terça-feira, 24 de novembro de 2015

UM NÁUFRAGO EM ALGUM LUGAR DA BAÍA - Parte Final

Continua...
             O meu condicionamento físico era muito ruim. Os braços doíam bastante, mas continuei empurrando a jangada do jeito que dava. A distância não era muita, até chegar ao final do rochedo, mas parecia que tinha quilômetros. Tive que parar para descansar. Descuidei e a maré, que enchia, começou a me devolver para a praia. Me assustei e quase perdi o bambu. Mas consegui ter o controle da situação novamente. Nisso observei que tinha me afastado aproximadamente dois metros da pedra. Cheguei à conclusão que não tinha o direito de me cansar. Recomecei a luta. Coloquei a raiva empurrando a esperança. Finalmente consegui chegar do outro lado. Aí começaram realmente os problemas. Meu Deus! Nunca tinha vista tanta água na minha vida! O meu sacrifício não valeu de nada. Aonde cheguei, era igual ao outro lado. Era simplesmente um pedregulho enterrado no mar. Podia ser até uma vista bonita, mas isso não alimentou em nada a minha esperança. Pra começar, uma ave cagou em cima de mim. A desilusão foi instantânea. Cheguei à conclusão que estava completamente perdido. Estava descartado da humanidade. Em algum lugar do oceânico atlântico, numa merda de ilha, simplesmente, excluído da civilização. Isso era demais para um pobre mortal. Tinha que ter alguma explicação. Nada fazia sentido. Como imaginar uma pessoa, estando na baia de Guanabara, de repente aparecer numa ilha em alto mar? Pior ainda é que estava próxima a ilha de Paquetá! Com certeza essa ilha não consta de nenhum mapa. Acho que nunca foi visitada por ninguém, além de mim, Tibúrcio e Telma. Pensei também que esse oceano, que estou achando que é o atlântico, pode não ser. Estou me lembrando que estava olhando para o céu à noite e não localizei o cruzeiro do sul. Será que estou em outra parte do atlântico? Ou pacífico? Ou... Posso estar em qualquer parte do planeta. Então às minhas chances de voltar pra casa, estão chegando à zero? Vou sair daqui. Essas ondas, cada vez maiores, que vêm pra cima de mim, não me agradam nada, nada. Parece que vão me engolir. Se eu cair dessa jangada, a coisa vai ficar preta para o meu lado. Está na hora de sair daqui. Tenho que agir rápido. Estou pressentindo que esta jangada não vai agüentar. Do jeito que está dando porrada na pedra, vai à pique. E pelo jeito, vou junto. Vou sair agora. Nem sei se este bambu vai suportar a força que estou fazendo contra a pedra. Mas é a única forma de me afastar dela. Caraca! Olha o tamanho da onda que está chegando! Acho que não vou agüentar! Droga! Estou escorregando! Vou cair! Puta merda! Estou esfregando às minhas costas na pedra! Como dói! Tenho que me equilibrar. Acho que arrancou um bocado de pele. Essa água salgada, caindo nas minhas costas, está causando uma ardência danada! Tenho que sair daqui, antes que eu caia! Meu Deus! Isso aqui está ficando muito perigoso! Me tire daqui, meu pai! Acho que ele ouviu! A jangada está se movimentando! Eu estou saindo. Acho que uma corrente marinha está me levando, encostado na pedra. Estou dando a volta no pedregulho. Ufa! Consegui! Ué! Aqui desse lado continua sem ter nenhuma onda! Que coisa estranha!
           Os meus amigos estão na areia me esperando. Pelo menos tem alguém a minha espera. Eu acho que estão contentes em me ver. Graças a Deus, estou chegando. Pelo jeito deles, devem estar me achando maluco. Tibúrcio entrou na água e me ajudou a tirar a jangada. Depois olhou pra mim, deu um sorriso e falou.
          - Cara! Você é muito maluco! Nem acredito que você esteja aqui! Nós pensamos que você não fosse mais voltar! Você é realmente um cara corajoso! Me dá um abraço!
         - Assim eu me emociono! Você não vai querer que comece a chorar! Vai?
         - Não! Não precisa chorar! Só achei você um cara corajoso. Eu nunca tive essa coragem. Mas... Sabe por que eu nunca me arrisquei em sair daqui? Não? Vou te dizer. Eu nunca vi onda desse lado. Mas às vezes ouvia muito barulho de ondas fortíssimas do outro lado. Fiquei com medo. Não quis arriscar. Quando você falou que ia se aventurar, não quis cortar a esperança que estava nascendo em você. Agora... Não tem mais nada! O importante é que você conseguiu voltar!
         - De volta e inteiro!
         - Vamos. Conta pra gente o que você viu lá.
         - O que eu vi? Eu vi esse bloco de pedra e oceano, oceano... Só água, cara!
         - Só isso?
         - Só.
         - Acho que a gente está num mato sem cachorro. Estamos numa ilhota, que, de tão pequena, não deve constar em nenhum mapa. Estamos cercados de água e de nenhuma esperança. Não quero ser pessimista, mas estamos perdidos para sempre.
          - E não quer ser pessimista? Se quisesse, com certeza, estaríamos mortos. Escuta só: não podemos perder a esperança. Se a gente chegou até aqui, tem que ter uma forma da gente sair. A propaganda política não chegou? Então, acho que podemos ser encontrados. É uma questão de tempo.
         - Acho que você está falando da boca pra fora. Está apostando no acaso.
         - Por que isso? É pessimismo puro!
         - Não. Não é isso.
         - Desconfio que a sua estadia aqui, está tão boa, que se não conseguir sair, isso não vai ser nenhum problema.
         - Não é bem assim.
         - Esse sorriso quer dizer alguma coisa?
         - O meu sorriso... Tudo bem. Vou abrir um segredo pra você: nunca estive tão feliz na minha vida. Essa é a verdade. Por isso não faço força pra sair daqui. Cara! Eu estava endividado até a alma! Sabe lá o que isso! Eu não sabia mais o que fazer da minha vida! Agora... Eu estou feliz! E é isso o que mais importa!
         - E a sua mulher? O que ela pensa disso?
         - Ela também está feliz. Pensa igual a mim. Só tem um problema: está com medo de engravidar. Isso não pode acontecer e não vai acontecer.
         -É uma situação difícil. Mas... Sabe de uma coisa? Isso compete a vocês. Não posso dar nenhuma opinião. Só sei que tenho que sair daqui. E vou sair. Agora sai de cima do político!
         - Deixa eu me vingar um pouquinho. Eles estão sempre pisando na gente. Vou pisar um pouquinho mais. Só mais umpouquinho.
        - Agora está bom. Já se vingou bastante. Agora vamos lavar esse safado.
       - Pra quê?
       - Você disse que íamos usar para cobrir a choupana. Não foi isso?
       - Tinha esquecido. Vamos lavar o pilantra. De repente a gente consegue limpá-lo. Quem sabe ele fica livre da corrupção!
      - Você quis dizer que nós ficaremos com menos um corrupto. Agora vamos falar no que mais nos interessa no momento, que são as choupanas. Temos que escolher um local bem protegido e erguê-las.
Tobúrcio concordou e pegou uma das pontas do banner e eu a outra e sacudimos para tirar toda areia que estava agarrada. Depois entramos no mar para lavá-lo. Mergulhamos algumas vezes. Parecia que estava bem limpo. Nisso Telma chamou por ele. Pediu para aguardar um minuto e esperá-lo. O mar ali, como sempre, estava calmo. A tranqüilidade era a tônica. Mas me lembrei do redemoinho. Era só a maré subir para ele aparecer. Mas até aquele momento não tinha dado às caras. Estava despreocupado. Continuava segurando o banner. Ele já estava pra lá de limpo, mas como a água estava tão gostosa, que fiquei de molho, esperando por Tibúrcio. Estava completamente distraído. Olhava para o céu, com um azul tão lindo e sem a presença de nuvens, e me lembrava de casa. De repente escutei tibúrcio me chamando: -Cuidado! Cuidado! – mas não deu mais tempo. O redemoinho me puxou, juntamente com o banner. Não vi nada. Fui sugado com uma velocidade imensa. Foi muito rápida a minha passagem pelo buraco, um tubo, eu sei lá! Podia ser também uma fissura no fundo do mar. Acho que devo ter passado enrolado no banner, na velocidade da luz. Depois o silêncio. Não sei quanto tempo fiquei sem ver e ouvir nada. Pensei que estivesse morrido. Acho que, de alguma forma, eu morri. Se não morri de todo, alguma coisa tinha morrido em mim. Ainda estava com a sensação de estar sufocando. Achei que tinha bebido toda água do oceano. Alguém ou alguma coisa puxou o meu cabelo. Quase fui arrancado. Depois de algum tempo, que não sei quanto, escutei alguém chamando o meu nome. Aí pensei: - Estou vivo. Consegui chegar antes de me afogar. Alguém me balançou. Abri os olhos e vi a cara de Carlos, olhando para minha cara. Sorriu e gritou para o grupo.
          -O cara está vivo! Ele está vivo! Ele sobreviveu!
           Confesso que estava assustado. Ainda mais quando ele falou que eu tinha sobrevivido. E consegui dar um sorriso. Foi amarelo, tenho certeza, mas consegui sorrir. Estendeu a mão, mas antes perguntou se eu tinha condições de me levantar. Confirmei, mas sem muita certeza, pois estava um pouco atordoado, me sentindo estranho. Consegui ficar de pé. Ele me abraçou e deu umas porradas nas minhas costas. Se não tivesse bem, estaria em maus lençóis. Sobrevivi.
           O barco deu a volta e encostou onde estávamos. Era uma pequena praia, com bastantes pedras pequenas. Mas atracou sem problemas. Olhei para os amigos, que nada falaram, apenas sorriram. Perguntei a Carlos como tinha chegado ali. Disse, simplesmente, que não sabia. Falou que depois que cai do barco, ficaram doidos me procurando. Depois apontou na direção da ilha de Paquetá e disse.
          - Está vendo aquele casal naquele barco? Foi o cara e aquela mulherona, que acharam você!
           Quando olhei, fiquei surpreso. Era Tibúrcio e Telma. Bati com a mão e eles responderam, mas continuaram se afastando em direção à Paquetá.  Fiquei emocionado. Comentei com Carlos sobre eles.
          - Aquele casal, estava comigo lá na ilha.
          - Na ilha de Paquetá?
          - Não. Estávamos numa ilha, em pleno oceano.
          Ele olhou pra mim, achando que estava variando, e disse.
          - Meu irmão! A única ilha que você ficou foi essa aqui! Quando cheguei, a mulher já tinha feito respiração boca a boca em você! Eu caí n’água pra te procurar. Quando dei a volta na ilhota, já encontrei você com eles dois.
          - Como é que é! Respiração boca a boca?
          - É cara! Não se lembra de nada?
          - Me lembro que caí no mar e um redemoinho me pegou. Aí fui parar numa praia, de uma ilha oceânica. Na verdade, era uma ilhota, que não sei onde fica.
          - Acho que você pirou! Você bebeu todas, isso sim! Não tinha redemoinho nenhum aqui! Acho que foi a minha cagada que te deixou tonto! Só pode ser!
          - Você só pode estar brincando! Eu me lembro sim da sua cagada! Diga-se de passagem, foi um horror! Não estou entendendo...
          - Não procura entender não! Você está vivo e isso é o que importa! Vamos embora!  Já pegamos os peixes que precisávamos! Agora que tudo voltou ao normal, vamos comer o nosso peixe frito e beber àquela gelada!
          Subi no barco com uma porção de interrogações na cabeça. Os amigos me abraçaram sorridentes. Percebi em cada rosto uma sensação de alívio. Olhei para Carlos e não consegui acreditar na história dele. A minha estava muito real. Pensei no casal. Era o mesmo da nossa ilha. Alguém me abraçou. Depois um a um foi fazendo a mesma coisa.  Último foi Teo, que me ofereceu uma geladinha. Mas recusei. Estava com um gosto de guarda chuva na boca. Depois tentei falar sobre a ilha, mas ninguém me deu ouvido. Fui para um canto e fiquei recordando os momentos na ilhota. Ela existia. Aonde será que ela estaria?

                                Fim                         










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