Continuando...
Enquanto o sargento conversava com o soldado, Mohammed foi conversar com o amigo Rachid, que ainda continuava sentado com a cara de total apreensão. Mesmo com a chegada do amigo, ainda não tinha conseguido se desfazer das rugas de preocupação. Colocou a mão no seu ombro e falou:
- Amigo, o susto passou. Alegra essa cara. Vamos sair daqui para a liberdade. Esses bandidos não vão pegar a gente, confia em mim.
- Em você eu confio. Mas nesses aí... – Rachid falou, depois de uns poucos segundos em silêncio, parecendo que estava com um nó na garganta, atrapalhando a saída de qualquer som. Mohammed esboçou um sorriso e disse:
- Amigo. O tempo que convivi com o sargento lá fora, consegui admirá-lo. Ele é gente boa. Tem um bom coração. Alá sabe que estou falando a verdade. Não fica com um pé atrás, não. Ele salvou a minha vida.
- Mas você salvou a vida dele também.
- Eu sei. Mas foi diferente. Eu salvei a vida dele, mas foi por um acaso. Na verdade, eu entrei naqueles escombros para pegar armas. Já ele não. Ele botou a vida dele em risco para salvar a minha.
- Será mesmo, Mohammed?
- Com certeza. Agora tenho uma coisa para perguntar a você.
- O que é Mohammed? Pode perguntar. Alguma coisa séria?
- Muito séria. Escuta só: tem um traidor entre nós.
- Verdade? Será que é um deles?
- Não Rachid. Claro que não.
- Se não é um deles, só tem nós dois. Você acha que sou eu?
- Não Rachid! Não acredito que você seja um traidor! Dou a minha vida se alguém pensar isso de você. E eu também não sou traidor. Então se não são eles e nem nós, quem seria?
- Mas Mohammed, só quem estava lá éramos nós. Não tinha mais ninguém.
- Eu sei. Aí é que está a questão. Se não fomos nós, isso incluindo os americanos, só pode ter sido outra pessoa. E essa pessoa não estava com a gente.
- Então de quem você suspeita?
- Só tem uma pessoa. E essa pessoa você sempre suspeitou.
- Murt?
- Isso mesmo. Foi à única pessoa que eu pensei. Mas tem um problema.
- Problema? Que problema é esse, Mohammed?
- A suspeita do sargento não foi à toa. Eu escutei dois homens conversado e relatei tudo para ele.
- Fez besteira.
- Amigo Rachid, pode ser. Mas eu não sei mentir. Você sabe que eu sou assim.
Rachid não falou, apenas balançou a cabeça, num gesto de concordância.
- Escutei claramente quando um deles disse que era para proteger um dos meninos. Disse que era ordem do chefe.
- Ué! Só tínhamos eu e você!
- Aí a suspeita caiu em cima de mim e, claro, em cima de você também. O sargento, na hora concluiu isso, apontando um dedo de acusação. Me defendi como pude. Então...
- Mas eu não sou traidor, Mohammed.
- Eu sei. Aí é que pensei em Murt. E... – Mohammed interrompeu o que ia falar e ficou pensativo por alguns segundos, enquanto Rachid esperava que ele concluísse o seu pensamento.
- E, meu amigo Rachid, uma coisa eu pensei agora: esse magricela pode achar que foi um de nós dois.
- É mesmo, Mohammed! E ele é encrencado.
- Mas...
E Mohammed mais uma vez interrompeu o que ia dizer. Fechou os olhos e ficou em silêncio. Rachid, como conhecia o amigo, ficou esperando ele voltar da sua cisma. E isso não demorou muito tempo.
- Rachid, vamos esquecer isso por enquanto. Alguma coisa me diz, aqui no fundo, que já convenci o sargento. Pode ser que ele nem comente nada com o magricela.
- Será? Tenho as minhas dúvidas.
- Mas vamos apostar nisso, Rachid. Acho que a sorte está do nosso lado. Começando quando os bandidos acharam que o traidor estivesse aqui dentro.
- Como assim? Não entendi.
- Enquanto os dois ficaram esperando o chefe chegar, Rachid, ganhamos tempo. Se não fosse isso, não teríamos nenhuma chance de chegar aqui. Com certeza eu e o sargento já estaríamos mortos e vocês também.
- Mas Mohammed e agora?
- Vamos sair daqui. Tenho certeza que vamos nos salvar. Mas depois a gente vai resolver a questão de Murt. Porque uma coisa é certa: um de nós dois ele não gosta. Então vamos ter que tirá-lo do nosso convívio. Não sei como, mas vamos ter que fazer isso. – Mohammed ao terminar a última frase, engoliu a saliva que acumulara na boca e mergulhou o seu olhar triste em algum lugar distante.
O amigo olhava para ele sem saber o que dizer. O seu coração estava apertado. Ele sabia que Mohammed deixou claro, entre linhas, que “tirá-lo do nosso convívio” queria dizer que Murt seria eliminado. Nunca tinha havido isso no grupo, mas a situação não deixava dúvida sobre o futuro do amigo. Pensou isso e em seguida passou a mão nos olhos. Fez isso sem que Mohammed visse. Apesar dos pesares gostava dele. E tinha certeza que Mohammed também. A sua decisão, era visível, já o estava enchendo de dor.
............Continua Semana que vem!