terça-feira, 10 de novembro de 2015

UM NÁUFRAGO EM ALGUM LUGAR DA BAÍA - Parte 7

Continuando...
           Pegar ladrão não dever ser tão difícil assim. Pode pegar o candidato antes mesmo de ser eleito. Por exemplo, se ele vai receber um salário anual de R$100.000,00(cem mil), e gasta R$1.000.000,00(um milhão) na campanha, como ele vai conseguir reaver esse dinheiro em quatro anos? Ele vai perder R$600.000,00(seiscentos mil)? Aí ele vai enfiar a mão no meu, no nosso bolso. Mas como a justiça é cega, aí... Ele gasta esse dinheiro todo, porque sabe que vai recuperar isso tudo e com juros e correção monetária. E que correção! Ele avisa que vai roubar e ninguém faz nada. Mas também a gente não entende nada de política. Como a gente não entende, troca de candidato na eleição seguinte. Eles não vivem dizendo pra gente exercer o nosso direito de cidadão? Pesquisar bem em quem vai votar? A gente faz isso tudo e chega à conclusão que tem que mudar de candidato. E muda.  Aí muda de ladrão.
          Estou olhando para a cara desse candidato. Até que tem uma cara boa. Eles todos têm uma cara boa. Às vezes a gente erra, porque vende o seu voto. Acho que nunca fiz isso. Deve ter sido por burrice mesmo. Tanta gente para escolher e só escolho errado. Acho que nunca acertei um. Mas se esse candidato me ajudasse a sair daqui, acho que venderia meu voto. Vai que dessa vez eu acerte! Eu passaria a acreditar em político.
Se o retrato chegou até aqui, quem sabe o próprio, em carne e osso, não apareça! Fico pensando, como chegam a lugares quase impossíveis de se pisar. Tem moradores que nunca saíram dali, porque não tem acesso para sair. Mas o candidato chega lá! Como? Pergunta a Deus. Acho que se deixassem político brasileiro fazer campanha no sistema solar, com certeza ia procurar eleitor em Marte. Ia chegar primeiro que a NASA. Por que estou aqui com pensamentos improdutivos? Viaja cara! Viaja!”
          Olhei para o casal. Telma sorriu e entrou na choupana. O marido a seguiu. Fiquei olhando até sumirem dentro do lar doce lar. –“Meus únicos vizinhos e me deixam sozinho.” – pensei, sem achar solução para isso. Ele fez aquela encenação toda quando viu o pôster, mas acho que ele não quer sair mais daqui. Acho que nem precisa. Casa, mulher e sossego. Não vai ter mais conta pra pagar. Não vai ter vizinho pra encher o saco. O que vai querer mais? De repente deve estar até pensando em como me ajudar a sair daqui. Se livrar de mim, acho que não vai acontecer. Se bem que ele deve estar se sentindo ameaçado. O seu território foi invadido. Dois machos e uma fêmea. Ele vai arranjar um jeito para se livrar de mim. Será que vai ter coragem de me matar? Acho que não. Será que não? Tenho que ficar de olho aberto. Eu sei que não faria nada contra ele. Só isso eu tenho certeza. O cara pode ter fugido para essa ilha. A gente nunca sabe o que vai no coração do outro. Tenho que ficar esperto.
           Fui até a água. Hoje estava mais fria do que de costume. Olhei para àquela imensa pedra à minha frente e pensei: aqui está a minha fronteira. Sem mais nem menos tive uma ereção. O que foi isso? Não estava pensando na mulher de Tibúrcio. Sou um cara sério. Tenho que refrescar a cabeça. Me joguei de corpo e alma naquela água fria. Acho que vou tentar ser monge. Muitas pessoas já conseguiram, mas eu acho que não tinha mulher por perto. Sem mulher é fácil. Mas vou tentar. Vou começar o mais rápido possível. A meditação é o caminho. Meditar e água fria.
         A mulher é bem diferente do homem. A gente sempre ver a mulher como uma pessoa complicada e confusa. Completamente vaidosa, que só se preocupa com o seu umbigo. Essa é a visão machista. Mas a mulher é capaz de se despir dos prazeres mundanos, para cuidar dos filhos e do marido, principalmente quando este está doente. É capaz de se abster de sexo, de qualquer tipo de prazer, para cuidar da sua prole. O homem é diferente. Se o pênis sobe, desce o raciocínio. Se nesse momento a cabeça pensante pensa pouco, o que é capaz de fazer a que não pensa? Um sujeito me contou sobre um caso num velório. Era um velório da mãe de um amigo. Ela estava sendo velada e os filhos estavam a sua volta. Se não me engano, eram quatro filhas e um filho. As mulheres não desgrudavam do caixão. O rapaz saiu para dar uma refrescada no seu coração. Estava com o coração apertado. Pegou a lateral da capela e foi até os fundos do prédio. Disseram que tinha uma sala com café. Não achou nenhuma sala, mas encontrou uma faxineira. Trocaram apenas um olhar e quando ele deu conta, já tinha dado uma rapidinha. Trepou em cima de uma lápide mais próxima. Ficou apavorado achando que a mulher era alma de outro mundo. Inventou uma desculpa, para tentar explicar o que não podia explicar. Voltou rápido para o lado da mãe. Tinha comido, mas não sabia como podia ter acontecido aquilo no enterro da própria mãe.Confidenciou isso a esse amigo. Por que é que estou pensando nisso agora? Acho que era sobre a história do homem e da mulher. Estou tentando culpar o homem e colocando a mulher no pedestal. Mas a faxineira engatou o cara. Ela desce do pedestal. Mas ela não estava velando ninguém. Nem a sua mãe, nem o seu filho... Volto com a mulher para o pedestal. Mas o homem é um reprodutor. Foi alguém que fez ele assim. Só tem que ter a cabeça equilibrada. Mas quando equilibra muito, a mulher reclama. Então... Vou tirar a mulher do pedestal. O homem tem que ficar a postos. A bandeira tem que ficar hasteada. Se o mastro cair, a sua vida despenca.
         Estou me dando conta que estou me preocupando com coisas que não vão me tirar daqui. Não posso me desviar do foco. A minha meta é sair desse lugar. E eu tenho que encontrar um jeito. Eu fui parar aqui sem querer e sem saber como, agora tenho que tentar descobrir o caminho de volta. Não posso demorar muito a sair daqui, senão vou encontrar outro na minha cama. Mas também não posso ficar paranóico e esquecer de viver. Claro que vou pensar sempre em um jeito de sair. Quero voltar pra casa. Entretanto esse mundo que estou vivendo, é agora o meu mundo. É pequeno, mas é onde a minha vida está cravada. E é o único que eu tenho no momento.Como nada pára, tenho que continuar indo em frente. Falando em ir em frente, tenho que saber o que tem do outro lado dessa pedra. Para isso eu tenho que nadar. Essa é a grande barreira: eu nado muito pouco. Tibúrcio disse que nada bem. Ele até falou, mas não foi muito convincente. Acho que ele não vai largar esse paraíso.Ele está aqui a mais tempo do que eu, por que não foi até o outro lado do rochedo? Acho que não tem interesse nenhum. Mas eu tenho. E vou tentar sair daqui de qualquer jeito.
          Esse político não deixa de olhar pra gente e não tira o sorriso da boca. Que saco! Vou pisar nesse merda! Veja só! Esse troço não rasga! Vou pisar mais. Continua sorrindo. Mas por que estou perdendo tempo com isso? O cara está longe e nem sabe da minha existência! O mais simples é não me preocupar com ele. Não voto nele. E pelo jeito, não vou votar em ninguém. Aqui até que se tem uma vantagem. Não preciso de vereador, prefeito, deputado, senador, presidente... Não preciso de político nenhum! Às vezes fico preocupado, na época da campanha, com esses políticos. Mandam correspondência. Ligam pra você. Sabem tudo da sua vida. Passam por você, dão um sorriso largo, abraçam e cumprimentam. Parece que conhecem você desde o outro carnaval. Se chegam com a maior intimidade. Depois... Só na próxima eleição que volta a conhecê-lo. Reconhece você e todo mundo. Que memória! Mas agora, não sabem mais da minha existência. Acham que morri. Mas essa situação pode ser perigosa. Às vezes morto vota. Ou votava? Tem a impressão digital... Mas político tira até água em pedra na lua. Têm muitas vantagens em ficar aqui, mas eu quero ir embora. Eu tenho pressa. Vou ter que voltar para o sacrifício. Tenho que cumprir meus deveres.
          O meu pequeno mundo parecia não se importar comigo. Alguns pássaros passavam por mim e iam para o bebedouro. Nós facilitamos a vida deles, mas isso não alterou em nada a nossa convivência. Pensei que naquele lugar tão pequeno poderíamos nos aproximar. Mas eles queriam distância de mim. Eles embelezavam a ilha e meus dias, era verdade, mas o que é que eu poderia querer mais? Tentei pegar algum para domesticar, mas não consegui nada.
          Observava todos os bichos. Até a famigerada cobra eu encontrei. Eu achei que era a mesma que tinha me mordido. Senti vontade de dar uma porrada nela. Podia acabar com ela num piscar de olhos. Mas acabei ficando com medo que ela me mordesse de novo.
         Uma tartaruga bem grande chegou à nossa praia. Pelo jeito que chegou, ali devia ser o seu local de postura. Perdi um tempão apreciando ela subir àquela pequena faixa de areia. Foi até bem próximo da vegetação e cavou um buraco. Ali depositou uma quantidade enorme de ovos. Depois tapou o buraco e voltou tranquilamente para o mar. Tive vontade de roubar alguns ovos e comê-los bem fritos. Mas alguma coisa travou esse pensamento. A natureza já vinha me dando tanta coisa, por que roubá-la? Deixei tudo do jeito que estava. Como poderia fritar alguma coisa, se não tinha fogo?
        Eu estava sentado na cara da política. Nesse momento pensei: eu e a maioria dos brasileiros estamos de saco cheio com essa cambada de políticos safados. A minha revolta era tanta, que para mostrar a minha indignação, dei um peido na cara do político. Entretanto levantei rapidamente, porque o cheiro estava insuportável. E o cara continuava rindo. Aí, não sei o porquê, pensei nos ovos da tartaruga. Podia comer alguns crus. Acho melhor não. Vou fazer a minha pescaria diária. Tibúrcio não está pescando quase nada. O casal não está quase saindo da toca. Lá dentro está melhor do que aqui. Já estou cansado de comer peixe cru, siri cru, camarão cru e o que mais aparecer. E nesse momento estou pensando que o fogo foi descoberto há tanto tempo e eu estou aqui comendo tudo cru. Eu não sei fazer fogo! Como pode isso? Estou no século vinte e um! Mas... Fazer fogo não é fácil! Nunca parei pra pensar nisso antes. É complicado. Mas não vou desistir enquanto não conseguir fazer fogo. Tenho que fazer. É uma questão de honra. Vou bater pedra com pedra. Vou esfregar um graveto em algum pedaço de madeira maior, até conseguir. Só que já tentei isso tudo e nada consegui. Nada deu certo. E agora? Vai ser mais um dia comendo frutas e frutos do mar. E é mais um dia que caminha para o repouso.

        Dormi bem. Mas também não tem motivo para não dormir. Acho que não tenho. A manhã estava chegando, mas não se desgrudava da noite. Eu até pensei que tinha dormido pouco. Olhei pra fora da minha choupana e fiquei surpreso com a cor do dia. Eu sabia que tinha amanhecido, porque o sol já aparecia no horizonte. Mas em cima da ilhota era quase noite. Olhei e me assustei. A chegada de um temporal era evidente. Tibúrcio estava também do lado de fora da sua choupana. Falou comigo que até aquele dia, ainda não tinha pegado nenhuma chuva por ali. Perguntei assustado como iria ficar as nossas choupanas, se chovesse. Sorriu e pediu para que o acompanhasse. Me levou até a nascente e me mostrou uma pedra próxima. Contornamos essa pedra, que parecia um boné. Atrás dela tinha uma vegetação que escorria até o chão. Tibúrcio abriu os cipós que se penduravam e, pra minha surpresa, apareceu uma pequena caverna. Mesmo não sendo profunda, dava para abrigar nós três. Ali estaríamos protegidos de qualquer intempérie. Ali seria nosso abrigo. Voltamos para a praia. Um ventinho chato começou a levantar areia. As nuvens pareciam mais pesadas. O som de uma trovoada chegou até nós. Por enquanto não dava para assustar. Mas tínhamos que nos apressar em sair dali. Raios começaram a riscar o céu. Outros estrondos foram ficando mais próximos. De repente pingos grossos começaram a cair. A chuva tinha chegado. Corremos para o nosso abrigo. Telma estava com medo. Foi para um canto e começou a rezar. Os estrondos foram aumentando. Com certeza um raio caiu bem próximo. A ilha parecia que estava explodindo. Era muita chuva, vento forte, raios e trovões. Fiquei com muito medo também. Pensei até que não passaria daquele dia. E foi um dia inteirinho de medo. Para fechar aquele quadro, um raio caiu em cima da ilha. Achei que a ilha fosse afundar. Mas resistiu. Depois dessa barulheira toda, veio um silêncio que causou até arrepios. Ficamos com medo de sair. Passado algum tempo, ouvimos um pássaro cantando. Tibúrcio afastou alguns cipós e uma ponta de luz invadiu a caverna. Finalmente o sol tinha dado às caras. Meio receosos saímos do abrigo. Deparamos logo com algumas palmeiras tombadas no caminho. Contornamos e deparamos com mais duas árvores caídas. Telma observou uma trilha de areia que passava na frente da nascente. Depois se esticava por dentro do bosque. Parecia que atravessava toda ilha. Com certeza o mar tinha lavado a ilhota. O capim estava penteado, misturado com areia. Isso não deixava dúvida da invasão do mar. Sorte que a água não entrou na caverna. Depois observamos que ali era um pouco mais alto. Já que não podíamos morar na micro caverna, tínhamos que arranjar algum lugar que nos abrigasse com segurança. Até que uma pessoa só podia ser moradora dali. E eu era o candidato. Só tinha que arranjar alguma coisa que pudesse fazer de porta. Isso para não ser surpreendido por algum bicho.
                                 Continua semana que vem...

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