terça-feira, 30 de maio de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 55

 


Continuando...

         Enquanto o sargento conversava com o soldado, Mohammed foi conversar com o amigo Rachid, que ainda continuava sentado com a cara de total apreensão. Mesmo com a chegada do amigo, ainda não tinha conseguido se desfazer das rugas de preocupação. Colocou a mão no seu ombro e falou:

         - Amigo, o susto passou. Alegra essa cara. Vamos sair daqui para a liberdade. Esses bandidos não vão pegar a gente, confia em mim.

         - Em você eu confio. Mas nesses aí... – Rachid falou, depois de uns poucos segundos em silêncio, parecendo que estava com um nó na garganta, atrapalhando a saída de qualquer som. Mohammed esboçou um sorriso e disse:

         - Amigo. O tempo que convivi com o sargento lá fora, consegui admirá-lo. Ele é gente boa. Tem um bom coração. Alá sabe que estou falando a verdade. Não fica com um pé atrás, não. Ele salvou a minha vida.

        - Mas você salvou a vida dele também.

        - Eu sei. Mas foi diferente. Eu salvei a vida dele, mas foi por um acaso. Na verdade, eu entrei naqueles escombros para pegar armas. Já ele não. Ele botou a vida dele em risco para salvar a minha.

         - Será mesmo, Mohammed?

         - Com certeza. Agora tenho uma coisa para perguntar a você.

         - O que é Mohammed? Pode perguntar. Alguma coisa séria?

         - Muito séria. Escuta só: tem um traidor entre nós.

         - Verdade? Será que é um deles?

         - Não Rachid. Claro que não.

         - Se não é um deles, só tem nós dois. Você acha que sou eu?

          - Não Rachid!  Não acredito que você seja um traidor! Dou a minha vida se alguém pensar isso de você. E eu também não sou traidor. Então se não são eles e nem nós, quem seria?

           - Mas Mohammed, só quem estava lá éramos nós. Não tinha mais ninguém.

          - Eu sei. Aí é que está a questão. Se não fomos nós, isso incluindo os americanos, só pode ter sido outra pessoa. E essa pessoa não estava com a gente.

          - Então de quem você suspeita?

          - Só tem uma pessoa. E essa pessoa você sempre suspeitou.

          - Murt?

          - Isso mesmo. Foi à única pessoa que eu pensei. Mas tem um problema.

          - Problema? Que problema é esse, Mohammed?

          - A suspeita do sargento não foi à toa. Eu escutei dois homens conversado e relatei tudo para ele.

           - Fez besteira.

            - Amigo Rachid, pode ser. Mas eu não sei mentir. Você sabe que eu sou assim.

             Rachid não falou, apenas balançou a cabeça, num gesto de concordância.

             - Escutei claramente quando um deles disse que era para proteger um dos meninos. Disse que era ordem do chefe.

         - Ué! Só tínhamos eu e você!

         - Aí a suspeita caiu em cima de mim e, claro, em cima de você também. O sargento, na hora concluiu isso, apontando um dedo de acusação. Me defendi como pude. Então...

         - Mas eu não sou traidor, Mohammed.

         - Eu sei. Aí é que pensei em Murt. E... – Mohammed interrompeu o que ia falar e ficou pensativo por alguns segundos, enquanto Rachid esperava que ele concluísse o seu pensamento.  

         - E, meu amigo Rachid, uma coisa eu pensei agora: esse magricela pode achar que foi um de nós dois.

         - É mesmo, Mohammed! E ele é encrencado.

         - Mas...

         E Mohammed mais uma vez interrompeu o que ia dizer. Fechou os olhos e ficou em silêncio. Rachid, como conhecia o amigo, ficou esperando ele voltar da sua cisma. E isso não demorou muito tempo.

         - Rachid, vamos esquecer isso por enquanto. Alguma coisa me diz, aqui no fundo, que já convenci o sargento. Pode ser que ele nem comente nada com o magricela.  

          - Será? Tenho as minhas dúvidas.

          - Mas vamos apostar nisso, Rachid. Acho que a sorte está do nosso lado.  Começando quando os bandidos acharam que o traidor estivesse aqui dentro.  

         - Como assim? Não entendi.

         - Enquanto os dois ficaram esperando o chefe chegar, Rachid, ganhamos tempo. Se não fosse isso, não teríamos nenhuma chance de chegar aqui. Com certeza eu e o sargento já estaríamos mortos e vocês também.

        - Mas Mohammed e agora?

        - Vamos sair daqui. Tenho certeza que vamos nos salvar. Mas depois a gente vai resolver a questão de Murt. Porque uma coisa é certa: um de nós dois ele não gosta. Então vamos ter que tirá-lo do nosso convívio. Não sei como, mas vamos ter que fazer isso. – Mohammed ao terminar a última frase, engoliu a saliva que acumulara na boca e mergulhou o seu olhar triste em algum lugar distante.    

       O amigo olhava para ele sem saber o que dizer. O seu coração estava apertado. Ele sabia que Mohammed deixou claro, entre linhas, que “tirá-lo do nosso convívio” queria dizer que Murt seria eliminado. Nunca tinha havido isso no grupo, mas a situação não deixava dúvida sobre o futuro do amigo. Pensou isso e em seguida passou a mão nos olhos. Fez isso sem que Mohammed visse. Apesar dos pesares gostava dele. E tinha certeza que Mohammed também. A sua decisão, era visível, já o estava enchendo de dor.

 ............Continua Semana que vem!

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