Pegar ladrão não dever ser tão
difícil assim. Pode pegar o candidato antes mesmo de ser eleito. Por exemplo,
se ele vai receber um salário anual de R$100.000,00(cem mil), e gasta
R$1.000.000,00(um milhão) na campanha, como ele vai conseguir reaver esse
dinheiro em quatro anos? Ele vai perder R$600.000,00(seiscentos mil)? Aí ele
vai enfiar a mão no meu, no nosso bolso. Mas como a justiça é cega, aí... Ele
gasta esse dinheiro todo, porque sabe que vai recuperar isso tudo e com juros e
correção monetária. E que correção! Ele avisa que vai roubar e ninguém faz
nada. Mas também a gente não entende nada de política. Como a gente não
entende, troca de candidato na eleição seguinte. Eles não vivem dizendo pra
gente exercer o nosso direito de cidadão? Pesquisar bem em quem vai votar? A
gente faz isso tudo e chega à conclusão que tem que mudar de candidato. E
muda. Aí muda de ladrão.
Estou olhando para a cara desse
candidato. Até que tem uma cara boa. Eles todos têm uma cara boa. Às vezes a
gente erra, porque vende o seu voto. Acho que nunca fiz isso. Deve ter sido por
burrice mesmo. Tanta gente para escolher e só escolho errado. Acho que nunca
acertei um. Mas se esse candidato me ajudasse a sair daqui, acho que venderia
meu voto. Vai que dessa vez eu acerte! Eu passaria a acreditar em político.
Se o retrato chegou
até aqui, quem sabe o próprio, em carne e osso, não apareça! Fico pensando,
como chegam a lugares quase impossíveis de se pisar. Tem moradores que nunca
saíram dali, porque não tem acesso para sair. Mas o candidato chega lá! Como?
Pergunta a Deus. Acho que se deixassem político brasileiro fazer campanha no
sistema solar, com certeza ia procurar eleitor em Marte. Ia chegar primeiro que
a NASA. Por que estou aqui com pensamentos improdutivos? Viaja cara! Viaja!”
Olhei para o casal. Telma sorriu e
entrou na choupana. O marido a seguiu. Fiquei olhando até sumirem dentro do lar
doce lar. –“Meus únicos vizinhos e me deixam sozinho.” – pensei, sem achar
solução para isso. Ele fez aquela encenação toda quando viu o pôster, mas acho
que ele não quer sair mais daqui. Acho que nem precisa. Casa, mulher e sossego.
Não vai ter mais conta pra pagar. Não vai ter vizinho pra encher o saco. O que
vai querer mais? De repente deve estar até pensando em como me ajudar a sair
daqui. Se livrar de mim, acho que não vai acontecer. Se bem que ele deve estar
se sentindo ameaçado. O seu território foi invadido. Dois machos e uma fêmea.
Ele vai arranjar um jeito para se livrar de mim. Será que vai ter coragem de me
matar? Acho que não. Será que não? Tenho que ficar de olho aberto. Eu sei que
não faria nada contra ele. Só isso eu tenho certeza. O cara pode ter fugido
para essa ilha. A gente nunca sabe o que vai no coração do outro. Tenho que
ficar esperto.
Fui até a água. Hoje estava mais
fria do que de costume. Olhei para àquela imensa pedra à minha frente e pensei:
aqui está a minha fronteira. Sem mais nem menos tive uma ereção. O que foi
isso? Não estava pensando na mulher de Tibúrcio. Sou um cara sério. Tenho que
refrescar a cabeça. Me joguei de corpo e alma naquela água fria. Acho que vou
tentar ser monge. Muitas pessoas já conseguiram, mas eu acho que não tinha
mulher por perto. Sem mulher é fácil. Mas vou tentar. Vou começar o mais rápido
possível. A meditação é o caminho. Meditar e água fria.
A mulher é bem diferente do homem. A
gente sempre ver a mulher como uma pessoa complicada e confusa. Completamente
vaidosa, que só se preocupa com o seu umbigo. Essa é a visão machista. Mas a
mulher é capaz de se despir dos prazeres mundanos, para cuidar dos filhos e do
marido, principalmente quando este está doente. É capaz de se abster de sexo,
de qualquer tipo de prazer, para cuidar da sua prole. O homem é diferente. Se o
pênis sobe, desce o raciocínio. Se nesse momento a cabeça pensante pensa pouco,
o que é capaz de fazer a que não pensa? Um sujeito me contou sobre um caso num
velório. Era um velório da mãe de um amigo. Ela estava sendo velada e os filhos
estavam a sua volta. Se não me engano, eram quatro filhas e um filho. As
mulheres não desgrudavam do caixão. O rapaz saiu para dar uma refrescada no seu
coração. Estava com o coração apertado. Pegou a lateral da capela e foi até os
fundos do prédio. Disseram que tinha uma sala com café. Não achou nenhuma sala,
mas encontrou uma faxineira. Trocaram apenas um olhar e quando ele deu conta,
já tinha dado uma rapidinha. Trepou em cima de uma lápide mais próxima. Ficou
apavorado achando que a mulher era alma de outro mundo. Inventou uma desculpa,
para tentar explicar o que não podia explicar. Voltou rápido para o lado da
mãe. Tinha comido, mas não sabia como podia ter acontecido aquilo no enterro da
própria mãe.Confidenciou isso a esse amigo. Por que é que estou pensando nisso
agora? Acho que era sobre a história do homem e da mulher. Estou tentando
culpar o homem e colocando a mulher no pedestal. Mas a faxineira engatou o
cara. Ela desce do pedestal. Mas ela não estava velando ninguém. Nem a sua mãe,
nem o seu filho... Volto com a mulher para o pedestal. Mas o homem é um
reprodutor. Foi alguém que fez ele assim. Só tem que ter a cabeça equilibrada.
Mas quando equilibra muito, a mulher reclama. Então... Vou tirar a mulher do
pedestal. O homem tem que ficar a postos. A bandeira tem que ficar hasteada. Se
o mastro cair, a sua vida despenca.
Estou me dando conta que estou me
preocupando com coisas que não vão me tirar daqui. Não posso me desviar do
foco. A minha meta é sair desse lugar. E eu tenho que encontrar um jeito. Eu
fui parar aqui sem querer e sem saber como, agora tenho que tentar descobrir o
caminho de volta. Não posso demorar muito a sair daqui, senão vou encontrar
outro na minha cama. Mas também não posso ficar paranóico e esquecer de viver.
Claro que vou pensar sempre em um jeito de sair. Quero voltar pra casa.
Entretanto esse mundo que estou vivendo, é agora o meu mundo. É pequeno, mas é
onde a minha vida está cravada. E é o único que eu tenho no momento.Como nada
pára, tenho que continuar indo em frente. Falando em ir em frente, tenho que
saber o que tem do outro lado dessa pedra. Para isso eu tenho que nadar. Essa é
a grande barreira: eu nado muito pouco. Tibúrcio disse que nada bem. Ele até
falou, mas não foi muito convincente. Acho que ele não vai largar esse
paraíso.Ele está aqui a mais tempo do que eu, por que não foi até o outro lado
do rochedo? Acho que não tem interesse nenhum. Mas eu tenho. E vou tentar sair
daqui de qualquer jeito.
Esse político não deixa de olhar pra
gente e não tira o sorriso da boca. Que saco! Vou pisar nesse merda! Veja só!
Esse troço não rasga! Vou pisar mais. Continua sorrindo. Mas por que estou
perdendo tempo com isso? O cara está longe e nem sabe da minha existência! O
mais simples é não me preocupar com ele. Não voto nele. E pelo jeito, não vou
votar em ninguém. Aqui até que se tem uma vantagem. Não preciso de vereador,
prefeito, deputado, senador, presidente... Não preciso de político nenhum! Às
vezes fico preocupado, na época da campanha, com esses políticos. Mandam
correspondência. Ligam pra você. Sabem tudo da sua vida. Passam por você, dão
um sorriso largo, abraçam e cumprimentam. Parece que conhecem você desde o
outro carnaval. Se chegam com a maior intimidade. Depois... Só na próxima
eleição que volta a conhecê-lo. Reconhece você e todo mundo. Que memória! Mas
agora, não sabem mais da minha existência. Acham que morri. Mas essa situação
pode ser perigosa. Às vezes morto vota. Ou votava? Tem a impressão digital...
Mas político tira até água em pedra na lua. Têm muitas vantagens em ficar aqui,
mas eu quero ir embora. Eu tenho pressa. Vou ter que voltar para o sacrifício.
Tenho que cumprir meus deveres.
O meu pequeno mundo parecia não se
importar comigo. Alguns pássaros passavam por mim e iam para o bebedouro. Nós
facilitamos a vida deles, mas isso não alterou em nada a nossa convivência.
Pensei que naquele lugar tão pequeno poderíamos nos aproximar. Mas eles queriam
distância de mim. Eles embelezavam a ilha e meus dias, era verdade, mas o que é
que eu poderia querer mais? Tentei pegar algum para domesticar, mas não
consegui nada.
Observava todos os bichos. Até a
famigerada cobra eu encontrei. Eu achei que era a mesma que tinha me mordido.
Senti vontade de dar uma porrada nela. Podia acabar com ela num piscar de olhos.
Mas acabei ficando com medo que ela me mordesse de novo.
Uma tartaruga bem grande chegou à
nossa praia. Pelo jeito que chegou, ali devia ser o seu local de postura. Perdi
um tempão apreciando ela subir àquela pequena faixa de areia. Foi até bem
próximo da vegetação e cavou um buraco. Ali depositou uma quantidade enorme de
ovos. Depois tapou o buraco e voltou tranquilamente para o mar. Tive vontade de
roubar alguns ovos e comê-los bem fritos. Mas alguma coisa travou esse
pensamento. A natureza já vinha me dando tanta coisa, por que roubá-la? Deixei
tudo do jeito que estava. Como poderia fritar alguma coisa, se não tinha fogo?
Eu estava sentado na cara da política.
Nesse momento pensei: eu e a maioria dos brasileiros estamos de saco cheio com
essa cambada de políticos safados. A minha revolta era tanta, que para mostrar
a minha indignação, dei um peido na cara do político. Entretanto levantei
rapidamente, porque o cheiro estava insuportável. E o cara continuava rindo.
Aí, não sei o porquê, pensei nos ovos da tartaruga. Podia comer alguns crus.
Acho melhor não. Vou fazer a minha pescaria diária. Tibúrcio não está pescando
quase nada. O casal não está quase saindo da toca. Lá dentro está melhor do que
aqui. Já estou cansado de comer peixe cru, siri cru, camarão cru e o que mais
aparecer. E nesse momento estou pensando que o fogo foi descoberto há tanto
tempo e eu estou aqui comendo tudo cru. Eu não sei fazer fogo! Como pode isso?
Estou no século vinte e um! Mas... Fazer fogo não é fácil! Nunca parei pra
pensar nisso antes. É complicado. Mas não vou desistir enquanto não conseguir
fazer fogo. Tenho que fazer. É uma questão de honra. Vou bater pedra com pedra.
Vou esfregar um graveto em algum pedaço de madeira maior, até conseguir. Só que
já tentei isso tudo e nada consegui. Nada deu certo. E agora? Vai ser mais um
dia comendo frutas e frutos do mar. E é mais um dia que caminha para o repouso.
Dormi bem. Mas também não tem motivo
para não dormir. Acho que não tenho. A manhã estava chegando, mas não se
desgrudava da noite. Eu até pensei que tinha dormido pouco. Olhei pra fora da
minha choupana e fiquei surpreso com a cor do dia. Eu sabia que tinha
amanhecido, porque o sol já aparecia no horizonte. Mas em cima da ilhota era
quase noite. Olhei e me assustei. A chegada de um temporal era evidente.
Tibúrcio estava também do lado de fora da sua choupana. Falou comigo que até
aquele dia, ainda não tinha pegado nenhuma chuva por ali. Perguntei assustado
como iria ficar as nossas choupanas, se chovesse. Sorriu e pediu para que o
acompanhasse. Me levou até a nascente e me mostrou uma pedra próxima.
Contornamos essa pedra, que parecia um boné. Atrás dela tinha uma vegetação que
escorria até o chão. Tibúrcio abriu os cipós que se penduravam e, pra minha
surpresa, apareceu uma pequena caverna. Mesmo não sendo profunda, dava para
abrigar nós três. Ali estaríamos protegidos de qualquer intempérie. Ali seria
nosso abrigo. Voltamos para a praia. Um ventinho chato começou a levantar
areia. As nuvens pareciam mais pesadas. O som de uma trovoada chegou até nós.
Por enquanto não dava para assustar. Mas tínhamos que nos apressar em sair
dali. Raios começaram a riscar o céu. Outros estrondos foram ficando mais
próximos. De repente pingos grossos começaram a cair. A chuva tinha chegado.
Corremos para o nosso abrigo. Telma estava com medo. Foi para um canto e
começou a rezar. Os estrondos foram aumentando. Com certeza um raio caiu bem
próximo. A ilha parecia que estava explodindo. Era muita chuva, vento forte,
raios e trovões. Fiquei com muito medo também. Pensei até que não passaria
daquele dia. E foi um dia inteirinho de medo. Para fechar aquele quadro, um
raio caiu em cima da ilha. Achei que a ilha fosse afundar. Mas resistiu. Depois
dessa barulheira toda, veio um silêncio que causou até arrepios. Ficamos com
medo de sair. Passado algum tempo, ouvimos um pássaro cantando. Tibúrcio
afastou alguns cipós e uma ponta de luz invadiu a caverna. Finalmente o sol
tinha dado às caras. Meio receosos saímos do abrigo. Deparamos logo com algumas
palmeiras tombadas no caminho. Contornamos e deparamos com mais duas árvores
caídas. Telma observou uma trilha de areia que passava na frente da nascente.
Depois se esticava por dentro do bosque. Parecia que atravessava toda ilha. Com
certeza o mar tinha lavado a ilhota. O capim estava penteado, misturado com
areia. Isso não deixava dúvida da invasão do mar. Sorte que a água não entrou
na caverna. Depois observamos que ali era um pouco mais alto. Já que não
podíamos morar na micro caverna, tínhamos que arranjar algum lugar que nos
abrigasse com segurança. Até que uma pessoa só podia ser moradora dali. E eu
era o candidato. Só tinha que arranjar alguma coisa que pudesse fazer de porta.
Isso para não ser surpreendido por algum bicho.
Continua semana que vem...
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