terça-feira, 3 de novembro de 2015

UM NÁUFRAGO EM ALGUM LUGAR DA BAÍA - Parte 6

Continuando...
                Percebi que Tê tinha ficado com pena de mim. Mas mesmo assim insistiu para que eu tivesse coragem e comesse o dito cujo. A força que ela deu não evitou que o meu estomago desse um nó. Pensei que fosse vomitar. Respirei fundo e pedi para deixar para mais tarde. Quem sabe o meu estomago melhorasse. Então ela me ofereceu uma fruta. Não conhecia, mas aceitei. Disse que também não conheciam, mas só comeram porque viram alguns pássaros comendo. Até que estava bem docinha e desceu bem.
        Alguns dias se passaram até eu conseguir me recuperar totalmente. Milagrosamente tinha até conseguido comer o peixe cru. Mas não foi de primeira. Não vou negar que vomitei. Não sei como conseguem dizer que é uma coisa maravilhosa. De repente enchendo de molho shoyo e bebendo cachaça ou saque, o bicho consegue escorregar pela garganta. Mas consegui e isso foi importante para me manter sadio. Mas continuo sem gostar.
       Construímos alguma coisa parecida com um cesto.  Trançamos folhas de coqueiro e acabamos conseguimos o tal utensílio. Usamos como armadilha para pegar camarão. Se realmente fossemos depender daquilo para pegar camarão, estávamos em maus lenções. Eu acho que o bicho pulava para dentro do cesto. E acabamos pegando também siri. Mas fomos soltando todos. Comer siri cru é dose. Falei com eles para a gente secar os peixes e camarões. Então limpamos os peixes e colocamos em cima de uma pedra para secar. Colocamos junto o camarão. Era só esperar e torcer para que ficasse bom.
     Sugeri que limpássemos a área da nascente. Desobstruímos o caminho, deixando-o liberado dos arbustos que atrapalhava o acesso. Depois fizemos dois reservatórios revestidos de pedra. Um para nós e outro para os pássaros e outros animais. O nosso, ficou coberto com galhos e folhas de coqueiro. O outro bebedouro ficou descoberto, mas afastado do nosso. O caminho da areia até a nascente, nós calçamos com pedras pequenas. Como tínhamos tempo de sobra, caprichamos na obra.
        Já tinha perdido o tempo que estava ali. Dormíamos praticamente ao relento. Em cima de folhas de coqueiro. E nos cobríamos com elas. Sugeri a Tibúrcio que construíssemos uma choupana. Ele era habilidoso e rapidamente fizemos duas. Uma em cada extremidade da faixa de areia. Com isso não precisei mais ir para o outro lado da ilha. Isso acontecia quando percebia que estava rolando algum clima. Era duro, mas respeitava. Ela era uma mulher bonita e jovem. Tentava não pensar em nada, mas era difícil. De vez em quando me pegava pensando no futuro. E se ficássemos ali para sempre? Será que ele ia aceitar dividir a mulher comigo? Seria o resto da vida. Mas se o resto, de repente, fosse curto? Com o pouco que a ilha tinha para nos oferecer, será que íamos sobreviver por muito tempo? Mas por outro lado, podíamos durar muito tempo. O ser humano se adapta a condições mais adversas. De repente ficaríamos velhinhos. Então tinha que ter um acordo em relação à mulher. Mas os princípios que sempre abracei? Veio logo à minha cabeça: não cobiçai a mulher do próximo. Eu tinha que mudar o foco. Tinha que tentar sair dali. Já estava até pensando em dar a volta no rochedo e conhecer o outro lado. O negócio seria nadar. Nunca fui um bom nadador. E aí? Nunca perguntei a Tibúrcio se ele sabia nadar. Ia fazer isso. Mas naquele momento ele tinha entrado para a sua choupana. Procurei me afastar. Fui para a outra ponta. Sentei numa pedra que estava na beira da água. Fiquei ali apreciando o mar, que parecia infinito. Fiquei com os pés mergulhados na água. A temperatura estava ótima. Aquilo estava me dando um prazer danado. Pra completar um peixinho começou a morder a sola do meu pé. Comecei a sentir cócega, mas agüentei. E foi aumentando a quantidade de peixes. Já estavam disputando os dois pés. Me deu um acesso de riso, que ecoou por toda a ilha e fugiu para o oceano. Devem ter ouvido na África. Mas Tibúrcio e a mulher não apareceram. Naquele momento estavam surdos. Grande momento de surdez. Retirei os pés da água. Que peixe seria aqueles que gostavam de roer pés? Acho que chulé naquele momento eu não tinha. Descalço o tempo todo. Mudei de pedra. Quando fui botar os pés dentro d’água novamente, observei entre duas pedras mais à frente, alguma coisa brilhando. Entrei com cuidado dentro d’água. Fui até as duas pedras. Era um desses dias em que a maré estava bem calma e que se tinha a sensação que a ilha estava dentro de um lago. Naquele momento, daquele lado da ilha, podia-se entrar no mar sem medo algum. Cheguei ao local. Era um papel que estava boiando. Peguei-o e virei. Qual não foi a minha surpresa: era uma propaganda política. A cara do candidato ria pra mim. Era candidato a deputado federal. O nome... Era um dos mesmos. Não importa o nome. São tão iguais. Olham pra gente, riem e por trás desse riso, nos chamam de babaca. Como chegou até ali? Os políticos chegam até onde Deus duvida. Mas também só em época de eleição. Depois, não encontram mais o caminho. Levam quatro anos procurando. E só voltam a encontrar na eleição seguinte. E lá estão eles com os mesmos discursos. Em quatro anos não fazem nada e, parecem que estão se candidatando pela primeira vez, as promessas parecem novas. É um mundo interessante esse. Nunca ouvi falar que político tenha tido depressão. Isso é coisa para povo. E suicídio? Só quando alguém quer tirar o pão da sua boca. Mas isso é coisa rara. No período de democracia isso não acontece. Nesse período o banquete é para todos. Ninguém fica com fome. Tudo é repartido. Já o povo... Parei de pensar. Fui correndo procurar Tibúrcio. Mas parei no caminho. Fui para a minha choupana e esperei. Demorou um pouco. Telma saiu primeiro. Foi até a água e mergulhou. Não quis sair. Fiquei só apreciando. Estava feliz. Tibúrcio foi ao seu encontro. Ficaram algum tempo se banhando. Aí resolvi sair. Fui com a propaganda política enrolada. Era um papel plastificado. Coisa boa. Não se desfez. Do jeito que tirei da água, estava intacto. Ele me viu com o rolo na mão, foi ao meu encontro, junto com Telma.
         - O que é isso, cara? – perguntou, mas já quase pegando da minha mão.
         - Olha o que eu achei.
           Quando ele abriu e viu o que se tratava. Uma chama de esperança brilhou nos seus olhos.  Disse emocionado:
         - Rapaz! Se isso chegou até aqui, devemos estar perto da civilização!
         - E você acredita em político? - perguntei com uma ponta de deboche.
         -Mas esse é de papel. - respondeu com um pingo de tristeza.
         - Cara! Pra não perder a boquinha, o político vai até aonde Deus duvida! Peguei e não sei para quê. Acho que vou devolver para o mar.”
         - Não. Não. Vamos colocar para secar... Nem sei se precisa. Parece que está seco. De repente serve para alguma coisa. Que coisa, não sei.
         Concordei com ele. Realmente era bastante papel. Será que ia servir para alguma coisa? Fiquei olhando para a cara do sujeito e pensei.

      - Uma porção de candidato fica dizendo que quer acabar com a corrupção no país. Faz o maior alarde e, quando eleito, nada faz. Corrupto não prende corrupto. Só não pode entrar onde está o outro. Não pode atrapalhar, senão sai morte. A realidade é que todos se protegem. Mas acho que deve ter uma saída. Não deve ser tão difícil assim prender um corrupto. Ah! Se fosse na China! Qual seria o candidato... Teria muita família pagando a bala ao estado. Mas como a gente não está na China... Já está provado que nem cadeia segura corrupto.  Vide os últimos acontecimentos. Eu nunca vi alguém pedir para se aposentar, devido a ameaças de partido político. Ninguém fez nada. Aonde estão os mascarados que estavam nas ruas pedindo alguma coisa, que até agora eu não sei, e nada fizeram a respeito disso?  Meu povo! Esses corruptos, e foram condenados por isso!,já estão na conta de injustiçados e são considerados heróis! Se a gente não abrir os olhos, vão ser canonizados! Serão novos santos? E nós? Seremos queimados vivos pela inquisição.
                                    Continua semana que vem... 

Nenhum comentário:

Postar um comentário