terça-feira, 29 de junho de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 32

 


 ...Continuando

          Ele soltou mais um pouco da corda que prendia na cintura e, antes de toca-la, falou, demonstrando tranquilidade:

          - Karen. Karen. Voltei pra te salvar. Vamos sair daqui.

          Ela abriu os olhos, deixou brotar um leve sorriso e disse:

         - Bordélo! Você chegou! Sabia que você não me abandonaria!

         Ele, procurando sufocar a emoção que estava a ponto de explodir no peito, disse sorridente:

          - De jeito nenhum. Como abandonar o amor da minha vida?

          Karen deitou um olhar já mergulhado em lágrimas e sorriu de felicidade. Parecia que aquelas palavras ela esperava ouvir há muito tempo. Ele ficou também emocionado. Aquele clima era ideal para se lutar pela vida. Ele então passou as costas da mão no rosto dela e disse:

          - Minha querida. Você está bem?

          - Acho que sim. Agora estou mais animada. Mas não me sinto com muita força.

          - Mas isso é normal. Você não se alimentou. E...

          - E o quê?

          - E com sede você bebeu...

          - Pode ficar tranquilo que estou com sede, mas não bebi dessa água. Estou resistindo.

          - Graças a Deus!

          - Mesmo no sufoco, não esqueci das nossas conversas. Só beberia dessa água, se tivesse a certeza de que fosse morrer. Aí sim iria beber esse rio todo.

          - Vamos sair daqui. Estou com corda suficiente para nos amarrarmos. E vamos sair rápido!

          - Bordélo, até que eu gostaria, mas estou quase sem forças pra me mexer. Eu nem sinto as minhas pernas. O que será que aconteceu com elas?

          Ele não respondeu de imediato. Ficou pensativo, tentando encontrar algumas palavras que dessem esperanças à amiga, que levantassem o seu astral. Carinhosamente alisou o seu rosto e afastou os cabelos que os cobria, e falou:

          - Está tudo bem. Não aconteceu nada com as suas pernas. Fique calma. Isso é causado pela friagem da água. Você está aqui há muitas horas. Isso é normal acontecer. Vamos à luta! Vou amarrá-la primeiro e depois eu tiro os seus pés que devem estar envolvidos pelas cordas de amarração da barraca. Ok? Confia em mim.

          Ele soltou um pouco da corda que estava presa na sua cintura e envolveu-a na de Karen. O medo estava presente. Sabia que não podia errar de jeito nenhum. Qualquer descuido poderia ser o fim dela.  Seria arrastada e jogada cachoeira abaixo. Então cuidadosamente enlaçou-a, num abraço que o deixou comovido. Os rostos ficaram colados. Um nó chegou até a sua garganta e ele não conseguiu evitar que as lágrimas caíssem. Karen ficou também emocionada e falou, quase chorando também, no seu ouvido:

         - O que foi meu amigo? Você está chorando por mim?

         Bordélo conseguiu com esforço estancar as lágrimas. Engoliu o choro, respirou fundo e disse com a voz embargada:

      - Eu choro por nós. Por nós dois. Eu não posso nem pensar que essa aventura termine aqui. Como todas as outras, essa também vai para o nosso livro de conquistas. Ânimo. Vou continuar prendendo você com cuidado, mas com firmeza.

 

terça-feira, 22 de junho de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 31

 


 Continua...

Os três gritaram de alegria, mesmo não ouvindo o que ele dizia. Deduziram pelo seu sorriso escancarado, misturado com o balançar de braços. Comemoravam e iam soltando a corda lentamente. Só interromperam quando Bordélo sinalizou dizendo que podiam parar. Em seguida deu a volta em torno da pedra novamente e ficou em cima de uma pequena, que tinha visto antes, onde a correnteza não era tão forte.

Luiz ao ver o amigo sumir atrás da pedra, gritou lá da margem:

           - Amigo! Cuidado! Se amarre direito! Arriba, amigo!

          Bordélo sorriu e respondeu, mesmo sem escutar o que ele dizia:

           - Fica tranquilo Luiz! Vou pegar nossa amiga! Pode apostar nisso!

           Bordélo tinha recolhido toda a corda que estava de reserva, enrolou-a e prendeu-a no corpo. Deu um puxão e Luiz respondeu de volta. Sentiu que estava firme. Mas gritou e levantou o polegar confirmando.

          - Estou bem seguro! Eu mesmo vou soltando a corda devagar! Rezem por nós!

          Após o pedido de uma oração, Bordélo fez um sinal da cruz e olhou para o céu. Em seguida, num ato de fé, rogou a Deus, mas pedindo desculpas por não poder se ajoelhar, para que tirasse a amiga dali sã e salva.

          Ele estava bem próximo de Karen. Mas teria que ter muito cuidado ao tentar resgatá-la das mãos do perigo. Apenas um passo a separava do desastre.  Qualquer descuido e Karen poderia se soltar, e ser arrastada para a cachoeira, onde, com certeza, não escaparia com vida. Tinha que ter sangue frio. Essa era uma empreitada deveras arriscada. Até aquele momento a sua vida fora preservada, não se sabe como. Talvez a mão da sorte conduzira o seu destino pousando-o entre aquelas duas pedras, mas na boca do precipício. 

           Bordélo foi se aproximando cautelosamente. O barulho da água batendo lá embaixo nas pedras, o assustava. Sentia um mal estar terrível, mas sabia que não podia vacilar. A sua calma, mesmo que aparente, ajudaria a amiga a ter forças para sair dali para a vida. A coragem era fundamental naquele momento. Continuou até quase tocar em Karen. Ela estava de olhos fechados, mas o mais importante é que respirava. A cabeça encostada na pedra, numa posição que evitava um possível afogamento, mesmo que dormisse ou desmaiasse. Ela estava com uma parte do corpo livre e para fora da barraca. Mas as suas pernas, ele não tinha certeza se estavam presas, pois estavam metidas dentro da barraca. As conjecturas, naquele momento, seriam irrelevantes.  O que importava mesmo era que a sua amiga estava viva.

....................Continua semana que vem!

 

terça-feira, 15 de junho de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 30

 


Continuando...

            Naquele momento já tinha corda suficiente para se jogar de corpo e alma naquela incerta aventura. Antes de pegar a correnteza, olhou para o céu, fez um sinal da cruz e, colocando um dos pés numa pedra atrás de si, deu um impulso e foi na direção que o levaria ao seu destino. Foi mais rápido que o esperado. E por onde passava o seu corpo, um rastro de sangue coloria a água. Ele não previra que havia algumas pedras pontiagudas submersas, há alguns centímetros abaixo da lâmina d’água. Aí é que foi perceber, porque ali a correnteza era mais branda. Como navalha as pedras rasgavam o seu peito. Mas a vontade era tanta de chegar ao seu destino, que via o sangue se destacar na água barrenta e não se dava conta que não era o rio que sangrava.

             A ansiedade que o arrastava fazia com que ao passar por essas pedras, impulsionasse mais o corpo. E por conta disso, quase se chocou com a grande pedra. Por sorte Luiz percebendo a velocidade que ele descia, puxou rapidamente a corda. Com isso evitou que ele se chocasse e eventualmente fosse engolido pela cachoeira. O tranco foi grande, ao ponto de deixa-lo um pouco sem ar. Ficou até meio desnorteado, mas percebeu que estava há alguns centímetros da pedra. E que se não fosse por essa intervenção do amigo, com certeza teria se chocado violentamente. Pensou na burrice que tinha feito, então tremeu dos pés à cabeça.  

          Bordélo conseguiu se segurar. Por sorte a pedra era irregular e bem áspera. Olhou para o alto e balbuciou alguma coisa. Não deu para se saber o que disse, mas supõe-se que tenha agradecido a Deus por estar vivo, pois respirou fundo e fez o sinal da cruz. Em seguida olhou em direção aos amigos e sinalizou dizendo que estava tudo bem. Depois pediu mais um pouco de corda.

          Os três estavam apreensivos. O susto foi grande. Depois de refeito, André avisou para Luiz e Luiza que ia ceder mais corda, mas que eles controlassem e fossem soltando aos poucos. E assim foi feito. Bordélo com mais corda, foi girando em torno da pedra até sumir das vistas dos amigos. O tempo foi passando nervoso. Nada de Bordélo dar as caras. Só não ficaram desesperados, porque Luiz, como o combinado, dava um puxão na corda e Bordélo respondia. Mas de repente ele apareceu. Os amigos quando o viram, respiraram aliviados. Ele gesticulava, mas não conseguia falar nada. Eles percebendo a sua aflição, gritaram:

        - O que houve Bordélo?

          Ele não conseguiu responder. Parecia engasgado. E continuava gesticulando. Luiza então falou para Luiz:

       - Luiz, ele deve estar passando mal! Temos que fazer alguma coisa, vamos puxa-lo!

          Mas mal começaram a recolher a corda, Bordélo conseguiu gritar o mais alto que pode, aliado a gesticulação, com medo que não o ouvissem.

        - Não puxem! Ela está aqui! Gente! Ela está viva! Karen está viva! Vamos tirá-la daqui! Me deem mais corda!

..................Continua semana que vem!

 

terça-feira, 8 de junho de 2021

Nos Escaninhos do Coração - Parte 29

 


Continua...

          O local onde estava a corda, se o rio não estivesse cheio, era fácil chegar até ela. Ali havia três pedras grandes. A maior saía da base da cachoeira e ficava, com o rio normal, quatro metros acima da lâmina d’água. As outras duas deixavam de fora mais ou menos um metro e meio. Naquele momento além da maior, apenas uma ponta das duas aparecia. Só que essas duas só eram vistas da outra margem do rio.

         Luiz olhava aquela corda balançando no meio da água. Depois de algum tempo disse:

          - Amigos, acho melhor voltarmos para o acampamento. Vamos recomeçar lá de cima.

         André então interpelou-o:

         - Ué! Você não disse que por aqui é o melhor lugar para se procurar Karen? Por que desistiu?

          Luiz respondeu injetando um pouco de esperança nos amigos.

         - Escuta só meus amigos: alguma coisa me diz que aquela corda é da barraca de Karen. Ela pode esta presa entre as pedras. Ela e a barraca.

        - Você acha mesmo? – perguntou esperançoso Bordélo.

        - Claro meu amigo! Escuta só. Nós temos quantidade suficiente de corda para chegarmos até aquelas pedras. Eu vou me amarrar e...

        Bordélo interrompeu-o dizendo:

       - E, nada! Nada disso! Você levou uma pancada na cabeça! Já esqueceu? Quem vai sou eu! E não se fala mais nisso!

         Luiz sorriu meio contrariado, mas sabia que ainda não estava em condições de se arriscar numa empreitada daquele tamanho.

        Já estava tudo pronto para Bordélo começar a sua aventura. Era um risco que não sabia se iria valer a pena. Podia ser apenas uma tira da corda da barraca que estava presa. Mas não tinha como não arriscar. E não pensou duas vezes. Aquilo era tudo ou nada. E se a amiga estivesse ali presa, devia estar bem debilitada. Já estava amarrado e pronto para entrar n’água.

       Em uma árvore próxima, de grande porte, a corda foi amarrada por segurança. André também passou a corda pela cintura, para controlar o escape. Luiz e Luiza ficaram na beira do rio segurando também para ter mais segurança.

       Bordélo entrou n’água. A correnteza estava muito forte ainda. Rapidamente ele foi empurrado para a cachoeira, bem antes de chegar a tal pedra. André sugeriu que recolhessem o amigo e que ele entrasse novamente mais acima. A sugestão foi aceita e então o puxaram rapidamente.

        Os quatros foram rio acima. André procurou outra árvore para prender a corda. Depois voltou a coloca-la novamente em volta da cintura. Luiz orientou Bordélo a nadar o máximo que pudesse para o meio do rio. E depois ficou junto de Luiza, na margem, segurando a corda.

        Bordélo sentia muita dificuldade para enfrentar a correnteza. O esforço era sobre humano. Luiz então gritou para o amigo tentar se segurar em alguma pedra. Assim poderia descansar um pouco. Depois gritou para André soltar mais corda, pois ela estava ficando esticada.

          Bordélo seguiu a orientação do amigo e depois de algumas tentativas agarrou-se numa pedra. E olhando ao redor, observou que, um pouco à frente, tinha outra pedra, não totalmente submersa, onde um galho de árvore boiava sem ser arrastado pela correnteza. Parecia que ali formava um remanso. Então avisou aos amigos que iria para outra pedra próxima. E foi o que fez. Realmente onde parou não foi arrastado. Dali então fez o seu ponto de observação. E antes de se aventurar na correnteza, pegou o galho e dividiu em dois. Jogou um pedaço do ramo pela sua direita e o outro pela sua esquerda. Queria, antes de se aventurar, ver os trajetos que iriam tomar.

          De onde estava dava para ver a pedra grande. As outras duas pedras menores não estavam visíveis. Mas dava para acompanhar os ramos que caminhavam em direção à cachoeira. O que estava indo pela direita, ia bem rápido. Parecia que ia direto para a pedra grande. Mas de repente tomou um caminho que o levou para mais distante.  Acabou perdendo-o de vista. Já o da esquerda deslizava sem muita correria. Em alguns momentos parava e circulava e em seguida voltava a se movimentar. Ele não conseguiu naquele momento saber a causa. Ficou apenas observando o movimento do ramo. Até que acelerou um pouco e foi direto para onde ele queria chegar: a grande pedra. Não teve dúvida que ali era o caminho. Acenou para os amigos e pediu, por meio de gestos que dessem mais corda. Mas quando estivesse na grande pedra, mais próximo da cachoeira, ou fora de visão a sinalização, seria por puxões na corda, previamente combinado.

................Continua semana que vem!