terça-feira, 27 de fevereiro de 2024

A Minha Casa Não é Essa - Parte 94

 


Continuando...

        Mohammed deu um sorriso enigmático, escondeu o seu comentário e foi até onde estava os dois. Passou também a mão no local e coçou a cabeça, colocando na cara um ar de preocupação.

        - Rachid está tudo muito estranho. Eu tenho certeza que era aqui também. Mas não tem nem sinal dela. Você viu? Viu mesmo?

        - Claro! Claro que eu vi Mohammed! Eu não perguntei a você? Então é claro que eu vi! Você também viu! Que conversa de maluco!

        - Graças a Alá! Se vocês não tivessem visto, podiam achar que eu estava maluco! Sargento, Rachid vamos sair daqui. Estou ficando com medo. Isso aqui não é coisa do bem. – falou com um ar enigmático.   

        - Rachid conta mais sobre o que aconteceu lá dentro. Estranho falar lá dentro. Lá, parece do lado de fora. Aqui que é dentro. Coisa de maluco! Vai conta.

       - Sargento, vamos deixar isso para depois? Tenho que botar minhas ideias em ordem. Vamos embora? Vamos Mohammed? Eu quero sair daqui.

       - Está bem, Rachid. Mas antes quero falar uma coisa: vocês não são mais meus prisioneiros. Também nem tem como mantê-los meus prisioneiros, se eu também me sinto prisioneiro neste lugar! A verdade é que somos todos prisioneiros de quem nem sabemos quem é.

       - Sargento – ué continuo entendendo tudo que o senhor está falando!

       - Rachid eu também entendi o você falou! Que coisa estranha!

       - Também acho. Mas sobre isso, a gente fala depois. Mas eu só queria saber de uma coisa: o senhor só está falando isso, sobre não sermos mais seus prisioneiros, porque estamos no mesmo barco, não é? E se estivéssemos lá em cima não seriamos seus prisioneiros?

      - Não Rachid, eu já tinha decidido. O que eu e Mohammed passamos, não foi fácil. Mas fez com que nos aproximássemos mais. Ele salvou a minha vida, depois eu salvei a dele. Acabei entendendo que nos tornamos amigos. Depois então de perder todos os meus amigos, percebi que não fazia nenhum sentido mantê-los como meus prisioneiros.

          - Verdade? Não sei não!

          - Você não acredita em mim, não é? Eu sempre soube que você não gosta de mim. Mas não é só de mim. Basta ser americano para você odiar. Porque você acha que fomos nós que matamos a sua família. Mas eu posso garantir que não tivemos nada a ver com isso.

           - Mas no hospital eles me disseram que foram vocês.

           - Disseram isso para que você nos odiasse e tirassem a responsabilidade de cima dos ombros. E conseguiram. A verdade é que nós conseguimos salvar você.  Pena que não conseguimos salvar seus pais e irmãos.

           - O senhor esteve lá?

           - Não Rachid. Mas tenho amigos que estiveram e me contaram o que aconteceu. O serviço de informações passou tintim por tintim da invasão que estava acontecendo na casa dos seus familiares. Um destacamento então se dirigiu para o local. Quando lá chegou, pouca coisa conseguiu fazer. Mesmo assim, depois de uma troca de tiros, com uns guerrilheiros retardatários, um foi feito prisioneiro, outro tombou bem próximo dele, mas infelizmente os outros conseguiram fugir. Esse prisioneiro, interrogado, disse que foi vingança contra a sua família, mas não conseguiu falar mais nada, porque foi morto pelo companheiro que estava caído e que veio a morrer em seguida. Isso impossibilitou a descoberta da autoria dessa barbaridade. Mas restou uma esperança: algum grupo se responsabilizar pela autoria do massacre. Só que não apareceu ninguém. Então o comando concluiu que só pode ter sido algum grupo de bandido mesmo.

          - Vingança? Porquê?

          - Então, ele não disse o motivo. Os soldados quando entraram na sua casa encontraram tudo remexido. O seu lar foi saqueado. Nada de valor foi deixado para trás. Os ladrões fugiram e levaram todas as joias e dinheiro.    

          - A minha família era rica, não era?

          - Sim. E isso fez com que ficasse visada. Do jeito que o país está em convulsão, ninguém está fora de perigo. As facções precisam de armas, então, o dinheiro tem que vir de algum lugar. Tem até países, da mesma ideologia de algum grupo, que financia a sua guerra ou revolução. Não tenho certeza, mas se a sua família tivesse ajudado algum grupo, talvez tivesse sido protegida. Isso é só uma suposição.   

          - Como eu sobrevivi?                                                                   

          - Milagre, Rachid. Milagre. Acho que você foi achado desacordado. Não tenho muita certeza.

          - Então não foram vocês que mataram a minha família?

          - Pode ficar certo disso. E lamentamos muito o que aconteceu.

          - Confia no sargento, Rachid. Esse tempo todo que estou convivendo com ele, ele só me deu provas que é uma pessoa honesta. 

......Continua Semana que vem!

    

 

terça-feira, 20 de fevereiro de 2024

A Minha Casa Não é Essa - Parte 93

 


Continuando...

            - Aí sargento, acho que a história acabou. Não consigo me lembrar de mais nada.

           - Sério Mohammed? Puxa! Finalmente o pequeno relato terminou! Vou te contar uma coisa: que memória invejável você tem! Não conheço mais ninguém que contasse uma história tão rica em detalhes, sem parar um segundo sequer! Você está de parabéns!

          - O senhor ainda acha que eu tirei essa história de algum livro, não é?

          - Eu acho. Deve ter sido naquela época anterior a sua perda de memória.

          - Será, sargento? Eu fico me perguntando se um dia eu vou saber sobre a minha origem.

          - Quer saber a minha opinião? Acho que sim. Já li sobre casos, parecido com o seu, que a pessoa depois de muitos anos com amnésia foi dormir e quando acordou começou lembrando-se do nome, e depois tudo foi vindo, até conseguir lembra-se da sua origem. Tem momentos que olho para você e bate na minha cabeça que você foi salvo por alguém e deixado aqui no Afeganistão. De repente você foi sequestrado em outro país fronteiriço com o Afeganistão.

          - Será?

           - Isso é só uma suposição, mais nada. Vamos andando? Já ficamos muito tempo aqui parado. Olha ali, - apontando - atrás de você Mohammed.

          O menino olha e se depara com o amigo Rachid dormindo sentado no piso frio da tubulação. Fez uma cara de espanto e foi até onde ele estava.

            - Rachid! Rachid! Acorda amigo! Temos que ir embora!

              O menino acorda assustado, olha Mohammed, mira por alguns segundos o sargento e depois passa os olhos por toda volta. Em seguida levanta-se, bota a mão no ombro do amigo e fala:

            - Mohammed, o que aconteceu? Não sei se foi sonho ou se realmente foi tudo verdade.

            - O que foi que houve? Você ficou sumido por muito tempo. Também não sei se foi muito tempo assim. Aqui embaixo as coisas acontecem e a gente não sabe se está no tempo real. Mas, vamos lá, conta o que aconteceu com você.

           - Você não sabe?

           - Claro que não! Como eu ia saber? Eu e o sargento não sabemos de nada! Diz o que você sabe. Nós só sabemos que saiu de dentro da parede uma pessoa adulta, que depois nós descobrimos que era você.

          - Como vocês descobriram?

          - Rachid, foi muito estranho. Você saiu grande, - mas nós não sabíamos que era você! - depois virou às costas e foi caminhando para lá. – apontando para o fundo do túnel. - De repente você foi diminuindo de tamanho, até ficar o que você é agora.

          - Mas eu não me lembro disso. Só lembro quando achei uma caixa, abri-a e depois enfiei a mão e, não sei se apertei alguma coisa, quando dei por mim, estava dentro de uma sala ampla. Depois... foi só maluquice! Vou dizer uma coisa, mas vocês não vão acreditar. O pouco que me lembro é que isso tudo aqui parece que é de gente de outro planeta.

         - O quê que é isso, meu amigo Rachid?

         - É isso mesmo, Mohammed. Eu vi pessoas completamente diferentes da gente. Uma coisa que nunca tinha visto falar era sobre o nosso sistema solar. E estava lá! Botaram tudo lá para que eu visse! Vi o nosso planeta, Mohammed! Ele é muito bonito! É uma bola azul! Vi todos os planetas rodando em volta do nosso sol! Isso é fantástico! Tem Mercúrio, Vênus, Marte, Júpiter e tem outros que não estou me lembrando agora. Vi a Terra e a lua rodando em volta da Terra!

         - Sistema solar? Que maluquice, Rachid! Essa lua que a gente vê todo dia? Ela está amarrada na Terra?

        - Isso eu não sei não! Não vi corda nenhuma amarrando ela não!   

        - Mas não tem corda nenhuma, Rachid. Mohammed, depois eu explico alguma coisa a você e se Rachid também quiser, a ele também.

        Rachid como você conseguiu entrar nesse lugar?

        - Foi como eu falei: meti a mão naquela caixa e depois quando dei por mim, já estava dentro do salão.

       Téo não respondeu nada e olhou para o lugar onde estava a caixa. Só que não a viu mais, sumiu como por encanto. Não estava entendendo. Caminhou até onde achava que era o lugar e ficou passando a mão. O que aconteceu naquele curto espaço de tempo? – a pergunta ecoava dentro da sua cabeça. Mas de repente percebeu que entendeu tudo que Rachid relatou.  

          - Mohammed, eu entendi tudo que o seu amigo falou. Como foi isso?

          - Não sei, sargento. Mais um mistério.

          Rachid sorriu ao perceber que também entendia tudo o que Téo falava com Mohammed. Foi até onde vira pela última vez a tal caixa e ficou surpreso com o desaparecimento dela. Então bateu no ombro do sargento e sorriu levemente. Depois olhou para o seu amigo.

       - Mohammed, a caixa estava aqui! – falou convicto – Não tenho dúvida, mesmo! E tem mais: eu entendi tudo que o sargento falou!

       - Verdade?

       - Verdade, Mohammed!

       - E eu também estou entendendo tudo que você está falando, Rachid! Que coisa incrível!

..........Continua Semana que vem!