terça-feira, 16 de maio de 2023

A Minha Casa Não é Essa - Parte 53

 


Continuando...

            A lei da sobrevivência mandou-o sair dali o mais rápido possível, mesmo não sabendo aonde aquilo ia dar. Queria acreditar que tinha bastante tempo de vantagem, em relação aos terroristas ou simples bandidos, que naquela hora não fazia a menor diferença quem era, para fugir e se salvar. Olhou para baixo e mandou Mohammed ir descendo.

             Chegaram ao fundo. Téo ficou impressionado com o que viu: saíam três -tubulações para direções diferentes, onde podia ficar em pé sem preocupação em bater com a cabeça no teto, já que a sua altura chegava a um metro e noventa. E o diâmetro de cada tubo dava para passar uma companhia inteira. O menino então, estava tranquilo, pois sobravam muitos centímetros para os lados e para cima. Curioso Mohammed perguntou:

          - Sargento, o senhor tem ideia para que serve isso aqui?

          - Eu acho que serve para o que a gente está fazendo: fugir. E quem morava aqui usou na hora dos bombardeios. Por sorte nossa, na hora da fuga, alguém esqueceu de fechar. Observa que a tubulação não tem um pingo de água. E tem também ventilação.

         - Estou percebendo. Estou respirando normalmente. Sargento. De onde vem esse ar, deve ser a saída.

         Téo olhou de tubo em tubo e sentiu que tinha ventilação nos três. Era uma temperatura, estimou, que chegava aos vinte e poucos graus. 

         - Mohammed, os três tubos são ventilados. Será que tem saída nos três?

         - Pode ser que sim. Então o caminho que escolhermos, não vai fazer diferença. Sargento, tem uma coisa que está rolando na minha cabeça, que eu acho muito estranha. Como uma família construiu isso sem chamar a atenção?

         - Realmente. É, mas pode não ter sido uma família comum.

         - Como assim?

         - Pode ser alguma família importante, Mohammed, que governou o país em algum momento. Aqui já mudou tanto de governo. E esse lugar deve ter sido construído para, num momento de emergência, dar fuga para esse governante e seus familiares. É o que eu penso.

          - É, concordo com o senhor.

          - Mas só não encontro uma resposta para esse tamanho todo, que para o meu ver, é desnecessário.

          - Realmente, o senhor está com a razão. Será que era para passar com os móveis da casa? Pelo tamanho dá até para entrar um carro.

          - Sei lá, Mohammed. Pode ser que sim, mas pode ser que não. A sua análise foi certa. Aqui dá para entrar até caminhão. Mas por onde?

          - Só a gente procurando a saída desses tubos. E agora sargento, para onde a gente vai?

           O sargento ficou pensativo por algum tempo, passando os dedos no seu bigode, coçando a barba por fazer e enfiando o olhar para dentro das tubulações que estavam ao seu redor. Olhava de um tubo para o outro e o seu olhar se perdia por dentro de buracos negros que o miravam. Ficou ali mergulhado sem ter qualquer iniciativa. Esquecera-se até de direcionar o foco de luz para qualquer um dos tubos, com isso teve a sensação que ali era à entrada do inferno. E se entrasse cairia nas garras de lúcifer. Sem perceber passou uma das mãos num braço, para arriar os pelos que estavam eriçados. Estava se sentindo desconfortável, essa era a verdade, mas finalmente, depois de algum tempo, apontou a luz para um dos tubos. 

            Mohammed não entendia porque o sargento estava demorando tanto a se decidir. Ele sabia que só tinha uma opção naquele momento: ir pelo caminho que provavelmente daria dentro do porão e pegar o seu amigo, os amigos dele e fugir dali. Depois entrar no outro tubo que ficava na direção oposta e sumir da região, o mais rápido possível, se não quisesse dar adeus à vida. E esquecer o terceiro tubo, para não cair no colo dos bandidos. De repente o seu pensamento o levou para um lugar que não sabia onde. Se viu no meio de uma alameda, ladeadas de palmeiras, que quase se perdia de vista. Longe, bem longe, no fundo, se erguia uma construção de dois andares, que abraçava até onde a sua vista alcançava. Próximo tinha duas pessoas de costas conversando e, espalhado num gramado, três crianças corriam de um lado para o outro. Quebrando o silêncio da tarde, um estampido. Primeiro caiu a mulher. Depois se seguiram outros disparos, derrubando duas crianças e por último o homem. E depois o silêncio. Estava pregado naquele caminho de pedras. Olhava na direção de onde tinha vindo os tiros, mas não via ninguém. - Por que não fora atingido? E quem eram aquelas pessoas?  

          No meio do silêncio ele não sabia o que fazer. De repente novos tiros, saindo não se sabe de onde, metralharam o que ele não via. Gritos de dor chegaram até aos seus ouvidos. Em seguida mais tiros. Depois acordou no hospital. Não tinha levado tiro, mas estava ferido na memória.

         Quando fora encontrado, disseram, estava completamente sujo, com as       roupas rasgadas, um verdadeiro maltrapilho, jogado no meio de um monturo de lixo, a poucos quilômetros da cidade, com os pés e as mãos amarrados. Alguns ferimentos também eram visíveis por todo o corpo, mas nada muito grave. – Quem o jogou ali? – nunca conseguiu resposta. 

          Mohammed estava encucado com esse rasgo de memória. Já era a segunda vez que acontecia, sem mais nem menos. Que casa seria aquela? Não sabia dizer. Nem quem seriam aquelas pessoas. Depois dá primeira vez que aconteceu esse flash, ele se informou sobre alguma propriedade daquele tipo em Cabul, mas ninguém soube informar nada. Ele descreveu com detalhes, mas o desconhecimento era total. Uns afirmaram que aquele tipo de propriedade não existia no Afeganistão. Então de onde seria? Essa interrogação algum dia seria respondida?  Ele não tinha a mínima esperança. Esse tempo todo desmemoriado, e a única coisa que veio foi essa cena e mais nada. Nem o seu nome deu às caras. Em que esperança ele poderia se agarrar? Depois, lembrou-se que tinha dito para o sargento que fora encontrado no meio de uma porção de gente morta, num atentado. Não podia dizer que fora achado no meio do lixo.

.......Continua Semana que vem!

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário