio.
        Estiquei a mão e me apresentei.
        - Prazer: Marco. Marco Aurélio. O que aconteceu comigo?
        Tibúrcio respondeu logo.
        - Não temos certeza, mas parece que você foi picado por alguma cobra. Se foi cobra, nem sabemos que tipo. Pra você ter resistido, não deve ter sido alguma menos venenosa. Acho que você deve ter saído daquela brecha. Como é que você passou por ali? Nós achamos você caído perto daquela árvore.
       Fiquei olhando para eles sem saber se agradecia primeiro ou se perguntava como eles foram parar ali. Agradeci é claro! E eles, antes que eu perguntasse, quiseram saber como foi que cheguei. Disse que me lembrava de ter caído do barco, num redemoinho. Eles se olharam e depois quiseram saber aonde tinha sido. Respondi que tinha sido próximo da ilha de Paquetá. Tibúrcio nem deixou que eu falasse mais alguma coisa, me interrompeu falando pra mulher.
 - Tê! Foi perto de onde nosso barco virou! De repente foi o mesmo lugar, né?    
          -Vocês estavam pescando também? - perguntei.       
          - Não. Estávamos só passeando. Disseram que não tinha nenhum perigo, então aluguei um pequeno barco a remo e fomos passear. Nós estávamos hospedados numa pousada.
          - Tem muito tempo? –fiz mais uma pergunta.
          - O tempo certo não sabemos. De repente mais de um mês. Sei lá! A gente acaba perdendo a noção de tempo!
         - Puxa! Tem tempo à beça! Como é que vocês conseguiram sobreviver?
            Antes de responder ele olhou para a mulher. Sorriu e disse.
         - Tê achou água. Cara! Foi a maior sorte! Se não fosse isso, estávamos fritos! A gente só bebia água de coco! Sabe como foi? Ela seguiu uns pássaros que entraram no mato. Ficou observando os bichinhos por algum tempo. Você já observou como a vegetação é baixa, até chegar naquela pedra lá. Não é? Então, os pássaros foram pelo chão e sumiram atrás da pedra. Depois de algum tempo saíram e voaram para o alto daquela outra pedra.
          - E aí?
          - Ela resolveu entrar. Eu estava pescando lá naquela pedra que entra um pouco no mar. Nisso ela me gritou. Lá fui eu correndo assustado. Pensei que tivesse se machucado. Mas graças a Deus ela estava bem. Até sorria. Estava emocionada por alguma coisa. Que até ali eu não sabia. Me pegou pela mão e me puxou até aquela pedra. E lá foi que ela falou. Na verdade, nem falou, só apontou. Fiquei também emocionado. Acho até que chorei. Estávamos salvos. Vi escorrer pela pedra, um filete d’água. E embaixo formava uma pequena poça. Era lá que os bichos iam beber água. Por isso que essa ilhota tem pássaros. Depois vamos mostrar a você. Aquela pocinha, parace até um imenso lago! Guardando as devidas proporções, é claro!
          - Muito bom! Graças a Deus! Pensei que fosse morrer de sede aqui! Puxa vida! Que alívio! Depois eu vou lá! Você falou que estava pescando. Você tem material. É isso?
          - Não! A gente aproveita a maré! Foi na sorte que achamos um lugar excelente! Lá nas pedras, quando a maré baixa, ficam alguns peixes presos. Eu dei sorte que vi esse oásis. A nossa salvação. Falando em peixe, você precisa tentar comer um peixinho.
         - Será que consigo? Está bem fritinho?
         - Fritinho? Tê, trás o peixinho frito pra ele. Tem que comer tudo. Está precisando se fortalecer.
         A mulher de Tibúrcio atendeu prontamente. Trouxe um peixe numa folha de palmeira trançada. Olhei para o bicho e me arrepiei todo. Ele ainda estava vivo. Ela tirou de um buraco cheio d’água na areia. Depois me disse que sempre tinha algum ali de reserva. Caso não conseguisse pegar nenhum lá nas pedras, pelo menos já tinha algum garantido. Não soube identificar que peixe era. Mas também não tinha importância, peixe cru é peixe cru. Não ia alterar nada mesmo. O gosto é ruim mesmo. Torci o nariz. Me senti enjoado. Tibúrcio viu a cara de nojo que fiz e disse:
          - Poxa cara! Fica assim não! Pensa que é comida japonesa! Posso até arranjar algum graveto para você fazer um hashi!
             Respondi, mas com vontade de vomitar.
          - O problema é esse! Não gosto de comida japonesa! Tenho o maior nojo! Cara se eu botar isso na boca, eu acho que vomito na hora!

          - Eu também não era chegado. Mas acabei me acostumando. Nós não temos fósforos para acendermos fogo. Já até pensamos em colocar no sol para secar. Abrir os peixes e colocar em cima da pedra e deixar secar.
                                             Continua semana que vem...

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