terça-feira, 25 de agosto de 2020

Alma do Outro Mundo? - Parte 4

 

Continuando...

        Como não tinha saída, continuei, para passar o tempo, acompanhando os dois. Mas até que a conversa, com o tempo, foi me deixando mais descontraído. As piadas do amigo foram responsáveis pela mudança no meu astral. Isso fez com que a imagem da lourinha fosse saindo da minha cabeça. Aquilo funcionou como um exorcismo. O fantasma tinha ido embora. Estava livre daquele pesadelo. E até senti-me, naquele momento, aceito por Rosa. A lourinha, já estava esquecida.

          Finalmente nos encaminhamos para o clube. Pelo que rolava na minha imaginação, o baile prometia. O movimento na rua, em direção ao clube, era grande. A fila pra entrar já estava bem comprida. Mas não vi um sinal de tumulto sequer. A ansiedade era visível, mas a educação imperava. Dei uma passada de olhos e percebi que a quantidade de mulheres era bem superior a de homens. O sorriso saiu sem eu perceber.

          O salão estava lotado. A princípio não vi nenhuma mesa vazia, só mesmo depois de rodar o olhar é que vi duas, além da nossa, que estavam com placas de “reservada”. Segui Rosa e o amigo. A nossa mesa ficava bem próxima ao conjunto musical, na verdade era uma pequena orquestra. Não era nenhum grupo conhecido, acho que era da região mesmo. Mas era bom! Isso era!

            Às oito horas em ponto, o primeiro acorde de uma música romântica, que não me recordo, ecoou no salão. Ninguém se moveu. A música foi executada do primeiro ao último acorde, sem nenhum casal ir para o salão. Parecia que as pessoas tinham ido ali só para ouvir música e conversar. Observei que algumas riam baixinho. Outras falavam gesticulando. E umas poucas cochichavam ao pé do ouvido das outras, mas não notei qualquer reação de quem ouvia.  Fiquei me perguntando se aquilo ali ia ficar assim até o fim. Achava que ninguém prestaria atenção ao grupo musical. Mas de repente, essa minha dúvida foi desmentida. Mal a música parou, choveu aplausos. Juro que fiquei surpreso.

           Veio a segunda música. Essa, se não me engano, foi de Paul Simon – Bridge Over Troubled Water – logo após o primeiro acorde, o salão ficou lotado. Até o meu amigo, com a namorada foram dançar. Levantei-me. Dei uma olhada em algumas mesas, procurando alguma menina que me agradasse. Cheguei a conclusão que podia me arriscar com qualquer uma. A primeira, duas mesas depois da nossa, me agradou. Fui até ela e convidei-a para dançar. Olhou-me dos pés a cabeça e aí veio à resposta:

         - Não estou a fim de dançar. Acho que estou cansada.

         Cansada? Muito estranho. Na primeira música. Eu ali em pé, de frente para ela, meio sem graça. Depois olhei dali mesmo, para outra mesa. Mas antes de dar o primeiro passo, veio um cara e convidou-a para dançar e ela prontamente aceitou.  Mas não deixei ninguém perceber a minha raiva. Engoli em seco aquela sacanagem. Mas não perdi a pose e fui para outra tentativa e foi a mesma coisa. Parece que a resposta era ensaiada, pois foi a mesma desculpa. E o seguinte ela aceitou e foi dançar. Mais uma vez eu me dei mal. Mas não me senti derrotado e tentei outra vez. E deu na mesma. Agora já estava me sentindo meio desolado. Não podia ficar pra baixo. Olhei na direção do bar, cheguei até o balcão e pedi uma dose de cachaça. O cara me olhou, chegou até bem perto do meu ouvido e disse: amigo, não posso.

          Contestei e apontei para alguns litros de cachaça na prateleira. Ele disse mais uma vez que não podia me vender. Então – perguntei – por que estavam ali expostos?

           - Só é vendida em outras ocasiões, quando não tem baile. – respondeu-me.

           Então tentei argumentar que não tinha dinheiro para pagar outro tipo de bebida. Ele, depois de falar bastante, sorriu e me perguntou se eu não gostaria de um refrigerante. Refrigerante? - perguntei com uma expressão, misto de desapontamento e tristeza.

           Esse senhor atendia sozinho no bar, com um garçom para servir nas mesas. Parecia ser gente boa. Ele percebeu a decepção estampada na minha cara. Coçou a cabeça e falou baixinho, tão baixinho que tive que apurar mais a minha audição.

          - Vou pegar um refrigerante especial pra você. Mas vai jurar que não vai falar pra ninguém.

         Claro que jurei. E jurava quantas vezes fosse preciso. Pegou uma coca cola botou na minha frente, já aberta e trouxe um copo com um liquido branco até o meio. Rapidamente encheu-o com o refrigerante. Perguntei o preço e paguei só a coca cola. A primeira golada foi ali mesmo. Senti que a cachaça era das boas. Depois me disse que aquela era de seu uso exclusivo e só para alguns amigos. Sorri quando me incluiu no rol da sua amizade. Agradeci, apertei a sua mão e voltei para a minha mesa, com o copo e o restante da coca cola.

            O meu amigo e a namorada continuavam dançando. Era uma música atrás da outra. Vou dizer meio constrangido, que fiquei com inveja. Mas com inveja ou não, tinha que ir a luta. Bebi a minha coca com cana e já mais restabelecido achei que estava na hora de retornar a novas tentativas.

           Com aquele mulheril todo não podia sair em branco. Observei mesa por mesa, onde pudesse ter mais alguma menina disponível. Nessa filmagem discreta, constatei que os únicos homens que se vestiam diferente éramos eu e o meu amigo. Então conclui que nós dois éramos os únicos forasteiros. Só que ele já estava arrumado e eu não, essa era a diferença. E agora? Perguntei-me sabendo que só havia uma resposta: continuar tentando.

.............Continua semana que vem!

 

terça-feira, 18 de agosto de 2020

Alma do Outro Mundo? - Parte 3

 

 Continuando...

            Mal a menina saiu, eu me adiantei e perguntei ao amigo o que estava acontecendo, já que fui recebido com grosseria pela menina lourinha, na hora do café, e friamente pela namorada dele. Eu, sem motivo, estava me sentido um criminoso. Ele olhou-me de cima a baixo, e disse:

         - Pô cara! Sem motivo? Você acha que não fez nada? A menina estava esperando o amigo que eu ia trazer para apresentar à ela! Aí você, mal foi apresentado, olhou para ela, fez uma cara de nojo, pegou um copo de cachaça e bebeu numa talagada só! E simplesmente não olhou mais para ela! E você não fez nada?

        - Não foi bem assim. Eu me assustei. Esperava uma deusa e me apareceu uma alma do outro mundo. Com você ia ser diferente?

       - É...

       - Pode arranjar qualquer desculpa que não vai colar. Você já conhecia a garota. Mas tenho certeza que você levou um tremendo susto quando a viu pela primeira vez. Vai dizer que não!

       Ele deu uma leve passada de mão pelo cabelo ralo e deixou escapar um sorriso meio sem graça. Mas de repente deu uma gargalhada estridente, que ecoou por toda cidade. Aquele tipo de risada que você quer parar e não consegue. Às vezes dá um pequeno intervalo, respira fundo pensando que já passou, aí ri, ri, ri até não aguentar mais. Acabei embarcando na risadaria até que chegou a namorada dele e ficou olhando para cara da gente sem entender nada. Como não parávamos, perguntou intrigada e friamente:

         - A piada deve ter sido boa. Conta pra mim. Quero rir também. Agora, qual dos dois contou a piada?

            Como por encanto paramos de rir. Respiramos fundo e ficamos mudos. Ele ainda teve presença de espírito e disse que era uma piada muito pesada para ela ouvir. Aparentemente ela acreditou. Passou com a cara emburrada pelo meu lado e seguiu até o carro dele. Eu ainda dei uma olhadinha para ver ser a lourinha vinha. Mas ela não desceu. Então respirei aliviado e dei mais uma olhada para a escada, até que o amigo me chamou.  Fechei a porta do hotel e fui para o carro.

          Saímos da cidade e seguimos na direção da BR. Atravessamos a estrada e pegamos uma estrada de chão, de um barro vermelho, bem esburacada, a caminho de uma cachoeira que a menina conhecia. Ficamos o dia todo por lá. Voltamos à tardinha. Até que ela estava mais amistosa comigo. Tentou-me um bocado para que contasse a piada. Mas o amigo mostrou-se, tentando mudar o foco da conversa, com uma ponta de ciúme e puxou-a para junto de si.

          A noite se aproximava. Já tínhamos jantado. Estávamos sentados na sala de estar conversando e ouvindo música, num gravador. A fita de vez em quando agarrava e lá ia Rosa trocar a fita cassete. A conversa foi se alongando, então percebi que estava atrapalhando. Pedi licença e fui até o quarto. Mas antes passei pelo banheiro – naquele hotel tinha um banheiro só, no final do corredor, para uso comum – e esperei que alguém saísse.

         Dentro do quarto pensei no que ia fazer. Não conhecia nada na cidade. Mas tinha que dar o meu jeito. Abri a minha mochila e peguei a garrafa de cachaça e bebi uma boa dose. Depois acendi um cigarro, dei uma baforada na direção da porta e decidi o que fazer, resolvi sair pela cidade.

         Ao voltar para a sala, encontrei o dois em pé, próximo da escada, à minha espera. Quando pensei em perguntar alguma coisa, Rosa sacudiu a mão com três ingressos, afastados como cartas de baralho, e sorriu. Juro que fiquei emocionado com o seu sorriso. Senti que a atmosfera estava mais leve. Curiosamente perguntei do que se tratava.

         - Estou com esses ingressos para o baile do clube. Vai começar às oito horas. Quer ir com a gente?

        Como ia dizer não? Ia sair sozinho pela cidade sem destino certo. Agora já tinha um rumo. – Claro que aceito! – disse, deixando transparecer, com um sorriso, a minha alegria.

         Então fomos descendo a escada. Pensei em perguntar pela lourinha, mas engoli a pergunta. O que tá quieto, deixa quieto. Eu devia uma desculpa a ela, mas podia deixar o sacrifício para hora de voltar para Niterói.

         Rosa comentou que a cidade ficava vazia. Todo mundo ia para o baile. Porque, na realidade, era a única diversão que tinha por ali. Sorri, mas não quis exteriorizar o meu pensamento. Visualizei o salão cheio de meninas bonitas. Pelo que vi imagino que devia ter à disposição dez mulheres para cada homem. Sorri de novo, tentando disfarçar.

        O baile começava às vinte horas. Olhei para o cebolão, o relógio maior do que o meu pulso, e os ponteiros ainda não passavam das dezenove horas. Para passar o tempo, sentamos no banco em frente à porta do hotel e procuramos conversar assuntos os mais diversos e leves possíveis. Mas mesmo assim eu não me sentia muito à vontade. Percebi então que estava demais entre os dois. Pensei em chamá-los para darmos uma chegada em algum barzinho, antes de ir para o clube, mas desisti, porque a grana era minguada.

................Continua semana que vem!