terça-feira, 18 de agosto de 2020

Alma do Outro Mundo? - Parte 3

 

 Continuando...

            Mal a menina saiu, eu me adiantei e perguntei ao amigo o que estava acontecendo, já que fui recebido com grosseria pela menina lourinha, na hora do café, e friamente pela namorada dele. Eu, sem motivo, estava me sentido um criminoso. Ele olhou-me de cima a baixo, e disse:

         - Pô cara! Sem motivo? Você acha que não fez nada? A menina estava esperando o amigo que eu ia trazer para apresentar à ela! Aí você, mal foi apresentado, olhou para ela, fez uma cara de nojo, pegou um copo de cachaça e bebeu numa talagada só! E simplesmente não olhou mais para ela! E você não fez nada?

        - Não foi bem assim. Eu me assustei. Esperava uma deusa e me apareceu uma alma do outro mundo. Com você ia ser diferente?

       - É...

       - Pode arranjar qualquer desculpa que não vai colar. Você já conhecia a garota. Mas tenho certeza que você levou um tremendo susto quando a viu pela primeira vez. Vai dizer que não!

       Ele deu uma leve passada de mão pelo cabelo ralo e deixou escapar um sorriso meio sem graça. Mas de repente deu uma gargalhada estridente, que ecoou por toda cidade. Aquele tipo de risada que você quer parar e não consegue. Às vezes dá um pequeno intervalo, respira fundo pensando que já passou, aí ri, ri, ri até não aguentar mais. Acabei embarcando na risadaria até que chegou a namorada dele e ficou olhando para cara da gente sem entender nada. Como não parávamos, perguntou intrigada e friamente:

         - A piada deve ter sido boa. Conta pra mim. Quero rir também. Agora, qual dos dois contou a piada?

            Como por encanto paramos de rir. Respiramos fundo e ficamos mudos. Ele ainda teve presença de espírito e disse que era uma piada muito pesada para ela ouvir. Aparentemente ela acreditou. Passou com a cara emburrada pelo meu lado e seguiu até o carro dele. Eu ainda dei uma olhadinha para ver ser a lourinha vinha. Mas ela não desceu. Então respirei aliviado e dei mais uma olhada para a escada, até que o amigo me chamou.  Fechei a porta do hotel e fui para o carro.

          Saímos da cidade e seguimos na direção da BR. Atravessamos a estrada e pegamos uma estrada de chão, de um barro vermelho, bem esburacada, a caminho de uma cachoeira que a menina conhecia. Ficamos o dia todo por lá. Voltamos à tardinha. Até que ela estava mais amistosa comigo. Tentou-me um bocado para que contasse a piada. Mas o amigo mostrou-se, tentando mudar o foco da conversa, com uma ponta de ciúme e puxou-a para junto de si.

          A noite se aproximava. Já tínhamos jantado. Estávamos sentados na sala de estar conversando e ouvindo música, num gravador. A fita de vez em quando agarrava e lá ia Rosa trocar a fita cassete. A conversa foi se alongando, então percebi que estava atrapalhando. Pedi licença e fui até o quarto. Mas antes passei pelo banheiro – naquele hotel tinha um banheiro só, no final do corredor, para uso comum – e esperei que alguém saísse.

         Dentro do quarto pensei no que ia fazer. Não conhecia nada na cidade. Mas tinha que dar o meu jeito. Abri a minha mochila e peguei a garrafa de cachaça e bebi uma boa dose. Depois acendi um cigarro, dei uma baforada na direção da porta e decidi o que fazer, resolvi sair pela cidade.

         Ao voltar para a sala, encontrei o dois em pé, próximo da escada, à minha espera. Quando pensei em perguntar alguma coisa, Rosa sacudiu a mão com três ingressos, afastados como cartas de baralho, e sorriu. Juro que fiquei emocionado com o seu sorriso. Senti que a atmosfera estava mais leve. Curiosamente perguntei do que se tratava.

         - Estou com esses ingressos para o baile do clube. Vai começar às oito horas. Quer ir com a gente?

        Como ia dizer não? Ia sair sozinho pela cidade sem destino certo. Agora já tinha um rumo. – Claro que aceito! – disse, deixando transparecer, com um sorriso, a minha alegria.

         Então fomos descendo a escada. Pensei em perguntar pela lourinha, mas engoli a pergunta. O que tá quieto, deixa quieto. Eu devia uma desculpa a ela, mas podia deixar o sacrifício para hora de voltar para Niterói.

         Rosa comentou que a cidade ficava vazia. Todo mundo ia para o baile. Porque, na realidade, era a única diversão que tinha por ali. Sorri, mas não quis exteriorizar o meu pensamento. Visualizei o salão cheio de meninas bonitas. Pelo que vi imagino que devia ter à disposição dez mulheres para cada homem. Sorri de novo, tentando disfarçar.

        O baile começava às vinte horas. Olhei para o cebolão, o relógio maior do que o meu pulso, e os ponteiros ainda não passavam das dezenove horas. Para passar o tempo, sentamos no banco em frente à porta do hotel e procuramos conversar assuntos os mais diversos e leves possíveis. Mas mesmo assim eu não me sentia muito à vontade. Percebi então que estava demais entre os dois. Pensei em chamá-los para darmos uma chegada em algum barzinho, antes de ir para o clube, mas desisti, porque a grana era minguada.

................Continua semana que vem!

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