terça-feira, 29 de novembro de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 29

 


Continuando...

           - Peter! Peter! O que houve? Quem é Eva? Acorda cara! Você veio andando e dormindo?

           - Eu estou acordado, sargento! Acho que estou, sim! Que lugar é esse? Onde estou?

           - Calma. Quem é Eva? Do jeito que você falava no seu nome, deve ser uma deusa!

           - Peter, não me faça rir: dói tudo! Não posso rir! Não me faça rir mais!  

           - John! Você está bem! Cara você estava completamente apagado! Agora está...

           - Vivo, não é? Não sei como, Peter, mas de repente me voltou a lucidez! Fui acordando até chegar aqui completamente acordado! Você já viu isso?

           - Nunca, John. Isso foi milagre. Só pode ter sido. Mas o importante é que você voltou.

           - Mas eu não tinha morrido não, Peter!

           - Só modo de dizer. Agora vamos para outra questão: sargento o senhor quer saber mesmo quem é Eva?

           - Claro. Não só eu, como John também.

           - Eu estava sonhando acordado. Eu viajava no passado. Coisa de quando eu era garoto, lá na minha casa. Devia ter uns quinze anos.

           - Dá pra contar? Pelo menos só de Eva. Deve ser um mulherão! – perguntou John muito curioso.

           - Vai! Conta logo, Peter! –  ordenou o sargento demonstrando ansiedade.

           - Eeevava... – gaguejou Peter.

           - Fala logo, Peter!  Que demora! – John reclamou, já um pouco irritado pela demora do amigo.

           - Sabe Sargento, eu estou assim porque não sei qual vai ser a reação de vocês. Vocês estão pensando numa coisa, mas é outra. Esse nome, Eva, eu ia batizar uma barata albina.

           - Uma barata! E eu aqui pensando... Ah Peter! Uma barata! Ainda por cima albina! – John voltou a reclamar, demonstrando nojo e decepção.

           - É. Desculpa se não era o que vocês estavam pensando. Apenas uma barata branquinha. Foi a primeira e única que vi até hoje. Por isso eu ia chama-la de Eva. Mas meu pai esmagou-a nos dedos, antes deu batizá-la. Fiquei triste com o desfecho. Coitada de Eva. Triste fim.

           - Peter, como você foi lembrar de uma coisa tão nojenta, enquanto me carregava? Ainda diz que ficou triste com a morte da albina! Que coisa nojenta, Peter!

           - Só você mesmo, Peter! Tem cada história! Essa é mais uma pra somar às outras tantas estranhas! –  Téo falou, deixando escapulir um leve sorriso.

           Um pouco mais afastado, mas que não deixava um instante sequer de ficar ligado nas conversas dos militares, Mohammed se intrometeu na conversa deles.

           - Soldado John, o que não falta aqui é barata. Se quiser eu pego algumas pra você. Só não garanto pegar a albina, do soldado Peter.

          O soldado deu um olhar de poucos amigos e respondeu ríspido:

           - O que é? Ô pirralho! Está se metendo aonde não é chamado! Quem é você?

           - Eu...

           - Ele é Mohammed. – o sargento se antecipou e interrompeu o menino. - Não se lembra dele? Foi ele que te salvou. Juntamente com o seu amigo, aquele ali. - apontando na direção de Rachid – Salvou nós três. Não, nós quatro. Mas eu e Peter fomos salvos duas vezes, uma por Rachid e a outra por Mohammed.

           John abaixou a cabeça demonstrando que estava envergonhado. Depois, sem olhar, levantou a mão para os meninos, como se tivesse agradecendo. 

.......Continua Semana que vem!

 

terça-feira, 22 de novembro de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 28

 


Continuando...

           Viu quando as antenas dela começam a se mexer de um lado para o outro, naquele ritmo lento. Começou a questionar a vida da barata:

           - Será que ela sente cheiro por ali? Nunca pensei nisso antes. Podia procurar algum conhecedor de barata e conversar sobre isso. E de repente sobre outras coisas também.

           Recentemente ouvi alguém falar que se tiver uma guerra atômica, a barata é o único ser vivo que vai resistir às radiações. Interessante isso. Comecei a sentir inveja dela. De repente vida de barata não é tão ruim assim. Por que todo mundo sente tanto nojo dela? Dizem logo: é porque é um bicho sujo, que só vive em lugar imundo! Agora já começo a discordar: e essa que estou vendo aqui agora? Limpinha, limpinha! Não cheira mal. Na verdade, não tem cheiro de barata. Será que a barata fedorenta está por aqui, desde a formação da Terra? Uma certeza eu tenho, essa parecida com Matt apareceu só aqui em casa. Acho até que ela nasceu ali dentro do tijolo. A mãe botou um ovo, foi embora e logo depois o pedreiro fez aquela parede e aprisionou-o ali. Que coisa triste.

         Eu acabei de pensar nas outras baratas e me deu nojo. Me lembrei que ao pisar nelas, sai aquele troço esbranquiçado de dentro delas. Já viu coisa mais nojenta que isso? Não. Que Deus me desculpe, mas quando vejo um rato, me dá um nojo duplicado. Rato é um nojo imbatível!

          Olha só, a barata consegue sair totalmente de dentro do buraco do tijolo. Ela é maior do que eu pensava: tem aproximadamente cinco centímetros. Maior do que a maioria das outras marrons. E ela continua na mesma marcha lenta. Mas já está subindo no cano que está vazando. Estou atento, e vou tomando conta de cada movimento dela. Alguém pode achar que eu estou morrendo de amores pela barata, mas não é isso. Eu só estou com inveja de um ser que é tão desprezado, mas que pode ser melhor do que eu. Se jogarem uma bomba aqui pertinho, eu vou morrer com certeza, mas ela não. Ela deve continuar a mexer as suas antenas, só que não vai ter mais ninguém para olhar. Estou com inveja, essa é a verdade.

           Meu pai está de volta, com ele veio uma serra, uma peça igual a que tinha rachado, fita para vedar e uma cola. Ele olha pra mim, estica o braço e manda que eu segure tudo. Só que ele não me deu tempo de avisá-lo sobre a barata. A primeira coisa que fez, foi pegá-la e amassa-la com dois dedos. Está me dando uma dor tão grande, que tenho até vontade de chorar. Olha só aonde cheguei! Eu chorar por causa de uma barata! Mas vou confessar que nesse instante realmente estou com vontade de chorar. Só que de repente o nojo voltou. Aquele nojo que eu sentia por barata. Aquela massa branca, viscosa e fedorenta que saiu de dentro dessa albina, deu um nó nas minhas tripas. Barata é tudo igual! Nunca pensei que fosse achar isso! Sabe de uma coisa, eu já estava até pensando em dar um nome para ela: Eva. Eva. Eva. 

.........Continua Semana que vem!

 

terça-feira, 15 de novembro de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 27

 


Continuando...

            Téo examinou o soldado John e percebeu que ele não estava totalmente apagado. Ouviu quando ele sussurrou alguma coisa, mas não conseguiu entender. Mas respirou aliviado, achando que o soldado não estava tão mal assim.  Então mandou Peter pegá-lo por uma axila, que ele pegaria pela outra. Os dois então conseguiram levantá-lo, mas fazendo muita força. Ele de pé, enquanto era quase arrastado, sorriu. Pelo menos não demonstrou que estivesse sentindo dor. Depois voltou a ficar sério e de repente chorou, chorou bastante.

          Peter ficou penalizado com o estado deprimente do amigo e teve vontade de chorar também. De repente passou pela sua cabeça que ele é que poderia estar ali no lugar dele. Os tiros, um que matou o soldado Apache e o outro que feriu John, poderiam ter pegado nele. Sem perceber, uma lágrima escorreu pelo seu rosto.  

           O magricelo, com os sentimentos a flor da pele, enquanto ajudava o sargento a levar John para o esconderijo dos meninos, sem perceber, teve os pensamentos mergulhados num passado não tão distante assim, tendo em vista a sua idade, 25 anos, mas para ele nove, dez anos era bastante tempo. O passado e o presente se misturando.

 

             Peter tinha dezesseis anos. Estava na sua casa, nos Estados Unidos, junto da sua mãe e do seu pai. A mãe reclamava com o pai que a pia da cozinha estava entupida. Ele e o pai tentavam desobstruir a tubulação, mas não conseguiam. O pai foi para o lado de fora da casa e notou que na direção da pia aparecia uma grande mancha úmida, que, com certeza, era de um vazamento de água limpa ou do entupimento. Lá foi seu Walter quebrar a parede para descobrir o vazamento. John sentou-se ao seu lado e ficou observando o pai trabalhar. Depois de quase uma hora num quebra-quebra finalmente ele encontrou a causa daquela umidade: uma conexão na tubulação que alimentava a pia de água estava rachada. O pai então foi até a cozinha para fechar o registro geral e pegar outra conexão para substituir pela danificada. 

 

           Peter ficou ali olhando o tubo que estava vazando, enquanto esperava seu Walter voltar. Era apenas um curioso, já que não sabia nada, nada sobre hidráulica, mas ia ficar olhando para aprender. De repente notou alguma coisa se movendo por trás do cano. Parecia dois fios de linha balançando de um lado para outro. Aproximou-se mais e tentou ver por trás do tubo: o que acabara de ver, a princípio, deu-lhe nojo. Era uma coisa, que estava cansado de ver, desde que tinha nascido. E sabia que ia continuar a ver pelo resto da sua vida. Só que àquela devia ser o único exemplar. 

 

          O arrastar por trás da tubulação, era lento. O bicho parecia que não tinha forças suficientes para caminhar mais rápido. Na verdade, ele ainda não tinha saído de dentro do buraco de um tijolo. Só tinha colocado meio corpo para fora. E ele ficou ansioso para que saísse completamente. Sentiu um impulso de ajuda-lo, mas acabou desistindo. Achou melhor ficar torcendo para o bicho conseguir sozinho. Custou um pouquinho, mas saiu. Era uma barata albina. Nunca tinha visto. Coitada. – pensou. De repente veio na sua cabeça a imagem do seu amigo Matt. Rapidamente fez um paralelo entre os dois e ficou com mais pena da barata. Um sentimento de culpa acometeu-o imediatamente. O amigo também era albino. Mas não era uma barata. Lembrou-se do apelido: barata descascada. – Puxa! Sempre chamei o Matt de barata sem perceber! – Fez uma expressão de culpa. Entretanto ao olhar para a barata, um sorriso meio sem graça apareceu nos seus lábios. Tentou corrigir o que tinha pensado, vendo pelo lado humanitário: - Matt é meu amigo. Somos amigos desde sempre, mas só que ele tem muito mais condições de sobreviver, do que ela. Por isso tenho mais pena da barata. Que vida difícil tem essa barata, meu Deus! 

.........Continua Semana que vem!

 

terça-feira, 8 de novembro de 2022

A Minha Casa Não é Essa - Parte 26

 


 Continuando...

            O menino não fez nenhum comentário, esperou que o próprio sargento fizesse, entretanto ele preferiu se calar, não teceu comentário algum sobre a arma, e mudou o rumo da prosa:

          - Mohammed, onde fica o esconderijo de vocês?   

          - Fica do outro lado da cidade. É perto. Para variar é numa casa que foi bombardeada. É a nossa mansão. Eu falei que é mansão, porque soubemos que já foi uma bela propriedade, de gente rica. A gente só chama de mansão.

          - Então vamos pra sua mansão. Peter você vai me ajudar a levantar John.

          - Sim sargento.

          O soldado magricela que estava mais próximo de John, tentou ergue-lo sozinho, mas faltou força. Então pediu para que ele o ajudasse a erguê-lo, porém ele nada respondeu. Do jeito que estava, com a cabeça arriada, assim permaneceu. Peter então pediu ajuda ao sargento, que ainda conversava com Mohammed.

          - Sargento. John está muito estranho. Eu não consegui erguê-lo. O senhor pode me ajudar?

           - Peter, eu não mandei você levantá-lo sozinho! Me espera!

           - Eu sei, sargento. Só fui tentar, pra testar a minha força. Mas ele está muito pesado. Esse grandalhão pesa muito.

         Sargento, olha só o jeito dele. Estou preocupado porque ele não está se movendo.

          - Não está se movendo? Mas ele estava até conversando. Só estava sentindo dor. Me deixa dar uma olhada.

           O soldado John, com a tentativa do soldado Peter de levantá-lo, tinha ficado de barriga para baixo. O sargento então colocou-o de barriga para cima e encostou-o novamente no muro. Mas o que ele viu, não gostou nem um pouquinho: a cara de John estava inchada e muito vermelha, e ainda por cima, para piorar o quadro, do canto da boca escorria um liquido viscoso, meio esverdeado. Téo assustou-se mais ainda quando encostou a mão na testa do soldado.

          - Peter, ele está ardendo em febre! Já está inconsciente! Daqui a pouco ele pode ter uma convulsão! Olha na mochila de Apache e pega o antitérmico.

          - Mas sargento, já disse que não tem remédio nenhum! A mochila está vazia!

           - Esqueci. Temos que fazer alguma coisa.

          Com a agitação dos dois, Rachid indaga a Mohammed:

           - Mohammed, o que está havendo? O que eles falaram?

           - Eles estão preocupados com o soldado. Disse que ele está inconsciente, devido à febre que está muito alta.

           - E o que é que temos com isso? Vamos embora e deixa eles se virarem sozinhos.  

           - Não posso. Se eu sair, ele pode atirar em mim.

           - Atira nada. E eu estou com as duas metralhadoras dos milicianos. Se tentarem, eu atiro. Mas acho que não vai ser preciso, eles estão mais preocupados com o amigo. Essa é a hora. 

           - De repente você está com a razão. Vamos sair de fininho. Mas não pega nas armas.

          Mal começam a se mover procurando não chamar a atenção, uma voz ecoou a pouca distância das suas orelhas:

           - Para onde vocês pensam que vão? Podem parar por aí mesmo. E virem-se devagar. Isso. Podem voltar para cá.

           - Mas sargento, a gente só ia ver se o caminho está livre. Tudo bem. Quer que a gente fique aqui pertinho de vocês, a gente fica.

           - Estou sabendo. Conta outra. Vocês têm algum medicamento para combater a febre?

          - Temos sim. Mas vocês não têm um remédio desses simples de se achar? Até aqui, que falta tudo, tem esse medicamento.

          - Apache deve ter perdido, Mohammed.

          - Então vamos embora, sargento. Já ficamos aqui mais tempo que o necessário. Vamos para o nosso esconderijo.   

          - Tudo bem, mas me passa as armas que o seu amigo esconde aí na mochila.

          - Mas sargento... Vamos Rachid, entrega as armas para o sargento. Eu pedi para você deixa-las por aqui.

          - Mohammed!

          - Sem discussão. O soldado está doido para meter umas balas em nós dois.

          Rachid bem contrariado abriu a mochila e pegou as duas metralhadoras, entregando-as ao sargento, enquanto o magricela, com a sua arma engatilhada, acompanhava todos os seus movimentos.

  .......Continua na Semana que vem!