segunda-feira, 26 de setembro de 2016

Pequena História III - O Socialista Burguês - Um encontro num semáforo - Parte 1

                                            O Socialista Burguês    

                                       Um encontro num semáforo

                                         - José Timotheo - 

          Tenho um amigo, que fico anos sem ver. Eu sei que é amigo pois quando nos encontramos, parece que o tempo não andou. Continua uma figura. Não vou dizer maluco, mas excêntrico. E muito gente boa. Uma das melhores pessoas que conheço. Muito inteligente, porém confuso. Recentemente, rasgando paisagens niteroienses, avistei-o no centro da cidade tentando atravessar uma rua. Olhava para o sinal, mas não se decidia a atravessar. Era uma cena engraçada, entretanto difícil de entender. Por que não atravessava com o sinal verde para os pedestres? Fiquei intrigado com o fato. Mesmo estando fechado para mim, andei um pouco com o carro, até ficar próximo à sua sombra, quase em embaixo do semáforo. Abri o vidro e acenei para ele. Não deu o menor sinal de que tinha me visto. Acenei mais algumas vezes e depois chamei o seu nome. Nada aconteceu. Buzinei e também nada. Desliguei o carro e acendi o pisca alerta. Ele continuava parado sem tomar qualquer iniciativa. Apenas olhava para o sinal, mas, com certeza, só via o fundo do infinito. Disse isso, porque ele me confidenciou, anos atrás, que gostava de meditar. E quando fazia isso, conseguia chegar ao “fundo do infinito.” Tentei contestar, mas se sentiu ofendido. Disse-me que não era mentiroso. Calei-me, é claro. Na verdade nunca consegui ir contra as suas ideias. Não que eu as aprovasse. Isso não. Já que as ideias eram suas e não fazia mal a ninguém, procurava não contrariá-lo. Eu conheço a peça! Veja bem. Somente dessa vez que tentei contrariá-lo, mesmo sabendo das suas excentricidades, deu no que deu: deixei-o magoado. Aprendi e nunca mais questionaria as suas colocações.
         E lá continuava ele feito estátua. Comecei, então, tentando viajar nas suas reflexões. Se é que, realmente, ele refletia sobre alguma coisa. Mas como viajar nas suas reflexões, se elas não existiam? Raramente não me deixava confuso.  Mas dessa vez, me deixou. Pensei, pensei. E agora, José? Tentando uma saída, pensei que ele podia, naquele momento, ter conseguido não pensar, não ver e nem ouvir nada. Vindo dele, tudo era possível. E também impossível. Acabei rindo. Não sei se era daquela figura ali de pé ou de mim. Como disse, ele me deixava confuso.
        Acho que todas as vezes que o encontrava, estava sempre com um livro ensebado, de Max, debaixo do braço. Algumas vezes pedi para que me deixasse dar uma folheada, mas sempre a negação era imediata. Acho que o livro já estava colado no seu sovaco. Dali não saía nem que a vaca tossisse. Mas justificava a negação:
        - Ô camarada, não me leve a mal. Esse pequeno tesouro, me foi ofertado pelo próprio autor. A sua assinatura está impressa, com uma dedicatória endereçada aqui para o seu amigo. Este livro é a minha bíblia. Tenho que preservá-lo na minha cabeceira.
        Acho que ele queria dizer sovaco. Pelo jeito vai preservar esse livro ali até o final dos tempos. Na sua verdade, Max autografou esse livro pra ele, sim. Será que o meu amigo é o próprio Matusalém? Acho que debaixo daquele braço não tem mais cabelos, somente teias de aranha e ácaros. Fico pensando no seu aprendizado.  Pensando, pensando bem, deve ter sido por osmose. Mas não devo radicalizar, tendo em vista que na época da repressão, em plena ditadura militar, ele andava com outros livros de cunho político, contrários ao sistema vigente, na outra axila. Porém, se não me engano, esses livros não estavam colados debaixo do braço. Até porque, em alguns momentos, via-o quando parava para fazer o seu pequeno discurso, segurando-os em uma das mãos. Abria ao acaso e discursava para os colegas:

          - Aí amigos! Discuto com conhecimento de causa o socialismo de Max! Estou com ele e não abro! Concluindo: temos que ser iguais... – e parava reticencioso, com o olhar vislumbrando alguma coisa que era parte do seu mistério. Era pequeno mesmo o seu discurso. Dizia isso e mais algumas coisas, também em outras ocasiões, mas depois era visto em conversa animada, bebericado champanhe e comendo caviar, profetizando que iria ganhar uma bolada na loteria e viver feito um rei, porém sempre fiel às teorias do seu amigo Max. 
                           Continua semana que vem...

quarta-feira, 21 de setembro de 2016

Pequena História II - A Árvore da Minha Infância


                                                     

 A ÁRVORE DA MINHA INFÂNCIA     

                                                             -  José Timotheo -

          Olhava entre admirado e incrédulo: a árvore na minha infância estava florida!
          Meio tombada no tempo, minha árvore havia se despido das flores. Anos a fio, passando ante a sua sombra, via seus sonhos murchando. E ali, também, meu coração despetalava a esperança. A sua existência estava sendo mastigada, corroída, corrompida, violentada pela indiferença dos passantes?! Era a única árvore da região que se recusava a dar flores! Seria uma forma de protesto, uma forma de despertar, de sacudir os homens para a violência que está  havendo contra a natureza?
          A árvore da minha infância, realmente, protesta! Em pleno mês de julho, ela agora, oferece flores! Acho que mudou a sua luta!
          Nestes anos, talvez tenha se portado apenas como ( mesmo sendo uma forma de protesto) observadora. E foi como  tal que viu plantarem arranha-céus à sua volta. E num repente, saiu do marasmo. E entre blocos gelados de ferro e concreto, foi se escorando; se escorregando entre vigas e se postou de pé. E, talvez, num (último) grito, derramou flores. Parece-me que descobriu que a melhor arma para se lutar ainda é a paz! Deu a outra face para que batessem...
          A árvore na minha infância não está mais curvada sobre revoltas e lamentos. Lá está ela, de pé, embelezando o dia-a-dia dos seus algozes.

Obs. Texto publicado no livro "Escritores do Brasil", organizado por Aparício Fernandes, em 1983.

terça-feira, 13 de setembro de 2016

Pequena História - A Garça

 
      
 A GARÇA    

    - José Timotheo - 

          Ao longe, na solidão da tarde, veste branca, uma garça se mantinha ereta sobre uma poça d´água. Desafiava, embora com humildade, a inteligência humana? Não sei! Não  sei! Nem sei, mesmo, se ela era a última da sua espécie... Só sei que, naquela "última gota d'água", ela me parecia a última esperança. O engraçado, sem ter graça, é que dos seus olhos, do seu jeito, não havia nem um pingo de ódio, sequer! Muito pelo contrário, porém tristes, apelavam para o homem preservar, não as garças, mas a própria raça humana.
          Percorri a minha saudade por toda aquela poça. Vi que muitas garças desfilavam pela alegria! Perguntei, então, à ave solitária, porque não chorava.
          - Não haverá lágrima no mundo que alivie a minha tristeza! - respondeu ela.
           Voltei à minha saudade e vi bandos e mais bandos de infinitas garças. Perguntei porque não odiava a minha gente. Ela me respondeu, reticenciosa:
          - Odiar? Eu não seria esperança! Eu não estaria lutando...
          Fiquei algum tempo mudo. Olhava para aquela ave pernalta a se equilibrar em uma só perna. Não sei se era devido ao tamanho da poça... mas de quando em vez, trocava de perna. Nossos olhares se tocavam, até mesmo quando não estávamos nos olhando. Uma sentimento de culpa lambeu-me a alma. Rasquei o mutismo. Arrisquei mais uma pergunta. Quis saber por que continuava ali parada, desafiando o homem.
         - Não desafio o homem. Só estou aqui para lembrar ao homem das suas misérias. - respondeu-me com um fio de pesar.
         Um choro mudo explodiu em meu peito. Uma lágrima marcada de culpa escapou dos meus olhos e foi tentar se afogar na poça d'água. Foi aí que eu vi que não era água. A última gota, era uma poça de lágrimas. 
Obs.: Texto publicado no livro "Escritores do  Brasil", organizado por Aparício Fernandes, em 1983.

sábado, 10 de setembro de 2016

Material novo na revisão!


Vai valer esperar para acompanhar a próxima historia...
Um pouquinho de paciência e ela estará pronta para começar a ser publicada.
Abraços,